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Rússia

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“MEU nome será grande entre as nações desde o nascente do sol até o seu poente.” (Mal. 1:11) Hoje, vemos na Rússia a veracidade dessa impressionante profecia feita por Jeová uns 2.450 anos atrás. Quando o sol se põe para os servos leais de Jeová na cidade ocidental de Kaliningrado, ele já está nascendo a 11 fusos horários ao leste dali para os publicadores na península de Chukchi, do outro lado do estreito de Bering a partir do Alasca. De fato, o sol nunca se põe para a pregação do Reino e para a obra de fazer discípulos na Rússia. O trabalho incansável de corajosos irmãos durante a era soviética foi ricamente abençoado. Como veremos, eles resistiram à severa perseguição e, por fazerem isso, abriram caminho para os mais de 150 mil publicadores que servem na Rússia hoje em dia.

A Rússia, chamada oficialmente “Federação Russa”, não é um país de uma só nação ou de um só povo. Como o nome indica, é uma federação de nações, um mosaico de tribos, línguas e povos, cada um com sua própria cultura. Nossa história começa nesse grande mosaico étnico, lingüístico e religioso — não na Rússia democrática de hoje, mas no Império Russo de mais de cem anos atrás, então governado por um czar.

TESTEMUNHO CORAJOSO AOS CLÉRIGOS EM MOSCOU

Foi durante um período de reavivamento religioso que Semyon Kozlitski, um homem muito religioso e formado num seminário de ortodoxia russa, conheceu Charles Taze Russell, que tomava a dianteira na obra dos Estudantes da Bíblia, como eram conhecidas as Testemunhas de Jeová naquela época. Nina Luppo, neta de Semyon, explicou: “Meu avô conheceu o irmão Russell em 1891 quando viajou para os Estados Unidos. Ele tinha uma foto deles dois e sempre costumava falar sobre seu irmão Russell.” No fim do século 19, o irmão Russell e seus associados dirigiam a obra de restauração da adoração pura, ensinando as verdades poderosas da Bíblia. Parte desse trabalho envolvia expor as doutrinas falsas das igrejas da cristandade e de seus clérigos. A verdade bíblica e o zelo pela adoração pura demonstrado pelo irmão Russell e seus associados motivaram Semyon a dar um testemunho corajoso aos clérigos em Moscou. Qual foi o resultado?

“Sem julgamento, ele foi imediatamente algemado e exilado na Sibéria, acusado de insultar o arcebispo de Moscou”, escreveu Nina, “e foi assim que a palavra de Deus chegou à Sibéria em 1891”. Com o tempo, Semyon Kozlitski foi transferido para a região da Sibéria que hoje faz parte do Cazaquistão. Ali, ele continuou a proclamar com zelo a palavra de Deus até sua morte, em 1935.

‘NENHUMA PRONTIDÃO PARA A VERDADE NA RÚSSIA’

O irmão Russell visitou a Rússia pela primeira vez no ano em que Semyon Kozlitski foi exilado. As palavras do irmão Russell sobre aquela visita são citadas com freqüência: “Não vimos nenhuma abertura ou prontidão para a verdade na Rússia.” Será que ele quis dizer que as pessoas lá não estavam dispostas a ouvir a verdade? Não. O regime ditatorial impedia as pessoas de ouvi-la.

Falando sobre essa situação, o irmão Russell escreveu em Zion’s Watch Tower (A Torre de Vigia de Sião) de 1.º de março de 1892: “O governo russo exerce um controle intoleravelmente cerrado sobre todas as pessoas no império; um estrangeiro dentro de seus portões é sempre encarado como alguém suspeito. Seu passaporte deve ser apresentado em cada hotel e estação de trem antes de entrar ou sair de uma cidade. O proprietário do hotel recebe seu passaporte e o entrega ao chefe de polícia, que o retém até a pessoa partir. Isso é para que, em pouco tempo, se possa saber quando qualquer estrangeiro entrou ou saiu do país. Policiais e autoridades são formais, indicando que apenas toleram sua presença. Quaisquer livros ou documentos que a pessoa leve são meticulosamente inspecionados para se ter certeza de que nada neles tenha por objetivo interferir em sua ideologia.”

Pode parecer que sob essas condições a pregação das boas novas teria pouco progresso. No entanto, nada podia impedir que as sementes da verdade produzissem frutos na Rússia.

COMEÇA O “DIA DAS COISAS PEQUENAS”

Já em 1887, a revista A Torre de Vigia de Sião relatou que exemplares da revista tinham sido enviados a vários lugares, “até mesmo à Rússia”. Em 1904, uma carta de um pequeno grupo de Estudantes da Bíblia na Rússia dizia que eles tinham recebido publicações bíblicas, mas com muita dificuldade. A carta explicava: “As publicações foram prontamente identificadas e [os censores do governo] quase não as deixaram entrar no país.” Esse pequeno grupo estava tão grato por ter recebido as publicações que disseram: “Aqui elas são como ouro — muito difíceis de obter.” Mostrando que tinham entendido o objetivo das publicações, escreveram: “Que o Senhor nos abençoe e nos dê a oportunidade de distribuir essas publicações.”

Sem dúvida, a pregação das boas novas na Rússia tinha realmente começado e a adoração verdadeira havia estabelecido um pequeno, mas significativo, alicerce. Foi um início modesto. Mas como o profeta Zacarias escreveu: “Quem desprezou o dia das coisas pequenas?” — Zac. 4:10.

Nos anos que seguiram, zelosos irmãos da Alemanha enviaram publicações para a Rússia. A maior parte delas era em alemão, e muitas pessoas que falavam esse idioma aceitaram a verdade. Em 1907, membros da Igreja Batista Alemã, na Rússia, receberam exemplares da série de livros Millennial Dawn (Aurora do Milênio). Quinze dessas pessoas foram excomungadas por terem tomado firme posição a favor da adoração verdadeira. Mais tarde, o pastor que se opôs a elas ficou convencido das verdades apresentadas nos livros da série Aurora do Milênio.

Em 1911, a obra recebeu impulso de uma maneira incomum — por meio de uma viagem de lua-de-mel. Depois de se casarem, os Herkendells, um jovem casal da Alemanha, fizeram uma viagem de pregação à Rússia para ajudar pessoas que falavam alemão. Para a alegria deles, encontraram grupos isolados de publicadores do Reino e deram-lhes ajuda espiritual.

Antes disso, um leitor na Rússia havia escrito: “As publicações da Alemanha são para mim tão valiosas quanto o maná celestial era para os filhos de Israel. . . . Lamentamos muito que elas não sejam em russo. Aproveito toda oportunidade para traduzir diversos artigos para o russo.” A tradução das publicações tinha começado e mais ainda estava para acontecer.

“MUITAS ALMAS ANSIOSAS PARA APRENDER SOBRE DEUS”

Em 1911, R. H. Oleszynski, um irmão de Varsóvia, Polônia, que depois passou a fazer parte do Império Russo, providenciou que o tratado Onde Estão os Mortos? fosse impresso em russo. Numa carta ao irmão Russell, ele escreveu: “Envio um exemplar . . . Dez mil cópias custaram 73 rublos . . . Há inúmeras dificuldades, mas há muitas almas ansiosas para aprender sobre Deus.” Esses tratados, e outras publicações, foram deixados com pessoas que falavam russo, que por sua vez os levaram para a Rússia. Assim, alcançou-se um marco importante nesse novo campo lingüístico. Logo, outras publicações — tratados, brochuras e folhetos — começaram a ser produzidas. Com o tempo, os esforços para traduzir publicações seriam ainda mais ousados.

Em 1912, o irmão Russell visitou a Finlândia, que na época fazia parte do Império Russo. Kaarlo Harteva recebeu uma procuração para atuar a favor da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (dos EUA) na Finlândia. Em 25 de setembro de 1913, o representante do czar, o cônsul-geral do Império Russo em Nova York, colocou um selo do governo na procuração e a assinou.

VIAGEM DE PREGAÇÃO DE DOIS MESES É PROLONGADA

Pouco antes de estourar a Primeira Guerra Mundial, Joseph F. Rutherford partiu de Brooklyn para uma viagem a diversos países, representando a organização. Durante essa viagem, na cidade polonesa de Lodz, ele conheceu um Estudante da Bíblia chamado Dojczman. Pouco depois, o irmão Dojczman e sua família partiram no que era para ser uma viagem de pregação de dois meses pela Rússia. No entanto, o irrompimento da guerra prolongou a viagem.

Depois de muitas dificuldades, a família Dojczman passou a morar numa pequena cidade às margens do rio Volga. Por volta de 1918, eles decidiram retornar à Polônia, mas uma epidemia de varíola os impediu de fazer isso. Depois, as fronteiras foram fechadas por causa do início da guerra civil. Três de suas filhas morreram naqueles anos — uma de varíola, outra de pneumonia e a terceira de outras causas.

A fome e o pânico prevaleciam. As pessoas literalmente morriam de fome nas ruas. Por causa da confusão que essa situação trouxe, muitos, em especial os estrangeiros, eram acusados de colaborar com os “inimigos” e eram imediatamente executados, sem julgamento. Certo dia, um homem acompanhado de um soldado armado invadiu a casa da família Dojczman.

“Ele é o inimigo, prenda-o!”, gritou o homem.

“Por quê?”, perguntou o soldado. “O que ele fez?”

O homem queria manipular a situação para que não precisasse pagar ao irmão Dojczman por alguns serviços de carpintaria. Após ouvir os dois lados da história, o soldado percebeu que o homem estava agindo de má-fé e o pôs para fora da casa. Depois, o soldado disse ao irmão Dojczman que se lembrava de uma agradável conversa que haviam tido sobre assuntos bíblicos. Aquela conversa provavelmente ajudou a salvar a vida do irmão Dojczman e de sua família. Em 1921, o governo comunista derrotou a oposição armada e a guerra civil acabou. A família Dojczman logo estava voltando para a Polônia.

OS ESTUDANTES DA BÍBLIA E OS BOLCHEVIQUES

Com a Primeira Guerra Mundial em andamento, os irmãos russos perderam o pouco contato que tinham com irmãos de outros lugares. Como os irmãos de Cristo no mundo inteiro, eles provavelmente não estavam certos quanto ao real significado da entronização de Cristo. Mal sabiam que em breve seu país presenciaria alguns dos eventos mais importantes do século 20 — muitos deles cumprindo profecias bíblicas.

No fim de 1917, a Revolução Russa acabou com os 370 anos de domínio dos czares. Sem se darem conta da presença do Senhor Jesus Cristo, os novos governantes da Rússia, os bolcheviques, tinham planos ambiciosos: estabelecer um novo tipo de governo humano, diferente de todos os anteriores. Assim, em poucos anos foi formada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou URSS. Com o tempo, ela abrangeria um sexto da superfície terrestre.

É interessante que poucos anos antes da Revolução Russa, Vladimir Lenin, o primeiro líder da União Soviética, tenha dito: “Todos devem ser perfeitamente livres, não apenas para professar a religião que desejar, mas também para divulgá-la ou mudar de crença. Nenhuma autoridade do governo deve sequer perguntar a qualquer pessoa sobre a religião dela: esse é um assunto que diz respeito à consciência de cada um e ninguém tem o direito de interferir nisso.”

Em algumas partes do país, esses princípios defendidos pelo Partido Social Democrata permitiram que as pessoas sinceras pregassem as verdades da Bíblia a outros. Mas, em geral, a nova nação foi ateísta desde o início e adotou uma posição hostil contra a religião, classificando-a de “o ópio do povo”. Um dos primeiros atos dos bolcheviques foi emitir um decreto que separava a Igreja do Estado. As organizações religiosas foram proibidas de ensinar, e as propriedades das igrejas foram estatizadas.

Como esse novo governo encararia os grupos de Estudantes da Bíblia espalhados por todo o país, cuja lealdade era apenas para com o Reino de Deus? Pouco depois da revolução de 1917, um Estudante da Bíblia na Sibéria fez a seguinte descrição triste: “É provável que vocês saibam da situação aqui na Rússia. Temos um governo soviético baseado em princípios comunistas. Apesar de realmente se empenharem pela justiça, descartam tudo o que está relacionado a Deus.”

Por volta de 1923, a oposição contra os Estudantes da Bíblia se intensificou. Os irmãos escreveram: “Esta carta é para informar-lhes o que está acontecendo na Rússia. . . . Temos as coisas necessárias, alimentação, roupas, . . . mas precisamos muito de alimento espiritual. Os livros enviados para nós foram confiscados pelo governo. Por isso, imploramos que nos enviem por carta trechos de todas as publicações que tiverem em russo . . . Muitos estão famintos da Palavra da Verdade. Há pouco tempo, cinco pessoas simbolizaram sua dedicação pela imersão em água, e 15 batistas se juntaram a nós.”

A Torre de Vigia (agora A Sentinela) de 15 de dezembro de 1923 comentou: “A Sociedade está tentando enviar publicações para a Rússia, e continuará a fazer isso com a graça do Senhor.” Em 1925, a revista A Torre de Vigia estava disponível em russo. Ela teve impacto imediato sobre a obra de pregação na Rússia. Por exemplo, um membro de um grupo evangélico tinha dificuldades de conciliar a doutrina do inferno de fogo com um Deus de amor. Quando falou sobre isso com seus companheiros de adoração, eles oraram para que Deus o protegesse desses pensamentos. Mais tarde, ele e a esposa receberam alguns números da revista A Torre de Vigia e imediatamente reconheceram que aquilo era a verdade. Ele escreveu pedindo mais publicações, dizendo: “Aguardamos o maná que vem do outro lado do oceano.” Outros irmãos na Rússia também confirmavam regularmente o recebimento desse “maná”, agradecendo aos irmãos nos Estados Unidos pelo amor cristão que demonstravam ao produzir publicações que fortaleciam a fé.

“ENVIEM-ME UM POUCO DE TUDO”

Uma carta emocionante da Sibéria foi publicada na revista A Torre de Vigia de setembro de 1925. Um professor, que fazia parte de uma família de camponeses, relatou que ele e sua família haviam se mudado do sul da Rússia para a Sibéria em 1909. Ele escreveu que tinha lido as publicações com genuína alegria e acrescentou: “Desejo de coração ser conduzido mais profundamente às santas verdades de Deus a fim de que eu possa ter mais habilidade e força para lutar contra a escuridão.” Ele concluiu a carta pedindo mais publicações: “Por favor, enviem-me um pouco de tudo.”

A resposta do editor foi publicada no mesmo número. “Já faz algum tempo que tentamos enviar publicações para a Rússia, mas todas as tentativas têm sido frustradas por causa da oposição do governo russo. Esta carta e outras parecidas com ela são como o pedido feito no passado por certo homem: ‘Passa à Macedônia e ajuda-nos.’ (Atos 16:9) Vamos ajudá-los assim que as circunstâncias permitirem e se for da vontade do Senhor.”

Realmente, que instrumento poderoso a revista A Sentinela e outras publicações mostraram ser na pregação das boas novas, “em testemunho” aos que falam russo! (Mat. 24:14) Por volta de 2006, as publicações produzidas em russo pelas Testemunhas de Jeová alcançaram a marca de 691.243.952 exemplares, número maior do que qualquer outro idioma depois do espanhol, inglês e português. Jeová tem abençoado ricamente os esforços de suas Testemunhas em proclamar o Reino.

TESTEMUNHO DADO A RUSSOS EM OUTROS PAÍSES

Com os bolcheviques no poder e a criação do Estado comunista, muitos russos deixaram o país. A revista A Torre de Vigia e outras publicações em russo eram impressas fora da União Soviética. Assim, o governo soviético não podia impedir que o alimento espiritual chegasse a outros países. Por volta do fim da década de 20, publicações em russo alcançavam pessoas no mundo todo e chegavam cartas de apreço de lugares como Austrália, Estados Unidos, Finlândia, França, Letônia, Paraguai, Polônia e Uruguai.

Com o tempo, os irmãos organizaram as reuniões e a obra de pregação em russo em alguns desses lugares. Nos Estados Unidos, palestras bíblicas em russo eram transmitidas regularmente por emissoras de rádio. Congregações de língua russa, como a de Brownsville, Pensilvânia, foram formadas, e congressos foram organizados. Por exemplo, em maio de 1925, os irmãos realizaram um congresso de três dias em russo na cidade de Carnegie, Pensilvânia. Estiveram presentes 250 pessoas e 29 foram batizadas.

A SITUAÇÃO MUDA

Depois da morte de Lenin, o governo intensificou seu ataque contra todas as religiões. O ano de 1926 presenciou a formação da Liga dos Ateus Militantes — nome que definia apropriadamente seus objetivos. A constante propaganda ateísta pretendia eliminar por completo da mente e do coração das pessoas a fé em Deus. Em pouco tempo, o espírito ateísta se espalhou pelo vasto domínio da União Soviética. Numa carta escrita à sede mundial, um Estudante da Bíblia na Rússia comentou: “Os jovens estão sendo influenciados por esse espírito que, sem dúvida, é um grande obstáculo para que as pessoas aprendam a verdade.”

A Liga dos Ateus Militantes produzia publicações ateístas, incluindo uma revista chamada Antireligioznik. Em 1928, essa revista declarou: “A província de Voronej está cheia de seitas.” Entre outros, ela mencionou 48 “Estudantes das Escrituras Sagradas” cujos “líderes eram Zinchenko e Mitrofan Bovin”. O interessante é que a A Torre de Vigia de setembro de 1926 publicou uma carta de um certo Mikhail Zinchenko da Rússia. Ele escreveu: “As pessoas estão famintas de alimento espiritual. . . . Temos poucas publicações. O irmão Trumpi e outros estão traduzindo e copiando publicações em russo. É assim que temos nos alimentado espiritualmente e apoiado uns aos outros. Enviamos cumprimentos de todos os nossos irmãos russos.”

Em setembro de 1926, o irmão Trumpi escreveu que havia esperança de as autoridades permitirem que os irmãos recebessem publicações em russo. Ele pediu que os irmãos no Betel de Brooklyn enviassem tratados, folhetos, livros e volumes encadernados de A Torre de Vigia por meio do Escritório de Magdeburgo, Alemanha. Em resposta a esse pedido, o irmão Rutherford enviou George Young a Moscou. Ele chegou ali em 28 de agosto de 1928. Em uma de suas cartas, o irmão Young escreveu: “Já tive algumas experiências interessantes, mas não sei por quanto tempo vão permitir que eu permaneça aqui.” Apesar de ter conseguido falar com uma autoridade de destaque em Moscou, o irmão Young recebeu um visto válido apenas até 4 de outubro de 1928.

Nesse meio-tempo, a atitude da recém-formada União Soviética com relação à religião era incerta. Diversos documentos do governo expressavam o desejo de que grupos religiosos passassem a integrar a força de trabalho soviética. Nos anos que se seguiram, esse desejo se tornou lei. É importante saber que o governo soviético não queria exterminar o povo de Jeová; eles batalhavam por corações e mentes. Procuravam convencer o povo de Deus a se adequar ao Estado, coagindo-os a serem leais apenas a ele. A última coisa que queriam era que o povo fosse leal a Jeová.

Depois que o irmão Young foi embora, os irmãos russos continuaram a pregar o Reino de Deus com zelo. Danyil Starukhin foi designado para organizar a obra de pregação na Rússia. A fim de levar a obra adiante e encorajar os irmãos, o irmão Starukhin visitou Moscou, Kursk, Voronej e outras cidades na Rússia, bem como a Ucrânia. Com outros irmãos, ele pregou aos batistas em suas casas de oração, mostrando a verdade sobre Jesus Cristo e o Reino de Deus. Em janeiro de 1929, os irmãos na Rússia conseguiram alugar o prédio de uma igreja em Kursk por 200 dólares ao ano para realizarem as reuniões abertamente.

Mais tarde naquele ano, os irmãos do Betel de Brooklyn pediram permissão ao Comissariado de Comércio do Povo da URSS para enviar um pequeno carregamento de publicações bíblicas para a Rússia. No carregamento havia 800 exemplares do livro A Harpa de Deus e do livro Libertação, além de 2.400 folhetos. Em menos de dois meses, o carregamento foi devolvido carimbado com os dizeres: “Devolução por estar proibido pela Administração de Matéria Impressa”. No entanto, os irmãos não perderam a esperança. Alguns acharam que as publicações tinham sido devolvidas por estarem escritas num alfabeto russo antigo. A partir de então, os irmãos se certificaram de que todas as publicações em russo fossem traduzidas de forma exata e impressas de acordo com os padrões mais modernos do idioma.

A NECESSIDADE DE UMA TRADUÇÃO DE QUALIDADE

A partir de 1929, vários números da A Torre de Vigia trouxeram anúncios sobre a necessidade de tradutores qualificados, com conhecimento de inglês e russo. Por exemplo, A Torre de Vigia em russo de março de 1930 trazia o seguinte anúncio: “Precisa-se de irmão qualificado e dedicado, com conhecimento de inglês e fluência em russo para traduzir do inglês para o russo.”

Jeová deu atenção a essa necessidade, e foram encontrados tradutores em vários países. Um deles foi o irmão Aleksandr Forstman, que em 1931 já enviava artigos traduzidos para o russo à sede mundial por meio do Escritório da Dinamarca em Copenhague. Ele era um entusiástico tradutor que morava na Letônia. Bem instruído e fluente tanto em inglês como em russo, era capaz de traduzir publicações bíblicas rapidamente. De início, dedicava apenas algumas horas por semana à tradução, visto que tinha de trabalhar para sustentar a esposa, que não era Testemunhas de Jeová, e o filho. Em dezembro de 1932, o irmão Forstman passou a traduzir as publicações por tempo integral. Enquanto trabalhou nessa função, ele traduziu tratados, folhetos e livros. O irmão Forstman morreu em 1942.

Os irmãos estavam realmente interessados em que as publicações disponíveis fossem traduzidas para o russo com a mais alta qualidade, pois acreditavam que em breve a obra do Reino seria legalizada na Rússia. William Dey, superintendente do Escritório Norte-Europeu, escreveu o seguinte numa carta ao irmão Rutherford: “Quando a obra for legalizada na Rússia, o que com certeza deve acontecer logo, será bom termos boas traduções para oferecer à população de 180 milhões.”

TRANSMISSÕES DE RÁDIO

O rádio foi outro meio usado para divulgar as boas novas no imenso território russo. A Torre de Vigia de fevereiro de 1929 publicou o seguinte anúncio: “Discursos em russo serão transmitidos pelo rádio.” Os programas eram transmitidos da Estônia para a União Soviética todo segundo e quarto domingo do mês.

O irmão Wallace Baxter, superintendente da sede da Estônia, disse mais tarde: “Após longa negociação, um contrato de um ano foi assinado em 1929. Pouco depois do início das transmissões na Rússia, soubemos que pessoas em Leningrado as estavam ouvindo. O regime soviético e os clérigos na Estônia tiveram reações parecidas: alertaram as pessoas contra a mensagem do Reino. Em 1931, as transmissões eram realizadas num horário conveniente para os ouvintes: das 17h30 às 18h30 em freqüência média. As transmissões foram interrompidas em junho de 1934, após três anos e meio no ar. Numa carta do Escritório da Estônia, os irmãos explicaram como isso aconteceu: “Os clérigos disseram ao governo [da Estônia] que nossos programas não estavam de acordo com os interesses do Estado, pois eram de natureza comunista e anarquista.”

OCORRE UMA MUDANÇA

Em 1935, os irmãos do Betel de Brooklyn enviaram Anton Koerber para a União Soviética com a esperança de que ele conseguisse abrir um Escritório ali. Eles queriam mandar para a URSS uma impressora que estava na Alemanha, onde Adolf Hitler tinha subido ao poder. Apesar desse plano não ter se concretizado, o irmão Koerber se reuniu com vários irmãos na Rússia.

Por alguns anos, a obra de pregação do Reino na Rússia progrediu de modo constante. Publicações bíblicas eram traduzidas sob a supervisão do Escritório da Letônia. Mas era difícil exportar as publicações impressas para a União Soviética. Por isso, uma grande quantidade de publicações ficava estocada.

Até o começo da Segunda Guerra Mundial, em 1939, havia poucas Testemunhas de Jeová na União Soviética. Por causa disso, o governo soviético quase nem as notava. Mas essa situação estava para mudar. Pouco depois que a Alemanha nazista invadiu a Polônia em 1939, a União Soviética absorveu as 4 últimas de suas 15 repúblicas — Estônia, Letônia, Lituânia e Moldávia. De repente, milhares de Testemunhas de Jeová se viram dentro das fronteiras da União Soviética, nação que em breve teria de lutar por sua própria sobrevivência. Seria uma época de sofrimento e de dificuldades para milhões de pessoas. Para as Testemunhas de Jeová, seria época de demonstrar sua lealdade a Deus debaixo de dura opressão.

PRONTOS PARA PERMANECER FIRMES

Em junho de 1941, a Alemanha lançou um forte ataque contra a União Soviética, o que pegou Joseph Stalin totalmente de surpresa. No fim daquele ano, tropas alemãs já haviam chegado perto de Moscou, e a queda da União Soviética parecia iminente.

Desesperado, Stalin procurou mobilizar a nação para o que os russos chamaram de a Grande Guerra Patriótica. Stalin se deu conta de que precisaria fazer concessões à Igreja a fim de conseguir o apoio do povo para o esforço de guerra, visto que milhões de pessoas ainda eram religiosas. Em setembro de 1943 no Kremlin, Stalin recebeu publicamente três representantes do mais alto escalão da Igreja Ortodoxa Russa. Isso serviu para fechar a brecha entre a Igreja e o Estado, tornando centenas de igrejas abertas ao público.

Assim como as Testemunhas de Jeová na Alemanha, os irmãos na Rússia permaneceram totalmente neutros durante a guerra. Estavam prontos para aceitar as conseqüências disso e determinados a cumprir a ordem de seu Senhor. (Mat. 22:37-39) Por causa de sua neutralidade, mais de mil Testemunhas de Jeová da Ucrânia, da Moldávia e das repúblicas bálticas foram transferidas para campos de trabalhos forçados na região central da Rússia entre 1940 e 1945.

Vasili Savchuk recorda: “Fui batizado na Ucrânia em 1941, aos 14 anos. Durante a guerra, quase todos os irmãos ativos foram presos e enviados aos campos de trabalhos forçados na parte central da Rússia. Mas a obra de Jeová não parou. Irmãs e jovens fiéis como eu assumiram responsabilidades na congregação e no ministério. Em nosso povoado, um irmão adoentado ainda estava em liberdade. Ele me disse: ‘Vasili, precisamos de sua ajuda. Temos um trabalho muito importante a fazer, mas não temos homens suficientes.’ Eu não consegui segurar as lágrimas ao ver o quanto aquele irmão enfermo se preocupava com a obra de Jeová. Concordei alegremente em fazer tudo o que fosse preciso. Em porões, usávamos impressoras improvisadas para duplicar nosso valioso alimento espiritual e distribuí-lo aos irmãos, em especial aos que estavam presos.”

Apesar do trabalho abnegado e amoroso daquelas irmãs e dos jovens, a quantidade de alimento espiritual ainda não era suficiente. Uma solução veio de irmãos poloneses que estavam deixando a Rússia e que podiam levar informações ao Escritório da Polônia. Irmãos ucranianos e russos que viajavam para a Rússia levavam consigo alimento espiritual, estênceis de cera, tinta e outros materiais para serem usados na Rússia.

“QUE CADA UM VÁ PARA O SEU LUGAR”

Em 1946, alguns irmãos que viviam na Polônia foram obrigados a se mudar para a Ucrânia soviética. Ivan Pashkovski se lembra: “Os irmãos perguntaram ao Escritório em Lodz o que deviam fazer nessa situação. A resposta que receberam citava Juízes 7:7, que diz: ‘Que cada um vá para o seu lugar.’ Muitos anos depois, compreendi como Jeová, em sua sabedoria, orientou o trabalho de pregação nesses territórios difíceis. Para nós, o nosso ‘lugar’ era onde quer que Jeová nos enviasse. Passamos a entender que é importante se submeter às ordens das autoridades. Por isso, começamos a nos preparar a fim de nos mudar para um país ateu.

“Primeiro, nos reunimos para fazer a consideração para o batismo com 18 pessoas, que tinham sido levadas à casa de um irmão. Também estocamos publicações em russo e em ucraniano e procuramos guardá-las de modo que fosse difícil notá-las durante uma busca. Logo cedo, ainda de madrugada, nosso povoado ficou cercado de soldados do exército polonês que ordenaram que nos aprontássemos para partir. Pudemos levar alimentos para um mês e utensílios domésticos necessários. Fomos escoltados até a estação de trem. Desse modo, a Ucrânia soviética se tornou nosso ‘lugar’.

“Assim que chegamos a nosso destino, fomos cercados por pessoas e autoridades locais. Visto que desejávamos dar logo testemunho, corajosamente nos identificamos como Testemunhas de Jeová. Para nossa surpresa, o secretário do comitê de agricultura local nos visitou no dia seguinte. Ele disse que seu pai havia se mudado para os Estados Unidos e que lhe enviava publicações produzidas pelas Testemunhas de Jeová. Ficamos muito felizes ao ouvir isso! O mais maravilhoso foi que ele ofereceu publicações a nós. Quando começou a assistir às nossas reuniões com a família, compreendemos que naquele país havia muitas ‘coisas desejáveis’ para Jeová. (Ageu 2:7) Em pouco tempo, todos os membros da família dele se tornaram Testemunhas de Jeová e serviram fielmente por anos.”

MUITO TRABALHO À FRENTE

Durante a Segunda Guerra Mundial, e depois, a obra na Rússia era realizada sob as mais difíceis condições. Numa carta de 10 de abril de 1947, enviada à sede mundial, o Escritório da Polônia escreveu: “Os líderes religiosos intimidam os membros de suas religiões dizendo-lhes que se aceitarem uma revista A Sentinela ou um folheto das Testemunhas de Jeová, serão enviados a campos de trabalhos forçados e exilados por dez anos. Por isso, o medo e o pavor dominam os habitantes desse país, e as pessoas anseiam pela luz.”

O Anuário de 1947 (em inglês) comentou: “As Testemunhas de Jeová não têm à disposição publicações impressas, nem a revista A Sentinela em seu belo formato impresso. . . . Em muitos casos, as publicações ainda são meticulosamente copiadas à mão e passadas a outros . . . Às vezes, por serem pegos com uma A Sentinela, nossos mensageiros são detidos e jogados na prisão.”

Regina Krivokulskaya declara: “Eu tinha a impressão de que o país inteiro estava cercado por arame farpado, e que nós éramos prisioneiros, apesar de não estarmos na prisão. Nossos maridos, que serviam zelosamente a Deus, passaram a maior parte de suas vidas em prisões e em campos de trabalhos forçados. Nós, mulheres, tivemos de suportar muita coisa: noites sem dormir, vigilância e pressão psicológica por parte do Comitê de Segurança do Estado Soviético (KGB), perda de emprego e outras tribulações. As autoridades tentaram nos desviar da verdade de várias maneiras. (Isa. 30:21) Não tínhamos dúvida de que Satanás estava usando a situação para impedir a obra de pregação do Reino. Mas Jeová não abandonou seu povo — sua ajuda era evidente.

“As publicações bíblicas, que entravam clandestinamente no país com muita dificuldade, nos deram ‘poder além do normal’ e sabedoria para lidar com a situação. (2 Cor. 4:7) Jeová guiou seu povo e, mesmo sob a poderosa oposição do Estado, novos discípulos continuaram a se juntar à Sua organização. Foi emocionante ver que desde o início eles estavam prontos para suportar muitas dificuldades com o povo de Jeová. Só o espírito de Deus poderia ter feito isso.”

CARTAS JOGADAS POR CIMA DA CERCA

Em 1944, Pyotr, que mais tarde se casou com Regina, ficou preso num campo na província de Gorki por causa de sua neutralidade cristã. Isso não diminuiu seu zelo pela pregação. Pyotr escrevia cartas contendo breves explicações de ensinos bíblicos. Em seguida, colocava cada uma das cartas num envelope, as amarrava numa pedra com um barbante e as jogava por cima da cerca de arame farpado. Pyotr esperava que alguém as lesse, e um dia alguém leu — uma moça chamada Lidia Bulatova. Pyotr a viu e discretamente pediu que se aproximasse da cerca. Daí, perguntou se ela queria aprender mais sobre a Bíblia. Lidia gostou da idéia e eles combinaram de se encontrar de novo. Depois disso, ela passou a buscar regularmente aquelas preciosas cartas.

Lidia tornou-se uma zelosa pregadora das boas novas que em pouco tempo dirigia estudos bíblicos para Maria Smirnova e Olga Sevryugina. Elas também passaram a servir a Jeová. Para apoiá-las em sentido espiritual, os irmãos começaram a suprir esse pequeno grupo com alimento espiritual direto do campo. Para isso, Pyotr fez uma pequena mala com fundo falso, onde podia esconder revistas. Ele dava um jeito de fazer a mala entrar e sair do campo por meio de pessoas que não eram Testemunhas de Jeová e que não estavam presas. Elas entregavam a mala no endereço de uma das irmãs.

Logo, as irmãs organizaram o serviço de pregação na região em que moravam. A polícia percebeu isso e enviou uma agente para espioná-las, o que era comum naquele tempo. A agente, uma professora, fingiu estar interessada na verdade e ganhou a confiança das irmãs. Visto que elas não tinham experiência nesse assunto, ficaram felizes em compartilhar a verdade com sua nova “irmã” e mais tarde lhe contaram como obtinham as publicações. Na próxima vez que a mala estava sendo levada para fora do campo, Pyotr foi detido e sentenciado a mais 25 anos de prisão. As três irmãs também foram sentenciadas a 25 anos de prisão cada uma.

‘É PRECISO DAR-LHES ESCLARECIMENTOS’

Durante os anos da guerra, e depois dela, o governo soviético continuou a se opor de forma violenta às atividades das Testemunhas de Jeová. Em março de 1947, os irmãos na Polônia relataram que uma destacada autoridade de uma das regiões ocidentais da União Soviética havia declarado que, até o fim daquela primavera, nem uma única Testemunha de Jeová seria encontrada ali. A carta desses irmãos dizia: “Enquanto estávamos escrevendo esta carta, recebemos a notícia de que cem irmãos foram presos num só dia.” Outra carta falava a respeito dos irmãos nos campos de trabalhos forçados: “É maravilhoso o modo como eles têm mantido a integridade a Jeová. Muitos já perderam a vida e os irmãos aguardam a libertação da parte de Jeová, assim como fizeram os irmãos nos campos de concentração.”

Alguns irmãos também foram presos por pregar e por se recusar a votar. Irmãos de responsabilidade escreveram em 1947: “Temos a impressão de que as altas autoridades russas sabem pouco a respeito do que está acontecendo com os nossos irmãos; na verdade, elas não têm interesse em matá-los. É preciso dar explicações e esclarecimentos [às autoridades].”

TENTATIVAS DE OBTER REGISTRO

Logo, o Escritório da Polônia sugeriu que dois irmãos russos preparassem com um advogado experiente os documentos necessários para registrar a atividade das Testemunhas de Jeová na União Soviética. Uma carta da Polônia dirigida aos irmãos na Rússia dizia: “A pregação das boas novas do Reino deve ser ouvida em toda parte, incluindo a Rússia. (Marcos 13:10)” A carta concluiu com as seguintes palavras: “Sejam pacientes. Jeová transformará suas lágrimas em clamor jubilante. — Salmo 126:2-6.”

Em agosto de 1949, Mykola Pyatokha, Mykhailo Chumak e Ilya Babijchuk deram entrada a um pedido de registro. O governo concordou em reconhecer as Testemunhas de Jeová, mas sob certas condições. Entre outras coisas, o governo pediu que os irmãos entregassem uma lista com o nome de todas as Testemunhas de Jeová que viviam no território da União Soviética. Isso era algo que os irmãos não podiam aceitar. Apesar de a obra ter continuado a progredir e o número de publicadores a aumentar, muitos irmãos ainda eram privados de sua liberdade.

“O SEU JEOVÁ NÃO VAI TIRAR VOCÊ DAQUI”

Pyotr Krivokulski disse o seguinte ao se lembrar do verão de 1945: “Depois de os irmãos serem julgados, foram enviados a vários campos de trabalhos forçados. Muitos prisioneiros demonstraram interesse pela verdade no campo em que eu estava. Um deles, um clérigo, compreendeu rapidamente que aquilo que ele tinha ouvido era a verdade, e tomou sua posição a favor de Jeová.

“Apesar disso, as condições ali eram difíceis. Certa vez, fui preso numa cela tão pequena que mal cabia alguém em pé. Era chamada de casa dos insetos, pois era infestada de percevejos — eram tantos, que provavelmente podiam sugar todo o sangue de um ser humano. Parado em frente à cela, o capataz me disse: ‘O seu Jeová não vai tirar você daqui.’ Minha ração diária consistia em 300 gramas de pão e uma xícara de água. A cela não era ventilada. Por isso, eu me apoiava na pequena porta e tomava fôlego por uma fresta muito estreita. Eu sentia os percevejos sugarem meu sangue. Durante os dez dias que passei na casa dos insetos, pedi repetidas vezes que Jeová me desse forças para perseverar. (Jer. 15:15) Quando abriram as portas, eu desmaiei, e ao acordar, já estava em outra cela.

“Depois disso, o tribunal do campo de trabalhos forçados me sentenciou a dez anos na prisão de segurança máxima num campo penal, acusado de ‘promover agitação e de fazer propaganda contra o governo soviético’. Era impossível enviar ou receber correspondências nesse campo. Os prisioneiros ali em geral eram aqueles condenados por crimes violentos, como assassinato. Disseram que se eu não renunciasse à minha fé, aquelas pessoas fariam comigo qualquer coisa que se lhes pedissem. Eu pesava apenas 36 quilos e mal conseguia andar. Mas, mesmo naquele lugar, consegui encontrar pessoas sinceras cujo coração estava disposto para com a verdade.

“Certa vez, um homem idoso se aproximou de mim enquanto eu orava deitado sob arbustos. Ele perguntou: ‘O que você fez para vir parar neste inferno?’ Depois de ouvir que eu era Testemunha de Jeová, ele sentou, me abraçou e me deu um beijo. Então ele disse: ‘Filho, já faz tanto tempo que quero aprender a respeito da Bíblia! Você me ensinaria?’ Fiquei muito feliz. Eu tinha costurado uns pedaços velhos dos Evangelhos em minha roupa esfarrapada e os mostrei imediatamente. Os olhos dele encheram de lágrimas. Conversamos por muito tempo naquela noite. Ele disse que trabalhava no refeitório do campo e que ia providenciar comida para mim. Assim, nos tornamos amigos. Ele progrediu em sentido espiritual e eu adquiri forças. Eu tinha certeza de que Jeová tinha providenciado aquilo. Poucos meses depois, ele foi libertado e eu fui enviado a outro campo na província de Gorki.

“Lá as condições eram muito melhores. Mas, acima de tudo, eu estava feliz por dirigir estudos bíblicos para quatro prisioneiros. Em 1952, os capatazes do campo nos encontraram com publicações. Durante o interrogatório realizado antes do julgamento, fui trancado dentro de uma caixa hermeticamente fechada. Quando eu começava a ficar sufocado, eles abriam a caixa para que eu pudesse tomar fôlego, e depois fechavam de novo. Eles queriam que eu renunciasse à minha fé. Fomos todos condenados. Na leitura das sentenças, nenhum dos meus estudantes ficou desesperado. Fiquei muito feliz por causa disso. Os quatro foram sentenciados a 25 anos nos campos e eu recebi uma sentença mais dura, que depois foi mudada para 25 anos num campo de segurança máxima e 10 anos de exílio. Depois de sairmos da sala, paramos para agradecer a Jeová o Seu apoio. Os guardas ficaram pasmados e se perguntavam por que estávamos felizes. Fomos separados e enviados a campos diferentes. Fui enviado a um campo de segurança máxima em Vorkuta.”

SALVOS POR MANTER A NEUTRALIDADE CRISTÃ

A vida nos campos de trabalhos forçados era cruel. Muitos prisioneiros que não eram Testemunhas de Jeová cometeram suicídio. Ivan Krylov se lembra: “Depois que fui libertado do campo de segurança máxima, visitei várias minas de carvão onde nossos irmãos realizavam trabalhos forçados. Contatei esses irmãos, e qualquer um que tivesse conseguido copiar à mão algumas de nossas revistas passava as cópias para outros. As Testemunhas de Jeová pregavam em todos os campos, e muitas pessoas demonstraram interesse. Depois de serem libertados, alguns desses interessados foram batizados no rio Vorkuta.

“Sempre nos deparávamos com testes de nossa fé em Jeová e no seu Reino. Certa vez, em 1948, alguns prisioneiros de um campo em Vorkuta organizaram uma rebelião. Os rebeldes disseram aos outros prisioneiros que a rebelião teria melhores resultados se todos se organizassem em grupos, como por nacionalidade ou religião. Naquela ocasião, havia 15 Testemunhas de Jeová no campo. Dissemos aos rebeldes que nós, Testemunhas de Jeová, éramos cristãos e que não podíamos nos envolver nisso. Explicamos que os primeiros cristãos não participaram nas rebeliões contra os romanos. É claro que isso pegou muitos de surpresa, mas permanecemos firmes.”

A rebelião teve conseqüências trágicas. Soldados armados venceram a resistência e levaram os rebeldes para outro alojamento. Encharcaram o lugar de gasolina e atearam fogo. Praticamente todos ali morreram. Os soldados nada fizeram contra os irmãos.

“Em dezembro de 1948, conheci num campo oito irmãos que tinham sido sentenciados a 25 anos de prisão”, continua Ivan. “O frio daquele inverno foi intenso e o trabalho nas minas era pesado. Mesmo assim, a confiança e a forte esperança nos olhos daqueles irmãos eram inconfundíveis. A atitude positiva deles fortalecia até os prisioneiros que não eram Testemunhas de Jeová.”

DEPORTADOS PARA A SIBÉRIA

Apesar da dura oposição, as Testemunhas de Jeová continuaram a pregar zelosamente as boas novas do Reino de Jeová. Isso irritou o governo central em Moscou. Irritou em especial a KGB. Um memorando de 19 de fevereiro de 1951, da KGB para Stalin, dizia: “A fim de suprimir qualquer atividade anti-soviética dos ilegais jeovistas, o MGB [Ministério da Segurança Nacional, mais tarde KGB] da URSS acredita que é necessário deportar os jeovistas que forem identificados, bem como suas famílias, para as províncias de Irkutsk e de Tomsk.” A KGB sabia quem era Testemunha de Jeová e solicitou a Stalin permissão para exilar na Sibéria 8.576 pessoas de seis repúblicas da União Soviética. A permissão foi concedida.

Magdalina Beloshitskaya se lembra: “Às duas da manhã no domingo, 8 de abril de 1951, fomos acordados com uma forte pancada na porta. Minha mãe levantou rápido e correu até a porta. Diante de nós estava um policial. ‘Vocês serão deportados para a Sibéria por acreditarem em Deus’, disse ele formalmente. ‘Têm duas horas para fazer as malas. Podem levar qualquer coisa que estiver no quarto. Mas grãos, farinha e cereais não são permitidos. Móveis, objetos de madeira e máquinas de costura também não podem ser levados. Não levem nada do que há no quintal. Peguem suas roupas, roupas de cama, sacolas e saiam.’

“Antes disso acontecer, tínhamos lido nas publicações que havia muito trabalho a ser feito no leste do país. Compreendemos que era hora de realizar esse trabalho.

“Não lamentamos nem choramos. O policial ficou surpreso e disse: ‘Vocês não derramaram nem uma única lágrima.’ Dissemos a ele que esperávamos por isso desde 1948. Pedimos permissão para levar pelo menos uma galinha viva para a viagem, mas ele negou. Os policiais dividiram entre si os animais que criávamos. Distribuíram as galinhas bem na nossa frente — um deles ficou com cinco, outro com seis e ainda outro com três ou quatro. Quando restavam apenas duas galinhas no galinheiro, o policial ordenou que elas fossem mortas e entregues a nós.

“Minha filha de 8 meses estava deitada num berço de madeira. Perguntamos se podíamos levar o berço, mas o policial ordenou que ele fosse desmontado e nos entregou apenas a parte que acomodava o bebê.

“Nossos vizinhos logo ficaram sabendo que estávamos sendo deportados. Um deles pegou um pequeno saco com torradas e lançou dentro da carroça em que estávamos. O soldado que nos escoltava viu isso e jogou o saco para fora. Éramos seis pessoas — eu, minha mãe, meus dois irmãos, meu marido e nossa filha de 8 meses. Fora do povoado, ficaram nos apressando para entrarmos num carro e fomos levados ao centro regional, onde nossos documentos foram preenchidos. Depois, fomos de caminhão até a estação de trem.

“Era um belo domingo ensolarado. A estação estava cheia — havia pessoas sendo exiladas e pessoas que vinham apenas para ver o que estava acontecendo. Nosso caminhão parou bem ao lado de um vagão onde nossos irmãos já estavam. Quando o trem ficou cheio, os soldados conferiram pelos sobrenomes se todos estavam ali. Havia 52 pessoas em nosso vagão. Antes de o trem partir, os que estavam do lado de fora nos observando começaram a chorar e até mesmo a soluçar. Ficamos impressionados com aquilo, visto que nem conhecíamos algumas daquelas pessoas. Mas elas sabiam que nós éramos Testemunhas de Jeová e que estávamos sendo deportados para a Sibéria. A locomotiva a vapor deu um forte apito. Nossos irmãos começaram a cantar uma música em ucraniano: ‘Que o amor de Cristo esteja com vocês. Dando glória a Jesus Cristo, nos encontraremos novamente em seu Reino.’ A maioria de nós tinha muita fé e confiança em que Jeová não nos abandonaria. Cantamos muitas estrofes. Foi tão emocionante que alguns dos soldados começaram a chorar. Então, o trem seguiu seu caminho.”

“CONTRÁRIO AO ESPERADO”

O Dr. Nicolai S. Gordienko, professor na Universidade Herzen, em São Petersburgo, descreveu em seu livro o que os perseguidores conseguiram realizar: “O resultado foi exatamente contrário ao esperado; eles queriam enfraquecer a organização das Testemunhas de Jeová na URSS, mas, na verdade, apenas a fortaleceram. Em lugares onde ninguém tinha ouvido falar a respeito de sua religião, as Testemunhas de Jeová ‘contaminaram’ os habitantes locais com sua fé e lealdade.”

Muitas Testemunhas de Jeová logo se adaptaram à sua nova situação. Pequenas congregações foram formadas e territórios, designados. Nikolai Kalibaba diz: “Na Sibéria, houve época em que pregávamos de casa em casa ou, para ser mais exato, a cada duas ou três casas. Mas isso era arriscado. Como fazíamos isso? Depois da primeira visita, tentávamos revisitar a pessoa dentro de um mês. Começávamos a conversa perguntando: ‘Vocês estão vendendo galinhas, cabras ou vacas?’ Aos poucos, direcionávamos a conversa para o Reino. Depois de um tempo, a KGB ficou sabendo disso e logo publicou um artigo no jornal, alertando a população contra falar com as Testemunhas de Jeová. O artigo dizia que as Testemunhas de Jeová iam de casa em casa pedindo cabras, vacas e galinhas — mas o que realmente queríamos era ovelhas!”

Gavriil Livi relata: “Os irmãos tentavam participar no ministério, apesar de serem vigiados de perto pela KGB. A atitude do povo soviético era tal que se eles suspeitassem que alguém estivesse tentando falar sobre religião, imediatamente chamavam a polícia. Apesar disso, continuamos a pregar mesmo sem nenhum resultado aparente no começo. Mas com o tempo a verdade passou a mudar a vida de algumas pessoas da região. Uma dessas pessoas era um russo que bebia muito. Depois de aprender a verdade, ele harmonizou sua vida com os princípios bíblicos e se tornou uma Testemunha de Jeová ativa. Mais tarde, um agente da KGB o chamou e disse: ‘Com quem você está perdendo seu tempo? Essas Testemunhas de Jeová são todas ucranianas.’

“O irmão respondeu: ‘Quando eu era alcoólatra e ficava jogado na sarjeta, você nem se importava comigo. Agora que me tornei uma pessoa normal e um cidadão responsável, você não está satisfeito. Muitos ucranianos estão indo embora da Sibéria, mas deixando para trás siberianos que Deus tem ensinado a viver.’”

Poucos anos depois, um funcionário do governo de Irkutsk escreveu para Moscou: “Vários trabalhadores locais disseram que todas essas [Testemunhas de Jeová] deveriam ser enviadas a algum lugar no norte para que perdessem todo o contato com a população e fossem reeducadas.” Nem a Sibéria nem Moscou sabiam o que fazer para silenciar as Testemunhas de Jeová.

“NÓS TERÍAMOS MATADO A TODOS VOCÊS”

No início de 1957, as autoridades organizaram uma nova campanha contra as Testemunhas de Jeová. Os irmãos eram seguidos e as casas vasculhadas. Viktor Gutshmidt se lembra: “Certa vez, quando cheguei em casa depois do ministério, tudo estava de cabeça para baixo. A KGB estava procurando publicações. Eles me prenderam e me interrogaram durante dois meses. Yulia, nossa filha mais nova, tinha 11 meses, e nossa filha mais velha, 2 anos.

“Na investigação, o inspetor me perguntou: ‘Você não é alemão?’ Para muitos naquela época, a palavra ‘alemão’ era sinônimo de ‘fascista’. Os alemães eram odiados.

“‘Não sou nacionalista’, disse eu, ‘mas se você estiver se referindo aos alemães que ficaram presos nos campos de concentração nazistas, nesse caso, tenho orgulho daqueles alemães! Eles eram chamados Bibelforscher, e agora são conhecidos como Testemunhas de Jeová. Eu me orgulho de que nenhuma Testemunha de Jeová tenha disparado uma bala de uma arma ou atirado uma bomba de um canhão. Desses alemães, eu me orgulho!’

“O inspetor ficou em silêncio, e eu continuei: ‘Tenho certeza de que nem uma única Testemunha de Jeová participou em qualquer rebelião ou motim. Mesmo quando suas atividades estão proscritas, elas persistem em adorar a Deus. Ao mesmo tempo, reconhecem as autoridades e as obedecem desde que suas leis não violem as leis superiores de nosso Criador.’

“Inesperadamente, o inspetor me interrompeu e disse: ‘Nunca estudamos um grupo tão de perto como estudamos as Testemunhas de Jeová e suas atividades. Se houvesse qualquer coisa contra vocês nos registros, mesmo que tivessem derramado só uma gota de sangue, nós teríamos matado a todos vocês.’

“Daí, pensei: ‘Nossos irmãos servem a Jeová em todo o mundo com coragem, e o exemplo deles salvou nossa vida na União Soviética. Pode ser que o serviço que prestamos a Deus aqui de alguma forma ajude nossos irmãos em outros lugares.’ Pensar dessa maneira me deu mais forças para seguir de perto os caminhos de Jeová.”

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ EM MAIS DE 50 CAMPOS

A posição neutra e o ministério zeloso das Testemunhas de Jeová na União Soviética continuaram a irritar o governo. (Mar. 13:10; João 17:16) Com freqüência, a posição de nossos irmãos resultava em longas e injustas sentenças de prisão.

Em 199 congressos realizados em todo o mundo, de junho de 1956 a fevereiro de 1957, 462.936 pessoas adotaram uma resolução, da qual foram enviadas cópias ao Conselho de Ministros da União Soviética em Moscou. Entre outras coisas, a resolução dizia: “Há Testemunhas de Jeová presas em mais de 50 campos, desde a parte européia da Rússia até a Sibéria, e em direção ao norte até o oceano Ártico, até mesmo na ilha de Novaya Zemlya . . . Nos Estados Unidos e em outros países do Ocidente, as Testemunhas de Jeová são chamadas de comunistas. Em países comunistas, são chamadas de imperialistas . . . Governos comunistas acusam-nas de serem ‘espiãs imperialistas’ e sentenciam-nas a até 20 anos de prisão. Mas elas nunca se empenharam em qualquer atividade subversiva.” Infelizmente, a resolução não melhorou muito a situação das Testemunhas de Jeová na União Soviética.

As famílias de Testemunhas de Jeová na Rússia tinham muita dificuldade para criar seus filhos. Vladimir Sosnin, de Moscou, que criou três filhos naquela época, diz: “Freqüentar uma escola soviética era obrigatório. Professores e outros alunos pressionavam nossos filhos a fazer parte de organizações de crianças que eram orientadas de acordo com a ideologia comunista. Queríamos que nossos filhos recebessem a educação necessária e os ajudávamos com os estudos. Não era fácil cultivar amor a Jeová no coração dos filhos. As escolas estavam cheias de idéias que promoviam o socialismo e o comunismo. Cabia aos pais ter paciência e perseverança fora do comum.”

ACUSADOS DE ARRANCAR A ORELHA DA FILHA

Semyon e Daria Kostylyev criaram três filhos na Sibéria. Semyon conta: “Naquela época, as Testemunhas de Jeová eram consideradas fanáticas. Em 1961, Alla, nossa segunda filha, entrou na primeira série. Certo dia, enquanto ela brincava com outras crianças, uma delas sem querer machucou a orelha de nossa filha. No dia seguinte, quando a professora perguntou o que tinha acontecido, Alla permaneceu em silêncio, pois não queria entregar sua colega. A professora sabia que éramos Testemunhas de Jeová e concluiu que batíamos em Alla a fim de forçá-la a viver segundo os princípios da Bíblia. A escola relatou o assunto à promotoria pública. A empresa em que eu trabalhava também ficou envolvida no caso. As investigações se estenderam por cerca de um ano, até que por fim recebi uma intimação para comparecer a uma audiência no tribunal em outubro de 1962.

“Nas duas semanas que antecederam ao julgamento, o prédio do Palácio da Cultura expôs uma faixa com as palavras: ‘Julgamento da perigosa seita dos jeovistas está para começar’. Minha esposa e eu fomos acusados de criar nossos filhos de acordo com a Bíblia e de sermos cruéis. O tribunal nos acusou de forçar nossa filha a orar e de termos arrancado sua orelha com a extremidade de um balde. A única pessoa que poderia depor sobre isso era Alla, mas ela tinha sido levada para um orfanato em Kirensk, uns 700 quilômetros ao norte de Irkutsk, onde morávamos.

“O local estava cheio de jovens ativistas. Quando o tribunal fez um recesso para tomar a decisão, a multidão começou a causar tumulto. Fomos insultados, e alguém queria que tirássemos nossas roupas ‘soviéticas’. Todos gritavam, dizendo que deveríamos ser mortos, e teve até um que queria que nos matassem ali mesmo. A multidão foi ficando cada vez mais enfurecida e mesmo assim os juízes não apareciam. Eles levaram uma hora para chegar à decisão. Quando a multidão avançou em nossa direção, uma irmã e seu marido descrente ficaram de pé entre nós e as pessoas, implorando que não nos machucassem. Na tentativa de explicar que todas as acusações contra nós eram falsas, eles literalmente nos arrancaram das mãos daquelas pessoas.

“Por fim, os juízes apareceram com os assistentes do tribunal popular e leram nossa sentença: perda da guarda de nossos filhos. Fui mantido sob vigilância e enviado a um campo corretivo de trabalhos forçados por dois anos. Nossa filha mais velha também foi levada para um orfanato depois de lhe terem dito que seus pais eram membros de uma seita perigosa e uma péssima influência sobre sua criação.

“Nosso filho ficou com Daria, visto que ele tinha apenas 3 anos. Depois de cumprir a sentença, voltei para casa. Como antes, só podíamos dar testemunho informal.”

“FICAMOS ORGULHOSOS DE NOSSOS FILHOS”

“Alla saiu do orfanato quando completou 13 anos e voltou a morar conosco. Ficamos muito felizes quando ela se dedicou a Jeová e foi batizada, em 1969. Nessa época, palestras sobre religião foram realizadas no Palácio da Cultura em nossa cidade. Decidimos ir até lá para ver o que tinham a dizer agora. Como sempre, o grupo a respeito de que mais se falava era as Testemunhas de Jeová. Um dos palestrantes pegou um número de A Sentinela e disse: ‘Esta é uma revista perigosa e prejudicial e está minando a união de nosso Estado.’ Daí, ele deu um exemplo: ‘Os membros dessa seita forçam seus filhos a ler tais revistas e a fazer orações. Numa família, uma garotinha não quis ler a revista e por isso o pai arrancou-lhe a orelha.’ Alla ficou surpresa, pois estava lá sentada, ouvindo a palestra com as duas orelhas intactas. Ela não disse nada, pois tinha medo de perder os pais mais uma vez.

“Quando Boris, nosso filho, completou 13 anos, ele se dedicou a Jeová e foi batizado. Certa vez, ele estava dando testemunho na rua com outras Testemunhas de Jeová da mesma idade, apesar de nossas atividades naquela época ainda estarem sob proscrição. Eles não estavam com a Bíblia nem publicações bíblicas. De repente, um carro parou e levou todos os garotos para o quartel do exército. Depois de interrogá-los e revistá-los, os soldados não encontraram nada, a não ser alguns textos bíblicos anotados num papel. Os garotos puderam voltar para casa. Quando chegou em casa, Boris nos contou todo orgulhoso como ele e os outros garotos tinham sido perseguidos por causa do nome de Jeová. Ficamos orgulhosos de nossos filhos, visto que Jeová os apoiou durante provações. Depois disso, Daria e eu fomos intimados várias vezes pela KGB. Um policial nos disse: ‘Essas crianças deveriam ser enviadas a uma colônia penal para jovens. É uma pena que ainda não tenham 14 anos.’ Fomos multados pelas atividades de pregação de nosso filho.

“Hoje em dia, moro com meu filho e netos, que também estão andando na verdade. Minha filha mais velha mora no Uzbequistão e, apesar de ainda não servir a Jeová, ela tem respeito por nós e pela Bíblia e com freqüência nos visita. Daria morreu em 2001, servindo de modo fiel a Jeová até o fim. Enquanto ainda tenho forças, acompanho a congregação para pregarmos em territórios remotos, buscando pessoas ‘corretamente dispostas para com a vida eterna’. (Atos 13:48) Acredito que Jeová vai em breve satisfazer o desejo de cada um de nós, conforme predito em Isaías 65:23.”

PAIS DÃO EXCELENTE EXEMPLO

Vladislav Apanyuk serve no Betel da Rússia. Ele se lembra de como seus pais inculcaram nele e em seus irmãos, desde a infância, o amor a Deus: “Nossos pais foram deportados da Ucrânia para a Sibéria em 1951. Eles nos ensinaram a tomar nossas próprias decisões ao passo que nos esforçávamos para servir a Jeová. Eu realmente apreciava o fato de meus pais sempre falarem para nós, filhos, sobre suas falhas. Eles não escondiam os erros que cometiam. O amor que eles sentiam por Jeová era evidente. Meus pais estavam sempre alegres, em especial quando falavam sobre assuntos espirituais conosco. Dava para ver como eles gostavam de meditar e falar sobre Jeová. Isso também nos motivava a meditar sobre as verdades de Jeová. Imaginávamos como as pessoas vão viver no novo mundo, quando tudo será maravilhoso e não haverá mais doenças nem guerras.

“Quando eu estava na terceira série, toda a minha turma foi convidada para fazer parte de uma organização de jovens soviéticos chamada Jovens Pioneiros. Para a maioria das crianças na União Soviética, fazer parte dessa organização era considerado uma grande honra. Meus colegas de classe estavam aguardando ansiosamente esse dia. Esperava-se que cada um de nós escrevesse um juramento formal dizendo que estávamos prontos para entrar nas fileiras dos Pioneiros soviéticos, os futuros construtores do comunismo. Eu me recusei a fazer isso. Por causa disso, a professora me deixou de castigo, trancando-me na sala de aula. ‘Você não vai sair antes de escrever seu juramento’, disse ela. Umas horas depois, alguns de meus colegas bateram na janela e insistiram que eu fosse brincar com eles. Fiquei na sala de aula, determinado a não escrever nada. Pouco antes do anoitecer, outra professora me viu na sala e deixou que eu voltasse para casa. Essa foi minha primeira vitória. Eu estava orgulhoso de ter feito algo que alegrou o coração de Jeová. (Pro. 27:11) Quando cheguei em casa, disse aos meus pais tudo o que tinha acontecido. Eles ficaram felizes e meu pai disse: ‘Muito bem, filho!’”

A BÍBLIA É CONSIDERADA ANTI-SOVIÉTICA

Às vezes os irmãos eram levados a julgamento apenas por ter uma Bíblia. Nadezhda Vishnyak diz: “Meu marido e eu ainda não éramos Testemunhas de Jeová, mas a verdade havia tocado profundamente nosso coração. Certa vez, a polícia foi até onde eu trabalhava e me arrancou dali sem que eu tivesse tempo de tirar minhas roupas de trabalho. Pyotr, meu marido, também foi preso no trabalho. Antes disso acontecer, nossa casa foi revistada e a polícia encontrou uma Bíblia e o folheto Após o Armagedom — O Novo Mundo de Deus. Pyotr achava que eles não me prenderiam, visto que eu estava grávida de sete meses.

“Fomos acusados de agir contra as autoridades soviéticas. Dissemos a eles que acreditávamos na Bíblia, uma autoridade muito superior ao poder soviético.

“‘A Bíblia é a Palavra de Deus e é por isso que queremos viver de acordo com os princípios dela’, disse eu.

“O julgamento aconteceu apenas duas semanas antes de eu dar à luz. Nos intervalos entre as audiências, o juiz permitiu que eu saísse para caminhar acompanhada de um soldado armado. Durante uma dessas caminhadas, o soldado me perguntou o que eu havia feito. Tive uma excelente oportunidade para dar testemunho.

“O juiz declarou que a Bíblia e as publicações confiscadas em nossa casa eram ‘anti-soviéticas’. Fiquei feliz de que não foi só meu marido e eu que fomos acusados de ser anti-soviéticos, mas também nossas publicações e até mesmo a Bíblia! Perguntaram-nos onde conhecemos as Testemunhas de Jeová. Quando dissemos que foi no campo de trabalhos forçados em Vorkuta, o juiz gritou: ‘Vejam o que está acontecendo em nossos campos!’ Fomos condenados e sentenciados a dez anos em campos de trabalhos forçados.

“Pyotr foi enviado a um campo na Mordóvia, Rússia central. Eu fui colocada na solitária. Dei à luz ao nosso filho em março de 1958. Naqueles momentos difíceis, Jeová foi meu melhor amigo e ajudador. Minha mãe cuidou de nosso filho. Fui levada para Kemerovo, Sibéria, onde fiquei num campo de trabalhos forçados.

“Fui libertada depois de oito anos, antes de cumprir toda a sentença. Eu me lembro de que certa vez, no alojamento, a capataz disse bem alto que eu nunca tinha feito qualquer declaração ‘anti-soviética’ e que nossas publicações eram exclusivamente religiosas. Fui batizada em 1966 depois de conseguir a liberdade.”

Bíblias e publicações bíblicas eram muito preciosas nos campos e nas prisões. Em 1958, os irmãos realizavam reuniões regularmente num campo na Mordóvia. Para que os capatazes do campo não os pegassem de surpresa, enquanto um grupo estudava a revista A Sentinela, vários irmãos ficavam vigiando a distâncias em que desse para um ouvir outro. Caso um capataz aparecesse, o irmão mais próximo dizia “chegando” para outro que estivesse de guarda. Este avisava o próximo de guarda e assim por diante, até que o grupo reunido ficasse sabendo. Cada um do grupo ia para o seu lado e a revista era escondida. Mas com freqüência os capatazes apareciam do nada.

Certa vez, quando os irmãos foram pegos de surpresa pelos capatazes, Boris Kryltsov decidiu distraí-los e salvar a revista. Ele agarrou um livro e correu para fora do alojamento. Os capatazes perseguiram-no por um bom tempo, mas quando finalmente o pegaram, viram que o livro tratava de Lenin. Apesar de precisar ficar na solitária por sete dias, ele ficou feliz de a revista ter sido salva.

SEMENTES DA VERDADE PLANTADAS EM MOSCOU

As boas novas do Reino começaram a ser pregadas em Moscou por um pequeno grupo. Boris Kryltsov foi um dos primeiros a pregar com zelo na capital do país. Ele conta: “Eu trabalhava com construção. Um grupo de irmãos e eu procurávamos dar testemunho informal. Ao saber o que eu estava fazendo, a KGB vasculhou meu apartamento em abril de 1957 e encontrou publicações bíblicas. Depois disso, fui preso imediatamente. Durante o interrogatório, o inspetor me disse que as Testemunhas de Jeová eram as pessoas mais perigosas do país. Ele falou: ‘Se deixarmos você ir, muitos cidadãos soviéticos se juntarão a você. É por isso que o encaramos como uma grande ameaça ao Estado.’

“‘A Bíblia nos ensina a ser cidadãos obedientes à lei’, disse eu. ‘Ela também diz que devemos buscar primeiro o Reino e a justiça de Deus. Os cristãos verdadeiros nunca tentaram tomar o poder em nenhum país.’

“‘Onde você conseguiu as publicações que encontramos na busca?’, perguntou o inspetor.

“‘O que há de errado com as publicações?’, perguntei. ‘Elas falam de profecias bíblicas, não de assuntos políticos.’

“‘É verdade, mas são produzidas em outro país’, respondeu ele.

“Fui parar numa prisão de segurança máxima na cidade de Vladimir. Apesar de terem me revistado, consegui entrar no campo com quatro números da revista A Sentinela copiados à mão num papel fino. Estava claro que Jeová tinha me ajudado. Na cela, recopiei os quatro números. Eu sabia que havia outras Testemunhas de Jeová ali que já por sete anos não recebiam alimento espiritual. Passei as revistas adiante por meio de uma irmã que era responsável por limpar as escadas.

“Descobrimos que havia um informante se associando com os irmãos. Ele disse aos diretores da prisão que alguém estava passando publicações bíblicas para outros presos. Eles imediatamente começaram a revistar todo mundo e a pegar todas as publicações. Não demorou muito para chegarem a mim e encontrarem publicações no meu colchão. Fui colocado na solitária por 85 dias. Apesar disso, Jeová continuou a cuidar de nós como sempre fez.”

PALESTRAS AJUDARAM ALGUNS A APRENDER A VERDADE

Palestrantes eram usados para propagar a guerra ideológica contra as Testemunhas de Jeová na União Soviética. Viktor Gutshmidt diz: “Palestras que promoviam o ateísmo eram realizadas regularmente em nosso campo. Os irmãos sempre faziam perguntas. Às vezes, os palestrantes não conseguiam responder às mais simples delas. Em geral, o auditório ficava lotado e todos ouviam com muita atenção. Algumas pessoas assistiam às palestras de livre e espontânea vontade, pois ficavam curiosas para saber o que as Testemunhas de Jeová diriam no final.

“Em uma ocasião, um palestrante, ex-padre da Igreja Ortodoxa Russa, visitou nosso campo. Todos sabiam que ele tinha renunciado à sua fé enquanto estava num campo e que agora era ateu.

“‘Você se tornou ateu antes ou depois de ser preso?’, perguntou um dos irmãos no final da palestra.

“‘Veja bem’, respondeu o palestrante. ‘Um homem foi para o espaço e não viu Deus ali.’

“‘Quando era padre, você realmente achava que Deus estaria observando as pessoas a uma distância de pouco mais de 200 quilômetros acima da superfície da Terra?’, perguntou o irmão. O palestrante ficou calado. Essas discussões davam aos prisioneiros muito que pensar e, por isso, mais tarde, vários deles começaram a estudar a Bíblia conosco.

“Em uma das palestras, uma irmã pediu permissão para fazer uma pergunta. ‘Vá em frente; você deve ser Testemunha de Jeová’, disse o palestrante.

“‘De que você chamaria uma pessoa que fica no meio de um terreno, sem ter ninguém por perto, gritando: “Eu vou te matar”?’, perguntou a irmã.

“‘Dificilmente diria que ela é inteligente’, respondeu o palestrante.

“‘Então, se Deus não existe, por que lutar contra ele? Se ele não existe, não há contra quem lutar.’ Os presentes caíram na risada.”

O PREGADOR SEMPRE VAI VOLTAR

É claro que palestras sobre a ideologia soviética não eram realizadas apenas nos campos. Elas eram principalmente organizadas para o público em grandes cidades. Palestrantes experientes visitavam cidades, em especial onde havia grande concentração de Testemunhas de Jeová, como Vorkuta, Inta, Ukhta e Syktyvkar. O irmão Gutshmidt diz: “Certa vez em 1957, um palestrante visitou o Palácio da Cultura, onde 300 pessoas estavam reunidas, para falar aos mineradores de Inta. Ele explicou as crenças das Testemunhas de Jeová e como elas pregam. Depois de descrever detalhadamente nosso método de pregação, que consistia em apresentar a mensagem do Reino em mais de 15 visitas, ele continuou: ‘Se você não der nenhum sinal de objeção, o pregador sempre vai voltar. Se depois da segunda visita você também não objetar, virá uma terceira.’

“Em duas horas, ele descreveu seis dessas visitas palavra por palavra de acordo com nosso método. Com base em suas anotações, ele leu todos os textos bíblicos que usamos. Minha esposa, Polina, me escreveu sobre isso enquanto eu estava preso num campo. Ela descreveu como os irmãos presentes naquela palestra mal podiam acreditar no que estavam ouvindo. Depois dessa palestra, o jornal publicou uma matéria com comentários negativos sobre as Testemunhas de Jeová. No entanto, a mesma matéria continha uma descrição completa do Reino. Além disso, toda a palestra foi transmitida por rádio. Graças a isso, milhares de pessoas da cidade ouviram como as Testemunhas de Jeová pregam e o que pregam.

“Em 1962, um palestrante de Moscou chegou para falar a respeito das Testemunhas de Jeová. Depois de considerar a história moderna delas, ele disse: ‘Todo mês, milhões de dólares são enviados a Brooklyn na forma de donativos voluntários para promover as atividades das Testemunhas de Jeová em diversos países. Mas nenhum de seus líderes tem sequer um guarda-roupa. Todos comem juntos no refeitório, tanto a arrumadeira como o presidente, e não há diferença entre eles. Chamam uns aos outros de irmão, assim como nós nos chamamos de camaradas.’

“Por um tempo, o silêncio reinou no auditório. Daí, o palestrante acrescentou: ‘Mas nós não adotaremos a ideologia deles por melhor que pareça, pois queremos fazer tudo isso sem Deus, com as nossas próprias mãos e mentes.’

“Isso nos encorajou muito porque pela primeira vez ouvimos das próprias autoridades a verdade a respeito das Testemunhas de Jeová. Essas palestras também deram a muitas outras pessoas a oportunidade de ouvir das autoridades a verdade sobre as Testemunhas de Jeová. No entanto, as pessoas precisavam ver de primeira mão como os ensinos bíblicos poderiam melhorar sua vida.”

ESPIONAGEM NEM SEMPRE BEM-SUCEDIDA

A KGB usou por muitos anos escutas telefônicas clandestinas, interceptação de correspondência e outras formas de espionagem. Às vezes, a KGB instalava secretamente aparelhos de escuta na casa dos irmãos que tomavam a dianteira na congregação. Grigory Sivulski, que durante a proscrição foi superintendente de distrito por 25 anos, lembra-se de como descobriu um desses aparelhos no sótão, em 1958: “Morávamos em Tulun, Sibéria, no segundo andar de um prédio de apartamentos, nos arredores da cidade. Certa vez, ao chegar em casa, escutei o barulho de furadeira vindo do sótão do prédio. Imaginei que a KGB estivesse instalando aparelhos de escuta para nos espionar — uma prática deles bastante conhecida. A maior parte das publicações estava guardada no sótão e no telhado.

“À noitinha, quando nossa família estava reunida, contei a eles minha suspeita e concordamos que por um tempo não falaríamos de assuntos congregacionais. Ligamos o rádio, aumentamos o volume e o deixamos assim a semana inteira. No fim de semana, eu e outro irmão nos arrastamos pelo sótão e encontramos um cabo ligado a um aparelho de escuta. O cabo passava entre duas fileiras de tábuas de madeira em volta do telhado e seguia em direção à cidade, até os escritórios da KGB. Não havia dúvidas de que eles estavam gravando tudo, mas até então, só tinham conseguido escutar programas de rádio.”

A KGB SE INFILTRA NA ORGANIZAÇÃO

A KGB se deu conta de que a perseguição aberta não diminuiria o zelo das Testemunhas de Jeová. Assim, usando de astúcia e farsas, eles começaram a plantar sementes de desconfiança entre os irmãos contra os designados para supervisionar a obra e a organização como um todo. Uma de suas estratégias foi infiltrar agentes experientes nas congregações.

Muitos agentes conseguiram receber designações de dianteira na organização. Esses falsos irmãos fizeram de tudo para diminuir a atividade de pregação. Criaram uma atmosfera de medo e incerteza na qual se pudesse desenvolver suspeitas em relação aos irmãos que tomavam a dianteira. Além disso, eles mesmos retinham publicações dos irmãos e as entregavam à KGB. Um relatório declara que apenas dois agentes entregaram à KGB mais de 500 exemplares de A Sentinela, além de outras publicações, entre 1957 e 1959.

Em meados dos anos 50, alguns irmãos começaram a perder a confiança na Comissão do País. Surgiram rumores de que alguns dos membros da comissão estavam na verdade trabalhando para a KGB e traindo irmãos fiéis, incluindo os que duplicavam as publicações. Ivan Pashkovski se lembra: “Em abril de 1959, formou-se uma nova Comissão do País, e eu era um dos membros. Estávamos determinados a defender a verdade, independentemente dos esforços do Diabo de dividir a fraternidade. Havia começado o período mais difícil da história das Testemunhas de Jeová na URSS.”

À medida que as suspeitas aumentavam, alguns irmãos deixaram de enviar os relatórios de congregação à Comissão do País. Os publicadores continuaram ativos no ministério, entregando os relatórios regularmente. Mas a maioria deles não sabia que os relatórios não eram mais enviados à Comissão do País. Em 1958, milhares de publicadores se viram isolados da comissão por causa de alguns grupos de irmãos. Grupos que se separaram da organização continuaram a aumentar em Irkutsk, em Tomsk e, mais tarde, em outras cidades da Rússia. Em março de 1958, esses irmãos organizaram sua própria “comissão do país”, esperando que fosse reconhecida pelas congregações.

O Corpo Governante fez todo o possível para ajudar os irmãos na União Soviética a restabelecer sua união na adoração de Jeová. Alfred Rütimann, que morava na Suíça, era o encarregado do Escritório Norte-Europeu, que supervisionava a obra na União Soviética. Em 1959, ele enviou uma carta aos irmãos na Rússia, explicando que Jeová abençoaria apenas os que fizessem de tudo para manter a união e para pregar as boas novas do Reino. Alguns dos irmãos que tinham se separado aceitaram isso e começaram a se esforçar para ajudar outros a confiar de novo na Comissão do País. No entanto, levou anos para que essa confiança fosse completamente restabelecida. Até isso acontecer, a Comissão do País fornecia publicações bíblicas por meio de entregadores. Apesar de estudarem as publicações, os que se separaram continuaram a não entregar seus relatórios de serviço de campo.

A KGB continuou a plantar sementes de desconfiança entre os irmãos. Alguns eram deixados livres de propósito, enquanto outros eram presos. Assim, os irmãos de maneira geral tinham a impressão de que os que eram deixados livres estavam cooperando com a KGB. Muitos ficaram excessivamente desconfiados e críticos em relação a esses irmãos da dianteira.

JULGAMENTO RECEBE PUBLICIDADE

Um relatório enviado por um funcionário do governo, de Irkutsk para Moscou, dizia: “[As Testemunhas de Jeová na província de Irkutsk] desenvolveram inúmeras atividades ilegais. No segundo semestre de 1959, as agências da KGB descobriram cinco gráficas clandestinas.” Essas gráficas ficavam na Sibéria, nas cidades de Zima e de Tulun e nos povoados de Kitoy, Oktyabr’skiy e Zalari. Depois dessas descobertas, os que trabalhavam com a impressão foram presos.

Quatro irmãos, que inicialmente foram presos, deram por escrito seus depoimentos sobre as operações da gráfica. Com astúcia, os investigadores coagiram os irmãos a fazer isso. Depois a KGB distorceu e publicou esses depoimentos nos jornais da localidade. Os quatro irmãos foram libertados e outros oito, detidos. O julgamento aconteceria na cidade de Tulun, em abril de 1960. A KGB fez preparativos para que aquele julgamento recebesse muita publicidade e causasse alarde. Planejaram usar aqueles quatro irmãos como testemunhas da promotoria. Muitos nas congregações ficaram com a impressão de que esses irmãos estavam colaborando com a KGB.

A KGB também pretendia usar esse julgamento forjado para minar a fé das Testemunhas de Jeová que estivessem presentes e fazer a população ficar contra elas. Com isso em mente, antes do julgamento a KGB organizou visitas a um dos locais em que os irmãos imprimiram publicações por muitos anos. Logo, boatos a respeito de uma “seita” clandestina começaram a correr toda a cidade. No dia do julgamento, o auditório ficou lotado com mais de 300 pessoas, incluindo repórteres de TV e de jornal, alguns até de Moscou. Também havia muitas Testemunhas de Jeová presentes.

O TRIBUNAL ENTROU EM COMPLETA CONFUSÃO

De repente, os planos da KGB começaram a ir por água abaixo. Os irmãos que tinham dado aqueles depoimentos se deram conta de seu engano. No dia anterior ao julgamento, eles tomaram a firme decisão de fazer tudo o que pudessem para glorificar a Jeová. Durante o julgamento, disseram que tinham sido enganados e que seus depoimentos tinham sido distorcidos. Daí, anunciaram: “Estamos prontos para sentar no banco dos réus com nossos irmãos.” O tribunal entrou em completa confusão.

Além disso, durante o julgamento, os irmãos que estavam sendo interrogados conseguiram dar respostas que não incriminavam outros. Por exemplo, quando o juiz perguntou a Grigory Timchuk quem tinha construído a gráfica na casa dele, ele respondeu: “Fui eu.” Ao ser perguntado sobre quem imprimia as publicações, sua resposta foi: “Eu imprimia.” Quando quiseram saber quem distribuía as publicações, ele respondeu: “Eu.” Na pergunta sobre quem comprava e entregava o papel, mais uma vez ele respondeu: “Eu fiz isso também.” Daí, o promotor perguntou: “Quem é você? Seu próprio chefe, fornecedor e empregado?”

“ESSA CARTA ANIMOU NOSSO CORAÇÃO!”

Quando a promotoria viu que não tinha testemunhas a seu favor, o promotor acusou os irmãos de conspirarem com estrangeiros. Para provar isso, ele apresentou uma carta de Nathan H. Knorr, do Betel de Brooklyn. Mikhail Savitski, um dos irmãos presentes ao julgamento, diz: “O promotor começou a ler em voz alta uma carta do irmão Knorr escrita para os irmãos na União Soviética e que a KGB tinha interceptado. Para todas as Testemunhas de Jeová presentes no auditório, aquilo foi um maravilhoso presente de Jeová. Essa carta animou nosso coração! Ouvimos sábios conselhos da Bíblia e encorajamento para servir aos nossos irmãos com amor e para permanecermos fiéis sob provas. Além disso, fomos incentivados a confiar em Deus em todas as coisas, a pedir sua sabedoria e orientação e também a trabalhar de perto com irmãos designados. O promotor leu a carta do começo ao fim. Escutamos com muita atenção. Parecia que estávamos assistindo a um congresso.” Apesar de o tribunal ter sentenciado os irmãos a vários anos de prisão, os que assistiram ao julgamento continuaram determinados a servir a Jeová.

UNIDOS NOVAMENTE EM ADORAR A JEOVÁ COM ALEGRIA

A KGB achava que tinha conseguido impedir a atividade das Testemunhas de Jeová na União Soviética e, então, planejava dar o golpe final. Em 1960, mais de 450 irmãos foram inesperadamente presos num mesmo campo na Mordóvia. Entre esses estavam os que tomavam a dianteira nos dois grupos de irmãos — os que tinham se separado da organização e os que não haviam feito isso. A KGB achava que isso dividiria a organização de forma definitiva. O jornal do campo de trabalhos forçados publicou um artigo difamatório, explicando quem brigaria com quem. Mas os irmãos viram nisso uma oportunidade de se unirem, aproveitando o fato de que estavam juntos.

Iov Andronic se lembra: “Os irmãos da dianteira incentivaram cada Testemunha de Jeová, incluindo as que tinham se separado, a se esforçarem pela união. Eles deram atenção especial a um artigo publicado na edição em russo de A Sentinela de 1.º de setembro de 1961, intitulado ‘Prometida a união de todos os homens de boa vontade’. O artigo trazia princípios e exemplos que mostravam como Jeová orientava seu povo no passado. Também considerava a necessidade de todos se esforçarem para manter a paz e a união na congregação cristã. Ao estudarem o artigo com atenção, muitos perceberam o valor da união teocrática e reagiram de modo favorável.”

CURADOS PELO ALIMENTO ESPIRITUAL

Aquele artigo em A Sentinela também ajudou as Testemunhas de Jeová que não estavam presas a recuperar sua união. Os irmãos da dianteira oraram e leram a matéria juntos. O artigo dizia que, por estar doente, o irmão Rutherford não mais fazia discursos. Ele havia proferido seu último discurso num congresso em agosto de 1941. Incentivando os irmãos a permanecerem achegados à organização de Jeová e a não seguirem nenhum líder humano, ele havia dito: ‘Cada vez que alguma coisa surge e começa a crescer, eles dizem que certo homem é um líder com muitos adeptos. Se vós, os que estais aqui, credes que sou apenas um servo do Senhor, e que trabalhamos ombro a ombro em união, servindo a Deus e servindo a Cristo, dizei Sim.’ A resposta forte e inequívoca foi um unânime “Sim!”

Mikhail Savitski recorda: “Naquela época, as Testemunhas de Jeová na União Soviética precisavam muito dessa união. Ficamos muito gratos a Jeová por ele nos ter fornecido ajuda espiritual de forma amorosa e paciente. Um irmão que havia se separado da organização logo me pediu aquela revista, dizendo: ‘Deixe-me levá-la para que possamos lê-la aos irmãos em Bratsk e em outros lugares.’ Eu disse a ele que só tínhamos uma revista. Mas ele me garantiu que a devolveria na semana seguinte. Ele realmente devolveu a revista, e com ela entregou os relatórios de serviço de campo de muitas congregações, referentes a um longo período. Centenas de irmãos retornaram para a unida família de adoradores de Jeová.”

Ivan Pashkovski, membro da Comissão do País por mais de 30 anos, se lembra: “Por meio de um irmão que viria do exterior, solicitamos ao irmão Knorr que pedisse aos irmãos em nosso país para permanecerem unidos e se submeterem à ordem teocrática. O irmão Knorr concordou, e em 1962 recebemos 25 cópias de sua carta em dois idiomas, inglês e russo. Essa carta fez muitos irmãos caírem em si.”

AS OVELHAS ESCUTAM A VOZ DE SEU PASTOR

A Comissão do País trabalhou muito para unir os irmãos. Naquelas circunstâncias, isso não era uma tarefa fácil. Até o verão de 1962, um distrito inteiro havia se unido novamente à organização. Irmãos espirituais maduros foram designados para uma comissão especial. Jeová abençoou os esforços deles, dando-lhes a “sabedoria de cima”. (Tia. 3:17) Aleksei Gaburyak, superintendente de circuito de 1986 a 1995, recorda: “Nós nos encontramos com a Comissão do País na cidade de Usolye-Sibirskoye, em 1965. A comissão nos pediu para procurar todos os irmãos que haviam se dispersado por causa do exílio, das prisões e das divisões, e que os reuníssemos novamente com as congregações. Recebemos os endereços de alguns deles para começar. Meu território incluía as províncias de Tomsk e Kemerovo e também as cidades de Novokuznetsk e Novosibirsk. Outros irmãos receberam territórios diferentes. Tínhamos de organizar congregações e grupos, bem como designar e treinar irmãos para tomarem a dianteira nas congregações. Além disso, precisávamos elaborar uma rota de entrega de publicações e organizar as reuniões congregacionais debaixo das condições impostas pela proscrição. Em pouco tempo, visitamos 84 irmãos que tinham perdido contato com a organização. Ficamos muito felizes pelas ‘ovelhas’ de Jeová terem mais uma vez escutado a voz do Pastor Excelente e voltado a servi-lo com seu povo.” — João 10:16.

Logo, muitos dos que tinham se separado estavam unidos outra vez com a Comissão do País e passaram a enviar seus relatórios de serviço de campo. Até 1971, mais de 4.500 publicadores haviam voltado para a organização de Jeová. Em meados dos anos 80, apesar da proscrição, a obra de pregação estava em andamento e novos se achegavam às congregações.

PRECIOSOS MICROFILMES

Reproduzir alimento espiritual sempre exigiu muito esforço por parte de cuidadosos e corajosos irmãos na União Soviética. Mas como é que o alimento espiritual chegava até eles?

Uma das maneiras mais comuns era por meio de microfilmes. Num país vizinho, os irmãos fotografavam nossos livros, revistas e brochuras publicados principalmente em russo e ucraniano, mas também em muitos outros idiomas. Isso era feito de modo meticuloso, página por página, com uma câmara de microfilmagem com filme de 30 metros. Todas as publicações eram fotografadas várias vezes, produzindo muitas cópias para facilitar a distribuição. Com o passar dos anos, isso resultou em muitos quilômetros de alimento espiritual em microfilme. Cortados em tiras de 20 centímetros para facilitar o manuseio, os microfilmes estavam prontos para ser levados à União Soviética pelos entregadores.

GRÁFICAS CLANDESTINAS NA SIBÉRIA

Duplicar publicações bíblicas era difícil, mas Jeová abençoou esse trabalho. Apenas entre 1949 e 1950, os irmãos duplicaram e entregaram às congregações 47.165 exemplares de várias publicações. Além disso, apesar de muita oposição, a Comissão do País relatou que nesse mesmo período foram realizadas 31.488 reuniões no país.

A demanda por publicações aumentava constantemente, gerando a necessidade de novas gráficas. Stakh Savitski diz: “Em 1955, montamos uma gráfica clandestina em nossa casa. Tivemos de pedir permissão ao meu pai já que ele não era Testemunha de Jeová. Por uns dois meses, cavamos um buraco de 8 metros quadrados debaixo de nossa varanda. Nesse período, retiramos cerca de 30 metros cúbicos de terra do local. Tínhamos de levar a terra para fora e escondê-la de algum jeito para que ninguém percebesse nada. Quando chegamos a 1,5 metro de profundidade, atingimos solo congelado. Assim, enquanto estávamos no trabalho secular, minha mãe descongelava o solo por fazer uma pequena fogueira com madeira seca, tentando não chamar a atenção dos vizinhos. Mais tarde, revestimos o buraco com tábuas para fazer o chão e o teto. Assim que o local ficou pronto, um casal se mudou para lá. Eles iriam trabalhar e morar nesse porão. Minha mãe fazia comida para eles, lavava suas roupas e cuidava deles. Essa gráfica funcionou até 1959.

“Em 1957, o irmão que supervisionava a duplicação de publicações me perguntou: ‘Será que você pode trabalhar na gráfica? Precisamos produzir pelo menos 200 revistas por mês.’ No começo, eu fazia 200 revistas, depois 500. Mas a necessidade de publicações sempre aumentava. Tínhamos de trabalhar na gráfica à noite, pois éramos exilados e trabalhávamos em linhas de produção durante o dia e só tínhamos uma folga por semana.

“Quando eu chegava do trabalho, ia direto para a gráfica. Eu quase nem dormia, visto que o trabalho de impressão, uma vez começado, tinha de ir até o fim. Não era possível interromper o trabalho e continuá-lo mais tarde, senão a tinta secava. Às vezes, eu tinha de imprimir 500 páginas e depois verificar cada uma delas para fazer pequenas correções com uma agulha a fim de que o texto ficasse legível. Havia pouca ventilação e, por isso, era difícil secar as páginas depois de impressas.

“Eu entregava as revistas durante a noite na cidade de Tulun, a 20 quilômetros de casa. Eu não sabia exatamente para onde elas iam depois, mas eu sabia que as revistas eram usadas por Testemunhas de Jeová em Krasnoyarsk, Bratsk, Usolye-Sibirskoye e em outras cidades.

“Em 1959, irmãos da dianteira pediram minha ajuda para construir uma nova gráfica em Tulun, perto da estação de trem. Mais uma vez realizei tarefas que eu conhecia bem, como escavar o solo e instalar a parte elétrica, coisas que eu já havia feito na construção da primeira gráfica. Jeová nos deu sabedoria. Uma família se mudou para o local da nova gráfica e trabalhou ali por cerca de um ano. Por fim, a KGB descobriu a gráfica. O jornal local publicou que ‘a instalação elétrica tinha sido feita de tal forma que até eletricistas experientes tiveram dificuldade para entendê-la’.

“Fora minha família, apenas alguns irmãos sabiam a respeito de meu trabalho na gráfica. Visto que ninguém me via à noite, os irmãos da congregação se preocupavam com minha espiritualidade. Eles vinham à minha casa para me visitar e encorajar, mas eu nunca estava lá. De fato, naquele tempo de vigilância total, o trabalho na gráfica tinha de ser estritamente confidencial.”

DUPLICAÇÃO DE PUBLICAÇÕES EM MOSCOU

As autoridades sabiam muito bem que as Testemunhas de Jeová precisavam com urgência de Bíblias e publicações bíblicas. Pedidos feitos vez após vez pelo Corpo Governante solicitando permissão para imprimir ou importar publicações foram rejeitados ou ignorados. Como faltavam publicações, os irmãos sempre procuravam meios de duplicá-las em várias partes do país, incluindo Moscou, a fim de suprir de alimento espiritual as congregações e os grupos.

Em 1957, Stepan Levitski foi sentenciado a dez anos de prisão por possuir um único exemplar de A Sentinela, encontrado debaixo de uma toalha na mesa de jantar. Stepan conta: “Após três anos e meio, a Suprema Corte anulou minha sentença. Antes de ser libertado, os irmãos sugeriram que eu me mudasse para algum lugar perto de Moscou a fim de participar na obra de pregação e me empenhar em outras atividades espirituais. Encontrei um lugar para morar numa região a duas horas de Moscou e comecei a pregar em várias partes da capital. Jeová abençoou esses esforços e, depois de alguns anos, formou-se um grupo em Moscou. Em 1970, fui designado para um circuito que abrangia Moscou, Leningrado (atual São Petersburgo), Gorki (atual Nizhniy Novgorod), Orel e Tula. Eu seria responsável por fornecer publicações às congregações.

“Eu tinha certeza de que era a vontade de Jeová que Moscou e outras partes da Rússia recebessem uma quantidade adequada de publicações bíblicas. Expressei a Jeová em oração meu desejo de fazer mais nesse respeito. Em pouco tempo conheci um especialista em impressão que tinha contato com várias gráficas de Moscou. Como quem não quer nada, perguntei-lhe se era possível imprimir uma pequena tiragem de um livro em alguma gráfica em Moscou.

“‘Que livro?’, perguntou ele.

“‘Do Paraíso Perdido ao Paraíso Recuperado’, respondi com receio.

“Um amigo achegado dele trabalhava numa gráfica. Esse amigo era comunista e líder de uma organização partidária. Por dinheiro, ele concordou em imprimir um pequeno lote de livros. Foi uma bênção os irmãos poderem segurar em suas mãos essa ferramenta de estudo da Bíblia!

“Era muito arriscado imprimir nossas publicações dessa maneira, tanto para mim como para quem imprimia. Assim que cada lote saía da impressora, em geral à noite, tinha de ser retirado rapidamente da gráfica sem que ninguém percebesse. Jeová abençoou esse trabalho e muitas publicações foram impressas naquela gráfica, incluindo os livros “A Verdade Vos Tornará Livres”, A Verdade Que Conduz à Vida Eterna e até o cancioneiro! Não havia dúvidas de que se tratava de alimento espiritual no tempo apropriado. (Mat. 24:45) Conseguimos usar essa gráfica por nove anos.

“Mas certo dia, a supervisora da gráfica apareceu de repente enquanto uma de nossas publicações estava sendo impressa. O impressor ajustou a impressora bem rápido e ela começou a imprimir uma revista sobre saúde. Mas como ele estava com pressa, sem querer colocou seis páginas de nossa publicação na revista e a supervisora levou um exemplar recém-impresso para seu escritório. Ao ler a revista, ela ficou surpresa de encontrar matéria que com certeza não tinha nada a ver com a revista. Ela chamou o impressor e perguntou como aquelas páginas tinham ido parar ali. Depois disso, a KGB assumiu o caso. O impressor, ameaçado de pegar uma longa sentença, contou tudo o que sabia. Por causa disso, a KGB me encontrou rapidamente, já que eu era bem conhecido deles como a única Testemunha de Jeová em Moscou. Fui sentenciado a cinco anos e meio de prisão.” O impressor foi condenado a três anos.

“QUE VENHA O ARMAGEDOM!”

Muitos irmãos ficaram presos em celas por longos períodos. Grigory Gatilov passou 15 anos na prisão. Ele relembra: “A última prisão em que fiquei tinha um nome romântico: Cisne Branco. Ficava numa bela região do Cáucaso, no topo de uma das cinco montanhas da região. A cidade de veraneio de Pyatigorsk ficava entre essas montanhas. Nessa prisão, pude pregar as boas novas a várias pessoas durante um ano inteiro. Minha cela era um excelente ‘território’ e eu nem precisava sair dela. Os diretores da prisão colocavam pessoas na cela e depois de alguns dias as retiravam dali, mas eu sempre permanecia. Raramente eles me transferiam de cela. Tentei dar a todos um testemunho cabal a respeito do Reino de Jeová. Muitos prisioneiros tinham perguntas sobre o Armagedom. Alguns deles ficavam surpresos com o fato de uma pessoa ficar tanto tempo presa por causa de sua fé. ‘Por que você não renuncia à sua fé e vai para casa?’, perguntavam alguns dos presos e, às vezes, até os diretores da prisão. Eu ficava muito feliz quando um deles demonstrava interesse sincero pela verdade. Uma vez, vi que alguém tinha rabiscado nas paredes de uma cela: ‘Que venha o Armagedom!’ Embora não fosse bom ficar preso, eu ficava feliz de poder falar a respeito da verdade.”

“HÁ JONADABES ENTRE VOCÊS?”

Muitas irmãs zelosas no serviço de Jeová também ficaram presas em campos. (Sal. 68:11) Zinaida Kozyreva se lembra de como as irmãs demonstravam amor umas pelas outras e por aqueles que não eram Testemunhas de Jeová: “Em 1959, menos de um ano depois de meu batismo, Vera Mikhailova, Lyudmila Yevstafyeva e eu fomos levadas para um campo em Kemerovo, Sibéria. O campo tinha 550 prisioneiras. Várias mulheres estavam paradas na entrada do campo quando chegamos.

“‘Há jonadabes entre vocês?’, perguntaram.

“Percebemos que eram nossas queridas irmãs. Elas rapidamente nos deram comida e começaram a fazer perguntas. Elas irradiavam afeto e amor sincero, algo que eu nunca tinha sentido em minha própria família. Sabendo que éramos novas no campo, as irmãs se tornaram nosso apoio. (Mat. 28:20) Logo ficou claro para nós que o programa de alimentação espiritual nesse campo era muito bem organizado.

“Éramos uma verdadeira família. Era agradável em especial no verão, quando colhíamos feno. A administração do campo não temia que fôssemos fugir ou quebrar as regras do campo. Um único soldado tomava conta de um grupo de 20 ou 25 irmãs; mas, na verdade, nós tomávamos conta dele! Quando alguém se aproximava, nós o acordávamos para que ele não fosse punido por dormir no trabalho. Enquanto ele dormia, conversávamos sobre assuntos espirituais durante nossos intervalos. Aquele sistema era bom tanto para o guarda como para nós.

“No final de 1959, algumas das irmãs e eu fomos enviadas a um campo de segurança máxima. Fomos colocadas numa cela fria cuja janela não tinha vidros. Dormíamos em tábuas à noite e trabalhávamos durante o dia. As autoridades nos designaram para separar vegetais e ficavam de olho em nosso comportamento. Assim que ficaram convencidos de que não roubávamos como as outras presas, eles nos deram feno para usar como colchão e colocaram vidro na janela. Ficamos um ano ali. Depois desse período, todas as irmãs foram enviadas a um outro campo em Irkutsk.

“Esse campo tinha cerca de 120 irmãs. Ficamos ali por um ano e três meses. O primeiro inverno foi extremamente frio e caiu muita neve. Realizávamos trabalho pesado na madeireira. Os capatazes nos revistavam com freqüência em busca de publicações. Parecia que essa era a única maneira que eles tinham para passar o tempo. Já tínhamos aprendido a arte de esconder bem nossas publicações — às vezes, bem até demais. Certa vez, Vera e eu escondemos tão bem alguns pedaços de papel com o texto do dia que não conseguíamos encontrá-los em nossas próprias jaquetas de trabalho. Mas um capataz os encontrou e nós fomos colocadas na solitária por cinco dias. Do lado de fora, fazia menos de 40 °C negativos e uma camada de geada cobria as paredes da cela, que não era aquecida.

“Havia pequenas prateleiras de concreto na cela, que só davam para sentarmos. Quando ficávamos com muito frio, dormíamos sentadas apoiando as costas uma na outra, e dobrando as pernas contra a parede. Ao acordar de repente, nos levantávamos com medo de morrer congeladas durante o sono. Recebíamos um copo de água quente e 300 gramas de pão preto por dia. Apesar disso, éramos felizes, pois Jeová nos dava ‘poder além do normal’. (2 Cor. 4:7) As irmãs foram muito gentis conosco quando pudemos voltar para os alojamentos. Elas prepararam comida quente e aqueceram água a fim de que pudéssemos tomar banho.”

“CAPAZ DE SE DAR BEM COM OUTROS”

Zinaida continua: “Era difícil pregar nesse campo, visto que havia poucas prisioneiras e todas conheciam as Testemunhas de Jeová. O princípio por trás de 1 Pedro 3:1 foi muito apropriado nessa situação. Chamávamos isso de pregar sem palavras. Mantínhamos nosso alojamento limpo e em ordem. Também éramos amigáveis e gentis nos nossos relacionamentos umas com as outras. (João 13:34, 35) Além disso, nos dávamos bem com quem não era Testemunha de Jeová. Procurávamos agir do modo como a Palavra de Deus ensina e ficávamos atentas às necessidades de outros. Às vezes, ajudávamos de diversas formas quem não era Testemunha de Jeová. Uma irmã, por exemplo, ajudava de bom grado prisioneiras que precisavam fazer cálculos matemáticos. Muitos percebiam que as Testemunhas de Jeová eram diferentes de pessoas de outras religiões.

“Em 1962 fomos transferidas do campo em Irkutsk para um na Mordóvia. Nesse campo também procuramos manter uma boa aparência e bons hábitos de higiene pessoal. Nossas camas estavam sempre limpas e bem arrumadas. Cerca de 50 prisioneiras moravam em nosso alojamento, a maioria irmãs. Somente as irmãs limpavam o alojamento, visto que as outras prisioneiras não gostavam de fazer esse tipo de trabalho. O chão era sempre lavado e areado, e a administração do campo nos fornecia o material necessário para isso. As freiras e aquelas que tinham mais estudo se recusavam a limpar o alojamento. Por isso, a situação de nosso ambiente dependia quase exclusivamente de nossos esforços. Sempre que uma irmã era libertada, seu relatório dizia que ela era ‘adaptável e capaz de se dar bem com outros’.”

FLORES ALTAS ERAM UM ESCONDERIJO PERFEITO

“Certa vez”, diz Zinaida, “várias irmãs escreveram para casa pedindo sementes de flores grandes. Dissemos à administração que queríamos plantar belas flores e perguntamos se um pouco de terra preta adubada poderia entrar no campo para esse fim. Para a nossa surpresa, concordaram de bom grado. Plantamos canteiros de flores ao longo dos alojamentos e fizemos caminhos com elas. Logo, o campo estava cheio de rosas com longos caules, belas cravinas-do-poeta e outras lindas flores, e o mais importante: elas eram altas. Belas dálias e grupos de muitas margaridas compridas de várias cores floresciam no canteiro central. Nós caminhávamos por ali, estudávamos a Bíblia atrás das flores e escondíamos publicações nas exuberantes roseiras.

“As reuniões eram realizadas enquanto caminhávamos. Nós nos organizávamos em grupos de cinco. Cada uma de nós memorizava com antecedência um de cinco parágrafos de alguma publicação. Daí, depois de uma oração inicial, recitávamos uma por vez nossos parágrafos e depois os considerávamos. Após a oração final, continuávamos a caminhar. Nossas revistas A Sentinela eram feitas na forma de folhetos bem pequenos [como o que aparece na foto da página 161]. Todo dia estudávamos alguma coisa, em especial o texto diário, e recitávamos parágrafos para nossas reuniões, realizadas três vezes por semana. Além disso, tentávamos memorizar capítulos inteiros da Bíblia e repeti-los umas para as outras a fim de nos fortalecer. Dessa maneira, não ficávamos muito preocupadas caso as autoridades acabassem confiscando nossas publicações durante as buscas.

“Embora a administração do campo tenha tentado descobrir por meio de outras prisioneiras como nossas atividades estavam organizadas no campo, muitas prisioneiras gostavam de nós. Olga Ivinskaya morava conosco no mesmo alojamento. Ela era companheira do famoso escritor e poeta Boris Pasternak, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Ela era escritora e, como gostava de nós, ficava admirada de ver como as Testemunhas de Jeová estavam bem organizadas. Jeová nos deu sabedoria, principalmente para que pudéssemos ter alimento espiritual entre nós.” — Tia. 3:17.

“JÁ CHEGA DE VOCÊ!”

“As publicações chegavam a nós de diversas maneiras”, continua Zinaida. “Com freqüência, ficava evidente que era Jeová quem supervisionava todo o processo, conforme ele prometeu: ‘De modo algum te deixarei e de modo algum te abandonarei.’ (Heb. 13:5) Às vezes, ele simplesmente ‘cegava’ os guardas. Certa vez, no inverno, quando nosso grupo de trabalho passou pelos portões para entrar no campo, os guardas nos revistaram como sempre, pedindo que tirássemos as roupas. Entrei por último, trazendo debaixo de duas calças compridas publicações recém-produzidas.

“Por causa do frio, eu estava vestida de várias camadas de roupa. Primeiro, a capataz revistou meu casaco de inverno e depois uma blusa acolchoada sem mangas que ficava debaixo do casaco. Decidi tornar o processo mais demorado na esperança de que a capataz ficasse cansada com aquilo. Tirei devagar um suéter e depois outro. Enquanto ela os revistava com cuidado, eu tirava devagar vários cachecóis, depois um colete, daí uma camisa, e outra camisa. Sobraram apenas as duas calças e minhas botas de feltro. Tirei bem devagar uma bota e depois a outra. Com a mesma lentidão, tirei a primeira calça e pensei: ‘O que vou fazer agora? Se ela disser para eu tirar a outra calça, vou ter de correr e jogar as publicações para as irmãs.’ Assim que tirei a primeira calça, a capataz gritou irritada: ‘Já chega de você! Saia daqui!’ Eu me vesti rapidamente e corri para dentro do campo.

“Onde conseguíamos as publicações? Os irmãos as deixavam num local combinado e nós nos revezávamos para buscá-las e trazê-las ao campo. No campo, escondíamos as publicações num lugar seguro, que mudávamos de tempos em tempos. Também sempre copiávamos as publicações à mão e escondíamos as cópias. Fazíamos isso debaixo de cobertores e com a ajuda da luz da rua que entrava pela janela; a luz passava por um pequeno buraco no cobertor. Sempre nos mantínhamos ocupadas a fim de não perder nem sequer um minuto. Mesmo no refeitório, cada uma de nós levava um papel com um texto bíblico anotado.”

“CHEGOU A VEZ DE VOCÊS”

Em 1965, o governo soviético inesperadamente emitiu uma ordem especial libertando todas as Testemunhas de Jeová que tinham sido exiladas na Sibéria entre 1949 e 1951. No entanto, a maioria dos irmãos não obteve permissão de retornar para onde morava antes. Os que não quiseram permanecer na Sibéria decidiram se mudar para regiões onde havia maior necessidade de pregadores.

Magdalina Beloshitskaya diz: “Ficamos exilados na Sibéria por quase 15 anos. No inverno, as temperaturas podiam chegar a 60 °C negativos e no verão havia nuvens de moscões e mosquitos que atacavam até o olho. Sobrevivemos a tudo com a ajuda de Jeová. Mas como foi maravilhoso poder plantar as sementes da verdade naquele território frio. Todo mês, por 15 anos, assinávamos uma declaração no gabinete do supervisor, dizendo que não tentaríamos fugir do exílio. Às vezes, o supervisor vinha e passava a noite em nossa casa. Nessas ocasiões, ele era muito bondoso conosco e fazia muitas perguntas sobre a Bíblia e sobre o que era necessário para viver de acordo com os ensinos dela. Ele perguntava o que nos motivava a escolher esse modo de vida mesmo sabendo que seríamos perseguidos. Certa vez, perguntamos a ele se havia alguma esperança de um dia sermos libertados do campo. Ele abriu a palma da mão e perguntou: ‘Há alguma possibilidade de um fio de cabelo crescer aqui?’

“‘Não’, respondi.

“‘Essa é a esperança que há para vocês’, continuou ele. Daí, depois de pensar um pouco, ele acrescentou: ‘A não ser que seu Deus aja de alguma maneira ou realize um milagre.’

“Num dia de verão em 1965, fui até a estação de trem colocar uma carta no correio. Observando-me à distância, o supervisor gritou: ‘Magdalina, onde você vai sem permissão?’

“‘No momento não vou a lugar nenhum’, disse eu. ‘Vou colocar uma carta no correio’. Daí ele se aproximou e disse: ‘Hoje vocês serão libertados. Chegou a vez de vocês.’ Então ele me olhou de um jeito como se dissesse: ‘Deus libertou vocês!’ Eu mal podia acreditar!

“Podíamos ir para qualquer lugar na União Soviética, exceto para o lugar onde morávamos antes do exílio. Era como se escutássemos a voz de Jeová dizendo: ‘Espalhem-se e preguem. O tempo exige isso e não vai esperar, aproveitem.’ Se tivéssemos recebido permissão de voltar para casa, muitos de nós teríamos ido morar no lugar de onde viemos. Mas visto que isso não aconteceu, todos se mudaram para um novo lugar. Nossa família decidiu ir para o Cáucaso.”

Milhares de Testemunhas de Jeová se espalharam pela União Soviética. Numa conferência de Estado realizada naquele mesmo ano, uma autoridade perguntou atônito: “Alguém pode me dizer como essa seita jeovista veio parar em nossa nova cidade, que acabou de ser construída por jovens voluntários? Uma cidade nova, limpa e, de repente, essa seita aparece!” As autoridades simplesmente não sabiam o que fazer com as Testemunhas de Jeová. Ninguém pode impedir o cumprimento da promessa de Deus de encher a Terra com o “conhecimento de Jeová”. — Isa. 11:9.

“VOCÊS TÊM ‘ÁGUA BENTA’”

As Testemunhas de Jeová foram enviadas a campos penais por causa de sua atividade de pregação. Nikolai Kalibaba, que passou muitos anos nesses campos, relembra: “Quatro de nós fomos enviados a um campo penal no povoado de Vikhorevka, província de Irkutsk, onde já havia cerca de 70 irmãos. Não tinha água potável; o único cano de água era conectado ao sistema de esgoto e por isso era perigoso beber aquela água. A comida também não era boa para consumo, mas Jeová nos ajudou. Nesse campo, ninguém, exceto as Testemunhas de Jeová, queria trabalhar. Nós éramos bons trabalhadores. Logo a administração percebeu isso e fomos designados para trabalhar em outras partes do campo. Podíamos trazer água potável em baldes. Muitos prisioneiros diziam: ‘Ouvimos falar que vocês têm “água benta”. Dêem-nos pelo menos um pouco.’ É claro que nós dividíamos a água.

“Entre os prisioneiros havia pessoas de bom coração. Alguns deles eram ex-ladrões e outros tipos de criminosos. Aprenderam a verdade e se tornaram Testemunhas de Jeová. Outros pareciam ser contra a verdade e se opunham abertamente a nós. Mas certa vez, quando um palestrante foi ao nosso campo falar mal das Testemunhas de Jeová, esses prisioneiros nos defenderam e disseram que a palestra continha calúnias contra as Testemunhas de Jeová.”

“ENCONTRAREMOS VOCÊS EM GRUPOS”

Os irmãos sempre pediam sabedoria a Jeová a fim de aproveitar suas circunstâncias para promover os interesses do Reino. Nikolai continua: “Soubemos que logo seríamos transferidos para outro campo na Mordóvia, não muito longe de Moscou. Antes de partirmos, aconteceu algo interessante. Para nossa surpresa, alguns policiais e capatazes, que haviam vigiado as Testemunhas de Jeová por vários anos, se aproximaram de nós e disseram: ‘Gostaríamos de pedir que cantassem seus cânticos e que nos falassem mais sobre suas crenças. Encontraremos vocês em grupos de 10 a 20 pessoas, talvez mais.’

“Temendo o que pudesse acontecer a nós e a eles, esses homens disseram que organizariam guardas para vigiar o local onde iríamos nos reunir. Dissemos que por termos mais experiência no assunto, também designaríamos nossos próprios vigias. Os vigias deles fizeram exatamente o mesmo que os nossos: soldados ficaram parados a certa distância uns dos outros entre o quartel e o local onde estávamos reunidos. Consegue imaginar isso? Um grupo de Testemunhas de Jeová entoando cânticos para um grupo de policiais e capatazes e depois um irmão proferindo um breve discurso sobre um assunto bíblico! Era como se estivéssemos no Salão do Reino! Foi assim que realizamos muitas reuniões com grupos de pessoas interessadas. Vimos como Jeová cuidava não apenas de nós, mas também desses interessados.

“Levamos muitas revistas desse campo para o campo na Mordóvia”, diz Nikolai. “Muitas Testemunhas de Jeová estavam presas ali. Os irmãos me deram uma mala com laterais falsas, onde cabiam publicações. Tudo foi feito de modo que a mala não atraísse a atenção dos capatazes durante uma busca. No campo na Mordóvia, fomos meticulosamente revistados. Um capataz pegou minha mala e disse: ‘Como isso está pesado! Deve haver algum tesouro aqui!’ Sem mais nem menos, ele colocou minha mala e outras coisas de lado e começou a revistar os pertences de outros. Depois que a revista terminou, outro capataz disse: ‘Pegue suas coisas e saia daqui!’ Minha mala não foi revistada e por isso pude levar para o alojamento um bom suprimento de alimento espiritual atualizado que era tão necessário.

“Mais de uma vez transportei nas minhas botas tratados escritos à mão. Visto que eu tenho pés grandes, sempre havia espaço nas botas para muitas folhas de papel. Eu colocava os papéis debaixo da palmilha e cobria a bota com muita graxa. Essa graxa era grudenta e tinha um cheiro horrível, de modo que os capatazes ficavam longe das minhas botas.”

“OS CAPATAZES NOS VIGIAVAM, E EU VIGIAVA A ELES”

Nikolai continua: “No campo na Mordóvia, os irmãos me designaram para supervisionar a duplicação de publicações. Uma das minhas responsabilidades era vigiar os capatazes a fim de que os que estivessem copiando as publicações tivessem tempo de esconder tudo. Os capatazes nos vigiavam, e eu vigiava a eles. Alguns deles, determinados a nos pegar no flagra, entravam no alojamento de repente e com freqüência. Era muito difícil ficar de olho neles. Outros entravam no alojamento uma vez por dia. Esses eram mais tolerantes e não nos causavam problemas.

“Nessa época, fazíamos cópias dos originais, que ficavam escondidos em locais seguros. Vários originais eram escondidos no fogão, até mesmo no fogão que ficava no escritório do diretor do campo. Os irmãos que limpavam o escritório dele fizeram uma câmara especial no fogão e ali nós escondíamos os preciosos originais de muitos exemplares de A Sentinela. Não importava quanto cuidado os capatazes tivessem em nos revistar, os originais estavam sempre seguros no escritório do diretor.”

Os irmãos adquiriram habilidade em esconder publicações. O lugar favorito era o parapeito de uma janela. Os irmãos também aprenderam a esconder publicações em tubos de pasta de dente. Somente dois ou três irmãos sabiam onde os originais ficavam guardados. Quando surgia a necessidade, um deles pegava o original e depois de duplicá-lo à mão colocava-o no mesmo lugar. Dessa maneira, os originais sempre ficavam seguros. A maioria dos irmãos considerava um privilégio trabalhar na duplicação das publicações, apesar de correr o risco de ficar na solitária por 15 dias. Viktor Gutshmidt se lembra: “Dos dez anos que fiquei nos campos, três foram na solitária.”

SENTINELAS DE TEIA DE ARANHA

Os irmãos achavam que a administração do campo tinha desenvolvido um sistema especial para procurar e confiscar publicações bíblicas das Testemunhas de Jeová. Alguns policiais faziam isso com muita diligência. Ivan Klimko relata: “Certa vez no campo n.º 19, na Mordóvia, soldados com cachorros mantiveram os irmãos do lado de fora do campo e fizeram uma busca cuidadosa. Cada Testemunha de Jeová teve de tirar a roupa, até os trapos que usavam nos pés. Mas alguns irmãos tinham colado páginas copiadas à mão na planta dos pés, onde não foram descobertas. Eles também prepararam pequenos folhetos que cabiam entre os dedos. Quando os guardas ordenavam que levantassem as mãos, os folhetos ficavam entre os dedos e, mais uma vez, alguns eram salvos.”

Havia outras maneiras de proteger o alimento espiritual. Aleksei Nepochatov diz: “Alguns irmãos conseguiam produzir o que chamávamos de escrita de teia de aranha. A ponta de uma caneta era afiada para ficar bem fina e em cada espaço entre as linhas de um caderno com pauta cabiam três ou quatro linhas. Numa caixa de fósforos cabia de cinco a seis cópias de A Sentinela com esse tipo de escrita. Para escrever assim, a pessoa precisava enxergar muito bem e se esforçar bastante. Depois que as luzes eram apagadas e todos iam dormir, esses irmãos faziam as cópias debaixo de um cobertor. A única luz disponível vinha de uma lâmpada fraca que ficava acesa na entrada do alojamento. Depois de alguns meses realizando esse trabalho continuamente, a visão da pessoa enfraquecia. Às vezes um guarda percebia o que estávamos fazendo e, se gostasse de nós, dizia: ‘Ainda escrevendo — quando é que você vai dormir?’”

O irmão Klimko se lembra: “Certa ocasião, perdemos uma grande quantidade de publicações, incluindo a Bíblia. Tudo tinha sido escondido na perna artificial de um irmão. Depois de forçarem o irmão a tirar a perna, os guardas a destruíram. Eles tiraram fotos das páginas espalhadas pelo chão e publicaram-nas no jornal do campo. Mesmo assim, isso foi muito útil para mostrar mais uma vez que as Testemunhas de Jeová estavam empenhadas exclusivamente em atividades religiosas. Depois dessa descoberta, o diretor do campo disse aos irmãos em tom sarcástico: ‘Isso é o Armagedom para vocês!’ No dia seguinte, porém, alguém relatou a ele que as Testemunhas de Jeová estavam se reunindo, cantando e lendo como de costume.”

UMA CONVERSA COM O PROMOTOR GERAL

No final de 1961, o promotor geral da República Socialista Federativa Soviética da Rússia foi inspecionar o campo na Mordóvia. Ao caminhar pelo campo, ele entrou no alojamento onde as Testemunhas de Jeová ficavam. Ele permitiu que os irmãos fizessem algumas perguntas. Viktor Gutshmidt se lembra: “Perguntei: ‘O senhor acha que a religião das Testemunhas de Jeová é perigosa para a sociedade soviética?’

“‘Não, não acho’, disse o promotor geral. Só que mais tarde ele disse sem perceber: ‘Em 1959, a província de Irkutsk recebeu um orçamento de cinco milhões de rublos para lidar com as Testemunhas de Jeová.’

“Com essas palavras ele quis dizer que as autoridades sabiam muito bem quem nós éramos, visto que cinco milhões de rublos tinham sido destinados ao sistema penal para deixar mais claro quem eram as Testemunhas de Jeová. Tratava-se de uma enorme quantia. Naquela época, com cinco mil rublos podia-se comprar um bom carro ou uma casa confortável. Sem dúvida, as autoridades sabiam que as Testemunhas de Jeová não eram pessoas perigosas.

“O promotor geral continuou: ‘Se dissermos para os soviéticos fazerem o que quiserem com as Testemunhas de Jeová, eles acabarão com qualquer vestígio de vocês.’ Isso significava que a sociedade tinha um conceito negativo sobre as Testemunhas de Jeová. Essas palavras deixavam claro que milhões de pessoas tinham sido influenciadas pela propaganda ateísta e ideológica.

“Então respondemos: ‘O senhor verá a real situação das coisas quando as Testemunhas de Jeová realizarem congressos de Moscou a Vladivostok.’

“‘Talvez meio milhão de pessoas fiquem do seu lado, mas os outros ficarão do nosso’, disse ele.

“Nossa conversa com o promotor geral parou por aí. Ele quase acertou. Hoje, mais de 700 mil pessoas assistem às reuniões das Testemunhas de Jeová nos territórios dos países que pertenciam à ex-União Soviética. Nessas reuniões, as pessoas escutam as puras verdades da Bíblia em vez de propaganda falsa.”

‘VOCÊS CRIARAM UM LOCAL DE VERANEIO PARA ELAS’

Viktor continua: “A administração do campo mostrou ao promotor geral as flores e árvores plantadas pelas Testemunhas de Jeová, bem como os pacotes que elas recebiam e mantinham em seu alojamento sem que ninguém os roubasse. Ele olhava tudo sem esconder seu espanto. No entanto, depois ficamos sabendo que ele ordenou que a administração do campo destruísse todas as flores e árvores. Ele disse ao diretor do campo: ‘Em vez de um campo de trabalhos forçados, vocês criaram um local de veraneio para as Testemunhas de Jeová.’ Ele também proibiu que as Testemunhas de Jeová recebessem pacotes e mandou fechar a pequena loja onde elas podiam comprar comida extra.

“Mas para a alegria dos irmãos, o diretor do campo não cumpriu todas as ordens. Por exemplo, as irmãs ainda podiam cultivar flores como antes. No outono, elas cortavam as flores e faziam grandes buquês para presentear os funcionários do campo e seus filhos. Era muito agradável ver as crianças encontrar os pais na portaria do campo, pegar as flores e correr para a escola com rosto alegre. Elas gostavam muito das Testemunhas de Jeová.”

Viktor se lembra: “Certo dia, no começo de 1964, um capataz cujo irmão trabalhava para a KGB nos disse que uma grande campanha de Estado contra as Testemunhas de Jeová estava sendo organizada. Mas no fim daquele ano, Nikita Khrushchev foi destituído de seu cargo de chefe de Estado e a onda de perseguição diminuiu.”

CÂNTICOS DO REINO NUM CAMPO DE SEGURANÇA MÁXIMA

Nos anos 60, um campo de segurança máxima na Mordóvia permitia que os prisioneiros recebessem pacotes só uma vez por ano, e mesmo assim era apenas como uma ‘recompensa especial’. As buscas eram feitas constantemente. Se alguém fosse encontrado com um texto bíblico escrito num papel, era enviado para a solitária por dez dias. Além disso, nesse campo os prisioneiros recebiam menos comida do que nos outros tipos de campos. O trabalho também era mais desgastante nos campos de segurança máxima; as Testemunhas de Jeová tinham de tirar do solo tocos de enormes árvores. Aleksei Nepochatov diz: “Com freqüência, ficávamos à beira da completa exaustão. Mas nós nos mantínhamos alertas e não desistíamos. Entoar cânticos do Reino era uma maneira de os irmãos se manterem animados. Fizemos um coral de homens com vozes em diversos tons que, mesmo sem vozes femininas, era indescritivelmente bonito. Essas canções animavam não só as Testemunhas de Jeová, mas até os policiais que pediam para os irmãos cantarem durante o trabalho. Certa vez, enquanto derrubávamos árvores, o chefe da escolta se aproximou e disse: ‘Cantem algumas músicas. Foi o próprio chefe da divisão da escolta quem pediu isso.’

“Aquele policial já havia ouvido os irmãos entoarem cânticos do Reino muitas vezes. O pedido chegou na hora certa, visto que estávamos praticamente esgotados em sentido físico. Com alegria começamos a glorificar a Jeová com nossa voz. Em geral, as esposas dos policias saíam de casa e ficavam na varanda ouvindo-nos cantar por um bom tempo. Elas gostavam em especial do cântico 6, ‘Que a Terra dê glória a Deus’, de um antigo cancioneiro. Aquela música tinha uma bela letra e uma melodia maravilhosa.”

ELE CHEGOU A “OUTRO PAÍS”

Mesmo nas situações mais inesperadas, ficava evidente que tipo de pessoas as Testemunhas de Jeová realmente eram. Viktor Gutshmidt relembra: “No final de certa semana de trabalho, estávamos sentados no jardim quando alguns eletrodomésticos caros chegaram ao campo onde estávamos presos. O motorista que fazia a entrega não era nosso irmão; era um prisioneiro de nosso campo e veio acompanhado por um gerente de compras de outro campo. Visto que o depósito estava fechado e o responsável por ele estava de férias, pediu-se que as Testemunhas de Jeová recebessem a mercadoria e a descarregassem.

“Descarregamos os aparelhos e os empilhamos junto ao depósito, próximo ao alojamento onde nossos irmãos moravam. O gerente de compras estava muito apreensivo de fazer aquela entrega sem a devida autorização e sem a assinatura do responsável pelo depósito confirmando o recebimento. Mas o motorista o tranqüilizou: ‘Não precisa se preocupar. Ninguém aqui vai mexer em nada. Você chegou a “outro país”. Esqueça o que acontece fora do território do campo. Aqui você pode tirar seu relógio de pulso e largá-lo por aí e amanhã o encontrará no mesmo lugar.’ Ainda assim, o gerente insistiu que não poderia ir embora sem um recibo assinado, pois a mercadoria estava avaliada em meio milhão de rublos.

“Pouco tempo depois, chegaram alguns homens que trabalhavam na administração do campo e exigiram que o caminhão saísse de lá. Um deles disse ao gerente que deixasse a nota fiscal da entrega e voltasse para buscá-la no dia seguinte. Apesar de não querer fazer isso, ele foi embora. Na manhã seguinte, o homem voltou e pediu para entrar no campo a fim de que a nota fiscal fosse assinada, mas o guarda já estava com ela pronta.

“Mais tarde o guarda nos contou que o gerente não conseguia ir embora. Ele ficou ali por meia hora: ele parava, olhava para o portão e os documentos, fazia que ia embora, mas voltava e olhava um pouco mais para o portão. É provável que aquela tenha sido a primeira vez que ele viu algo assim. A entrega de mercadoria valiosa foi feita e a nota fiscal assinada sem que ele estivesse presente — tudo de modo honesto. Só que o mais interessante foi que isso aconteceu num campo de segurança máxima, onde prisioneiros classificados como ‘criminosos muito perigosos’ cumpriam sua sentença. De fato, não importava quanta propaganda maldosa fosse feita contra as Testemunhas de Jeová, incidentes como esse deixavam claro para os observadores que tipo de pessoas as Testemunhas de Jeová realmente eram.”

“AGORA ELAS ESTÃO PREGANDO DE NOVO”

Em 1960, poucos dias depois de os irmãos no campo da Mordóvia se encontrarem, mais de cem Testemunhas de Jeová foram escolhidas a fim de serem transferidas para o Campo 10, uma prisão especial no povoado de Udarnyy. Tratava-se de uma prisão “experimental” para reeducar as Testemunhas de Jeová. Lá os presos usavam uniformes listrados parecidos com os que eram usados pelos presos nos campos de concentração nazistas. Além de outros tipos de trabalho, os irmãos tinham de retirar do solo enormes tocos de árvores na floresta. Cada pessoa tinha de retirar no mínimo de 11 a 12 tocos por dia. Mas às vezes, mesmo trabalhando juntos o dia todo, um grupo inteiro de irmãos não conseguia retirar um único toco gigante de carvalho. Geralmente eles cantavam melodias do Reino para encorajar uns aos outros. Ao ouvir nossos cânticos, o diretor do campo às vezes gritava: “Vocês Testemunhas de Jeová não vão jantar hoje para ver se aprendem a parar de cantar. Vou ensiná-los a trabalhar!” Um irmão que esteve nesse campo se lembra: “Mas Jeová nos ajudou. Apesar das condições difíceis, estávamos alertas em sentido espiritual. Sempre nos alegrávamos de pensar que havíamos tomado o lado de Jeová na questão da soberania universal.” — Pro. 27:11.

Além de vários “educadores” na prisão, cada cela tinha seu próprio educador, um militar cuja patente não era inferior à de capitão. O objetivo deles era fazer com que as Testemunhas de Jeová renunciassem à sua fé. Qualquer um que cedesse, isto é, que renunciasse, seria libertado. Todos os meses, os educadores faziam um relatório sobre o comportamento de cada Testemunha de Jeová, assinado por vários funcionários da prisão. Mas no caso dos irmãos, eles sempre escreviam: “Não corresponde às medidas reeducativas; permanece firme em suas convicções.” Ivan Klimko disse: “Dos meus dez anos de sentença, passei seis naquela prisão e, assim como outros irmãos, fui classificado como ‘um criminoso reincidente muito perigoso’. Assim como os oficiais nos disseram, as autoridades fizeram questão de criar condições difíceis para as Testemunhas de Jeová a fim de observarem nosso comportamento.”

Certa vez, Iov Andronic, que passou cinco anos naquela prisão, perguntou ao comandante do campo: “Quanto tempo ficaremos nessa prisão?” Apontando para a floresta, o comandante respondeu: “Até que todos vocês sejam enterrados ali.” Iov continua: “Fomos isolados de outros para que não pudéssemos pregar. Éramos observados com atenção. Se um de nós precisasse ir a outra parte do campo, sempre era acompanhado por um capataz. Uns anos depois, quando fomos transferidos para um campo de segurança mínima, alguns prisioneiros que não eram Testemunhas de Jeová disseram à administração do campo: ‘As Testemunhas de Jeová venceram. Vocês as isolaram, mas agora elas estão pregando de novo.’”

UM OFICIAL RECONHECE SUA BÍBLIA

Era muito difícil levar publicações para o Campo 10, principalmente a Bíblia. Para os irmãos parecia que levar a Palavra de Deus para dentro do campo era quase impossível. Um irmão que passou alguns anos nessa prisão diz: “Para Jeová, nada é impossível. Deus ouviu nossas orações. Pedimos pelo menos uma Bíblia para as cem Testemunhas de Jeová nessa prisão, e acabamos recebendo duas!” (Mat. 19:26) Como isso aconteceu?

Um coronel foi recrutado para servir como educador de prisão. Mas como alguém sem nenhum conhecimento bíblico poderia “educar” as Testemunhas de Jeová? De algum modo, ele conseguiu uma Bíblia em péssimas condições e, antes de sair de férias, pediu a um idoso prisioneiro batista que a reencadernasse. Ele também disse ao capataz que não confiscasse a Bíblia desse prisioneiro. O batista ficou se gabando dizendo às Testemunhas de Jeová que tinha recebido uma Bíblia e concordou em emprestá-la para que pudessem dar uma olhada. Quando os irmãos colocaram as mãos naquele precioso tesouro, rapidamente desfizeram a costura da Bíblia e dividiram as folhas entre si para que fossem copiadas. Nos dias que se seguiram, todas as celas onde havia uma Testemunha de Jeová se transformaram em improvisadas oficinas de cópias à mão. Foram feitas duas cópias manuscritas de cada página. Um dos irmãos relembra: “Depois que todas as páginas foram juntadas, passamos a ter três Bíblias! O coronel recebeu sua Bíblia recém-encadernada, e nós ficamos com duas cópias. Uma cópia era usada para leitura e a outra foi colocada dentro do ‘cofre’: alguns dutos que continham cabos de alta-tensão. Esses dutos eram excelentes para esconder as publicações. Visto que os capatazes tinham medo até mesmo de chegar perto dos dutos, ninguém nunca fazia buscas por lá. A alta-tensão era um vigia de confiança para nossa biblioteca.”

Mas, durante uma busca, o coronel encontrou uma página da cópia que tínhamos feito. Quando percebeu o que havia acontecido, ele ficou muito decepcionado e disse: “Essa é uma parte da Bíblia que eu mesmo trouxe para o campo!”

COMEMORAÇÃO DA MORTE DE CRISTO

Todo ano, os irmãos se esforçavam para realizar a Comemoração nos campos. Durante todos os anos que passaram num campo na Mordóvia, nenhum irmão perdeu esse evento. É claro que a administração do campo tentava impedir isso. Eles sabiam a data da Comemoração e naquele dia mobilizavam todos os guardas do campo para ficarem em estado de alerta máximo. Mas ao anoitecer, muitos guardas ficavam cansados de vigiar os irmãos, visto que não sabiam o lugar nem a hora exata em que a Comemoração aconteceria.

Os irmãos sempre se esforçavam para conseguir vinho e pão não-fermentado. Certa vez, no dia da Comemoração, uma equipe de guardas descobriu os emblemas escondidos numa gaveta e os confiscaram. Mais tarde, aquela equipe foi substituída por outro grupo de guardas, e um irmão que limpava o escritório do comandante da equipe conseguiu recuperar os emblemas e entregá-los aos irmãos sem ser visto. Naquela noite, os irmãos realizaram a Comemoração com os emblemas durante a terceira troca de turno do grupo de vigilância. Os emblemas eram muito importantes, visto que um dos irmãos os tomava.

COMEMORAÇÃO NUM CAMPO PARA MULHERES

Outros campos tinham problemas parecidos. Valentina Garnovskaya lembra como era difícil realizar a Comemoração num campo para mulheres em Kemerovo. Ela conta: “Neste campo havia cerca de 180 irmãs. Éramos proibidas de nos reunir. Em dez anos só conseguimos realizar a Comemoração duas vezes. Numa ocasião, decidimos realizá-la em um dos escritórios que eu limpava. Secretamente, as irmãs começaram a se reunir ali, chegando aos poucos durante um período de várias horas antes do início da Comemoração. Cerca de 80 irmãs conseguiram fazer isso. Colocamos pão não-fermentado e vinho tinto sobre a mesa.

“Decidimos começar sem o cântico. Uma irmã fez a oração inicial e tudo começou de maneira digna e alegre. Mas ouvimos gritos e barulhos inesperados, e percebemos que os capatazes estavam nos procurando. De repente, nós vimos o próprio comandante da unidade olhando pela janela que ficava muito acima do nível do solo. Ao mesmo tempo, escutamos um forte estrondo na porta, e alguém ordenou que a abríssemos. Depois de invadir a sala, os capatazes agarraram a irmã que estava fazendo o discurso e levaram-na para a solitária. Outra irmã corajosamente assumiu o lugar dela, mas também foi levada. Logo em seguida, uma terceira irmã tentou continuar o discurso e, então, eles colocaram todas nós em outra sala, ameaçando nos mandar para a solitária. Ali terminamos a Comemoração por entoar um cântico e fazer uma oração.

“Ao voltarmos para o alojamento, as outras prisioneiras nos receberam com as seguintes palavras: ‘Quando vocês desapareceram de repente, achamos que o Armagedom tivesse vindo e que Deus tivesse levado vocês para o céu e nos deixado aqui para sermos destruídas!’ Essas prisioneiras já nos conheciam há alguns anos e não tinham aceitado a verdade. Mas depois disso, algumas delas passaram a nos ouvir.”

“NÓS NOS APROXIMÁVAMOS UNS DOS OUTROS”

Em um campo em Vorkuta havia muitas Testemunhas de Jeová da Ucrânia, da Moldávia, dos países bálticos e de outras repúblicas da União Soviética. Ivan Klimko recorda: “Era o inverno de 1948. Embora não tivéssemos publicações bíblicas, anotávamos em pedacinhos de papel o que conseguíamos lembrar de revistas antigas e escondíamos essas anotações do capataz. Mas eles sabiam que tínhamos esses pedaços de papel. Longas e cansativas buscas nos aguardavam. Em dias frios de inverno, nos levavam para fora e nos colocavam em fileiras de cinco pessoas. Com freqüência, éramos contados vez após vez. Parecia que eles achavam que iríamos preferir entregar os papéis a ficar parados naquele frio congelante. Enquanto éramos contados repetidas vezes, nós nos aproximávamos uns dos outros para falar sobre um assunto bíblico. Nossa mente estava sempre ocupada com assuntos espirituais. Jeová nos ajudou a manter a integridade. Algum tempo depois, os irmãos puderam até mesmo trazer uma Bíblia para o campo. Nós a dividimos em várias partes para que a Bíblia inteira não fosse confiscada numa busca.

“Entre os guardas havia aqueles que entendiam que um campo não era lugar para as Testemunhas de Jeová. Essas pessoas bondosas nos ajudavam como podiam. Alguns simplesmente ‘fechavam os olhos’ quando um de nós recebia um pacote. Em geral, cada pacote tinha uma ou duas páginas escondidas de A Sentinela. Essas páginas, que não pesavam mais do que alguns gramas, eram mais valiosas do que quilos de comida. Em sentido físico, as Testemunhas de Jeová estavam sempre necessitadas, mas em sentido espiritual éramos muito ricos.” — Isa. 65:13, 14.

“ELE O DIVIDIRÁ EM 50 PEDACINHOS!”

Os irmãos dirigiam estudos bíblicos toda semana com os que mostravam interesse pela verdade. Vários prisioneiros — até os que não estavam interessados na Bíblia — sabiam que depois das 19 horas, estudos bíblicos eram realizados nos alojamentos e, por isso, procuravam fazer silêncio. Iov Andronic relembra: “Era evidente que Jeová estava cuidando de nós e promovendo sua obra. Além disso, procurávamos demonstrar amor cristão uns pelos outros por aplicar os princípios bíblicos. Por exemplo, nós dividíamos a comida que recebíamos por meio de pacotes enviados para nós, uma prática incomum nos campos.

“Em um dos campos, Mykola Pyatokha era o responsável pela distribuição de comida entre os irmãos. Certa vez, um agente da KGB disse: ‘Dê a Mykola um doce, e ele o dividirá em 50 pedacinhos!’ Era assim que os irmãos agiam. Dividíamos tudo o que recebíamos de fora, não importava se o alimento era físico ou espiritual. Isso foi de ajuda para nós e deu um excelente testemunho aos sinceros que desejassem aceitar a verdade.” — Mat. 28:19, 20; João 13:34, 35.

BÔNUS POR BOA CONDUTA

Funcionários dos campos que trabalhavam diretamente com Testemunhas de Jeová recebiam um bônus de até 30% do salário. Por quê? Viktor Gutshmidt explica: “Uma ex-caixa do campo me falou sobre isso. Ela disse que nos campos em que muitos de nossos irmãos estavam presos, foi dito aos funcionários que não perdessem a calma nem usassem palavras chulas e que fossem sempre educados e gentis. Eles seriam recompensados com um aumento de salário por essa boa conduta. O objetivo disso era mostrar a todos que as Testemunhas de Jeová não eram as únicas que viviam de forma exemplar e que não havia nada que as diferenciasse de outros. Assim, os empregados eram pagos por sua boa conduta. Havia muitos trabalhadores no campo — equipe médica, operários, contadores, capatazes —, umas cem pessoas no total. Ninguém queria perder a oportunidade de ganhar um dinheiro extra.

“Certo dia, um irmão que estava trabalhando do lado externo do campo ouviu por acaso um supervisor falar palavrões em voz alta. No dia seguinte, o irmão encontrou esse supervisor dentro do campo e disse: ‘Alguém do quartel deve ter deixado o senhor muito irritado. O senhor estava falando palavrões tão alto!’ O homem admitiu: ‘Não, na verdade aquilo foi apenas o que estava entalado dentro de mim o dia todo. Por isso saí do campo para desabafar.’ Realmente, era um peso para as pessoas agir do mesmo modo que as Testemunhas de Jeová.”

PREGAÇÃO ATRÁS DE VIDROS

Os irmãos aproveitavam todas as oportunidades para dar testemunho a outros, e seus esforços às vezes eram ricamente recompensados. Nikolai Gutsulyak se lembra: “Em geral obtínhamos alimentos num pequeno quiosque no campo. Sempre que era a minha vez de buscar comida, eu tentava dizer alguma coisa sobre um assunto bíblico. A mulher que entregava os alimentos ouvia com atenção e uma vez pediu que eu lesse alguma coisa para ela. Três dias depois, um policial me chamou até o portão. Ele pediu que eu e outro irmão colocássemos um vidro numa janela da casa do comandante do campo.

“O irmão e eu fomos à cidade acompanhados por soldados. Quando chegamos na casa, fomos recebidos pela mulher que trabalhava no quiosque de alimentos do campo. Ela era esposa do comandante! Um soldado permaneceu dentro da casa e dois ficaram na rua perto da janela. A mulher nos ofereceu chá e pediu que falássemos mais sobre a Bíblia. Naquele dia, colocamos o vidro na janela dela e lhe demos um bom testemunho. Quando nossa conversa terminou, ela disse: ‘Vocês não precisam ter medo de mim. Meus pais eram pessoas tementes a Deus, assim como vocês.’ Ela lia nossas publicações em segredo, sem o marido saber, pois ele odiava as Testemunhas de Jeová.”

“VOLTEM PARA SEUS EMPREGOS”

Algumas autoridades tinham um ponto de vista positivo a respeito das Testemunhas de Jeová e se manifestavam a favor delas. Na década de 70, em Bratsk, na província de Irkutsk, o escritório do partido comunista de uma fábrica de processamento de madeira decidiu demitir todos os empregados que eram Testemunhas de Jeová. Disseram aos irmãos: “Já que vocês não são a favor da política soviética, o governo não cuidará de vocês. Já que preferem Jeová, que ele cuide de vocês.” Os irmãos demitidos decidiram que a melhor coisa a fazer seria pregar abertamente e, então, começaram a ir de porta em porta. Em determinada porta, uma mulher atendeu os irmãos. Eles se apresentaram e explicaram de modo breve o objetivo da visita. Ouviram a voz de um homem vinda da cozinha: “Com quem você está falando? Convide-os para entrar.” Quando os irmãos entraram, o homem perguntou: “Por que vocês não estão trabalhando? Hoje é um dia útil.” Os irmãos explicaram o motivo.

Aquele homem era promotor público e tinha ido almoçar em casa. Indignado, ele ligou para a fábrica e perguntou se era verdade que o escritório havia demitido todas as Testemunhas de Jeová. Depois de receber a confirmação, o promotor continuou: “Fizeram isso com base em quê? Não sabem que estão violando a lei? Vocês não tinham o direito de fazer isso! Quero que devolvam às Testemunhas de Jeová o emprego e que paguem uma indenização pelos três meses em que elas não puderam trabalhar por causa da decisão de vocês.” O promotor colocou o telefone no gancho e disse aos irmãos: “Amanhã, voltem para os seus empregos e continuem trabalhando ali.”

“EU AS TENHO ESCONDIDO DESDE 1947”

Por volta da década de 70, os irmãos já tinham adquirido experiência em produzir, distribuir e esconder publicações. Às vezes, porém, surgiam situações em que era necessário pensar rápido. Grigori Sivulski lembra: “Uma vez em 1976, nossa casa foi revistada. Na noite anterior, por descuido, eu tinha colocado alguns relatórios e endereços de irmãos debaixo de uma cômoda. Durante a busca, os agentes da KGB pareciam bastante confiantes, como se soubessem exatamente o que procurar e onde procurar. Um deles me disse: ‘Traga um alicate e uma chave de fenda para cá — nós vamos desmontar o sofá.’ Fiz uma oração e respondi de modo confiante:

“‘Se tivessem nos pego de surpresa, como no caso de outras Testemunhas de Jeová, vocês encontrariam alguma coisa aqui. Mas chegaram tarde. Não encontrarão nada.’

“‘E o que teríamos encontrado?’ perguntou o agente.

“‘As revistas A Sentinela e Despertai!. Mas hoje vocês não encontrarão nada.’

“Dando-lhes as ferramentas, eu disse: ‘Depois de revistarem, vocês terão de montar o sofá do mesmo jeito que está agora.’

“Por um minuto, eles ficaram indecisos. Ao perceber que estavam na dúvida sobre o que fazer, me aproximei de um deles, um jovem rapaz, e disse: ‘Imagino que você tem procurado publicações das Testemunhas de Jeová por não mais que três anos. Mas eu as tenho escondido desde 1947. Vocês não precisam perder seu tempo aqui; as publicações estão num lugar seguro.’

“Para minha surpresa, eles foram embora. Os relatórios e endereços dos irmãos estavam num lugar tão fácil que qualquer um poderia encontrá-los.”

PERESTRÓICA — UM TEMPO DE MUDANÇAS

A política da perestróica, anunciada em 1985, não produziu de imediato os resultados previstos. Em algumas regiões, as Testemunhas de Jeová ainda eram condenadas e enviadas a prisões assim como antes. No entanto, em 1988, a sede da Alemanha escreveu à sede mundial: “No começo do ano de serviço, as autoridades deram sinais de que estavam dispostas a conceder mais liberdade [aos irmãos na URSS] no que diz respeito às reuniões e talvez às publicações, caso se registrassem localmente. Os irmãos puderam celebrar a Comemoração na maioria dos lugares sem nenhuma perturbação. Eles sentem que a atitude das autoridades em relação a eles mudou de modo drástico.”

Com o tempo, irmãos designados forneceram à sede da Alemanha listas com o endereço de irmãos que estavam dispostos a receber pacotes com alimento espiritual. Eles, por sua vez, disponibilizariam o alimento espiritual para os anciãos, que se certificariam de que todos recebessem ajuda espiritual. Até fevereiro de 1990, havia cerca de 1.600 endereços que eram usados para enviar alimento espiritual por meio de correspondência, uma vez por mês.

Em 1989, milhares de irmãos da União Soviética puderam assistir ao congresso especial na Polônia. Yevdokia, uma Testemunha de Jeová da cidade de Naberezhnye Chelny, recorda: “Oramos fervorosamente a Jeová para que pudéssemos assistir ao nosso primeiro congresso de verdade. Quando o diretor do local onde eu trabalhava soube que eu queria sair do país para assistir ao congresso, ele disse: ‘O quê? Você não assiste à televisão? A fronteira está fechada e eles não deixam ninguém passar!’

“Com plena confiança, respondi: ‘As fronteiras vão abrir.’ E foi exatamente o que aconteceu. No posto de fiscalização da alfândega na cidade de Brest, apenas as Testemunhas de Jeová podiam passar. Não fomos nem sequer revistados, e nos trataram de forma gentil. Um homem, que não era Testemunha de Jeová, fingiu ser um dos congressistas e tentou cruzar a fronteira conosco. Mas os agentes da alfândega logo descobriram isso e o homem foi detido. Como eles descobriram? Acontece que todos os congressistas tinham sorrisos estampados no rosto e levavam apenas pequenas malas nas mãos.”

UMA CALOROSA RECEPÇÃO EM MOSCOU

Haviam passado 40 anos desde que as Testemunhas de Jeová foram a Moscou para registrar suas atividades, em 1949. Naquela época, os irmãos não podiam satisfazer as exigências do governo de Stalin, pois essas não estavam de acordo com sua consciência. Mas em 26 de fevereiro de 1990, o presidente do Comitê de Assuntos Religiosos de Moscou recebeu um grupo de Testemunhas de Jeová. Dois vice-presidentes e três outras pessoas também estavam presentes à reunião. O grupo das Testemunhas de Jeová incluía 15 pessoas: 11 irmãos da Rússia e de outras repúblicas da União Soviética, Milton Henschel e Theodore Jaracz de Brooklyn, bem como Willi Pohl e Nikita Karlstroem da sede da Alemanha.

O encontro foi aberto pelo presidente com as seguintes palavras: “Estamos muito felizes de nos reunir com as Testemunhas de Jeová. Eu já ouvi muito sobre vocês, mas esta é a primeira vez que as conheço. Estamos dispostos a conversar no espírito da glasnost (transparência).” Os irmãos expressaram seu desejo de solicitar o registro das atividades das Testemunhas de Jeová na União Soviética. O presidente continuou: “É muito bom ouvir isso e o momento é ideal. Em breve chegará a primavera, um tempo de semeadura. Então podemos esperar bons resultados e bons frutos.”

Quando o presidente pediu aos irmãos que se apresentassem, ficou óbvio que as Testemunhas de Jeová podiam ser encontradas em todo o país, desde Kaliningrado até o Extremo Oriente. Um superintendente de circuito disse: “Represento quatro congregações da província de Irkutsk. Mas também cuido do Extremo Oriente, das regiões de Khabarovsk e Krasnoyarsk e das províncias de Novosibirsk e Omsk.” O presidente disse: “Você tem um território enorme, maior do que o de muitos países!”

Um vice-presidente disse: “Precisamos conhecer melhor suas crenças, visto que não entendemos algumas delas. Por exemplo, um de seus livros diz que Deus limpará a Terra e removerá todos os atuais governos. Não conseguimos entender isso.” O irmão Pohl respondeu: “As Testemunhas de Jeová não participam de nenhum tipo de violência. Se um livro afirma isso, é porque se baseia em profecias bíblicas específicas. As Testemunhas de Jeová pregam a respeito do Reino de Deus e da vida eterna num paraíso na Terra.”

“Não há nada de errado nisso”, disse o vice-presidente.

No final do encontro, o presidente disse: “Estamos muito felizes por tê-los conosco. Vocês devem ser registrados o mais rápido possível.”

Em março de 1991, as Testemunhas de Jeová na Rússia receberam reconhecimento legal. Naquela época, o país tinha uma população de mais de 150 milhões de pessoas e relatou 15.987 publicadores do Reino. Agora era necessário que os irmãos na Rússia recebessem mais instrução da parte de Jeová. — Mat. 24:45; 28:19, 20.

“QUANTA FELICIDADE, QUANTA LIBERDADE!”

Visto que a Finlândia fica perto da Rússia, o Corpo Governante pediu à sede da Finlândia que ajudasse na organização do congresso internacional em São Petersburgo, Rússia, realizado de 26-28 de junho de 1992. Como os irmãos se sentiram por poderem realizar um congresso em liberdade, depois de mais de cinco décadas de proscrição? Um irmão recorda: “Havia milhares de nós no estádio. Não conseguíamos conter as lágrimas. Quanta felicidade, quanta liberdade! Nós nem sonhávamos em ter esse tipo de liberdade no atual sistema. Mas Jeová tornou isso possível. Lembramos da época em que cinco de nós dormíamos em celas isoladas, num campo rodeado por uma cerca alta, e quatro se juntavam para manter aquecido um dos cinco por vez. O estádio estava rodeado por um muro alto, mas nós queríamos permanecer ali o máximo possível. Não dava para descrever o que sentíamos.

“Nossos olhos ficaram cheios de lágrimas durante todo o congresso. Chorávamos de alegria por estar vendo aquele milagre! Embora já tivéssemos mais de 70 anos, percorremos todo o estádio como se tivéssemos asas. Esperamos essa liberdade por 50 anos. Primeiro, Jeová permitiu que fôssemos exilados na Sibéria; depois, que fôssemos enviados a prisões e campos. Mas agora estávamos no estádio! Jeová é mais poderoso do que qualquer pessoa. Olhávamos uns para os outros e chorávamos. Nenhum de nós podia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Alguns irmãos jovens vinham até nós e perguntavam: ‘Está tudo bem com vocês? Alguém os machucou?’ Mas não conseguíamos responder por causa das lágrimas. Depois, um de nós disse chorando: ‘Estamos chorando de alegria!’ Contamos a eles como havíamos servido a Jeová por muitos anos sob proscrição. E agora simplesmente não conseguíamos acreditar que Jeová havia mudado tudo tão rápido.”

Após aquele congresso inesquecível, solicitou-se à sede da Finlândia que enviasse 15 pioneiros especiais para a Rússia. Em 1.º de julho de 1992, Hannu e Eija Tanninen, um zeloso casal da Finlândia, chegaram à sua designação em São Petersburgo. No início, o maior desafio foi aprender o idioma. Depois de sua primeira aula, eles saíram e ofereceram estudos bíblicos às pessoas. Hannu se lembra: “No começo da década de 90, quase todos na cidade queriam estudar a Bíblia. Ao trabalhar nas ruas, as pessoas prontamente nos davam seu endereço. Todos queriam publicações. Nas ruas, se você desse a alguém uma revista ou um tratado, dez outros que vissem isso também se aproximavam e pediam publicações. As pessoas não só aceitavam as publicações, mas começavam a lê-las ali mesmo, na rua ou no metrô.”

A partir de outubro de 1992 muitos pioneiros especiais também chegaram da Polônia. O primeiro grupo incluía algumas irmãs solteiras. Em pouco tempo, chegou um segundo grupo da Polônia e foi enviado a São Petersburgo. Depois de um ano, um grupo de pioneiros poloneses foi enviado a Moscou. Em anos posteriores, mais de 170 voluntários da Polônia, principalmente irmãos formados na Escola de Treinamento Ministerial (ETM), foram designados para servir na Rússia.

UMA PORTA LARGA PARA ATIVIDADE

Depois daquele congresso internacional em São Petersburgo, o Corpo Governante autorizou a compra de um terreno de 7 hectares em que havia antigas construções, no povoado de Solnechnoye, perto de São Petersburgo. Havia chegado a hora de construir um Betel na Rússia. A sede da Finlândia ficou incumbida de ajudar na construção, e em setembro de 1992 o primeiro grupo de voluntários da Finlândia chegou a Solnechnoye. Aulis Bergdahl, um dos irmãos do grupo e que mais tarde se tornou membro da Comissão de Filial, relembra: “Minha esposa, Eva Lisa, e eu aceitamos com alegria o convite para ajudar na construção do Betel da Rússia. Para nós, era evidente que Jeová estava dirigindo a obra. Nossos irmãos em todo o mundo estavam dando apoio ao projeto.”

Alf Cederlöf, superintendente de construção que veio da Finlândia, e sua esposa, Marja-Leena, foram uma fonte de inspiração para todos os irmãos que trabalharam na construção. Os membros da Comissão de Filial da Finlândia também foram muito encorajadores. Irmãos da sede em Brooklyn visitaram Solnechnoye durante a construção. Aulis recorda: “Em 1993, Milton Henschel nos visitou depois do congresso internacional em Moscou. Ele era muito encorajador, tanto em seus discursos para os voluntários no canteiro de obras como nas conversas particulares que tinha com eles.”

Havia cerca de 700 voluntários — da Escandinávia, da Europa, dos Estados Unidos, da Austrália, da Rússia e de outras ex-repúblicas soviéticas — trabalhando na construção de Betel. Eram irmãos de diversas culturas e formações e que tinham diferentes métodos de trabalho. Mas a obra foi realizada, conforme Zacarias 4:6, “‘não por força militar, nem por poder, mas por meu espírito’, disse Jeová dos exércitos”. De fato, era Jeová quem estava construindo essa “casa”. (Sal. 127:1) Os irmãos russos prontamente se ofereceram para a obra do Reino. A maioria deles eram jovens e novos na verdade, mas muitos já estavam no serviço de pioneiro. Eles estavam ansiosos para aprender a fazer construções rápidas de alta qualidade. Também queriam aprender a cuidar de assuntos relacionados com a organização teocrática.

COMEÇA A ORGANIZAÇÃO DA OBRA

Perto do fim de 1993, os membros da Comissão do País na Rússia chegaram a Solnechnoye. Foram convidados Ivan Pashkovski, Dmitri Livi, Vasili Kalin, Aleksei Verzhbitski, Anatoli Pribitkov e Dmitri Fedunishin. Cerca de um ano depois, Mikhail Savitski juntou-se a eles. O Corpo Governante designou o irmão Horst Henschel, da sede da Alemanha, para ajudar os irmãos a organizar a obra.

Uma das primeiras coisas a serem organizadas era o serviço de viajante. No começo, cinco circuitos foram formados no país, dois em São Petersburgo e três em Moscou e arredores. Os cinco primeiros superintendentes de circuito a trabalhar nessa modalidade em tempo integral foram Artur Bauer, Pavel Bugaiski e Roy Öster em Moscou, e Kzyztov Poplawski e Hannu Tanninen em São Petersburgo. Mais tarde, Roman Skiba também foi designado como superintendente de circuito. Matthew Kelly, um irmão dos Estados Unidos que cursou a ETM em 1992, foi designado para servir por tempo parcial como superintendente de distrito.

Hannu Tanninen se lembra de como as primeiras visitas do viajante eram realizadas, no começo da década de 90: “Certa vez, eu enviei uma carta informando uma congregação em Petrozavodsk, Carélia, a respeito da visita. A carta explicava como as reuniões deveriam ser realizadas durante aquela semana. Quando minha esposa e eu chegamos para a visita, um ancião nos esperava na estação de trem e nos levou para a casa dele. Ele me mostrou a carta e disse: ‘Nós recebemos sua carta, mas visto que não entendemos o que isso queria dizer, decidimos não fazer nada e esperar você chegar e nos explicar tudo.’

“Na época da primeira visita de circuito a Murmansk, havia 385 publicadores dirigindo mais de mil estudos bíblicos. Na verdade, porém, o número de pessoas que estudavam era bem maior, pois muitos estudos eram dirigidos para grupos de pessoas interessadas. Por exemplo, uma pioneira tinha 13 estudos bíblicos, só que mais de 50 pessoas estudavam com ela!

“Nossa segunda designação abrangia as províncias de Volgogrado e de Rostov. Em Volgogrado havia apenas quatro congregações para uma população de mais de um milhão de pessoas. Os irmãos estavam ansiosos para aprender a realizar as reuniões, dirigir estudos bíblicos e pregar de casa em casa. Em toda visita, tivemos de formar novas congregações. No relatório do superintendente de circuito, incluíamos o número de irmãos que tinham sido batizados desde a última visita. Cada congregação tinha 50, 60, ou 80 pessoas batizadas entre uma visita e outra; uma delas teve mais de 100 batizados! Por causa disso, 16 congregações foram formadas nessa cidade em apenas três anos.”

Em janeiro de 1996, foi designada uma Comissão de Filial na Rússia. Ao mesmo tempo, foram designados os primeiros superintendentes de distrito que serviam nessa modalidade por tempo integral. Entre eles estavam Roman Skiba (Sibéria e Extremo Oriente), Roy Öster (Belarus, Moscou e desde São Petersburgo até os montes Urais), Hannu Tanninen (do Cáucaso até o rio Volga) e Artur Bauer (Cazaquistão e Ásia Central). Naqueles dias, além de seu distrito, todos os superintendentes de distrito também serviam em um pequeno circuito.

VIAGENS LONGAS

Roman Skiba foi um dos primeiros pioneiros especiais a vir da Polônia para a Rússia no começo de 1993. Ele se lembra: “Em outubro de 1993, recebi uma designação para servir no circuito. Meu primeiro circuito incluía congregações no sul de São Petersburgo, na província de Pskov, e toda a região de Belarus. Mesmo assim, não era o maior circuito na Rússia. No entanto, logo tive de me acostumar a viajar longas distâncias. Em novembro de 1995, fui designado para um circuito nos montes Urais e passei a atuar como superintendente de distrito substituto. O território em que eu servia incluía os montes Urais, o Extremo Oriente e toda a Sibéria. Um irmão calculou que a extensão desse distrito equivalia a 38 países do tamanho da Polônia! Havia oito fusos horários. Cerca de dois anos depois, a sede pediu que eu visitasse um grupo em Ulaanbaatar, capital da Mongólia.”

O irmão Skiba continua: “Certa ocasião, a fim de viajar de Norilsk, ao norte do círculo polar ártico, para Yekaterinburgo, tive de pegar dois aviões, primeiro de Norilsk para Novosibirsk, depois para Yekaterinburgo. Essa viagem foi inesquecível, pois parecia que nunca terminaria. O vôo de Norilsk decolou com 12 horas de atraso, o que acabou fazendo eu e minha esposa, Lyudmila, passar o dia inteiro no aeroporto. Felizmente, aprendemos a fazer nosso estudo pessoal durante as viagens.

“Às vezes, apesar de nossos esforços, chegávamos atrasados para a visita. Certa vez, para chegar ao povoado de Ust’-Kan, localizado em uma montanha em Altai, tivemos de dirigir por estradas não pavimentadas nas montanhas. Infelizmente, o carro quebrou no meio do caminho e nós não apenas nos atrasamos para eu verificar os registros da congregação, mas também chegamos duas horas atrasados para a reunião. Estávamos desapontados e achávamos que provavelmente todos os irmãos já teriam ido embora. Como ficamos impressionados ao encontrar 175 pessoas nos esperando no local alugado, embora a congregação tivesse menos de 40 publicadores! Parece que por causa de nosso atraso, muitas pessoas interessadas de outros povoados nas montanhas tiveram tempo de chegar para a reunião.” *

CONGRESSOS INESQUECÍVEIS

Congressos de distrito passaram a ser realizados pela primeira vez em algumas cidades grandes, onde os irmãos não tinham experiência em organizá-los. Em Yekaterinburgo, em 1996, os irmãos escolheram um estádio para realizar o congresso. Roman Skiba se lembra: “Tinha grama crescendo nas arquibancadas e bétulas de dois metros de altura dentro do estádio. Faltavam apenas três semanas para o congresso e só havia três congregações na cidade e em seus arredores. Felizmente, o diretor do estádio queria cooperar conosco, mesmo sem entender como seria possível realizar o congresso ali. Os irmãos começaram a trabalhar e na data designada para o congresso o estádio estava ‘brilhando’. O diretor não podia acreditar no que via.” Como forma de agradecimento, ele permitiu que os irmãos realizassem a Escola do Serviço de Pioneiro em uma das dependências do estádio. Um irmão se lembra: “Depois do congresso, eventos esportivos passaram a ser realizados de novo no estádio, o que era uma fonte de renda para a cidade.”

Às vezes, era necessário flexibilidade e perseverança para realizar assembléias e congressos. Em 1999, em Vladikavkaz, os irmãos não conseguiram alugar um estádio para realizar uma assembléia de circuito cuja assistência esperada era de 5 mil pessoas. Assim, os irmãos começaram a planejar um programa de assembléia alternativo. Um programa reduzido, de um dia, foi realizado cinco vezes em Vladikavkaz num cinema alugado. Depois disso, durante o fim de semana, o programa completo da assembléia de circuito foi realizado em dois lugares, a uma distância de cerca de dois quilômetros um do outro, na cidade de Nal’chik. Uma das assembléias começou duas horas mais tarde que a outra a fim de dar tempo aos oradores da primeira assembléia chegarem à segunda. Alguns superintendentes viajantes tinham a impressão de que perderiam a voz antes que as assembléias terminassem. Mais tarde, um irmão calculou que tinha feito 35 discursos naquela semana. Tudo estava indo bem até que no final da manhã de sábado o programa de uma das assembléias foi interrompido. Homens uniformizados e com um cachorro entraram no local e anunciaram que todos tinham de sair do prédio imediatamente por razões técnicas. Os irmãos permaneceram calmos como sempre e deixaram o local, comendo seus lanches e se associando uns com os outros do lado de fora do prédio. Descobriu-se que um fanático religioso tinha telefonado às autoridades e dito que havia uma bomba no prédio. O local foi inspecionado e nada foi encontrado. Assim, os irmãos puderam continuar a assembléia. Depois de algumas pequenas mudanças no programa, a assembléia terminou bem e todos tiveram a oportunidade de se beneficiar do alimento espiritual.

PEDRAS, ESCUDOS E ESPADAS

As sementes da verdade foram rapidamente espalhadas por todo o país. Eija Tanninen se lembra: “Em 1998, estávamos nos preparando para a viagem de 15 horas de trem de um congresso de distrito para outro. Os irmãos nos perguntaram se podíamos levar uma grande quantidade de adereços para o drama. Isso era um pouco arriscado, pois sabíamos que os funcionários de trem não gostavam de passageiros que levavam muita bagagem. Mas, com a ajuda dos irmãos, corajosamente colocamos pedras, escudos, espadas e malas cheias de roupas no compartimento que tinha capacidade para quatro pessoas. Ficamos ali com todas as nossas coisas e mais dois passageiros que dividiam o compartimento conosco.

“Quando a funcionária do trem foi conferir nossas passagens, perguntou por que estávamos levando tanta bagagem. Explicamos que eram adereços para um drama que seria apresentado no congresso de distrito das Testemunhas de Jeová. Ela foi muito bondosa e nos disse que algum tempo antes tinha assistido a um discurso público que meu marido havia proferido enquanto visitávamos uma congregação na cidade natal dela. Sentimos que Jeová estava nos ajudando.”

ELAS ACOMPANHAVAM OS ESTUDOS

As irmãs podiam aprender muitas coisas umas com as outras. Eija se lembra: “Posso imaginar quanta paciência e humildade as irmãs precisaram ter quando começamos nosso ministério na Rússia, visto que eu não falava bem o idioma. Fiquei emocionada de ver como as irmãs estavam ansiosas para aprender a dirigir estudos bíblicos. Muitas delas eram novas na verdade e algumas tinham servido sob proscrição, quando nem sempre era possível receber orientações da organização de Jeová.

“Servimos na cidade de Volzhskiy de 1995 a 1996. Com freqüência, quando uma irmã me convidava para acompanhá-la num estudo, muitas outras pediam para ir junto. No começo, eu ficava me perguntando por que faziam aquilo, mas depois elas explicaram que queriam aprender a dirigir estudos bíblicos. Eu lhes dizia que se o estudante não achasse ruim nem ficasse envergonhado na presença delas, poderiam nos acompanhar. Em geral, de seis a dez irmãs iam conosco, achando que o estudante não se sentiria incomodado, e realmente não se incomodava. Depois de alguns meses, vi muitos estudantes da Bíblia começarem a dirigir seus próprios estudos com pessoas interessadas. Naquela época, Volzhskiy tinha duas congregações. Dez anos mais tarde, 11 congregações tinham sido formadas.”

SUAS ORAÇÕES FORAM RESPONDIDAS

Era evidente que a instrução teocrática beneficiava muito não só os novos na verdade, mas também os que tinham servido a Jeová por vários anos sob proscrição. Hannu Tanninen se lembra: “Sentimos a orientação dos anjos em diferentes situações e testemunhamos eventos que nos impressionaram profundamente. Em 1994, chegamos a uma nova congregação em Novgorod, agora também chamada Veliky Novgorod, e os irmãos nos levaram para o apartamento em que ficaríamos hospedados naquela semana. No apartamento havia uma hóspede chamada Maria, uma irmã idosa que tinha viajado uns 50 quilômetros especialmente para aquela visita. Ela já estava na verdade havia 50 anos e queria conhecer um dos primeiros superintendentes de circuito a servir depois da proscrição. Pedimos a ela que nos contasse como tinha aprendido a verdade. Ela nos disse que aos 17 anos foi parar num campo de concentração na Alemanha e conheceu as Testemunhas de Jeová ali. Aceitou a verdade e foi batizada no campo por uma irmã ungida. Por fim, Maria foi libertada e voltou para a Rússia a fim de pregar as boas novas do Reino. Depois de algum tempo, foi presa por causa de suas atividades de pregação. Ela passou muitos anos nos campos soviéticos de trabalhos forçados.

“No fim de sua história, ficamos emocionados de ouvir essa humilde irmã dizer que nas últimas semanas estava orando para que Jeová lhe mostrasse se havia algo de errado na sua adoração. Mais tarde naquela noite, mencionei que há muito tempo o artigo “Perguntas dos Leitores” em A Sentinela tinha falado sobre certo assunto. Dizia que para um batismo ser válido, era importante que fosse realizado por um irmão batizado. Maria ficou muito grata. Ela sentiu que tinha recebido uma resposta às suas orações e ficou feliz de ser batizada na banheira. Haviam se passado 50 anos desde que tinha feito sua dedicação em 1944.”

ALIMENTO ESPIRITUAL ENTREGUE EM 11 FUSOS HORÁRIOS

A partir do começo de 1991, as publicações passaram a ser enviadas à Rússia em pequenos pacotes vindos da Alemanha e da Finlândia. Em julho de 1993, o primeiro caminhão da Alemanha chegou a Solnechnoye, carregando 20 toneladas de publicações. Caminhões da sede da Rússia começaram a realizar entregas em Moscou, em Belarus e no Cazaquistão. Havia desafios. Para entregar publicações no Cazaquistão, por exemplo, os irmãos tinham de viajar 5 mil quilômetros, ficar parados por muito tempo nas fronteiras, e no inverno os caminhões ficavam atolados na neve.

Atualmente, Solnechnoye recebe cerca de 200 toneladas de publicações por mês. Os motoristas de Betel aproveitam toda oportunidade para dar testemunho aos guardas das fronteiras ou aos funcionários da alfândega. Alguns entre esses gostam de ler publicações bíblicas. Durante uma inspeção, ao se dar conta de que o caminhão de Betel pertencia a uma organização religiosa, um policial começou a criticar em voz alta as religiões em geral. Ele contou como tinha sido amaldiçoado por um sacerdote ao pará-lo por causa de uma grave violação das leis de trânsito. Os irmãos explicaram a maneira de Deus tratar as pessoas e qual é o propósito dele para com a Terra e a humanidade. O policial mudou o tom da voz e ficou mais amigável. Ele até começou a fazer perguntas, levando os irmãos a pegarem suas Bíblias e terem uma conversa animadora com ele. Isso tocou tanto o policial que ele disse: “Vou procurar as Testemunhas de Jeová para continuar essa conversa.”

De 1995 a 2001, a sede do Japão cuidou da entrega de publicações para as congregações em Vladivostok, no Extremo Oriente. De lá, os irmãos enviavam as publicações para as congregações em Kamchatka por navio. Os irmãos em Vladivostok conheceram os comandantes de alguns navios que iam para Kamchatka. Um desses comandantes concordou em transportar nossas publicações em sua cabine sem cobrar nada e até ajudou a pôr as publicações no navio. “Apesar de eu não ser religioso”, explicou ele aos irmãos, “quero fazer uma boa ação. Gosto de vocês e do jeito que são organizados. Quando chego ao local de entrega, não tenho de esperar muito tempo para que as publicações sejam descarregadas. Seu povo são como pássaros: pegam as caixas rapidamente e as levam embora”.

O CRESCIMENTO GERA UMA NECESSIDADE

Por muitos anos, a edição em russo de A Sentinela era uma revista mensal, de 16 páginas, impressa num papel um pouco maior do que o usado hoje. Todos os artigos de estudo eram traduzidos para o russo, mas disponibilizados para os irmãos na União Soviética bem depois dos artigos em inglês. No caso dos artigos de estudo, o atraso era de seis meses a dois anos, e quanto aos artigos secundários, o atraso podia ser até maior. A partir de 1981, a edição em russo de A Sentinela passou a ser mensal, com 24 páginas, e desde 1985, quinzenal. O primeiro número de 32 páginas, em quatro cores, impresso simultaneamente com a edição em inglês foi o de 1.º de junho de 1990.

Tanja, uma das tradutoras, se lembra: “Olhando para trás, sabemos que muito do que traduzíamos e imprimíamos naquela época não correspondia ao que era necessário para uma tradução natural e fácil de entender. Mas era o melhor que podíamos fazer nas circunstâncias existentes. E era o alimento necessário para os que estavam famintos em sentido espiritual.”

Com a legalização da obra nos países da ex-União Soviética, nossas publicações podiam ser amplamente distribuídas. Tradutores que trabalhavam na Alemanha na tradução para o russo estavam ansiosos para receber ajuda. Dois acontecimentos resultaram na melhora da qualidade das traduções. Primeiro, para grande alegria deles, diversos irmãos e irmãs da Rússia e da Ucrânia foram para a sede da Alemanha a fim de receber treinamento como tradutores. Cinco deles chegaram em 27 de setembro de 1991, e outros se juntariam a eles depois. Assim, a equipe de tradução russa começou a passar por uma reestruturação. Mas não foi algo fácil. A ‘madeira e a pedra’ deles não se transformaram logo em “ouro”, mas tiveram de passar por todo o processo mencionado em Isaías 60:17.

Segundo, os que traduziam para o russo começaram a sentir os benefícios do trabalho realizado pelo recém-formado Departamento de Serviços de Tradução. Um seminário para tradutores foi realizado na sede da Alemanha por volta da mesma época em que os primeiros irmãos da Rússia chegaram a Selters, Alemanha.

O ideal é que a tradução seja feita no país em que se fala a língua para a qual se traduz. Em janeiro de 1994, foi emocionante ver a equipe de tradução para o russo sair da sede da Alemanha para morar no Betel que estava sendo construído em Solnechnoye.

É claro que foi difícil para eles deixar para trás aqueles que por décadas tinham discretamente traduzido publicações para os irmãos que viviam atrás da Cortina de Ferro, mas cujas circunstâncias não lhes permitiam acompanhar seus irmãos tradutores transferidos para a Rússia. O grupo de 17 irmãos e irmãs, junto com mais 2 irmãos designados como pioneiros especiais, partiu de Selters depois de muitas lágrimas e abraços no domingo, 23 de janeiro de 1994.

“EU SOU DEUS PARA O PACIENTE”

Por décadas na Rússia, médicos e equipes médicas basearam no ateísmo e no amplo uso de sangue na medicina soviética seu ponto de vista sobre a crença religiosa do paciente. Por isso, sempre que uma Testemunha de Jeová solicitava tratamento médico sem sangue, os médicos ficavam perplexos ou até mesmo eram rudes.

Os médicos diziam com freqüência: “Aqui eu sou Deus para o paciente!” Caso não concordasse com o médico, o paciente era imediatamente mandado embora do hospital. Além disso, a posição das Testemunhas de Jeová sobre transfusões de sangue, baseada na Bíblia, era muitas vezes usada por opositores em tentativas de proscrever nossas atividades na Rússia.

Em 1995, o Serviço de Informações sobre Hospitais começou a funcionar na sede da Rússia com o objetivo de fornecer aos profissionais de medicina informações exatas sobre a posição das Testemunhas de Jeová. Foram realizados diversos seminários em que anciãos de mais de 60 Comissões de Ligação com Hospitais receberam treinamento sobre como fornecer informações necessárias a médicos e profissionais de medicina e sobre como encontrar médicos dispostos a tratar pacientes Testemunhas de Jeová sem usar sangue.

Em 1998, em Moscou, médicos russos e estrangeiros realizaram uma conferência internacional com o tema “Alternativas à transfusão em procedimentos cirúrgicos”, a primeira desse tipo na Rússia. Mais de 500 médicos de diversas regiões do país assistiram à essa conferência. Entre 1998 e 2002, médicos russos adquiriram experiência suficiente para realizar muitas dessas conferências em várias cidades grandes da Rússia. Essas conferências deram excelentes resultados.

Numa carta oficial escrita para advogados que defendiam os direitos de pacientes Testemunhas de Jeová, o Dr. A. I. Vorobyov, ex-ministro da saúde e hematologista-chefe na Federação Russa, disse que, em resultado dos novos métodos adotados pelos médicos no que se refere às transfusões de sangue, “a taxa de mortalidade de mulheres no parto havia sido reduzida em 34% no país”. O Dr. Vorobyov depois acrescentou: “Antes disso, nosso sistema de saúde relatava uma taxa de mortalidade oito vezes maior do que entre as parturientes na Europa, pois [na Rússia] as parteiras realizavam transfusões de sangue desnecessárias.”

Em 2001, o Ministério da Saúde da Federação Russa enviou um conjunto de instruções a instituições médicas de todo o país. As instruções diziam que a recusa de transfusão de sangue da parte de um paciente em base religiosa deve ser respeitada pelo médico. Em 2002, o Ministério da Saúde russo publicou Instrução para o Uso de Componentes do Sangue. Essas regulamentações deixam claro que uma transfusão de sangue só pode ser aplicada depois que o paciente autoriza isso por escrito. Elas também indicam que se o paciente recusa transfusões de sangue por razões religiosas, deve-se empregar métodos alternativos.

Muitos médicos mudaram sua atitude em relação ao uso de sangue depois de trabalharem com os representantes do Serviço de Informações sobre Hospitais. Certo cirurgião disse-lhes: “Ouvi de pacientes [Testemunhas de Jeová] e de vocês que sua recusa de transfusões de sangue não se baseia apenas numa emoção do momento, mas sim numa ordem bíblica. Decidi verificar isso. Li todas as referências bíblicas mencionadas no material que me deram. Depois de refletir, cheguei à conclusão de que sua posição baseia-se mesmo na Bíblia. Mas por que nossos sacerdotes não se manifestam sobre isso? Agora, quando surge esse assunto, digo a outros médicos que as Testemunhas de Jeová são o povo que segue a Bíblia.” Hoje, mais de 2 mil médicos na Rússia se dispõem a tratar sem sangue pacientes Testemunhas de Jeová.

SERVEM COM ALEGRIA EM SUA DESIGNAÇÃO

Arno e Sonja Tüngler, formados na Extensão da Escola de Gileade na Alemanha, têm servido na Rússia desde outubro de 1993 e já passaram por várias cidades do país. Como a obra de Jeová progrediu nos territórios em que eles serviram? Observe o que eles têm a dizer.

Arno: “Chegamos à nossa designação em Moscou. Depois de algumas semanas, fizemos nossos primeiros discursos na Escola do Ministério Teocrático. Após seis semanas na Rússia, fiz meu primeiro discurso em uma assembléia. Fazíamos parte de uma congregação com cerca de 140 publicadores batizados. O território dessa congregação era do tamanho de um circuito na Alemanha. Nosso primeiro território ficava perto de onde morávamos. Foi emocionante ser as primeiras Testemunhas de Jeová a pregar ali de casa em casa.”

Sonja: “Mesmo sem saber falar quase nada em russo, às vezes dávamos testemunho nas ruas sozinhos, conversando com as pessoas e entregando tratados e publicações. Os irmãos locais nos apoiaram muito, e era fácil combinar para trabalhar com eles no serviço de campo. Eles foram muito bondosos e pacientes, e nos deixavam falar no nosso sofrível russo. Os moradores também eram muito pacientes. A União Soviética havia se desintegrado e as pessoas estavam muito interessadas em religião.”

Arno: “Pregar de casa em casa e dirigir estudos bíblicos foi de grande ajuda para aprendermos russo. Lá pelo quarto mês na Rússia, em janeiro de 1994, já dirigíamos 22 estudos bíblicos, de modo que tínhamos muitas oportunidades de escutar e falar o idioma que as pessoas usavam no dia-a-dia.

“Naquela época, um número notável de pessoas eram batizadas em assembléias e congressos, às vezes 10% ou mais da assistência. Nem todas as congregações tinham irmãos qualificados para servir como servos ministeriais e anciãos. Certo ancião era o superintendente presidente de cinco congregações! Ele me convidou para fazer o discurso da Comemoração em uma dessas congregações. A assistência foi de 804 pessoas, que tiveram de sair logo depois do discurso para que outra congregação pudesse se reunir ali. Como o orador do segundo discurso tinha sofrido um acidente de carro a caminho do salão, eu tive de fazer o discurso de novo. Dessa vez, havia 796 pessoas na assistência! Assim, só naquelas duas congregações, a assistência à Comemoração foi de 1.600 pessoas, o que mostra o grande interesse que as pessoas tinham pela verdade naquela época.”

JEOVÁ ‘APRESSA’ A COLHEITA

Em sua Palavra, Jeová prometeu ‘acelerar’ o ajuntamento de suas “coisas desejáveis”. (Isa. 60:22; Ageu 2:7) Em 1980, havia 65 publicadores em São Petersburgo, que apesar da vigilância da KGB procuravam conversar sobre assuntos bíblicos com as pessoas da cidade. Em 1990, mais de 170 Testemunhas de Jeová davam testemunho informal nas ruas da cidade. Em março de 1991, a atividade das Testemunhas de Jeová foi registrada na Rússia, e logo cinco congregações estavam ativas em São Petersburgo. O congresso internacional realizado ali em 1992 e outros eventos teocráticos resultaram num rápido crescimento. Em 2006, mais de 70 congregações estavam ativas em São Petersburgo.

Em 1995, havia apenas uma congregação em Astracã, não muito longe da fronteira com o Cazaquistão. A congregação não tinha anciãos nem servos ministeriais. Mesmo assim, os irmãos realizaram a assembléia de circuito e o dia de assembléia especial. Os discursos foram feitos por anciãos que viajaram mais de 700 quilômetros desde Kabardino-Balkaria. Esses irmãos não sabiam quantos seriam batizados nessas assembléias. Roman Skiba se lembra: “Eu e outro ancião chegamos duas semanas antes da assembléia para trabalhar no ministério com os irmãos e considerar as perguntas do batismo com os que queriam ser batizados. No fim, não tivemos tempo de ir ao campo. Passamos todo o tempo considerando as perguntas com 20 candidatos ao batismo.”

Em Yekaterinburgo, em 1999, os irmãos convidaram vários comerciantes de um mercado para a Comemoração. Os comerciantes perguntaram se podiam convidar seus amigos. Os irmãos ficaram muito surpresos quando cerca de cem pessoas apareceram na Comemoração. Apesar de o local alugado ser grande, alguns tiveram de ficar em pé.

ESTUDOS BÍBLICOS DE 50 PESSOAS

A atividade de pregação na província de Ivanovo, não muito longe de Moscou, começou perto do final de 1991 quando Pavel e Anastasia Dimov se mudaram para essa região. Eles tinham uma tarefa difícil à frente — pregar num território de mais de 1 milhão de habitantes. Por onde começar? Escolheram um método simples e eficaz: uma banca de publicações. Eles montaram uma banca na praça principal da cidade e ali colocavam à mostra livros, revistas e brochuras. Pessoas paravam e muitas mostravam interesse sincero. Todos os interessados na verdade eram convidados para uma reunião de estudo bíblico. Não dava para chamar essas reuniões de estudos bíblicos domiciliares, visto que eram realizadas em locais alugados, com a presença de umas 50 pessoas. Os estudos pareciam com as reuniões e eram divididos em duas partes. Primeiro, considerava-se o livro Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra e depois se estudava um artigo de A Sentinela. Os estudos eram realizados três vezes por semana e duravam três horas. Três dessas reuniões de estudo eram realizadas em diferentes partes da cidade. Pavel sempre relatava três estudos bíblicos. Quando lhe perguntaram por que dirigia tão poucos estudos bíblicos numa época em que a maioria dos publicadores dirigia de 10 a 20 estudos, descobriu-se que cerca de 50 pessoas interessadas assistiam a cada estudo! A bênção de Jeová sobre esse método era evidente, pois logo muitos dos que assistiam a esses estudos expressaram o desejo de compartilhar as boas novas com outros. Depois de um desses estudos, Pavel anunciou que os que quisessem se tornar publicadores podiam permanecer no local. Ninguém saiu, e todos se tornaram publicadores. O número de bancas de publicações aumentou na cidade e em pouco tempo muitos quiosques em praças e parques estavam cheios de publicações.

Agora era o momento de mudar o método de pregação: o ministério de casa em casa. Mas como era possível fazer isso se praticamente nenhum dos publicadores tinha participado nessa modalidade de serviço? Aqueles que queriam aprender a pregar de casa em casa acompanhavam os Dimovs na pregação. Quase sempre havia muitos publicadores que queriam aprender. Às vezes, Pavel batia nas portas acompanhado de dez publicadores. Por incrível que pareça, isso não assustava os moradores, que ficavam felizes de falar com o grupo. Alguns até convidavam todos a entrar.

Os novos publicadores logo ficaram ansiosos para pregar em outros lugares e por isso foram organizadas viagens a outras cidades da província de Ivanovo. Grupos de 50 publicadores embarcavam e começavam a pregar no trem a caminho da cidade escolhida e depois eram divididos em pares. Enquanto trabalhavam em prédios de apartamentos, eles convidavam as pessoas para a reunião que seria realizada à noite. Na reunião, os irmãos mostravam vídeos produzidos pelas Testemunhas de Jeová e também proferiam discursos. No final da reunião, oferecia-se um estudo bíblico a todos na assistência, e os que quisessem estudar davam seu endereço aos irmãos. Graças a essas atividades, umas cinco congregações foram formadas em cada uma das várias cidades da província de Ivanovo.

Só em Ivanovo havia 125 publicadores e 1.008 pessoas assistiram à Comemoração em 1994. Naquele mesmo ano, 62 pessoas de Ivanovo foram batizadas no congresso de distrito — uma nova congregação num único dia! Atualmente, 1.800 proclamadores do Reino se empenham na obra do Senhor na província de Ivanovo.

REUNIR-SE APESAR DE OPOSIÇÃO

Em várias cidades, não era fácil obter aprovação para realizar congressos nos estádios. Por exemplo, em Novosibirsk, opositores apoiados pelos clérigos organizaram um protesto bem em frente à entrada do estádio onde o congresso estava sendo realizado. Um cartaz feito por eles dizia: “Cuidado com as Testemunhas de Jeová”. Mas os manifestantes não perceberam que as duas últimas letras da primeira palavra do cartaz estavam borradas; na verdade, o que se lia era: “Cuidem das Testemunhas de Jeová”.

Em 1998, houve problemas ao se tentar realizar uma assembléia de circuito em Omsk. Por causa da pressão dos opositores, de última hora as autoridades locais obrigaram o diretor do local a cancelar o contrato de aluguel feito com as Testemunhas de Jeová. Centenas de pessoas que chegavam para a assembléia foram se aglomerando perto do local alugado. O diretor assustado, preocupado com a sua segurança e a do local, começou a implorar aos irmãos que dissessem às pessoas que não recorressem à violência. Os irmãos o acalmaram, dizendo-lhe que ninguém levantaria um dedo contra qualquer pessoa. Os congressistas discretamente tiraram fotos uns dos outros de lembrança e foram embora. O diretor ficou convencido de que as Testemunhas de Jeová eram pessoas pacíficas. Duas semanas depois, a assembléia foi realizada em outro local. Os opositores souberam da assembléia tarde demais para impedi-la e só chegaram perto do final do programa.

CONGRESSO “SOB AS ESTRELAS”

De 22 a 24 de agosto de 2003, seria realizado na cidade de Stavropol, no Cáucaso, um de vários congressos de distrito em língua de sinais. Os congressistas vieram de 70 cidades da Rússia. Mas o congresso corria o risco de ser cancelado por causa de forte oposição da prefeitura. Um dia antes do congresso, o diretor do local cancelou o contrato de aluguel. Mas na sexta-feira, 22 de agosto, os irmãos fizeram um acordo com a administração de um circo para realizar o congresso em sua arena.

O programa começou às 3 horas da tarde, mas logo depois do intervalo faltou luz. Os congressistas pacientemente esperaram em seus lugares e o programa prosseguiu uma hora depois quando a luz voltou, terminando às 21h30.

O segundo dia de congresso começou às 9h30 já com falta de luz. Logo, a água foi cortada. Como os irmãos continuariam o congresso sem água nem luz? Às 10h50, a Comissão do Congresso decidiu abrir as portas da arena, visto que era um dia ensolarado. Usando de criatividade, os irmãos pegaram espelhos grandes e os colocaram na rua para refletir a luz do sol dentro da arena e iluminar o orador. Embora a assistência conseguisse enxergar o orador, dava para notar que a luz forte o atrapalhava. Com a ajuda de outros espelhos, os irmãos direcionaram a luz do sol para uma grande bola de espelhos pendurada no domo do circo. A arena do circo ficou repleta de luzes tremulantes. Agora, o orador e todos na assistência podiam se concentrar no programa, que acabou se tornando um congresso especial “sob as estrelas”. Foi assim que os congressistas descreveram as luzes tremulantes que havia por toda a escura arena do circo.

Logo, o prefeito e várias outras autoridades foram até a arena. Ficaram admirados de ver que as Testemunhas de Jeová não tinham cancelado o congresso. Acima de tudo, eles ficaram impressionados pela conduta dos congressistas. Nenhum dos presentes protestou ou reclamou, e toda a sua atenção estava voltada para o palco. O chefe de polícia, que antes tinha sido agressivo com as Testemunhas de Jeová, ficou tão comovido pelo que viu que disse: “Estou com vocês no coração e na alma, mas vivemos num mundo que não gosta de vocês.”

As autoridades saíram, e logo a eletricidade voltou. Os dois primeiros dias do congresso terminaram tarde, mas os congressistas permaneceram em seus lugares até a oração final. Apesar de oposição, o número de congressistas aumentou a cada dia, de 494 na sexta-feira para 535 no sábado e 611 no domingo! Na oração final, foi feito um agradecimento especial a Jeová por ter permitido a realização desse maravilhoso congresso. Os congressistas foram embora alegres, ainda mais decididos a servir ao seu Pai celestial, louvando seu nome.

SURDOS LOUVAM A JEOVÁ

Entre os milhares de congressistas da União Soviética que assistiram ao congresso especial na Polônia em 1990 estavam alguns surdos. Depois de receber encorajamento espiritual no congresso, esses primeiros “semeadores” fizeram ainda mais esforço para pregar. Já em 1992, era possível dizer que essa parte do campo também estava branca para a colheita e que ‘a colheita seria grande’. (Mat. 9:37) Em 1997, foi formada a primeira congregação em língua de sinais, e havia inúmeros grupos de língua de sinais por todo o país. Em 2002, formou-se um circuito em língua de sinais — o maior circuito do mundo em termos de extensão. Em 2006, a proporção publicador/habitantes entre os surdos do país era de 1 para 300, ao passo que entre os ouvintes era de 1 para 1.000.

Havia necessidade de traduções de qualidade para a língua de sinais. Em 1997, a sede da Rússia iniciou a tradução para a língua de sinais. Yevdokia, uma das irmãs surdas da equipe de tradução para a língua de sinais, disse: “Para mim, servir em Betel e traduzir nossas publicações para a língua de sinais é um privilégio especial. No mundo, as pessoas não confiam nos surdos e os encaram como inferiores. Mas tudo é diferente na organização de Deus. Primeiro, vejo que o próprio Jeová confia em nós surdos para transmitir a verdade em nosso idioma. Segundo, nos sentimos confiantes entre o povo de Deus e ficamos realmente felizes de fazer parte dessa enorme família.”

BOAS NOVAS EM TODAS AS LÍNGUAS

Apesar de o russo sempre ter sido o idioma principal nas transações comerciais e nas escolas, cerca de 150 outros idiomas eram falados na União Soviética. Em 1991, depois de a União Soviética ser dividida em 15 países, o interesse pela verdade entre as pessoas que falam esses idiomas foi renovado, em especial nas novas repúblicas. Em harmonia com Revelação 14:6, fez-se um grande esforço para alcançar pessoas de “toda nação, e tribo, e língua, e povo” nesse vasto território. Isso fez com que fosse necessário produzir A Sentinela em 14 novos idiomas no território da sede da Rússia a fim de fornecer alimento espiritual a dezenas de milhares de novos discípulos. Para ajudar na divulgação das boas novas, a sede na Rússia supervisiona a tradução de publicações em mais de 40 idiomas, permitindo que a verdade bíblica toque corações de modo mais rápido e mais profundo do que nunca.

Esses idiomas são falados, em sua maioria, dentro da Federação Russa. Por exemplo, pode-se ouvir pessoas conversando em osseto nas ruas de Beslan e Vladikavkaz; em buriato, idioma parecido com o mongol, na região em torno do lago Baikal; em iacuto, idioma altaico-turco, falado por pastores de renas e outros habitantes do Extremo Oriente, e cerca de 30 outros idiomas no Cáucaso. Depois do russo, o tártaro é o maior grupo lingüístico da Rússia, com mais de 5 milhões de pessoas que falam esse idioma, especialmente na região conhecida como Tartária.

Em geral, os que falam tártaro gostam de ler publicações em seu idioma e poucos aceitam publicações em russo. Na campanha do Notícias do Reino N.º 35, uma mulher que mora numa zona rural recebeu um exemplar e escreveu uma carta solicitando a brochura Deus Requer em tártaro. Uma irmã lhe enviou a brochura e uma carta, e a mulher respondeu com uma entusiástica carta de oito páginas. Em pouco tempo ela começou a estudar a Bíblia, usando as publicações em tártaro. Um homem que recebeu a brochura Importa-se Deus? em tártaro disse que essa publicação o ajudou a ver a situação do mundo de maneira diferente. Esses resultados não seriam possíveis sem as publicações em tártaro.

Uma mulher que fala mari obteve um exemplar do Notícias do Reino N.º 35. Depois de lê-lo, ela quis saber mais, só que não havia Testemunhas de Jeová na zona rural onde ela morava. Ela contatou uma Testemunha de Jeová quando foi à cidade e recebeu o livro Conhecimento, bem como outras publicações em russo. Depois de estudar essas publicações por conta própria, ela começou a pregar na sua região e logo estava dirigindo um estudo bíblico para um grupo de interessados. Então, ela ficou sabendo do dia de assembléia especial em Izhevsk e viajou para lá na esperança de ser batizada. No entanto, na assembléia ela soube que os que desejam ser batizados devem primeiro fazer um estudo cabal da Bíblia. Os irmãos tomaram providências para ajudá-la em sentido espiritual. Tudo isso aconteceu por causa da leitura do Notícias do Reino em sua própria língua.

Em Vladikavkaz havia apenas uma congregação em osseto, e nas assembléias e nos congressos nenhum discurso era traduzido para esse idioma. Mas em 2002, os discursos foram traduzidos pela primeira vez. Os irmãos que falavam osseto ficaram muito felizes. Mesmo os que entendiam bem o russo disseram que ouvir a mensagem da Bíblia em sua língua materna havia lhes tocado o coração. Isso contribuiu para o crescimento espiritual da congregação e atraiu muitos ossetos para a verdade. Em 2006, foi formado um circuito na Ossétia e pela primeira vez foram realizadas assembléias de circuito em osseto.

Durante uma visita de superintendentes viajantes a um grupo na remota aldeia de Aktash, Altai, cerca de 30 pessoas se reuniram em um apartamento, embora o grupo fosse formado por apenas alguns publicadores. Todos assistiram ao discurso público, mas no discurso de serviço do superintendente de distrito, cerca de metade da assistência foi embora. Depois da reunião, o superintendente de distrito perguntou aos irmãos locais por que tantas pessoas tinham ido embora. Uma senhora altaica respondeu num russo mal falado: “Você faz um importante trabalho, mas eu não entendi quase nada!” Na visita seguinte do superintendente de circuito, os discursos foram traduzidos e todos ficaram até o final da reunião para usufruir o programa inteiro.

Na cidade de Voronej há uma grande população de universitários estrangeiros. Em 2000, um servo ministerial que fala chinês organizou cursos informais desse idioma. Muitas Testemunhas de Jeová corresponderam à necessidade e começaram a pregar aos universitários chineses. O chinês é uma língua muito difícil, mas os irmãos não desistiram. Em fevereiro de 2004, foi formado na cidade o primeiro estudo de livro em chinês. Em abril daquele ano, o primeiro estudante chinês da Bíblia foi batizado, e dois meses depois, outro também foi batizado. Hoje, grupos de interessados freqüentam o estudo de livro e cerca de 15 estudos bíblicos são dirigidos em chinês. À medida que as boas novas chegam a todas as partes desse imenso território, a sede da Rússia continua a atender pedidos de mais publicações em mais idiomas.

PIONEIROS RECEBEM TREINAMENTO

A Escola do Serviço de Pioneiro tem sido realizada há vários anos na Rússia. Cada turma é composta de 20 a 30 alunos, a maioria pioneiros locais que não precisam viajar longas distâncias para assistir às aulas. No entanto, esse não foi o caso da primeira turma na Rússia. Roman Skiba lembra: “A Escola do Serviço de Pioneiro de que mais me lembro é a que foi realizada em Yekaterinburgo, em 1996. Mais de 40 irmãos e irmãs assistiram às aulas. Para fazer o curso, muitos tiveram de viajar centenas de quilômetros e alguns mais de mil quilômetros.”

Svetlana tem servido como pioneira regular no campo de língua de sinais desde 1997. Em janeiro de 2000, ela assistiu à Escola de Pioneiro em língua de sinais. Depois do curso, Svetlana relatou como esse a ajudou a melhorar a qualidade de seu ministério e a entender o que significa ser cristão na família e na congregação. Ela diz: “Meu amor pelos outros aumentou. Também percebi o valor de cooperar com os irmãos e agora aceito de bom grado os conselhos que recebo. A qualidade de meus estudos bíblicos melhorou de modo significativo porque passei a usar ilustrações.”

Alyona serve como pioneira em Khabarovsk, cidade no Extremo Oriente, ajudando surdos a aprender a verdade. Para fazer isso de modo mais eficaz, Alyona quis cursar a Escola do Serviço de Pioneiro em língua de sinais. Que dificuldades ela teve de vencer? Alyona diz: “A Escola de Pioneiro mais próxima foi realizada em Moscou, a 9 mil quilômetros de Khabarovsk. Para assistir às aulas, eu tive de viajar oito dias de trem na ida e mais oito dias na volta.” Mas ela não se arrependeu nem um pouco!

Além de escolas para ajudar os que estão no campo da língua de sinais, de 1996 a 2006 centenas de Escolas do Serviço de Pioneiro foram realizadas na Rússia. Esse treinamento dado aos pioneiros contribuiu diretamente para o crescimento geral da obra de pregação e das congregações. Marcin, que atualmente serve como superintendente de circuito, se lembra: “Em 1995, fui designado pioneiro especial na Congregação Kuntsëvo, em Moscou. O discurso público e o Estudo de A Sentinela pareciam uma assembléia! Havia cerca de 400 pessoas no salão. Naquela época, a congregação tinha 300 publicadores. Menos de dez anos mais tarde, dez congregações haviam sido formadas a partir daquela primeira congregação!

“Enquanto servi como superintendente de circuito em 1996 e 1997, presenciei um surpreendente crescimento no circuito. Visitei uma congregação na cidade de Volzhskiy, na província de Volgogrado, e voltei seis meses depois. Nessa ocasião, a congregação tinha 75 novos publicadores. Era como se uma nova congregação tivesse sido formada! O espírito demonstrado por esses novos publicadores zelosos é difícil de descrever. As reuniões para o serviço de campo, realizadas no apartamento de um prédio de muitos andares, regularmente tinham mais de 80 pessoas. Muitos ficavam nas escadas porque não havia lugar para todos no apartamento.”

JOVENS GLORIFICAM A JEOVÁ

Muitos jovens mostram interesse pela mensagem do Reino apesar da oposição dos pais. Uma irmã de 20 anos relata: “Em 1995, quando eu tinha 9 anos, as Testemunhas de Jeová pregaram para meus pais, mas eles não aceitaram a verdade. Eu queria saber mais sobre Deus. Felizmente, uma amiga da escola começou a estudar a Bíblia e eu assistia a seu estudo. Quando meus pais descobriram, proibiram que eu me associasse com as Testemunhas de Jeová. Às vezes eles me trancavam sozinha em casa para me impedir de ir ao estudo. Isso continuou a acontecer até eu atingir a maioridade. Fui morar em outra cidade para freqüentar a escola e lá encontrei as Testemunhas de Jeová. Fiquei muito feliz de poder voltar a estudar a Bíblia! Passei a amar a Jeová de todo o coração e fui batizada num congresso de distrito em 2005. Depois do batismo, comecei imediatamente o serviço de pioneiro auxiliar. Hoje meus pais são favoráveis ao que desde a infância tem sido tão precioso para mim.”

Outra irmã se lembra: “Em 1997, quando eu tinha 15 anos, as Testemunhas de Jeová me ofereceram uma revista Despertai!. Gostei muito do nome da revista e de seu conteúdo, e queria recebê-la regularmente. Quando meu pai soube que eu estava lendo a revista, proibiu as Testemunhas de Jeová de virem à nossa casa. Algum tempo depois, minha prima começou a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová. No início de 2002, passei a freqüentar as reuniões no Salão do Reino com ela. Lá eu soube que as Testemunhas de Jeová servem como missionárias e cultivei o forte desejo de ajudar outros a aprender sobre Deus. Mas minha prima me explicou que primeiro eu tinha de parar de fumar, harmonizar minha vida com a vontade de Deus e passar a servi-lo. Segui o conselho dela e seis meses depois fui batizada e logo comecei a servir como pioneira auxiliar. Sou muito feliz de ter encontrado um real objetivo na vida.”

BUSCA POR “COISAS DESEJÁVEIS” EM IACÚTIA

A província de Amur e todo o território da Iacútia formam um circuito. Durante o ano de serviço de 2005, uma assembléia de circuito e um dia de assembléia especial foram realizados pela primeira vez em Yakutsk, capital da Iacútia. Foi muito agradável ver os nativos daquela região assistir a essas assembléias.

Para a comodidade dos irmãos, o circuito foi dividido em cinco partes, cada uma com sua própria assembléia. Para irem de uma assembléia a outra, os superintendentes viajantes tinham de viajar 24 horas de trem, 15 horas de carro e 3 horas de avião.

Nesse território faz muito frio no inverno, com temperaturas de 50 °C negativos ou menos. Apesar disso, os publicadores pregam não apenas em prédios, mas também de casa em casa.

Formou-se dois grupos de publicadores no início de 2005. Um grupo fica no povoado de Khayyr, a 80 quilômetros das margens do mar de Laptev, acima do círculo polar Ártico. O povoado tem uma população de 500 pessoas; 4 são Testemunhas de Jeová. Em 2004, 76 pessoas assistiram à Comemoração ali. Para visitar o grupo, o superintendente de circuito precisa primeiro viajar cerca de 900 quilômetros de avião e depois mais de 450 quilômetros de carro por estradas cobertas de neve.

Outro grupo foi estabelecido na aldeia remota de Ust’-Nera, a 100 quilômetros da aldeia de Oymyakon. No inverno, as temperaturas nessa região às vezes chegam a 60 °C negativos. Para assistir à assembléia de circuito no ano passado, os publicadores desse grupo se dividiram em dois carros. Tiveram de viajar cerca de 4 mil quilômetros ida e volta, e a maior parte do percurso foi através de áreas remotas e desabitadas, a temperaturas de 50 °C negativos.

Um superintendente de circuito contou um episódio interessante que ocorreu a 4 mil metros de altitude. “Durante a campanha da brochura Mantenha-se Vigilante!, uma série de assembléias foi realizada em nosso circuito. O superintendente de distrito e eu estávamos no avião indo para a próxima assembléia. Infelizmente, não tínhamos mais a brochura da campanha, de modo que oferecemos à comissária de bordo a brochura O Que Deus Requer de Nós?. Ela disse que já havia recebido algumas publicações e nos mostrou um exemplar da brochura Mantenha-se Vigilante!. Ficamos felizes de saber que nossos irmãos não estavam perdendo tempo. Durante nossa conversa, o co-piloto passou por nós. Ficou interessado e participou da conversa. Conversamos quase o vôo inteiro. Feliz com a conversa, ele ficou com várias revistas e as distribuiu à tripulação na cabine de comando.”

BOAS NOVAS NA SACALINA

No final da década de 70, as Testemunhas de Jeová chegaram a Sacalina, uma ilha localizada acima de Hokkaido, a ilha no extremo norte do Japão. Irmãos de Vladivostok que supervisionavam a obra de pregação na região incentivaram Sergey Sagin a expandir seu ministério e se mudar para a ilha e pregar a seus habitantes. Enquanto trabalhava no porto, Sergey procurava iniciar conversas bíblicas com seus colegas de trabalho. Logo estava dirigindo vários estudos bíblicos. Apesar de mais tarde Sergey precisar deixar a ilha, as sementes da verdade por fim produziram frutos.

Os congressos de 1989 e 1990 na Polônia motivaram muitas Testemunhas de Jeová na Rússia a expandir seu ministério e se mudar para lugares onde a necessidade era maior. Em 1990, Sergey e Galina Averin se mudaram de Khabarovsk, no Extremo Oriente, para Korsakov, na Sacalina. Poucos meses depois, dois pioneiros e vários publicadores se mudaram para Yuzhno-Sakhalinsk, onde só havia uma Testemunha de Jeová.

Pavel Sivulski, filho do Pavel Sivulski mencionado antes, um dos dois pioneiros e que agora serve em Betel, se lembra: “Ao chegarmos a Yuzhno-Sakhalinsk, um irmão e eu ficamos num hotel, visto que não encontramos logo um lugar para morar. Começamos a trabalhar de casa em casa perto do hotel e em nossas conversas perguntávamos às pessoas se alguém tinha um lugar para alugar. Encontrávamos pessoas que nos perguntavam onde poderiam continuar as conversas sobre a Bíblia, mas precisávamos explicar que estávamos morando em um hotel e que assim que tivéssemos outro lugar para morar, nós as convidaríamos. Oramos fervorosamente a Jeová para nos ajudar a encontrar emprego e moradia. Jeová respondeu às nossas orações. Em pouco tempo, nós tínhamos emprego e um apartamento. Uma moradora nos convidou a ficar em seu apartamento. Ela não quis aceitar aluguel e até preparava nossas refeições, o que nos ajudava a passar mais tempo na pregação. Jeová mostrou que estava conosco. Logo estávamos dirigindo muitos estudos bíblicos e formando grupos de estudo de livro. Dois meses depois, alugamos uma casa e passamos a realizar as reuniões ali.”

À medida que a congregação crescia, muitos novos publicadores entravam no serviço de pioneiro. Eles demonstravam um verdadeiro espírito de pioneiro e se mudaram para outras partes da ilha a fim de divulgar a verdade aos habitantes. Jeová abençoou muito o ministério zeloso dessa congregação de crescimento rápido e três anos depois, em 1993, oito congregações haviam sido formadas a partir dessa primeira!

Com o tempo, muitos publicadores deixaram a ilha por causa de dificuldades econômicas e também para expandir seu ministério. Como antes, esses esforços foram acompanhados de crescimento. Agora há um belo Salão do Reino no centro da cidade de Yuzhno-Sakhalinsk e a ilha tem nove congregações e quatro grupos, formando um circuito.

APESAR DE MUITOS OPOSITORES, AS PORTAS SE ABREM

No primeiro século, o apóstolo Paulo disse: “Se me abriu uma porta larga para atividade, mas há muitos opositores.” (1 Cor. 16:9) Dois mil anos depois, o número de opositores não diminuiu. De 1995 a 1998, a promotoria de Moscou instaurou quatro vezes processos criminais contra as Testemunhas de Jeová. Elas foram acusadas de incitar a intolerância religiosa, destruir famílias, participar em atividades contra o Estado e infringir os direitos de outros cidadãos. Quando essas acusações não puderam ser provadas, um processo civil foi aberto contra as Testemunhas de Jeová em 1998, baseado nas mesmas alegações infundadas.

Mais ou menos um ano depois, o Ministério da Justiça registrou de novo o Centro Administrativo das Testemunhas de Jeová na Rússia, reconhecendo que as Testemunhas de Jeová não promovem nada que instigue o ódio religioso, destrua famílias ou infrinja os direitos humanos; tampouco suas publicações promovem tais coisas. Ainda assim, a promotoria levantou novamente as mesmas acusações.

Alguns professores universitários de estudos religiosos reconhecem que as Testemunhas de Jeová baseiam suas crenças exclusivamente na Bíblia. Diz o Dr. Nicolai S. Gordienko, professor de estudos religiosos na Universidade Pedagógica Herzen, em São Petersburgo: “Quando os especialistas acusam as Testemunhas de Jeová por causa de seus ensinamentos, não se dão conta de que estão na realidade fazendo acusações contra a Bíblia.”

Mesmo assim, a corte da cidade de Moscou decidiu revogar o reconhecimento legal das Testemunhas de Jeová em Moscou. No entanto, isso não impede nossos irmãos de cumprir o mandamento bíblico de pregar as boas novas a outros. As Testemunhas de Jeová estão convencidas de que as pessoas de Moscou devem tomar suas próprias decisões no que diz respeito a suas crenças religiosas. Restringir esse direito seria infringir a liberdade de todos os cidadãos de Moscou. Sendo assim, as Testemunhas de Jeová em Moscou vão continuar a cumprir o mandamento de Jesus Cristo de pregar e fazer discípulos. (Mat. 28:19, 20) No momento, a Corte Européia dos Direitos Humanos está revendo a decisão da corte da cidade de Moscou.

Em setembro de 1998, quando começaram as audiências da tentativa de acabar com as Testemunhas de Jeová em Moscou, havia 43 congregações nessa cidade. Oito anos depois, havia 93! Jeová prometeu a seu povo: “Nenhuma arma que se forjar contra ti será bem sucedida.” (Isa. 54:17) Em 2007, as Testemunhas de Jeová realizaram seu congresso de distrito no Estádio Luzhniki, em Moscou, o mesmo que sediou as Olimpíadas. Houve 29.040 pessoas nesse congresso e 655 foram batizadas.

O NOME DE DEUS É GRANDE NA RÚSSIA

Conforme registrado em Malaquias 1:11, Jeová Deus disse: “Meu nome será grande entre as nações desde o nascente do sol até o seu poente.” Cada novo nascer do sol traz consigo a possibilidade de encontrar ainda mais uma pessoa semelhante a ovelha nesse vasto país. Só no último ano de serviço, mais de 7 mil pessoas foram batizadas na Rússia. Essa é uma prova incontestável de que o “Czar dos Czares”, como Jesus Cristo é chamado na Bíblia em russo, está com seus súditos ao passo que eles realizam esse trabalho. — Mat. 24:14; Rev. 19:16.

“O dia de Jeová virá como ladrão”, disse o apóstolo Pedro. (2 Ped. 3:10) Por isso, o povo de Jeová na Rússia está determinado a usar o tempo que resta para procurar os corretamente dispostos de todas as nações, tribos, línguas e povos.

[Nota(s) de rodapé]

^ parágrafo 353 Veja o artigo “Os altaicos: um povo ao qual nos afeiçoamos”, na Despertai! de 22 de junho de 1999.

[Destaque na página 110]

“Se houvesse qualquer coisa contra vocês nos registros, mesmo que tivessem derramado só uma gota de sangue, nós teríamos matado a todos vocês”

[Destaque na página 128]

“Se deixarmos você ir, muitos cidadãos soviéticos se juntarão a você. É por isso que o encaramos como uma grande ameaça ao Estado”

[Destaque na página 219]

“Seu povo são como pássaros: pegam as caixas rapidamente e as levam embora”

[Quadro/Foto na página 69]

Como é a Sibéria?

O que lhe vem à mente quando pensa na Sibéria? Você visualiza uma região inóspita e intocada, com invernos extremamente frios? Imagina uma terra desolada, um lugar para onde os violadores das leis do governo soviético eram enviados? Tem razão, mas isso é apenas parte do cenário.

A Sibéria é uma enorme região, mais extensa que o Canadá, o segundo maior país do mundo. Atualmente, a Sibéria cobre mais de 13 milhões de quilômetros quadrados, estendendo-se desde os montes Urais no oeste, até o oceano Pacífico no leste, e desde a Mongólia e a China no sul, até o oceano Ártico no norte. É uma terra rica em recursos naturais — madeira, óleo e gás natural. Na Sibéria, você encontrará cadeias de montanhas, planícies, pântanos, lagos e grandes rios.

Durante cerca de um século e meio, a Sibéria foi lugar de aprisionamento, trabalhos forçados e exílio. Nos anos 30 e 40, Joseph Stalin enviou milhões de pessoas para os campos de trabalhos forçados naquela região. Em 1949 e 1951, cerca de nove mil Testemunhas de Jeová da Moldávia, dos países bálticos e da Ucrânia foram exiladas na Sibéria.

[Quadro/Fotos nas páginas 72, 73]

Dados gerais

País

A Rússia é o maior país do mundo — tem cerca de 7.700 quilômetros de leste a oeste e 3 mil quilômetros de norte a sul, totalizando uma área de 17.075.800 quilômetros quadrados. Com surpreendentes 11 fusos horários, a Rússia “abraça” quase a metade do Hemisfério Norte. Lá estão a montanha mais alta e o rio mais longo da Europa, além do lago de maior profundidade do mundo.

Povo

Os russos compõem 80% da população. No entanto, outras 70 etnias vivem na Rússia. Algumas são compostas de uns milhares de pessoas e outras, de mais de um milhão.

Idioma

O russo é o idioma oficial falado por praticamente todos os cidadãos. Mais de cem outros idiomas são falados na Rússia, alguns sendo a língua materna de grupos de aproximadamente um milhão de pessoas.

Economia

A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de óleo e gás natural. Entre as grandes indústrias estão a silvicultura, a mineração e outras.

Alimentação

Pratos nutritivos de carne, peixe, repolho ou coalhada são servidos com pão preto de centeio, batata e trigo-sarraceno. A cozinha russa é rica em gorduras e carboidratos, os quais fornecem a energia necessária para se enfrentar os longos e gelados invernos. Uma típica refeição pode incluir pelmeni (bolinhos de massa e carne) na sopa ou cobertos com nata azeda, ou ainda piroshki (pequenas massas) com recheio de repolho, carne, queijo ou batata. Sopas como borche (sopa de beterraba) e shchi (sopa de repolho) são muito apreciadas.

Clima

Os verões são quentes e os invernos, escuros e frios. A primavera e o outono passam rapidamente, permitindo que as outras duas estações predominem no clima.

(Mapas da Rússia nas páginas 116 e 167)

[Fotos]

O Kremlin

Monte Elbrus, Kabardino-Balkaria

Urso-pardo, península de Kamchatka

[Quadro nas páginas 92, 93]

Uma batalha pelo coração e pela mente

O governo soviético não procurou exterminar as Testemunhas de Jeová. Seu objetivo era convertê-las à ideologia soviética por meio de persuasão e força. Para isso, o governo usou a KGB — organização de segurança interna e de inteligência do governo. Seguem alguns dos métodos que a KGB utilizava:

Buscas: Eram feitas nos lares das Testemunhas de Jeová, até mesmo à noite. Constantes buscas levaram algumas famílias a mudar de residência.

Vigilância: Incluía escutas telefônicas, interceptação de correspondência e instalação de aparelhos de escuta na casa dos irmãos.

Multas e interrupção de reuniões: Em todo o país, as autoridades rastreavam os locais onde as reuniões eram realizadas e multavam todos na assistência. Com freqüência, a multa correspondia à metade de um salário médio mensal, ou mais.

Suborno e chantagem: Em troca de cooperação, a KGB prometia carros e apartamentos no centro de Moscou a algumas Testemunhas de Jeová. Em muitos casos, ameaçavam-se os irmãos dizendo que seriam sentenciados a muitos anos em campos de trabalhos forçados caso se recusassem a cooperar.

Propaganda enganosa: Filmes, jornais e programas de televisão retratavam as Testemunhas de Jeová como um perigo para a sociedade. Realizavam-se palestras em prisões e em campos de trabalhos forçados para denunciar os irmãos por supostamente usarem a Bíblia como pretexto para campanhas políticas. Isso resultou em discriminação: professores davam notas baixas aos alunos Testemunhas de Jeová e empregadores negavam aos nossos irmãos benefícios trabalhistas e férias aos quais tinham direito.

Infiltração: Agentes da KGB, fingindo ter interesse na mensagem do Reino, estudavam a Bíblia e eram batizados. Alguns chegaram a ocupar cargos de responsabilidade na organização. Seu objetivo era parar a obra de pregação por criar desconfiança e divisões entre as Testemunhas de Jeová.

Exílio: Testemunhas de Jeová eram enviadas a regiões remotas do país. Nesses lugares, tinham de conseguir o sustento com muita dificuldade, fazendo trabalho braçal pesado 12 horas por dia. No inverno, tinham de lidar com o frio intenso e no verão, com mosquitos e moscões.

Confisco e separação: Propriedades, casas e outros bens eram confiscados. Às vezes, filhos eram separados de seus pais Testemunhas de Jeová.

Ridicularização e espancamento: Muitas Testemunhas de Jeová, incluindo mulheres, eram insultadas e ridicularizadas. Alguns irmãos e irmãs foram espancados com extrema crueldade.

Prisões: Tinham por objetivo forçar as Testemunhas de Jeová a renunciar à sua fé ou separá-las de seus irmãos.

Campos de trabalhos forçados: As Testemunhas de Jeová ficavam à beira da completa exaustão física nesses campos. Com freqüência, os irmãos tinham de remover do solo tocos de enormes árvores. Também trabalhavam em minas de carvão e construíam estradas e ferrovias. Separados de suas famílias, os trabalhadores desses campos moravam em alojamentos.

[Quadro/Foto nas páginas 96, 97]

Fui duas vezes sentenciado à morte

PYOTR KRIVOKULSKI

ANO DE NASCIMENTO 1922

ANO DE BATISMO 1956

RESUMO BIOGRÁFICO Estudou em um seminário antes de aprender a verdade. Passou 22 anos em prisões e em campos de trabalhos forçados e morreu em 1998.

EM 1940, Testemunhas de Jeová polonesas começaram a pregar na região onde eu morava na Ucrânia. Fui visitado por um irmão ungido chamado Kornei. Conversamos a noite inteira e fiquei convencido de que aquilo que ele me disse era a verdade sobre Deus.

Em 1942, o exército alemão avançou e as forças soviéticas se retiraram da região em que eu morava. Era uma época de anarquia. Nacionalistas ucranianos insistiram para que eu me juntasse a eles e lutasse contra os alemães e os soviéticos. Ao me recusar a fazer isso, eles me espancaram até eu perder os sentidos e depois me jogaram na rua. Naquela mesma noite, fui levado para um lugar de execução em massa. Ali, eles me perguntaram novamente se eu serviria ao povo ucraniano. Respondi com voz alta e firme: “Servirei apenas a Jeová Deus!” Então, fui sentenciado à morte. Quando um dos soldados ordenou que atirassem em mim, outro agarrou a arma e gritou: “Não atire! Ele ainda pode ser útil.” Enfurecido, um homem começou a me bater e prometeu que dentro de uma semana ele mesmo atiraria em mim. Poucos dias depois, ele foi morto.

Em março de 1944, o exército soviético retornou à nossa região e os soldados levaram embora todos os homens, inclusive eu. Dessa vez, era o exército soviético que precisava de combatentes. Quando reuniram todos os homens, encontrei Kornei, o irmão que tinha dado testemunho a mim. Havia outras 70 Testemunhas de Jeová ali e todos nós conseguimos ficar separados dos outros homens e nos encorajamos mutuamente. Um soldado se aproximou e perguntou por que não estávamos juntos dos outros. Kornei explicou que éramos cristãos e que não podíamos pegar em armas. Os soldados levaram-no imediatamente dali e nos disseram que atirariam nele. Nunca mais o vimos. Eles começaram a nos fazer ameaças, dizendo que atirariam em nós assim como fizeram com Kornei. Perguntaram a cada um de nós se nos juntaríamos ao exército. Quando recusei, três soldados e um oficial me levaram para a floresta. O comandante leu a sentença do tribunal militar: “Condenado à execução por pelotão de fuzilamento por se recusar a vestir um uniforme e a pegar em armas.” Orei fervorosamente a Jeová e então comecei a me perguntar se ele me aceitaria como seu servo, visto que eu ainda não tinha sido batizado. De repente, escutei: “Atirem no inimigo!” Mas os soldados atiraram para o ar. O oficial começou a me bater. Fui sentenciado a dez anos de prisão e acabei num campo de trabalhos forçados na província de Gorki, região central da Rússia.

Fui solto em 1956 e mais tarde me casei com Regina, uma fiel Testemunha de Jeová. Tínhamos seis meses de casados quando fui repentinamente preso e sentenciado a dez anos de prisão.

Quando finalmente fui libertado, uma autoridade me disse: “Não há lugar para você na União Soviética.” Ele estava errado. Como é bom saber que a Terra pertence a Jeová e que cabe a ele decidir quem viverá para sempre sobre ela! — Sal. 37:18.

[Quadro/Foto nas páginas 104, 105]

“Há alguma Testemunha de Jeová entre vocês?”

YEVGENIA RYBAK

ANO DE NASCIMENTO 1928

ANO DE BATISMO 1946

RESUMO BIOGRÁFICO Nascida na Ucrânia, foi levada à força para a Alemanha, onde aprendeu a verdade. Ela continua servindo fielmente a Jeová na Rússia.

NUM domingo, ouvi uma linda canção pela janela. Era um dos cânticos das Testemunhas de Jeová. Logo eu estava assistindo às suas reuniões. Eu não conseguia entender por que alemães perseguiam outros alemães por causa da fé que tinham. Meus amigos ucranianos, com quem eu havia sido levada para a Alemanha, passaram a me odiar por eu estar me associando com alemães. Certo dia, um deles gritou comigo e me bateu no rosto. Minhas antigas amigas começaram a rir.

Depois de ser libertada em 1945, voltei para a Ucrânia. Meu avô disse: “Sua mãe ficou maluca. Jogou fora as imagens e agora serve a um outro Deus.” Quando ficamos a sós, minha mãe leu na Bíblia que Deus odeia a idolatria. Então ela me disse que estava freqüentando as reuniões das Testemunhas de Jeová. Dei-lhe um forte abraço e, com lágrimas nos olhos, disse baixinho: “Mamãe, eu também sou Testemunha de Jeová!” Nós duas choramos de alegria.

Minha mãe era muito zelosa no ministério. Visto que quase todos os irmãos estavam presos nos campos, ela foi designada como serva de grupo. Seu zelo também me influenciou.

Em 1950, fui detida por praticar atividades religiosas e o tribunal me sentenciou a dez anos num campo de prisão. Quatro outras irmãs e eu fomos levadas para a cidade de Usolye-Sibirskoye, na Sibéria. Em abril de 1951, começamos a trabalhar na construção de ferrovias. Carregávamos pesados dormentes nos ombros; duas mulheres carregavam um. Com as próprias mãos, tínhamos de transportar e assentar trilhos de 10 metros e 320 quilos. Ficávamos muito cansadas. Certa vez, ao voltar exaustas para casa, um trem cheio de prisioneiros parou perto de nós. Um homem, olhando pela janela, perguntou: “Há alguma Testemunha de Jeová entre vocês?” Nosso cansaço desapareceu. “Somos cinco irmãs!”, gritamos. Os prisioneiros eram nossos queridos irmãos que haviam sido exilados da Ucrânia. Enquanto o trem ficou parado, eles nos contaram com entusiasmo o que tinha acontecido e como eles haviam sido exilados. As crianças recitaram para nós poemas que os próprios irmãos tinham escrito. Nem mesmo os soldados nos incomodaram, e pudemos nos associar e nos encorajar uns aos outros.

De Usolye-Sibirskoye, fomos transferidas para um campo maior perto de Angarsk. Havia 22 irmãs ali. Elas já haviam organizado tudo, incluindo os territórios para a pregação. Isso nos ajudou a ficar ativas em sentido espiritual.

[Quadro/Foto nas páginas 108, 109]

Fui muitas vezes enviado à “quinta ala”

NIKOLAI KALIBABA

ANO DE NASCIMENTO 1935

ANO DE BATISMO 1957

RESUMO BIOGRÁFICO Em 1949, foi exilado na província de Kurgan, Sibéria.

TÍNHAMOS a impressão de que todas as Testemunhas de Jeová na União Soviética estavam sendo observadas. A vida não era fácil, mas Jeová nos deu sabedoria. Em abril de 1959, fui preso por participar em atividades religiosas. Eu não queria entregar nenhum dos irmãos, de modo que decidi negar tudo. O investigador mostrou fotos de irmãos e me pediu para dizer o nome deles. Falei que não conseguia identificar ninguém. Daí, ele mostrou uma foto de meu irmão carnal e perguntou: “Esse é seu irmão?” Respondi: “Não sei se é ele ou não. Não posso afirmar.” Depois, o investigador mostrou uma foto minha e perguntou: “Esse é você?” Eu disse: “Essa pessoa se parece comigo, mas se sou eu, não sei.”

Fiquei trancado numa cela por mais de dois meses. Toda manhã, eu levantava e agradecia a Jeová por sua benevolência. Daí, lembrava de um texto bíblico e o considerava sozinho. Depois entoava um cântico em silêncio, já que fazer isso na cela era proibido. Então recapitulava um ensino bíblico.

Havia muitas Testemunhas de Jeová no campo em que eu estava. As condições ali eram muito duras e nos proibiram de conversar uns com os outros. Freqüentemente os irmãos eram enviados à ala de isolamento ou, como era chamada, a quinta ala. Fiquei muitas vezes na quinta ala. Ali, os prisioneiros recebiam apenas 200 gramas de pão por dia. Eu dormia sobre tábuas de madeira cobertas com uma espessa lâmina de ferro. A janela tinha vidros quebrados e por isso havia muitos mosquitos. Minhas botas serviam de travesseiro.

Em geral, cada irmão inventava seu próprio esconderijo de publicações. Decidi escondê-las na vassoura que eu usava para varrer o chão. Durante as buscas, nem passava pela cabeça do capataz revistar a vassoura, apesar de verificar tudo com cuidado. Também escondíamos publicações nas paredes. Aprendi a confiar na organização de Jeová. Deus vê e sabe tudo, e ajuda a cada um de seus servos fiéis. Jeová sempre me ajudou.

Mesmo antes de minha família ser exilada em 1949, meu pai dizia que Jeová podia manobrar os assuntos para que pessoas na distante Sibéria ouvissem a verdade. Nós pensávamos: ‘Como isso será possível?’ Com o tempo, as próprias autoridades possibilitaram que milhares de pessoas sinceras na Sibéria aprendessem a verdade.

Quando o país passou por uma grande mudança, os irmãos aproveitaram prontamente a oportunidade de viajar para a Polônia a fim de assistir ao congresso internacional em 1989. Foram dias inesquecíveis. Depois da oração final, continuamos de pé, aplaudindo por um longo tempo. Como ficamos emocionados! Durante muitos anos enfrentamos diversos problemas e dificuldades, mas poucas vezes com lágrimas nos olhos. Quando deixamos nossos queridos irmãos na Polônia, não conseguíamos conter as lágrimas e ninguém podia, ou mesmo queria, fazê-las parar.

[Quadro/Foto nas páginas 112, 113]

“Fazer tudo pelas boas novas”

PYOTR PARTSEI

ANO DE NASCIMENTO 1926

ANO DE BATISMO 1946

RESUMO BIOGRÁFICO Pyotr conheceu as Testemunhas de Jeová em 1943. Ficou preso em dois campos de concentração nazistas e em um campo de trabalhos forçados na Rússia. Mais tarde serviu como superintendente de circuito durante a proscrição.

ASSIM que aprendi os ensinos bíblicos básicos na Alemanha nazista, passei a compartilhá-los com conhecidos e muitos deles se juntaram a mim na adoração pura. Em 1943, um padre me denunciou para a Gestapo. Fui preso e acusado de sedição entre os jovens. Logo fui parar no campo de extermínio de Maidanek, na Polônia. A associação entre os irmãos era especialmente preciosa. No campo, nossa determinação de pregar ficou ainda mais forte. Muitos ali demonstraram interesse na verdade, e procurávamos meios de dar testemunho a respeito do Reino de Jeová. Certa vez, fui golpeado 25 vezes com um chicote de duas tiras de couro. Levantei e disse bem alto em alemão: “Danke schön!” (“Muito obrigado!”). Um alemão disse: “Viu só como ele é durão! Nós batemos nele e ele ainda agradece!” Minhas costas ficaram roxas por causa das chicotadas.

O trabalho era pesado e nós ficávamos completamente exaustos. Os que morriam eram queimados no crematório, que funcionava sem parar. Eu achava que logo eu estaria queimando na grelha de metal. Parecia que nunca sairia vivo do campo. Fui salvo quando me machuquei. Todos os que estivessem relativamente saudáveis eram forçados a trabalhar; os demais eram enviados a outros campos. Duas semanas depois, fui enviado ao campo de concentração de Ravensbrück.

Perto do fim da guerra, ouvi boatos de que os alemães logo nos matariam. Então soubemos que os guardas tinham fugido. Quando os prisioneiros perceberam que estavam livres, cada um foi para um lado. Fui para a Áustria, onde pediram que eu me alistasse no exército. Recusei, dizendo que tinha cumprido pena em campos de concentração por causa das minhas crenças religiosas. Recebi permissão de voltar para casa, na Ucrânia, que então fazia parte da União Soviética. Em 1949, casei com Yekaterina, que se tornou minha fiel companheira. Em 1958, fui preso e enviado a um campo de trabalhos forçados na Mordóvia.

Depois que fui solto, passei a participar na impressão de publicações bíblicas. Certa vez, em 1986, trabalhamos a noite inteira para imprimir 1.200 páginas. Fizemos pilhas delas no chão, nas camas e onde quer que pudéssemos. De repente, um agente da KGB apareceu “apenas para conversar”, conforme ele disse. Yekaterina perguntou onde queria fazer isso, sem pensar que ele poderia querer entrar na casa. Felizmente, o agente decidiu “conversar” na cozinha externa. Se tivesse entrado na casa, teríamos sido presos.

Até hoje, procuramos viver à altura de nossa dedicação e fazer tudo pelas boas novas. Nossos 6 filhos, 23 netos e 2 bisnetas estão servindo fielmente a Jeová. Somos gratos a ele de que nossos filhos estejam andando na verdade.

[Quadro na página 122]

A solitária

No sistema penal soviético, a solitária era uma forma comum de punição contra ofensas tais como se recusar a abrir mão de publicações religiosas. Os prisioneiros recebiam roupas de algodão gastas e eram confinados em celas.

Visualize uma dessas celas. Era pequena — cerca de três metros quadrados. Escura, úmida e suja, era terrivelmente fria, em especial no inverno. As paredes, de um metro de espessura, eram ásperas. Havia uma pequena janela e algumas das vidraças eram quebradas. Uma lâmpada, colocada num vão da parede e coberta por uma lâmina de ferro com furos, fornecia pouca luz. Fora o chão de concreto, o único lugar para sentar era uma estreita extensão da parede que parecia um banco. Não dava para ficar sentado ali por muito tempo. Os músculos das pernas e das costas logo se cansavam e ficavam doloridos. Além disso, a parede áspera machucava as costas.

À noite, os guardas colocavam na cela uma caixa rasa de madeira reforçada com barras de ferro para os presos dormirem nela. Era possível deitar sobre as tábuas e o metal, mas o frio não deixava a pessoa dormir. Não havia cobertores. Normalmente, os prisioneiros que ficavam na solitária recebiam 300 gramas de pão uma vez por dia e uma sopa rala a cada três dias.

A latrina, nada mais do que um cano no chão, exalava um cheiro forte e horrível. Algumas celas eram equipadas com ventiladores que levavam o mau cheiro dos canos para dentro da cela. Às vezes, o capataz ligava esse ventilador para desmoralizar o prisioneiro e puni-lo ainda mais.

[Quadro/Foto nas páginas 124, 125]

Campo da Mordóvia n.º 1

Entre 1959 e 1966, mais de 450 irmãos ficaram algum tempo presos nesse campo, que tinha capacidade para 600 detentos. Era um dos 19 campos de trabalhos forçados na região da Mordóvia. Ao seu redor havia uma cerca elétrica, de arame farpado, de quase três metros de altura. Em volta dessa cerca ficavam mais 13 cercas de arame farpado. O solo ao redor do campo estava sempre lavrado para que qualquer pessoa que fugisse deixasse pegadas.

As autoridades tentaram dominar as Testemunhas de Jeová em sentido físico e psicológico por isolá-las totalmente do mundo exterior. Apesar disso, os irmãos conseguiram organizar atividades teocráticas dentro do campo.

O próprio campo se tornou um circuito com um superintendente de circuito. O circuito consistia em quatro congregações formadas por 28 grupos de Estudo de Livro. Para ajudar todos a permanecerem espiritualmente fortes, os irmãos decidiram realizar sete reuniões semanais. No início, havia apenas uma Bíblia para todos. Por isso, fizeram uma programação de modo que uma congregação após outra pudesse ler a Bíblia. Na primeira oportunidade, os irmãos começaram a duplicar a Bíblia. Um livro da Bíblia era copiado à mão em cadernos separados, e o texto original era cuidadosamente escondido num local seguro. Dessa maneira, os irmãos podiam seguir a programação de leitura da Bíblia. O Estudo de A Sentinela também foi organizado. Irmãs que visitavam seus maridos levavam para o campo cópias em miniatura das revistas, colocando-as na boca, no salto do sapato ou trançando pedaços de papel no cabelo. Muitos irmãos acabavam confinados de 1 a 15 dias na solitária por copiarem publicações à mão.

A solitária ficava num lugar isolado dos outros prisioneiros. Os guardas se certificavam de que as Testemunhas de Jeová não lessem nada enquanto estivessem ali. Mesmo assim, os irmãos inventaram maneiras de fornecer alimento espiritual a quem ficasse preso ali. Um irmão subia até o telhado de um prédio que dava para observar o pátio onde os presos na solitária eram levados para fazer caminhadas. Ele amassava papéis com textos da Bíblia (preparados de antemão), formando bolinhas de um centímetro de diâmetro. Depois colocava a bolinha na extremidade de um cano e soprava na direção do irmão que estivesse caminhando lá embaixo. Esse outro irmão então se abaixava, fingindo amarrar o sapato, e pegava o alimento espiritual sem ser notado.

Para o café da manhã e o jantar, os prisioneiros recebiam um mingau misturado com um pouco de óleo de caroço de algodão. O almoço era borche ou outra sopa rala e um prato principal simples. O pão que os prisioneiros comiam parecia o feltro usado para fabricar botas. Ivan Mikitkov relembra: “Passei sete anos nesse campo, e quase sempre tínhamos fortes dores de estômago.”

Os irmãos permaneceram firmes na fé. O isolamento não conseguiu enfraquecer o equilíbrio espiritual entre os leais servos de Deus, que continuaram a demonstrar fé e amor a Deus e ao próximo. — Mat. 22:37-39.

[Quadro/Foto nas páginas 131, 132]

Ela perguntou: “Por que você está chorando?”

POLINA GUTSHMIDT

ANO DE NASCIMENTO 1922

ANO DE BATISMO 1962

RESUMO BIOGRÁFICO Casou-se com Viktor Gutshmidt. Na prisão, Polina notou como as Testemunhas de Jeová eram bondosas.

EU APOIAVA lealmente o ideal comunista e acreditava nele. No entanto, fui presa pelos comunistas em maio de 1944 e enviada ao campo de trabalhos forçados em Vorkuta. Fiquei três anos sem saber o motivo de minha prisão. No começo, eu achava que tinha havido algum engano e esperava ser libertada. Em vez disso, fui sentenciada a dez anos de prisão por supostamente fazer comentários anti-soviéticos.

Por ter experiência na área de medicina, trabalhei no hospital do campo nos primeiros anos de prisão. Em 1949, fui transferida para o campo de prisioneiros políticos em Inta. O regime nesse campo era muito mais rigoroso. Um clima de indignação, grosseria, imoralidade, apatia e desespero prevalecia entre as pessoas na prisão. Boatos de que todos no campo logo seriam executados ou condenados à prisão perpétua fez a situação que já era tensa ficar ainda pior. Por causa do estresse, muitos na prisão perderam a sanidade. As pessoas desconfiavam umas das outras e se odiavam, visto que havia muitos delatores no campo. Elas se isolavam e se ajustavam àquela situação da melhor maneira que podiam. O egoísmo e a ganância estavam por toda a parte.

Um grupo de 40 prisioneiras era visivelmente diferente das outras. Elas ficavam sempre juntas e surpreendia o fato de serem bonitas, asseadas, bondosas e amigáveis. Eram jovens em sua maioria e havia até meninas em seu meio. Fiquei sabendo que eram religiosas, Testemunhas de Jeová. O tratamento que recebiam de outras presas variava. Algumas detentas eram más e hostis. Outras admiravam seu comportamento, em especial o amor que tinham umas pelas outras. Por exemplo, quando uma das Testemunhas de Jeová ficava doente, as outras se revezavam para cuidar dela de modo que nunca ficasse sozinha. Isso era muito incomum no campo.

Fiquei admirada por essas pessoas serem de tantas nacionalidades e ainda assim serem amigáveis entre si. Naquela época, eu tinha perdido todo o interesse pela vida. Certa vez, quando eu estava muito desanimada, sentei e chorei. Uma das jovens se aproximou e perguntou: “Polina, por que você está chorando?”

“Não quero viver”, respondi.

A jovem, Lidia Nikulina, começou a me consolar. Ela me falou sobre o objetivo da vida, como Deus solucionaria todos os problemas da humanidade e muitas outras coisas. Fui solta em julho de 1954. Nessa época eu já sabia muito a respeito das Testemunhas de Jeová e fiquei feliz em me tornar uma delas.

[Quadro/Foto nas páginas 140, 141]

De engenheiro militar a pregador das boas novas

VLADIMIR NIKOLAEVSKI

ANO DE NASCIMENTO 1907

ANO DE BATISMO 1955

RESUMO BIOGRÁFICO Foi transferido 256 vezes para vários campos e prisões. Morreu em 1999.

EM 1932, me formei pelo Instituto de Engenharia de Comunicação de Moscou. Até 1941, trabalhei como engenheiro e arquiteto-chefe num instituto de Moscou. Projetei equipamentos especiais para navios de guerra. Fui levado em custódia durante a guerra e, por fim, enviado a um campo no povoado de Kengir, Cazaquistão central.

Um grupo de Testemunhas de Jeová chamou minha atenção. Elas eram diferentes dos outros presos. Havia umas 80 delas entre cerca de 14 mil prisioneiros distribuídos em três alas. O contraste entre as Testemunhas de Jeová e os outros ficou especialmente evidente durante a rebelião de Kengir, em 1954. As Testemunhas de Jeová não participaram na rebelião e até se recusaram a se preparar para ela. Manifestavam uma surpreendente calma e tentavam explicar sua posição neutra aos outros prisioneiros. Fiquei tão impressionado com o comportamento demonstrado por elas que lhes perguntei sobre suas crenças. Algum tempo depois, dediquei minha vida a Jeová. No campo de trabalhos forçados, a fé das Testemunhas de Jeová foi testada, em especial quando a rebelião foi contida pelo exército com o uso de tanques.

Certa vez, me disseram que dois generais tinham vindo de Moscou especialmente para se encontrar comigo. Um deles disse: “Vladimir, chega dessa história. Você é engenheiro militar e arquiteto. Seu país precisa de você. Queremos que volte ao trabalho que fazia. Como é possível que você goste de ficar na companhia de pessoas sem instrução?”

“Não tenho nada do que me gabar”, respondi. “Todos os talentos do homem vêm de Deus. Os que são obedientes a ele viverão durante o Reinado Milenar do Reino de Cristo, sob o qual toda a humanidade se tornará perfeita e instruída no pleno sentido da palavra.”

Fiquei feliz de ter tido a oportunidade de falar a respeito da verdade com aqueles generais. Eles imploraram várias vezes para que eu voltasse ao meu antigo trabalho. No entanto, pedi que não me incomodassem mais e que me deixassem no campo com meus irmãos espirituais, a quem eu tanto amava.

Em 1955, minha sentença foi anulada. Comecei a trabalhar num escritório de arquitetura que não tinha nenhuma ligação com o exército. Por causa de meus esforços para espalhar muitas sementes da verdade, passei a dirigir um estudo da Bíblia para a família de um engenheiro. Logo, ele e todos os membros de sua família se tornaram Testemunhas de Jeová e zelosos pregadores. Mas a KGB estava me vigiando e, durante uma busca, encontraram publicações bíblicas no meu apartamento. O tribunal me sentenciou a 25 anos de prisão, e fui enviado a um campo de trabalhos forçados na cidade de Krasnoyarsk, Sibéria. Fui transferido muitas vezes, passando por vários campos e prisões. Certa vez fiz as contas e vi que fui transferido 256 vezes no decorrer de minha vida.

[Quadro/Foto nas páginas 147, 148]

Precisávamos de malas grandes

NADEZHDA YAROSH

ANO DE NASCIMENTO 1926

ANO DE BATISMO 1957

RESUMO BIOGRÁFICO Nadezhda aprendeu a verdade no campo de concentração de Ravensbrück. Depois de voltar para a União Soviética, trabalhou por muitos anos entregando publicações. Atualmente mora no Cáucaso.

QUANDO fui para o campo de concentração em 1943, perdi a vontade de viver. Continuei com essa atitude até conhecer as Testemunhas de Jeová. Fiquei muito feliz de voltar para a Ucrânia tendo a firme esperança de viver para sempre num paraíso na Terra. Comecei a me corresponder com algumas irmãs espirituais a fim de me fortalecer em sentido espiritual. No entanto, a KGB confiscou minhas cartas e pouco tempo depois fui sentenciada a 15 anos num campo.

Em novembro de 1947, fui enviada ao campo de Kolyma, onde cumpri minha sentença sem ter contato com uma única Testemunha de Jeová. Contudo, Jeová me ajudou a pregar. Yevdokia, uma das prisioneiras, demonstrou interesse pela Bíblia. Ficamos amigas e nos apoiamos em sentido espiritual e emocional. Eu não tinha muito conhecimento da Bíblia, mas o que eu sabia foi o suficiente para manter minha integridade a Jeová.

No começo de 1957, um ano depois de ser libertada, mudei para Suyetikha, na província de Irkutsk. Os irmãos me acolheram de modo caloroso e foram hospitaleiros. Eles me ajudaram a conseguir um emprego e um apartamento. Mas o que me deixou mais feliz foi ser convidada para participar em atividades teocráticas. Visto que eu ainda não era batizada, meu batismo foi realizado numa grande banheira. Desse modo, eu estava pronta para assumir responsabilidades na organização de Jeová, o que incluía entregar publicações bíblicas e correspondências.

As publicações tinham de ser entregues em toda a Sibéria, na Rússia central e na Ucrânia ocidental. Tudo tinha de ser cuidadosamente planejado com antecedência. Para entregar publicações na Ucrânia ocidental, precisávamos de malas grandes. Certa vez, na Estação Yaroslavl, em Moscou, o fecho de uma das malas quebrou e todas as publicações caíram. Mantendo a calma, juntei as publicações sem pressa e orei. De alguma forma eu coloquei tudo na mala e saí rápido da estação. Felizmente, ninguém prestou atenção em mim.

Em outra ocasião, levei duas malas cheias de publicações da Ucrânia para a Sibéria, passando por Moscou. Coloquei uma das malas sob o beliche mais baixo do compartimento do vagão. Logo, dois passageiros — agentes da KGB — entraram no compartimento. Entre outras coisas, eles conversaram sobre as Testemunhas de Jeová, dizendo que elas ‘distribuíam publicações e promoviam agitações anti-soviéticas’. Tentei manter a calma para não levantar suspeita — afinal, eles estavam praticamente sentados sobre as publicações!

Quer estivesse entregando publicações, quer cumprindo outra designação, eu sempre estava preparada para ser presa a qualquer momento. Passei por muitas situações que me ensinaram a confiar em Jeová em tudo.

[Quadro/Foto nas páginas 158, 159]

“Seu povo é muito diferente”

ZINAIDA KOZYREVA

ANO DE NASCIMENTO 1919

ANO DE BATISMO 1958

RESUMO BIOGRÁFICO Passou muitos anos em vários campos e morreu em 2002.

DESDE a infância, eu tinha muita vontade de servir a Deus. Em 1942, uma amiga, com a melhor das intenções, me levou à Igreja Ortodoxa Russa que ela freqüentava para que, conforme disse, eu ‘não fosse parar no inferno’. No entanto, depois de saber que eu era da Ossétia, o sacerdote se recusou a me batizar. Mas mudou de idéia e realizou a cerimônia depois que minha amiga lhe deu dinheiro. Na minha busca pela verdade, me associei com adventistas, pentecostais e batistas. Por causa disso, as autoridades me sentenciaram a um campo de trabalhos forçados. Ali, conheci as Testemunhas de Jeová e prontamente reconheci a verdade. Ao ser libertada em 1952, voltei para casa e comecei a pregar as boas novas.

Logo cedo em certa manhã de dezembro de 1958, escutei uma batida forte na porta. Depois de invadirem a casa, soldados começaram a vasculhá-la enquanto dois deles me vigiavam num canto. Meu pai acordou e ficou muito assustado com o que pudesse acontecer com sua família, especialmente com os filhos homens. Meus pais tinham cinco filhos homens e eu era a única filha. Quando meu pai viu que os soldados estavam revistando todos os cômodos da casa e o sótão, ele concluiu que aquilo tinha alguma coisa a ver com minha fé. Agarrando um rifle, gritou: “Espiã americana!” Ele tentou atirar em mim, mas os soldados tiraram o rifle das mãos dele. Não dava para acreditar que meu próprio pai poderia ter atirado em mim. Quando a busca terminou, fui levada embora num caminhão, mas feliz por estar viva. Fui sentenciada a dez anos de prisão por causa de minhas atividades religiosas.

Fui libertada em dezembro de 1965, antes de minha sentença terminar. Meus pais ficaram felizes de me ver, mas meu pai não queria que eu ficasse em casa. Por incrível que pareça, funcionários da KGB forçaram meu pai a me registrar como uma das pessoas que moravam na casa e até me ajudaram a arrumar um emprego. Meu pai ainda me tratava do mesmo modo hostil que antes, mas algum tempo depois, sua atitude começou a mudar. Ele conheceu os irmãos quando esses vieram me visitar. Meus irmãos carnais bebiam, não trabalhavam e eram agressivos. Certa vez, meu pai disse: “Vejo que seu povo é muito diferente do que eu pensava. Vou dar um quarto a você para que possa realizar as reuniões aqui.” Eu não podia acreditar! Meu pai separou um quarto grande e me disse: “Não tenha medo. Enquanto vocês estiverem reunidos, vou ficar vigiando para que ninguém entre.” Isso foi exatamente o que aconteceu, visto que todos conheciam a forte personalidade de meu pai.

Assim, debaixo de meu próprio teto e sob a proteção de Jeová e de meu pai, realizávamos nossas reuniões cristãs. Umas 30 pessoas, o número de Testemunhas de Jeová que havia na Ossétia naquela época, assistiam às reuniões. Eu ficava muito feliz de ver pela janela meus pais sentados na rua, protegendo-nos. Atualmente, cerca de 2.600 zelosos publicadores pregam o Reino de Jeová na Ossétia. — Isa. 60:22.

[Quadro/Foto nas páginas 162, 163]

Eu era a única Testemunha de Jeová que sobrou no campo

KONSTANTIN SKRIPCHUK

ANO DE NASCIMENTO 1922

ANO DE BATISMO 1956

RESUMO BIOGRÁFICO Aprendeu a verdade em 1953 num campo de trabalhos forçados e foi batizado ali, em 1956. Ficou preso 25 anos seguidos por ser Testemunha de Jeová. Morreu em 2003.

CONHECI um irmão chamado Vasili no começo de 1953 na cela de uma prisão. Ele me disse que tinha ido parar ali por causa de sua fé em Deus. Eu não conseguia entender como alguém podia ser preso por causa de suas crenças. Isso me deixou tão perturbado que eu não consegui dormir. No dia seguinte, ele me explicou o assunto. Aos poucos, fiquei convencido de que a Bíblia é um livro de Deus.

Fui batizado em 1956. No fim daquele ano, os capatazes fizeram uma busca e encontraram muitas publicações bíblicas conosco. As investigações duraram quase um ano e, em 1958, o tribunal me sentenciou a 23 anos de prisão por participar em atividades religiosas. Naquela ocasião, eu já havia passado cinco anos e meio em campos. Durante toda a pena, 28 anos e 6 meses, servi a Jeová sem nem uma única vez experimentar a liberdade.

Em abril de 1962 o tribunal declarou que eu era “um criminoso muito perigoso”, de modo que fui transferido para um campo de segurança máxima, onde passei 11 anos. Muitas coisas faziam com que esse tipo de campo fosse “especial”. Por exemplo, a quantidade de comida por pessoa valia 11 copeques por dia, menos do que era necessário para comprar um pedaço de pão naquela época. Eu tinha 1,92 metro e pesava apenas 59 quilos. Minha pele ficou enrugada e passou a descamar.

Visto que eu era bom em trabalhos de construção, com freqüência me mandavam fazer reparos nos apartamentos de autoridades do governo. Ninguém tinha medo de mim, nem se preocupava em esconder seus pertences nos apartamentos. A esposa de um funcionário do governo não levou seu filho de 6 anos para o jardim-de-infância quando soube que eu ia trabalhar em seu apartamento. Era uma cena interessante: um “criminoso muito perigoso” passando o dia inteiro sozinho com uma criança de 6 anos num apartamento. Era claro que ninguém acreditava que eu fosse um criminoso — que dizer “muito perigoso”.

Aos poucos, todos os irmãos em nosso campo foram libertados. Em 1974, eu era a única Testemunha de Jeová que sobrou no campo. Fiquei lá mais sete anos até ser libertado em agosto de 1981. Jeová continuou a me ajudar em sentido espiritual. Como? Durante aqueles sete anos, eu recebi a revista A Sentinela em cartas. Um irmão sempre me enviava essas cartas, com artigos de revistas recentes copiados cuidadosamente à mão. Todas as vezes, o censor do campo me entregava as cartas abertas. Nós dois sabíamos qual era seu conteúdo. Até hoje não sei o que o motivou a correr esse risco, mas fico feliz de que ele tenha trabalhado lá os sete anos. Acima de tudo, sou grato a Jeová. No decorrer de todos aqueles anos, aprendi a confiar nele e em sua força. — 1 Ped. 5:7.

[Quadro/Foto nas páginas 168, 169]

Voltei para a Rússia depois da guerra

ALEKSEI NEPOCHATOV

ANO DE NASCIMENTO 1921

ANO DE BATISMO 1956

RESUMO BIOGRÁFICO Aprendeu a verdade no campo de concentração de Buchenwald em 1943 e passou 19 anos preso na Rússia. Serviu como pioneiro regular por mais de 30 anos, a maior parte desse tempo sob proscrição.

AOS 20 anos, Aleksei foi mandado para o campo de concentração de Auschwitz, na Alemanha nazista. Mais tarde, foi transferido para o campo de Buchenwald, onde aprendeu a verdade. Pouco antes de ser libertado, dois irmãos ungidos disseram a ele: “Aleksei, seria bom que voltasse para a Rússia depois da guerra. É um país muito grande onde há muita necessidade de ceifeiros. A situação lá é difícil; então se prepare para se deparar com todo tipo de provação. Vamos orar por você e por aqueles que o escutarem.”

Os britânicos libertaram Aleksei em 1945. Ele voltou para a Rússia e foi logo condenado a dez anos de prisão por se recusar a votar. Ele escreve: “No começo, eu era a única Testemunha de Jeová na prisão. Pedi orientação a Jeová para que eu pudesse encontrar merecedores e logo éramos 13! Durante todo esse tempo, ficamos sem publicações bíblicas. Copiávamos textos bíblicos de livros que tomávamos emprestado na biblioteca da prisão.”

Aleksei cumpriu os dez anos da sentença. Ao ser libertado, ele foi para uma região onde sabia haver muitas pessoas que acreditavam em Jesus. Ele diz: “As pessoas estavam famintas em sentido espiritual. Elas me procuravam dia e noite e traziam os filhos junto. Conferiam na Bíblia tudo o que ouviam.”

Nos anos que se seguiram, Aleksei ajudou mais de 70 pessoas a chegar ao batismo. Uma delas foi Maria, que se tornou sua esposa. Ele se lembra: “A KGB veio atrás de mim. Fui preso e sentenciado a 25 anos de prisão. Depois, eles prenderam Maria. Antes do julgamento, Maria passou sete meses na solitária. O investigador disse que a libertaria imediatamente se ela abandonasse a Jeová. Maria se recusou a fazer isso. O tribunal a condenou a sete anos de prisão em campos de trabalhos forçados. Uma irmã espiritual levou nossa bebê para casa e cuidou dela.”

Aleksei e Maria foram soltos antes de as sentenças terminarem. Eles se mudaram para a província de Tver’. Ali, as autoridades e os moradores da região se opuseram fortemente a eles. Um vizinho pôs fogo na casa em que moravam. Nos anos seguintes, eles foram obrigados a se mudar diversas vezes. Mesmo assim, em cada lugar que passaram, fizeram novos discípulos.

Aleksei diz: “Durante os anos em que ficamos presos, não podíamos ler a Palavra de Deus. Desde então, estabelecemos o alvo de ler a Bíblia todos os dias. Até agora, Maria e eu já lemos a Bíblia inteira mais de 40 vezes. É a Palavra de Deus que nos tem dado forças, tornando-nos zelosos no ministério.”

Ao todo, Aleksei passou 4 anos em campos de concentração nazistas e 19 em prisões e campos russos. Em seus 30 anos no serviço de pioneiro, ele e sua esposa ajudaram dezenas de pessoas a conhecer e a amar a Jeová.

[Quadro/Foto nas páginas 177, 178]

O soldado estava certo

REGINA KUKUSHKINA

ANO DE NASCIMENTO 1914

ANO DE BATISMO 1947

RESUMO BIOGRÁFICO Apesar de não ter tido contato com a congregação por muitos anos, ela continuou a pregar as boas novas fielmente.

EM 1947, uma Testemunha de Jeová falou comigo no mercado. Naquela noite, fui até a casa dela e conversamos por muitas horas. Logo decidi que, assim como ela, eu serviria zelosamente a Jeová. Eu lhe disse: “Você está pregando, e eu também vou fazer isso.”

Em 1949, fui presa em Lviv, Ucrânia, por pregar as boas novas e fui separada de meu marido e de minhas duas filhas pequenas. A chamada tróica, um tribunal fechado formado por três juízes, me sentenciou à morte pelo pelotão de fuzilamento. Ao ler a sentença, um dos três juízes, uma mulher, acrescentou: “Visto que você tem duas filhas, decidimos amenizar sua pena de morte para 25 anos de prisão.”

Fui colocada numa cela em que só havia homens. Eles já sabiam que eu era Testemunha de Jeová. Ao saberem que eu tinha sido sentenciada a 25 anos de prisão, eles ficaram impressionados com minha calma. Quando fui transferida dessa prisão, um jovem soldado me entregou um pouco de comida e gentilmente disse: “Não fique com medo. Tudo vai ficar bem.”

Até 1953, cumpri minha pena num campo no norte da Rússia. Lá havia muitas irmãs de diversas repúblicas da União Soviética. Amávamos umas às outras como se fossem a nossa família.

Procurávamos dar um bom testemunho às pessoas por meio do nosso comportamento na esperança de que isso as motivasse a servir a Deus. Tínhamos de trabalhar duro e por muitas horas. Fui libertada do campo antes do fim da minha sentença, mas acabei sofrendo outro tipo de isolamento. Não tive contato com a congregação por mais de cinco anos. Isso foi muito mais difícil que a prisão. Apesar dessas circunstâncias, sempre senti o apoio e o amor imutável de Jeová. Eu lia muito a Bíblia e meditava no que lia, o que me fortaleceu em sentido espiritual.

Jeová me ajudou a entrar em contato com as Testemunhas de Jeová de uma maneira incomum. Li no jornal Soviet Russia uma matéria negativa a respeito de nossos irmãos na Ossétia, sudoeste da Rússia. O artigo dizia que a atividade das Testemunhas de Jeová era direcionada contra a sociedade soviética. O artigo fornecia o sobrenome e o endereço de alguns irmãos. Fiquei muito feliz! Por meio de cartas, disse a eles que gostaria de conhecê-los. Quando isso aconteceu, os irmãos me deram muito apoio e disseram que Jeová havia permitido que aquele artigo fosse publicado para que eu pudesse entrar em contato com seu povo.

Atualmente, tenho 92 anos. Sem dúvida, aquele bondoso soldado estava certo. Apesar das dificuldades, durante toda a minha vida tudo tem saído muito bem.

[Quadro/Foto nas páginas 188, 189]

Nossas “estacas de tenda” — tão firmes quanto podíamos

DMITRI LIVI ANO DE NASCIMENTO 1921

ANO DE BATISMO 1943

RESUMO BIOGRÁFICO Foi por mais de 20 anos membro da Comissão do País na Rússia. Atualmente serve como ancião em uma congregação na Sibéria.

ERA o ano de 1944, seis meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Eu estava num tribunal, diante de um juiz militar por causa de minha neutralidade cristã. Fui condenado à morte por pelotão de fuzilamento, mas a sentença foi substituída por dez anos de prisão em campos corretivos de trabalhos forçados.

Em janeiro de 1945, fui levado para um campo no norte da Rússia, na cidade de Pechora, República dos Komi. Entre centenas de outros prisioneiros, havia dez irmãos. Infelizmente, meu único exemplar de A Sentinela tinha sido confiscado, deixando-nos sem alimento espiritual. Eu estava tão exausto em sentido físico que não conseguia fazer nenhum trabalho. Certa ocasião, na hora do banho, um irmão me disse que eu parecia um esqueleto. De fato, minha aparência era tão deplorável que fui levado para o hospital do campo de Vorkuta.

Depois de um tempo, melhorei um pouco e fui enviado para trabalhar num local onde se escavava areia. Em menos de um mês, eu parecia um esqueleto de novo. O médico achou que eu estava trocando a comida por fumo, mas eu lhe disse que era Testemunha de Jeová e não fumava. Fiquei mais de dois anos naquele campo. Embora eu fosse a única Testemunha de Jeová ali, sempre havia quem gostasse de ouvir a respeito da verdade e alguns reagiram bem às boas novas.

Certa vez, meus parentes me enviaram uma cópia feita à mão da revista A Sentinela. Como foi possível recebê-la, uma vez que cada pacote era cuidadosamente examinado pelo capataz? As páginas haviam sido dobradas duas vezes, colocadas numa lata de fundo falso e cobertas com uma grossa camada de gordura. Depois de furar a lata de uma extremidade a outra e não encontrar nada que levantasse suspeita, o capataz me entregou a lata. Essa fonte de “água viva” me sustentou por um tempo. — João 4:10.

Fui libertado em outubro de 1949, antes de completar minha sentença, e em novembro voltei para casa na Ucrânia. Soubemos que vários irmãos tinham ido a Moscou legalizar nossas atividades, mas parecia que as autoridades não estavam dispostas a reconhecer as Testemunhas de Jeová na União Soviética.

Na noite de 8 de abril de 1951, fomos colocados em vagões com outras famílias de Testemunhas de Jeová e enviados à Sibéria. Duas semanas depois, estávamos no povoado de Khazan, na província de Irkutsk, bem no centro da Sibéria.

“Alonga os teus cordões de tenda e faze fortes as tuas estacas de tenda” — esse texto de Isaías 54:2 tocou nosso coração. Parecia que estávamos cumprindo essa profecia. Quem de nós se mudaria voluntariamente para a Sibéria? Eu achava que deveríamos fazer nossas estacas de tenda tão firmes quanto pudéssemos. Assim, já moro na Sibéria por mais de 55 anos.

[Quadro/Foto nas páginas 191, 192]

Nunca tive meu próprio lugar para morar

VALENTINA GARNOVSKAYA

ANO DE NASCIMENTO 1924

ANO DE BATISMO 1967

RESUMO BIOGRÁFICO Passou 21 anos em prisões e em campos de trabalhos forçados, dos quais 18 foram quando ainda não era batizada. Ajudou 44 pessoas a aprender a verdade antes de sua morte, em 2001.

MINHA mãe e eu morávamos no oeste de Belarus. Conheci as Testemunhas de Jeová em fevereiro de 1945. Um irmão veio apenas três vezes à nossa casa e nos mostrou alguns pontos na Bíblia. Apesar de nunca tê-lo visto novamente, comecei a pregar a vizinhos e conhecidos. Fui presa pelas autoridades e sentenciada a oito anos em campos de trabalhos forçados. Eles me enviaram para a província de Ulyanovsk.

No campo, eu observava outras prisioneiras e prestava atenção às suas conversas, esperando encontrar alguma Testemunha de Jeová. Em 1948, ouvi por acaso uma prisioneira falar sobre o Reino de Deus. O nome dela era Asya. Fiquei muito feliz de conversar com ela sobre assuntos espirituais. Pouco depois, outras três irmãs foram enviadas àquele campo. Visto que tínhamos poucas publicações, procurávamos nos associar umas com as outras o máximo que podíamos.

Fui libertada em 1953, mas três anos e meio depois fui condenada a dez anos de prisão por pregar. Em 1957, fui transferida para o campo de Kemerovo, onde havia cerca de 180 irmãs. Nunca ficamos sem publicações bíblicas. No inverno, escondíamos as publicações na neve, e no verão, na grama e no solo. Durante as buscas, eu escondia manuscritos nas mãos por cobrir meus ombros com um xale grande e segurar as pontas com as mãos. Quando era transferida de campo, eu usava um gorro que eu mesma havia feito e colocava vários exemplares de A Sentinela dentro dele.

Por fim, fui enviada a um campo na Mordóvia. Lá havia uma Bíblia escondida num lugar seguro. Nós só podíamos lê-la na presença da irmã responsável por cuidar dela. A última vez que eu tinha visto uma Bíblia foi nas mãos daquele irmão que pregara para mim em 1945.

Quando fui libertada em 1967, mudei para Angren, Uzbequistão, onde pude simbolizar minha dedicação a Jeová pelo batismo em água. Foi a primeira vez que eu conheci irmãos desde aquele primeiro contato com a verdade. Afinal, eu tinha ficado apenas em campos de trabalhos forçados para mulheres. Todos os irmãos e irmãs da congregação eram zelosos no ministério, e logo passei a amá-los. Em janeiro de 1969, oito irmãos e cinco irmãs de nossa congregação foram presos por pregar; eu estava entre eles. Fui sentenciada a três anos de prisão por ser “uma criminosa muito perigosa”. Fui colocada muitas vezes na solitária por pregar a outros.

Eu dirigia estudos da Bíblia com pessoas interessadas debaixo de um cobertor. Não era permitido conversar durante as caminhadas. Se nos pegassem conversando, colocavam-nos na solitária. Usávamos apenas publicações copiadas à mão e providenciávamos que sempre fossem feitas mais cópias.

Eu nunca tive meu próprio lugar para morar. Tudo o que eu tinha cabia numa mala, mas eu estava feliz e satisfeita por estar servindo a Jeová.

[Quadro/Foto nas páginas 200, 201]

Fortalecido espiritualmente por um investigador

PAVEL SIVULSKI

ANO DE NASCIMENTO 1933

ANO DE BATISMO 1948

RESUMO BIOGRÁFICO Repetidas vezes submetido à reeducação ideológica, ele serve agora como ancião em uma congregação na Rússia.

FUI preso em 1958 por participar em atividades religiosas. Ao me acompanhar até o trem, o policial me disse: “Olhe para sua esposa pela última vez porque nunca mais vai vê-la.”

Em Irkutsk, fui colocado numa cela especial, grande o suficiente apenas para uma pessoa ficar de pé. Depois disso, passei seis meses na solitária antes do meu julgamento. Durante interrogatórios realizados à noite, os investigadores fizeram de tudo para enfraquecer minha fé na Bíblia e minha confiança na organização de Deus. Fui acusado de participar em atividades ilegais das Testemunhas de Jeová. Embora às vezes usassem de violência, o principal método utilizado era a pressão psicológica. Eu implorava a Jeová que me desse forças para permanecer firme. Ele sempre me ajudou.

Em um interrogatório de rotina, o investigador me chamou a seu escritório e disse: “Agora vamos lhe mostrar o que sua organização está fazendo. Aí você vai ver se isso é trabalho de Deus ou não.”

Ele continuou, olhando-me atentamente: “Este ano, o congresso de vocês em Nova York foi visto por 253 mil pessoas em dois estádios. Se pensar na dimensão desse evento, verá que seria impossível realizá-lo sem o apoio da CIA. O congresso durou oito dias. Congressistas de vários países foram para lá de avião, trem, navio e outros meios de transporte. Será que isso teria sido possível sem a ajuda das autoridades? Quem poderia pagar por um congresso nesses estádios enormes durante oito dias?”

O investigador espalhou várias fotos na mesa. Numa delas, vi congressistas felizes vestidos com coloridas roupas típicas, abraçando uns aos outros. Outra foto mostrava o irmão Knorr fazendo um discurso e ainda outra mostrava o batismo e o irmão Knorr entregando aos recém-batizados um exemplar do livro ‘Seja Feita a Tua Vontade na Terra’. Não havíamos recebido esse livro ainda, mas depois lemos sobre ele em A Sentinela. Olhando nos meus olhos, o investigador disse: “Sabe do que fala este livro? Do rei do norte e o que o aguarda. Como poderiam as Testemunhas de Jeová organizar tudo isso por conta própria? Sabemos que militares americanos vão a esses eventos para aprender de vocês como organizar as atividades do exército. Sabemos também que um milionário doou uma grande quantia para a realização desse congresso. Milionários não saem distribuindo dinheiro por aí.”

O investigador nem podia imaginar o que eu estava sentindo naquele momento. Para mim, era como se eu estivesse assistindo ao congresso sem jamais ter saído da prisão. Senti minhas forças se renovarem. Estava precisando muito de algo assim! Jeová me abençoou generosamente de um modo muito especial. Eu estava pronto para suportar ainda mais provações.

[Quadro/Foto nas páginas 214, 215]

O cinema estava cheio de Testemunhas de Jeová

VENERA GRIGORYEVA

ANO DE NASCIMENTO 1936

ANO DE BATISMO 1994

RESUMO BIOGRÁFICO Era atriz na década de 60 e fez um papel num filme que fazia propaganda soviética. Serve como pioneira regular em São Petersburgo desde 1995.

EM 1960, no começo de minha carreira como atriz, ganhei o papel principal no documentário Testemunhas de Deus, apresentado em cinemas soviéticos. O filme descrevia “a amedrontadora seita das Testemunhas de Jeová”, que era responsável pela morte da heroína Tanya, interpretada por mim. De acordo com o roteiro, Tanya fugia da “seita” de noite, sob uma nevasca e sem casaco. Ela desaparecia na neve e então o narrador anunciava tristemente: “Esse foi o fim de Tanya Veselova.” Gostei do roteiro e me senti honrada de participar na luta contra as Testemunhas de Jeová, embora tudo o que soubesse sobre elas fosse o que estava no roteiro.

O filme foi exibido em cinemas e clubes de muitas cidades na União Soviética. Eu estava presente em cada estréia e, depois do final do filme, aparecia no palco. Naquela época, o povo soviético acreditava em tudo o que via nas telas. Assim, depois que eu subia ao palco, todos suspiravam aliviados e diziam: “Ela está viva!” Então, eu descrevia como o filme havia sido feito e como o diretor e os produtores de efeitos especiais tinham produzido a nevasca que me levava despenhadeiro abaixo e me cobria com neve.

Certa ocasião em Vyshniy Volochek, província de Kalinin (atual Tver’), o cinema estava lotado, mas naquela noite as coisas foram um pouco diferentes. Depois do filme, um homem idoso me fez perguntas apenas sobre religião e eu defendi o ponto de vista ateísta sobre a origem da vida na Terra. Ninguém mencionou nada sobre o filme. Retornando discretamente para os bastidores, fui até o organizador do evento e perguntei: “Com quem eu acabei de falar?”

“Aquele é o líder da seita das Testemunhas de Jeová. O cinema está cheio de Testemunhas de Jeová e mais ninguém”, disse ele. Foi assim que, sem perceber, conheci as Testemunhas de Jeová. Depois daquele dia, senti vontade de ler a Bíblia, mas não conseguia encontrar uma. Casei-me com um polonês e fui morar na Polônia com ele. Em 1977, duas irmãs bateram em nossa porta e logo comecei a estudar a Bíblia com elas. Passei a amar a Bíblia, e nós nos tornamos amigos das Testemunhas de Jeová. Em 1985 meu pai ficou doente, e meu marido e eu fomos a Leningrado (atual São Petersburgo) para ficar com ele. Eu orava a Jeová para que ele me ajudasse a entrar em contato com as Testemunhas de Jeová ali.

Por fim, me tornei Testemunha de Jeová. Sirvo como pioneira regular há 12 anos, e Zdzisław, meu marido, é servo ministerial em nossa congregação em São Petersburgo.

Sei por experiência própria que “pela astúcia em maquinar o erro” a indústria cinematográfica pode enganar as pessoas. (Efé. 4:14) Quando atuei naquele filme que fazia propaganda soviética, nunca imaginei que 30 anos mais tarde eu seria Testemunha de Jeová.

[Quadro na página 237]

A Tradução do Novo Mundo em russo

Por mais de um século, as Testemunhas de Jeová têm feito bom uso de várias traduções da Bíblia em russo. Uma delas é a tradução sinodal. Apesar de usar uma linguagem antiga e de mencionar poucas vezes o nome de Deus, essa tradução tem ajudado muitos milhares de leitores russos a entender os propósitos de Deus. A tradução de Makários, que usa o nome de Deus umas 3 mil vezes, também tem sido útil. Mas com o aumento no número de Testemunhas de Jeová russas, também aumentou a necessidade de uma tradução da Bíblia moderna, clara e exata.

O Corpo Governante providenciou que a Tradução do Novo Mundo fosse traduzida para o russo. Por mais de uma década, a sede na Rússia trabalhou nessa importante obra de tradução.

Em 2001, a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Gregas Cristãs foi lançada em russo. Em 2007, para a alegria das pessoas que lêem russo em todo o mundo, foi lançada a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas completa em russo. O lançamento foi anunciado por membros do Corpo Governante, Theodore Jaracz em São Petersburgo e Stephen Lett em Moscou. Em seguida, ouviram-se estrondosos aplausos. A alegria foi imediata. “Como a linguagem é clara, vívida e fácil de entender!”, escreveu uma irmã. “Ler as Escrituras Sagradas dá agora ainda mais prazer.” Muitos agradeceram à organização com comentários como: “Que presente valioso de Jeová!” e “Agradecemos de todo o coração”. Sem dúvida, o lançamento da Tradução do Novo Mundo em russo foi um marco para todos os que falam esse idioma e que amam a verdade.

[Quadro/Foto nas páginas 244, 245]

Nossos problemas foram resolvidos num só dia

IVAN E NATALIA SLAVA

ANO DE NASCIMENTO 1966 e 1969 respectivamente

ANO DE BATISMO 1989

RESUMO BIOGRÁFICO Como pioneiros, mudaram-se para onde havia maior necessidade. Atualmente, Ivan serve como membro da Comissão de Filial da Rússia.

NATÁLIA e eu nos mudamos da Ucrânia para a Rússia no começo dos anos 90. Na província de Belgorod, cuja população era de quase um milhão e meio de pessoas, havia menos de dez publicadores. Sem dúvida esse era um lugar em que “a colheita [era] grande, mas os trabalhadores [eram] poucos”. — Mat. 9:37.

Éramos recém-casados e tivemos de arrumar trabalho para nos sustentar. Mas a situação econômica do país piorou e muitas pessoas perderam o emprego. Para que as pessoas pudessem obter produtos alimentícios básicos, o governo distribuía cupons no local de trabalho. Como não tínhamos trabalho, não tínhamos cupons. Por isso, pagávamos muito caro por alimentos no mercado. Também tivemos problemas com moradia e precisamos ficar num hotel. Depois de termos pago para ficar 20 dias num quarto, não sobrou quase nada em nossas carteiras. Orávamos a Jeová todo dia para que ele nos ajudasse a encontrar um emprego e um lugar mais em conta para morar. Todo esse tempo, continuamos a pregar de modo diligente, procurando pessoas sinceras. Daí, chegou nosso último dia no hotel. Com o dinheiro que ainda tínhamos, compramos um pãozinho e leite. Quando fomos dormir, suplicamos mais uma vez a Jeová que nos ajudasse a encontrar um emprego e um lugar para morar, pois teríamos de deixar o quarto na manhã seguinte.

De manhã, acordamos com o toque do telefone. Para a nossa surpresa, o administrador do hotel disse que meu primo estava me esperando no saguão. Meu primo me ofereceu dinheiro, dizendo que recentemente tinha ganho um bônus no salário e queria dividi-lo comigo. Mas isso não foi tudo. Alguns minutos mais tarde, um irmão nos telefonou e disse que tinha encontrado um apartamento barato para nós. Além disso, naquele mesmo dia fomos aceitos para trabalhar num jardim-de-infância tomando conta da área externa. Nossos problemas foram resolvidos num só dia. Tínhamos um pouco de dinheiro, um lugar para morar e um emprego. Não havia dúvidas de que Jeová tinha ouvido nossas orações.

Em 1991, a assistência à Comemoração em Belgorod foi de 55 pessoas; um ano mais tarde o número passou para 150. No ano seguinte, 354 pessoas estiveram presentes. Em 2006, a cidade tinha seis congregações e havia mais de 2.200 publicadores na província de Belgorod.

[Quadro na página 250]

Acontecimentos jurídicos recentes

Nosso direito de adorar a Deus sem interferência do governo foi confirmado em janeiro de 2007 quando a Corte Européia dos Direitos Humanos (ECHR, sigla em inglês) emitiu uma decisão unânime em nosso favor, afirmando que “debates e estudos em grupo sobre textos religiosos feitos por membros do grupo religioso das Testemunhas de Jeová constituíam uma forma reconhecida de praticar sua religião na adoração e no ensino”.

Embora suas atividades na cidade de Moscou tenham sido oficialmente restritas em 2004, nossos irmãos continuam a se reunir abertamente para adoração e a participar no serviço de pregação o máximo possível. Em 2007, os irmãos ficaram muito felizes de celebrar a Comemoração e realizaram congressos de distrito em Moscou sem nenhuma interferência, assim como se deu na maior parte do país.

Apesar de ainda existirem problemas jurídicos, nossos irmãos continuam se defendendo corajosamente quando surge oposição. Por exemplo, foi dada entrada a um novo requerimento na ECHR com respeito ao Departamento de Polícia de Lyublino, que interrompeu a Comemoração em Moscou no dia 12 de abril 2006. A polícia deteve 14 irmãos e ameaçou o advogado deles com uma faca. Embora um tribunal local tivesse decidido até certo ponto a favor de nossos irmãos, a decisão foi revogada e o caso perdido quando se apelou a um tribunal de maior instância. Além disso, em julho de 2007, moveu-se uma ação contra vários funcionários do governo que já por muito tempo e sem nenhum motivo têm investigado nossas atividades religiosas em São Petersburgo.

[Tabela/Gráfico nas páginas 228-230]

MARCOS HISTÓRICOS—Rússia

1890

1891 Por causa de sua pregação corajosa, Semyon Kozlitski é exilado no leste do Império Russo.

1904 A sede da Alemanha recebe da Rússia cartas de apreço pelas publicações bíblicas.

1910

1913 O governo russo reconhece o escritório dos Estudantes da Bíblia na Finlândia, na época parte do Império Russo.

1923 A Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) começa a receber muitas cartas solicitando que publicações bíblicas sejam enviadas à Rússia.

1928 Em Moscou, George Young apresenta um pedido de legalização da atividade dos Estudantes da Bíblia na Rússia. As autoridades se recusam a prorrogar seu visto.

1929 Assina-se contrato com uma emissora de rádio em Tallinn, Estônia. A transmissão de palestras bíblicas é ouvida em Leningrado e outras cidades.

1930

1939-40 A URSS anexa a Ucrânia ocidental, a Moldávia e as repúblicas bálticas. Com isso, milhares de Testemunhas de Jeová acabam dentro das fronteiras do país.

1944 Centenas de Testemunhas de Jeová são enviadas a prisões e campos de trabalhos forçados em toda a Rússia.

1949 Testemunhas de Jeová são deportadas da Moldávia para a Sibéria e o Extremo Oriente.

1950

1951 Mais de 8.500 Testemunhas de Jeová da Ucrânia ocidental, de Belarus, da Letônia, da Lituânia e da Estônia são deportadas para a Sibéria.

1956/57 Congressistas presentes em 199 congressos de distrito realizados no mundo todo adotam uma resolução pela liberdade de religião e o entregam ao governo soviético.

Fins dos anos 50 Mais de 600 Testemunhas de Jeová são totalmente isoladas num campo especial de trabalhos forçados na Mordóvia.

1965 O governo soviético emite um decreto especial acabando com as restrições de exílio. Testemunhas de Jeová na Sibéria se dispersam e estabelecem residência por todo o país.

1970

1989-90 Membros do Corpo Governante se encontram pela primeira vez com irmãos na Rússia. Testemunhas de Jeová da URSS viajam para a Polônia para assistir a congressos especiais.

1990

1991 Em 27 de março, as Testemunhas de Jeová recebem reconhecimento legal na Rússia.

1992/93 Realizam-se congressos internacionais em São Petersburgo e Moscou.

1997 Dedicação da sede da Rússia no povoado de Solnechnoye, perto de São Petersburgo.

1999 Dedicação do primeiro Salão de Assembléias na Rússia, em São Petersburgo.

2000

2003 Ampliação da sede concluída.

2007 Mais de 2.100 congregações e grupos isolados estão ativos na Rússia.

[Gráfico]

(Veja a publicação)

Total de publicadores

Total de pioneiros

Total de publicadores

Total de pioneiros

Total de publicadores nos 15 países da ex-URSS

360.000

300.000

240.000

180.000

120.000

60.000

40.000

20.000

1890 1910 1930 1950 1970 1990 1990 2000

[Diagrama/Mapa na página 218]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

Outras filiais ajudaram a transportar publicações para várias partes do país

ALEMANHA FINLÂNDIA

↓ ↓

Solnechnoye

↓ ↓ ↓ ↓

BELARUS CAZAQUISTÃO MOSCOU RÚSSIA

JAPÃO

Vladivostok

KAMCHATKA

[Mapas nas páginas 116, 117]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

CÍRCULO POLAR ÁRTICO

OCEANO ÁRTICO

Pólo Norte

Mar de Barents

Mar de Kara

Mar de Laptev

Mar da Sibéria Oriental

Mar de Chukchi

Estreito de Bering

SUÉCIA

NORUEGA

DINAMARCA

COPENHAGUE

ALEMANHA

POLÔNIA

Lodz

VARSÓVIA

Mar Báltico

FINLÂNDIA

ESTÔNIA

LETÔNIA

LITUÂNIA

BELARUS

Brest

UCRÂNIA

Lviv

MOLDÁVIA

Mar Cáspio

CAZAQUISTÃO

ASTANA

Kengir

UZBEQUISTÃO

TASHKENT

Angren

CHINA

MONGÓLIA

ULAANBAATAR

CHINA

Mar do Japão

JAPÃO

TÓQUIO

Hokkaido

Mar de Okhotsk

Mar de Bering

RÚSSIA

Petrozavodsk

São Petersburgo

Solnechnoye

Kaliningrado

Novgorod

Vyshniy Volochek

MOSCOU

Tula

Orel

Kursk

Voronej

Vladimir

Ivanovo

Nizhniy Novgorod

Syktyvkar

Ukhta

Pechora

Inta

Novaya Zemlya

Vorkuta

MTS. URAIS

SIBÉRIA

Yekaterinburgo

Naberezhnye Chelny

Izhevsk

Saratov

Volzhskiy

Udarnyy

Stavropol

Pyatigorsk

Mt. Elbrus

Nal’chik

Nartkala

Beslan

Vladikavkaz

MTS. DO CÁUCASO

Astracã

Rio Volga

Tomsk

Novosibirsk

Kemerovo

Krasnoyarsk

Novokuznetsk

Ust’-Kan

Aktash

Biryusinsk

Oktyabrskiy

Bratsk

Vikhorevka

Tulun

Khazan Central

Zima

Zalari

Usolye-Sibirskoye

Kitoy

Angarsk

Irkutsk

Lago Baikal

Kirensk

Khabarovsk

Vladivostok

Korsakov

Yuzhno-Sakhalinsk

Sacalina

Yakutsk

Oymyakon

Ust’-Nera

Kamchatka

Península de Chukchi

Rio Kolyma

Khayyr

Norilsk

[Mapa na página 167]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

Mar Cáspio

Mar Báltico

Mar de Barents

Mar de Kara

OCEANO ÁRTICO

Pólo Norte

Mar de Laptev

Mar da Sibéria Oriental

Mar de Chukchi

Estreito de Bering

Mar de Okhotsk

Mar do Japão

CAZAQUISTÃO

CHINA

MONGÓLIA

MURMANSK

PSKOV

TVER’

MOSCOU

BELGOROD

VORONEJ

ROSTOV

KABARDINO-BALKARIA

ALANIA

IVANOVO

NIZHEGOROD

MORDÓVIA

ULYANOVSK

VOLGOGRADO

TARTÁRIA

PERM’

REP. DOS KOMI

MTS. URAIS

SIBÉRIA

SVERDLOVSK

CHELYABINSK

KURGAN

TYUMEN

OMSK

TOMSK

NOVOSIBIRSK

ALTAI

REP. ALTAI

KEMEROVO

REP. DOS KHAKASSES

KRASNOYARSK

REP. DE TUVA

IRKUTSK

BURIÁTIA

CHITA

REP. DA IACÚTIA

AMUR

KHABAROVSK

PRIMORSKIY KRAI

SACALINA

KAMCHATKA

[Foto na página 66]

Nascer do sol na península de Chukchi

[Fotos na página 68]

Esta placa, em cazaque e em russo, aponta para o povoado de Bukhtarma na Sibéria, onde Semyon Kozlitski foi exilado

[Fotos na página 71]

O casal Herkendell passou a lua-de-mel ajudando pessoas na Rússia que falavam alemão

[Fotos na página 74]

A procuração dada a Kaarlo Harteva (à direita), na qual o cônsul-geral do Império Russo em Nova York colocou um selo do governo

[Foto na página 80]

Em maio de 1925, 250 pessoas estavam presentes neste congresso em russo na cidade de Carnegie, Pensilvânia; 29 foram batizadas

[Foto na página 81]

Esta revista declarava: “A província de Voronej está cheia de seitas”

[Foto na página 82]

George Young

[Fotos na página 84]

Por quase dez anos, Aleksandr Forstman traduziu tratados, folhetos e livros para o russo

[Foto na página 90]

Regina e Pyotr Krivokulski, 1997

[Fotos na página 95]

Olga Sevryugina tornou-se serva de Jeová por causa das cartas de Pyotr

[Foto na página 100]

Ivan Krylov

[Fotos na página 101]

Testemunhas de Jeová deportadas construíram suas próprias casas na Sibéria

[Foto na página 102]

Magdalina Beloshitskaya e sua família foram deportadas para a Sibéria

[Foto na página 110]

Viktor Gutshmidt

[Foto na página 115]

Alla, em 1964

[Foto na página 118]

Semyon Kostylyev hoje

[Foto na página 120]

O treinamento bíblico que Vladislav Apanyuk recebeu o ajudou a passar pelas provas de fé

[Fotos na página 121]

A polícia encontrou este folheto, “Após o Armagedom — O Novo Mundo de Deus”, na casa de Nadezhda Vishnyak

[Foto na página 126]

Boris Kryltsov

[Foto na página 129]

Viktor Gutshmidt com sua irmã (no alto), suas filhas e sua esposa, Polina, cerca de um mês antes de ser preso em 1957

[Foto na página 134]

Ivan Pashkovski

[Foto na página 136]

Em 1959, a revista “Crocodile” imprimiu uma foto destas publicações encontradas num monte de feno

[Foto na página 139]

Debaixo desta casa havia uma gráfica que foi descoberta pela KGB em 1959

[Foto na página 142]

Aleksei Gaburyak ajudou a reunir os que tinham se separado

[Fotos na página 150]

Impressão caseira

Impressora

Prensa de papel

Guilhotina

Grampeador

[Foto na página 151]

Stepan Levitski, motorista de bonde, falou corajosamente com um impressor

[Foto na página 153]

Grigory Gatilov pregava a outros em sua cela na prisão

[Fotos na página 157]

Flores altas eram um esconderijo perfeito para realizar estudos e considerações bíblicas

[Foto na página 161]

Tamanho real de “A Sentinela” na forma de um pequeno folheto

[Foto na página 164]

“Ordem do Comitê do Supremo Conselho da URSS”

[Foto na página 170]

Os irmãos escondiam “tesouros” em malas com laterais falsas ou na sola de suas botas

[Foto na página 173]

Ivan Klimko

[Foto na página 175]

Numa caixa de fósforos cabia de cinco a seis cópias de “A Sentinela” com escrita de teia de aranha

[Foto nas páginas 184, 185]

Durante todos os anos que passaram num campo na Mordóvia, nenhum irmão perdeu a Comemoração

[Foto na página 194]

Nikolai Gutsulyak deu testemunho informal à esposa de um comandante do campo

[Fotos na página 199]

Congressos internacionais

Em 1989, congressistas russos assistiram aos três congressos internacionais na Polônia

Varsóvia

Chorzow

Poznan

[Foto na página 202]

Depois de receber o registro oficial, da esquerda para a direita: Theodore Jaracz, Michael Dasevich, Dmitri Livi, Milton Henschel, um funcionário do Ministério da Justiça, Anani Grogul, Aleksei Verzhbitski e Willi Pohl

[Fotos na página 205]

Milton Henschel profere um discurso no Congresso Internacional “Portadores de Luz” de 1992 no Estádio Kirov, São Petersburgo

[Foto na página 206]

Propriedade que foi comprada em Solnechnoye, Rússia

[Foto na página 207]

Aulis e Eva Lisa Bergdahl estavam entre os primeiros voluntários a chegar a Solnechnoye

[Foto na página 208]

Hannu e Eija Tanninen foram designados para São Petersburgo

[Foto na página 210]

Acompanhado de sua esposa, Lyudmila, Roman Skiba viajou grandes distâncias como superintendente de distrito

[Foto na página 220]

Irmãos recebem publicações no porto de Vladivostok

[Foto na página 224]

Arno e Sonja Tüngler têm usufruído muitos privilégios em sua designação na Rússia

[Foto nas páginas 226, 227]

Reunião congregacional em uma floresta próxima a São Petersburgo, 1989

[Foto na página 238]

A sede da Rússia supervisiona a tradução de publicações em mais de 40 idiomas

[Foto na página 243]

Primeira Escola do Serviço de Pioneiro na Rússia em São Petersburgo, junho de 1996

[Fotos na página 246]

Pregação na Rússia

Nos campos da província de Perm’ e Nartkala

Nas ruas de São Petersburgo

De casa em casa em Yakutsk

Nos mercados de Saratov

[Fotos nas páginas 252, 253]

Sede da Rússia

Vista aérea dos prédios residenciais e da paisagem nos arredores

[Foto na página 254]

Congresso de distrito em Moscou, 2006: 23.537 congressistas

[Foto na página 254]

Estádio Luzhniki