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Alemanha (Parte Um)

Alemanha (Parte Um)

Alemanha (Parte Um)

A ALEMANHA tem exercido profunda influência sobre a História. Seu povo goza da reputação de ser trabalhador árduo e obediente à autoridade. Tais qualidades têm constituído grande fator no crescimento econômico desta nação de modo que hoje a Alemanha Ocidental, com sua população superior a sessenta milhões de habitantes, é um dos gigantes industriais do mundo. Faz transações comerciais com todas as partes da terra. E, a fim de satisfazer as necessidades de sua próspera economia, nos anos recentes tornou-se necessário trazer ao país mais de três milhões de “trabalhadores hóspedes” da Grécia, Iugoslávia, Itália, Espanha, Portugal, Turquia e outros países.

A influência da Alemanha também se fez sentir de outras formas. Durante a primeira guerra mundial, de 1914 a 1918, os exércitos alemães avançaram para o leste, entrando na Rússia, e para o oeste, entrando na França através da Bélgica. Antes de terminar o conflito, travavam guerra contra uma aliança de 24 nações ao redor do globo. A Alemanha foi derrotada. Mas, passou-se apenas curto tempo até que um veterano dessa guerra, Adolf Hitler, começou a ascender ao poder. Em 1933, como chefe do Partido Nacional-Socialista, tornou-se o chanceler da Alemanha. Rapidamente submeteu o povo alemão a um reinado de terror, e, em 1939, lançou o mundo em outra guerra global, muito mais ampla e destrutiva do que a primeira.

O que faziam as igrejas enquanto tudo isso acontecia? Todo domingo, em harmonia com uma concordata assinada entre o Vaticano e a Alemanha, em 1933, o clero católico orava pedindo a bênção do Céu sobre o Reich alemão. Será que o clero protestante fez qualquer protesto? Pelo contrário, em 1933, unicamente votaram dar irrestrito apoio ao Estado nazista. E, em 1941, muito depois de a Segunda Guerra Mundial ter iniciado, a Igreja Evangélica Protestante em Mainz, Alemanha, agradeceu a Deus por ter dado um Adolf Hitler ao povo.

PRIMITIVOS ACONTECIMENTOS RELIGIOSOS

É interessante que foi aqui na Alemanha que, em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero pregou suas noventa e cinco teses na porta da igreja de Wittenberg, em protesto contra as práticas que ele cria estarem em desarmonia com a Palavra de Deus. Mas, o protesto religioso logo se entrelaçou com interesses políticos, e muito antes do século vinte, não só a Igreja Católica, mas também as organizações protestantes, se identificaram claramente como parte do mundo.

No entanto, ao se aproximar o tempo para que “o reino do mundo” fosse dado por Deus a um rei celeste, o Senhor Jesus Cristo, havia uma obra a ser feita na Alemanha, bem como em outras partes do mundo. (Rev. 11:15) Era uma obra que exigia pessoas de genuína fé na Bíblia como a Palavra de Deus. Exigia que apreciassem que, para ser verdadeiros discípulos de Cristo, tinham de ‘não fazer parte do mundo’. (João 17:16; 1 João 5:19) Por quê? Porque, ao invés de apoiarem a qualquer governo dos homens, deviam proclamar o reino messiânico de Deus como a única esperança para a humanidade. (Mat. 24:14; Dan. 7:13, 14) Quem iria aproveitar esta oportunidade?

Na década de 1870, nos Estados Unidos, Charles Taze Russell começara a ajuntar um grupo de estudantes da Bíblia vividamente interessado na segunda vinda de Cristo. Viam a necessidade de partilhar com outros as coisas maravilhosas que aprendiam da Palavra de Deus. Ao progredir a obra, e a distribuição de publicações bíblicas assumir maiores proporções, tornou-se necessário formar a corporação legal hoje conhecida como Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia, e o irmão Russell foi seu primeiro presidente.

Reconhecendo a importância de disseminar as boas novas até às partes mais distantes da terra, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) fez arranjos, em 1891, para que o irmão Russell viajasse ao exterior a fim de determinar as possibilidades de expansão da obra. (Atos 1:8) Nessa viagem, o irmão Russell visitou Berlim e Leipzig. Mas, relatou ele mais tarde: “Não vemos . . . nada que nos encoraje a esperar qualquer colheita na Itália ou na Áustria, ou na Alemanha.” Todavia depois de sua volta, foram feitos arranjos para se publicar vários livros e folhetos em alemão. Pessoas que emigraram da Alemanha para os Estados Unidos e que leram as publicações da Sociedade, enviaram-nas a seus parentes e amigos na Alemanha, encorajando-os a usá-las no seu estudo da Bíblia.

Foi depois de vários anos, em 1897, que foi publicado em Allegheny, Pensilvânia, o primeiro número de A Torre de Vigia em alemão, intitulado Zions Wacht-Turm und Verkündiger der Gegenwart Christi. Charles T. Russell era o editor chefe; seu editor assistente era Otto A. Kötitz. Nessa época, os primeiros três volumes de Aurora do Milênio, em alemão já haviam sido publicados nos Estados Unidos.

Para simplificar a expedição para a Alemanha e outros territórios europeus, abriu-se em Berlim, à Rua Nurembergue, 66, um depósito de publicações. A irmã Margarethe Giesecke tinha a supervisão e cuidava do despacho regular de 500 exemplares de cada número da Zions Wacht-Turm. No início de 1899, o depósito de publicações foi transferido de Berlim para Bremem-W.

VAGAROSO INÍCIO

Apesar dos crescentes esforços, em 1898, a situação era tal que a Sociedade achou apropriado publicar a seguinte declaração: “Embora reconheçamos o interesse e zelo de nossos prezados leitores, temos de informar a eles que os pedidos de exemplares de A Torre de Vigia no ano passado foram inferiores aos esperados, fazendo com que perguntemos: Devíamos parar de imprimir A Torre de Vigia por completo, ou talvez imprimindo-a apenas uma vez a cada dois ou três meses?” Por certo tempo, foi impressa apenas a cada três meses, embora com o dobro de páginas.

Embora não se obtivessem resultados especialmente notáveis, os esforços feitos não foram definitivamente em vão. A bem da eficiência, abriu-se um escritório em Elberfeld (Wuppertal) em 1902, estando encarregado dele o irmão Henninges. Em outubro de 1903, o irmão Russell enviou o irmão Kötitz para a Alemanha, para assumir a supervisão e o irmão Henninges foi enviado à Austrália, numa designação especial. O irmão Kötitz emigrara com seus pais da Alemanha para os Estados Unidos e iniciara o serviço de Jeová ali na primavera setentrional de 1892. Exceto por ligeira interrupção, servira como editor-assistente da Torre de Vigia em alemão até que o irmão Russell o enviou para a Alemanha. Todavia — vistos do escritório principal — os resultados para 1903 ainda foram insatisfatórios. O relatório anual, que abrange este período, reza: “A Filial alemã foi aberta sob condições razoavelmente prósperas, todavia, não o que esperávamos. A unidade do ‘corpo’ e da obra de ‘colheita’ não parece ser suficientemente apreciada pelos irmãos alemães. . . . Propõe-se, contudo, que continue a missão em 1904, concedendo-se ao campo uma justa oportunidade e voltando-se para o Senhor em busca de orientação quanto a se existem ou não campos mais favoráveis para se usar o tempo e o dinheiro consagrados.”

Estes foram anos difíceis para a pregação das boas novas na Alemanha. Inimigos religiosos e políticos já haviam surgido em cena. O nacionalismo florescera com a fundação do Reich do Kaiser alemão, em 1871, e era promovido, não só pelos políticos, mas também pelos líderes religiosos. “Queremos um cristianismo alemão, e não estadunidense”, e outros lemas semelhantes, podiam ser ouvidos nas igrejas. As plantas tenras da verdade, que só haviam começado a crescer estavam como que sujeitas a uma súbita geada primaveril. Felizmente, contudo, as primeiras evidências de que os esforços não haviam sido vãos começaram a brotar.

AS PRIMEIRAS CONGREGAÇÕES

Em 1902, uma irmã cristã mudou-se para Tailfingen, situada a leste da Floresta Negra. Aprendera a verdade na Suíça e agora se empenhava em transmiti-la aos moradores de Tailfingen. Seu nome era Margarethe Demut, mas, em reconhecimento de que sempre falava sobre nova “idade de ouro”, os residentes locais a apelidaram de “Gretel Dourada”. A atividade dela fez com que entrasse em contato com um senhor que, junto com a irmã dele e dois conhecidos, procurava a verdade. Já haviam tentado encontrá-la na Igreja Metodista. Depois de lerem um tratado que ela deixara em sua casa, logo escreveram, solicitando os volumes disponíveis da Aurora do Milênio. Eram conhecidos da inteira comunidade como homens devotos, gozando de alto conceito graças à sua conduta correta. Uma das primeiras congregações da Alemanha foi formada ali, e se tornou conhecida entre os residentes da comunidade como a “Congregação Milenária”.

Estes irmãos cristãos foram zelosamente apoiados por outra irmã ainda, Rosa Möll. Visto que ela falava tão livremente a todos na comunidade sobre o “Milênio”, logo foi apelidada de “Rosinha Milenária”. Esta irmã, agora com 89 anos, tem servido a Jeová por mais de sessenta anos, inclusive os oito anos que passou no campo de concentração de Hitler em Ravensbrück.

As sementes da verdade também começaram a germinar na Bergische Land, (Território Montanhoso), a nordeste de Colônia. Um representante da Sociedade Torre de Vigia da Suíça se mudou para esta região por volta de 1900. Seu nome era Lauper. Em Wermelskirchen encontrou Gottlieb Paas, de 80 anos, também Otto Brosius, presbítero e membro da junta diretora da igreja, e sua esposa, Mathilde. Todos procuravam a verdade e, depois de estudarem as publicações da Torre de Vigia, compreenderam tê-la encontrado. Logo organizaram reuniões num restaurante em Wermelskirchen. Muitos membros das famílias Paas e Brosius compareciam às reuniões; amiúde havia de setenta a oitenta pessoas presentes. Logo depois, Gottlieb Paas morreu, mas, em seu leito de morte, ergueu A Torre de Vigia e disse: “Esta é a verdade; apeguem-se a ela.”

No ínterim, no condado de Lübbecke, Vestfália, vinte e cinco homens e mulheres, em média, de várias localidades reuniam-se para considerar a Palavra de Deus. Pertenciam à Igreja Protestante, mas não eram freqüentadores de igreja diligentes, visto amiúde voltarem para casa dessatisfeitos, em especial quando o ministro pregava sobre o inferno de fogo. Um de seus vizinhos, ao viajar para Saarbrücken para comparecer a um leilão, achou no trem um tratado que mencionava que não existia nenhum inferno ardente. Pensando que isso seria bom para seus vizinhos, a quem chamava de “pessoas piedosas”, deu-lhes o tratado ao voltar. Imediatamente pediram todas as publicações disponíveis, que então se tornaram sua matéria de estudo. Embora demorasse considerável tempo até que deixaram a Igreja Protestante e foram batizados, apreciavam receber visitas regulares dos peregrinos viajantes, enviados pela Sociedade Torre de Vigia. Assim, lançou-se um alicerce para uma congregação em Gehlenbeck, a “congregação-mãe” de várias outras.

Em outras áreas também havia crescimento. Em 1902, um proprietário de terras e criador de vacas leiteiras, chamado Cunow, aprendeu a verdade e lançou o alicerce para congregações na área a leste de Berlim. Em Dresden, o irmão Miklich, supervisor de oficina para a ferrovia, e sua esposa, aprenderam a verdade por volta do mesmo tempo. A congregação ali cresceu tão rápido que, com mais de 1.000 irmãos e irmãs, na década de 1920 era sem comparação a maior da Alemanha.

APRESSANDO A DIFUSÃO DAS BOAS NOVAS

Embora fosse algo custoso, os irmãos decidiram tentar inserir amostras de oito páginas da Torre de Vigia de Sião nos jornais. Quão imensamente abençoado foi este empreendimento é indicado por algumas das cartas recebidas. Eis aqui um exemplo:

“Li inteiramente a amostra de sua Torre de Vigia, que veio hoje como encarte do Tilsiter Zeitung. Meu interesse . . . foi suscitado e gostaria de obter mais explicações, através de suas publicações, sobre os assuntos da morte e inferno. Queiram enviar-me o livro mencionado em seu folheto . . . P. J., Prússia Oriental.”

Eis o que o número de abril de 1905 de A Torre de Vigia tinha a dizer sobre isto:

“Mais de um e meio milhão de exemplares-amostras da Torre de Vigia foram distribuídos, destarte iniciando a obra. Regozijamo-nos com os resultados. Muitas almas famintas responderam e o número dos que recebem regularmente A Torre de Vigia aumentou para 1.000.”

À medida que a semente, a palavra sobre o reino de Deus, continuava a ser espalhada por todo meio possível, cada vez mais resultados começaram a ser vistos. Alguns, como o irmão Lauper, começaram a trabalhar quais colportores, de modo a cobrir muito território em pouco tempo.

ALGUNS PROCURAVAM A VERDADE

Foi em 1905, ao trabalhar perto de Berlim, distribuindo exemplares de A Torre de Vigia que o irmão Lauper deixou seu último número na casa dum cavalheiro batista idoso chamado Kujath. Seu filho Gustav retornara, fazia pouco, dum congresso batista, bem transtornado devido a um aviso enfático dado ali contra um pregador batista chamado Kradolfer, que de súbito começara a ensinar que a alma é mortal. Observando isto, Gustav começou a investigar a Bíblia, convidando seu pai e seus amigos para procurarem a verdade sobre o assunto, junto com ele. Em agosto de 1905, Gustav Kujath visitou o pai, que morava a cerca de uma hora de distância, e seu pai lhe trouxe à atenção esse único exemplar de A Torre de Vigia que o irmão Lauper deixara. Era exatamente isto o que ambos procuravam. Tratava-se de “alimento no tempo apropriado”. — Mat. 24:45.

Kujath de imediato fez a assinatura múltipla de A Torre de Vigia e começou a emprestar cinco conjuntos delas a outros. Depois de certo tempo, seus filhos apanhavam de novo os exemplares avulsos, e ele os dava então a outros interessados. Assim, muitos entraram em contato com a mensagem. Naturalmente caiu no desfavor dos batistas, e foi desassociado por eles na Véspera do Ano Novo de 1905, com as palavras: “Você está seguindo o caminho do Diabo.” Mais tarde, mais de dez de seus parentes abandonaram a Igreja Batista.

O jovem Kujath também entendera que os cristãos não devem deixar de reunir-se. Por esse motivo, escreveu à filial da Sociedade Torre de Vigia em Elberfeld, solicitando endereços de outros com quem pudesse reunir-se e estudar. O irmão Kötitz só conseguiu fornecer-lhe o endereço de Bernhard Buchholz, de 19 anos, em Berlim, com quem Kujath entrou imediatamente em contato. Nessa época, Buchholz pertencia a um grupo chamado “Congregação do Salvador”. Acabara de queimar os volumes da Aurora do Milênio, nutrindo a opinião de que ele, órfão e desempregado por causa de pequena transgressão não poderia ser a única pessoa digna em Berlim em cujas mãos a verdade devesse cair. Mas, Kujath o encorajou a estudar os livros junto com ele, e até o incentivou a se tornar colportor. Pouco tempo depois, Kujath o levou para sua casa.

A fim de poder financiar a difusão das boas novas em tal território, Kujath abandonou planos de construir nova casa. Vendeu sua propriedade onde seria construída a casa e usou os recursos assim disponíveis para transformar dois cômodos da casa de seu pai num salão onde pudessem realizar-se as reuniões. Em 1908, foi possível formar pequeno grupo de vinte a trinta pessoas.

Por volta dessa mesma época, um barão chamado von Tornow, que possuía grandes propriedades na Rússia, começou a procurar a verdade. Desgostoso com o modo licencioso de vida entre a nobreza russa, decidiu ir para a África através da Suíça, e servir ali como missionário. Na noite de sua partida, fez uma visita final a uma pequena capela montanhesca na Suíça. Ao partir, alguém lhe ofereceu um dos tratados da Sociedade Torre de Vigia. Agora, ao invés de partir para a África, empenhou-se no dia seguinte em obter mais destas publicações. Isto se deu por volta de 1907.

Em 1909, apareceu na congregação de Berlim vestido com suas melhores roupas, e acompanhado de seu criado pessoal. Ficou desapontado em ver quão simples era o local de reuniões e quão despretenciosas e simples eram as pessoas que se reuniam ali, pois era da opinião de que tais verdades inestimáveis também mereciam adequada aparência exterior. Mas, o que ouviu o impressionou muito. Meses depois, tendo sobrepujado suas suscetibilidades, voltou, sua aparência, contudo, era consideravelmente menos conspícua, pois veio sem seu criado e vestia-se mais modestamente. Mais tarde admitiu que provavelmente não teria voltado se não tivesse lido na Bíblia: “Pois observais a vossa chamada da parte dele irmãos, que não foram chamados muitos sábios em sentido carnal, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre estirpe mas Deus escolheu as coisas tolas do mundo, . . . a fim de que nenhuma carne se jacte à vista de Deus.” — 1 Cor. 1:26-29.

Convicto então de ter encontrado a verdade, retornou à Rússia, vendeu todas as suas propriedades, e estabeleceu-se em Dresden. Desejoso de viver uma vida modesta, preparou-se a devotar toda sua riqueza ao serviço de Jeová.

EXCURSÕES DE DISCURSOS BEM ORGANIZADAS

Em 1913, o irmão Tornow conseguiu que a filial em Barmen fizesse arranjos para excursões de discursos, que ele financiou pessoalmente, na maior parte. O irmão Hildebrandt, padeiro de Golnow, Pommern, vendeu sua casa e também ajudou a cobrir as despesas. Formou-se um grupo viajante, composto de cinco irmãos e quatro irmãs jovens, e este foi apropriadamente dividido em dois grupos menores.

O irmão Hildebrandt, que funcionava como “intendente” e “supervisor de publicações”, viajava na frente com três ou quatro irmãs, duas das quais atualmente, mesmo em idade avançada, ainda se empenham em promover os interesses do Reino. Depois de resolvida a questão de hospedagem para eles e para o grupo que chegaria alguns dias depois, apanhavam as caixas de tratados e outras publicações, que haviam sido enviadas à agência dos correios, e as traziam para sua hospedagem. Depois de carimbarem os tratados com o endereço do salão e a hora em que o discurso seria preferido (os tratados servindo destarte também como convites), estes eram dobrados de tal modo que pelo menos de 1.200 a 1.600 grandes tratados podiam ser colocados nas pastas de couro que o irmão Tornow comprara para este fim. Os irmãos e as irmãs trabalhavam arduamente em distribuí-los, pois tentavam estar na primeira porta às 8,30 da manhã e usualmente trabalhavam até às 19 horas, tirando apenas uma hora para descanso ao meio-dia. Não havia tempo para o cafezinho.

Dias depois, os irmãos Buchholz, Tornow e Nagel chegavam. O irmão Buchholz proferia os discursos. Os salões usualmente ficavam lotados, e eram tantas as pessoas que entregavam seus endereços que três irmãos se mantinham ocupadíssimos no dia seguinte, visitando a todos.

A segunda viagem levou nossa equipe de discursos através de Wittenberg e Halle e até Hamburgo. A terceira viagem os levou até bem na fronteira russa, permitindo assim que fosse dado bom testemunho nestas áreas orientais, antes de se iniciar a Primeira Guerra Mundial.

APEGO FIRME À VERDADE

Em 1908, as coisas começaram a movimentar-se em Siegerland. Otto Hugo Lay agora com 90 anos, entrou em contato com a verdade lá pelos idos de 1905 por meio de um colega de profissão. Dois anos depois, ele, junto com ambos os seus filhos, afastou-se da igreja e recusou-se a pagar as taxas da igreja, que mesmo assim foram deduzidas. A autoridade confiscante desejava colar seu selo atrás de um armário onde não seria notado, mas o irmão Lay protestou, afirmando que todos podiam e deviam vê-lo; queria contar a todos que o vissem a verdade sobre o assunto. Em 1908, foi batizado numa banheira em Weidenau e começou a associar-se com a congregação em Siegen.

Hermann Herkendell se familiarizou com a verdade em 1905, mediante um tratado que encontrou num compartimento de trem. Era um jovem professor e estava a caminho de Jena para continuar seus estudos na universidade de lá. O conteúdo deste tratado, porém, impressionou-o tanto que logo se demitiu da Igreja Luterana. Isto resultou em ser suspenso imediatamente de dar instrução religiosa na escola. Logo depois, foi despedido de sua posição de professor.

Em 1909, o irmão Herkendell já servia qual substituto do irmão Kötitz em visitar as congregações e, no fim do ano, seu nome aparecia pela primeira vez em A Torre de Vigia, em relação a uma proposta viagem, representando a Sociedade, como um de seus “peregrinos” viajantes. Em 1911, casou-se com a filha do irmão Jander, rico proprietário de uma fundição. Como dote, a jovem irmã Herkendell solicitou ao pai que lhes desse dinheiro para uma viagem de lua-de-mel muitíssimo incomum. Queriam passá-la pregando a mensagem do Reino às pessoas de língua alemã na Rússia. O escritório de Barmen lhes forneceu os endereços disponíveis de russos-alemães. A viagem demorou muitos meses e foi deveras cansativa, visto que amiúde levava muitas horas para irem da estação ferroviária até onde moravam os irmãos e interessados. Não dispunham de meios pessoais de transporte, e as comunicações por carta e telegrama não eram fidedignas, de modo que raramente eram esperados na estação ferroviária. Quantos jovens recém-casados de hoje fariam tal viagem de lua-de-mel?

Por curto tempo durante a Primeira Guerra Mundial, o irmão Herkendell teve o privilégio de assumir as responsabilidades do Escritório de Barmen. Daí, depois da guerra mais uma vez serviu como peregrino viajante, morrendo no ano de 1926 numa viagem de peregrino.

Quando foi compilado o relatório anual de 1908, foi encorajador ver que, pela primeira vez, a maioria dos tratados haviam sido distribuídos pelos próprios leitores da Torre de Vigia e apenas comparativamente poucos deles por meio dos jornais. Foi, contudo, em resultado desse método mencionado por último que um rapaz de 18 anos veio a entrar em contato com a verdade em Hamburgo. Depois de completar seu curso escolar, começou a ler diariamente a Bíblia, com o desejo sincero de entendê-la. Passaram-se vários anos e, em 1908, veio-lhe às mãos um tratado intitulado “Venda da Primogenitura”. Isto interessou muitíssimo ao rapaz. Não prestando atenção à zombaria de seus colegas de trabalho, escreveu de imediato à Sociedade em Barmen, pedindo os seis volumes dos Estudos das Escrituras. Pouco depois, teve a oportunidade de encontrar o irmão Kötitz, que o convidou a ir até Barmen quando pudesse. O rapaz aceitou o convite comentando que a ocasião de tal visita seria também o dia de seu batismo. Isto ocorreu, então, no início de 1909. O superintendente da filial levou seu jovem amigo, agora nosso irmão, à estação ferroviária e lhe perguntou, antes que ele tomasse o trem, se gostaria de ser pioneiro. Nosso jovem irmão disse que a Sociedade logo receberia notícias dele quando tivesse progredido até esse ponto.

Este jovem irmão se chamava Heinrich Dwenger. Logo organizou seus assuntos de modo a começar a ser pioneiro em 1.º de outubro de 1910. Nas décadas seguintes, teve o privilégio de servir em quase todo departamento de quase todo lar de Betel da Sociedade Torre de Vigia na Europa. Periodicamente, apreciava viajar para a Sociedade e amiúde substituía os superintendentes de filial durante os tempos provadores. Muitos vieram a amá-lo e a reconhecê-lo como trabalhador prestimoso. Na atualidade, tem 86 anos e se regozija em gozar boa saúde, tanto espiritual como física, depois de um serviço ininterrupto de tempo integral de mais de sessenta anos.

O IRMÃO RUSSELL VISITA DE NOVO A ALEMANHA

Em 1909, fez-se outra melhora da organização quando o escritório foi transferido para dependências maiores em Barmen. Isto, naturalmente, significava maiores despesas. Sem hesitação, o irmão Cunow vendeu sua propriedade e usou o dinheiro em mobiliar o lar de Betel. Muita coisa foi feita também em 1909 na edificação espiritual. Em fevereiro, os irmãos na Saxônia fizeram arranjos para que o irmão Kötitz proferisse vários discursos públicos. Por seis vezes, ele pôde testemunhar a uma assistência de pelo menos 250 a 300 pessoas.

Mas, o coroamento de tudo em 1909 foi, sem dúvida a visita há muito esperada do irmão Russell à Alemanha. Depois de breve parada em Hamburgo, chegou a Berlim e foi recebido por um grupo de irmãos. Imediatamente se dirigiram ao salão de assembléia, lindamente decorado, onde de cinqüenta a sessenta irmãos pacientemente aguardavam a chegada do irmão Russell. O irmão Russell falou sobre a restauração do que Adão perdera, em especial apontando o privilégio que receberiam os que nutriam a perspectiva de se tornarem membros do corpo de Cristo. Depois de lancharem juntos, foram para o Salão Hohenzollern, onde seria proferido o discurso público. Estava superlotado! Uma multidão de 500 pessoas ouviu o discurso “Onde Estão os Mortos?” Cerca de cem pessoas tiveram de ficar em pé. Outras 400 pessoas tiveram de ser mandadas embora devido à falta de espaço, mas receberam tratados fora do salão. Mais tarde em Dresden, pelo menos de 900 a 1.000 pessoas ouviram o discurso público de duas horas do irmão Russell. A viagem prosseguiu até Barmen, onde aproximadamente mil pessoas ouviram seu discurso. Na tarde seguinte, 120 irmãos se reuniram na Casa da Bíblia, e, essa noite, cerca de 300 se reuniram para ouvir o irmão Russell responder perguntas bíblicas. Isto concluiu a visita do irmão Russell à Alemanha, e, pouco depois das 23 horas daquela noite, tomou o trem para a Suíça, onde seria realizada uma assembléia de dois dias em Zurique.

Durante o ano, os irmãos na Alemanha foram incentivados a usar seus recursos para tentar manter a obra do Reino na Alemanha sem ajuda externa. Mas, no fim do ano, os custos de impressão, de selos, de fretes, de taxas para encartes, de despesas de discursos públicos e viagens, aluguel, luz, aquecimento, e outras despesas, atingiram um total de 41.490,60 marcos, ao passo que as contribuições atingiram apenas 9.841,89 marcos, deixando um déficit de 31.648,71 marcos, coberto com dinheiro emprestado da sede de Brooklyn. Isto moveu o irmão Russell a dizer o seguinte em seu relatório anual: “Que grandes somas a Sociedade já tem gasto na Alemanha para tornar conhecida a verdade! . . . Os esforços feitos na Alemanha são comparativamente maiores do que em qualquer outro país. Devíamos esperar resultados correspondentes — a menos que aconteça que a maioria dos alemães consagrados já tenha emigrado para os Estados Unidos.”

O irmão Russell fez uma breve parada de cerca de dez horas em Berlim, em sua viagem mundial de 1910, e falou a duzentas pessoas que esperavam a sua chegada.

Por volta desse tempo, Emil Zellmann, condutor de bonde de Berlim, começou a atrair considerável atenção. Aproveitava cada oportunidade para ler a Bíblia ou testemunhar a seus passageiros, às vezes até mesmo entre as paradas de bonde; certa vez, enquanto estava ocupado em ler, contribuiu para divertir os passageiros por gritar, não o nome da seguinte parada do bonde, mas, ao invés: “Salmo 91”, que ele acabara de ler. Pouco depois, mais de dez colegas condutores de bonde e suas famílias já assistiam às reuniões. Este grupo pequeno, porém muito ativo, muito contribuiu para disseminar as boas novas em Berlim. Embora tais irmãos começassem a trabalhar às 5 da manhã, seu zelo exemplar amiúde os movia a ir à terminal dos bondes para colocar tratados nos bancos dos bondes que entrariam em serviço.

O ano de 1911 foi assinalado por discursos proferidos pelo irmão Russell sobre o assunto “O Sionismo e a Profecia”, que provocaram respostas iradas de assistências em alguns casos. Por exemplo, em Berlim, houve um distúrbio, e cerca de 100 pessoas deixaram o salão no início do discurso, ao passo que aproximadamente 1.400 permaneceram e seguiram com atenção o discurso do irmão Russell até sua conclusão.

O irmão Russell de novo se referiu, em seu relatório da viagem, ao desenvolvimento da obra na Alemanha, mencionando que, embora ‘o número de irmãos e seu interesse tivesse aumentado, sentia-se desapontado com o número de interessados, considerando a grande população, bem como os esforços feitos e a quantia de dinheiro gasto’. Os anos indicaram com exatidão que os pré-requisitos para o crescimento na Alemanha de início não eram tão favoráveis como nos Estados Unidos, por exemplo. Ampla porcentagem da população alemã era formada por católicos, um outro grupo por socialistas, a maioria antagônica à Bíblia, e a maioria das pessoas mais instruídas estava apartada de Deus.

A viagem do irmão Russell à Europa, no verão setentrional de 1912, levou-o a Munique, Reichenbach, Dresden, Berlim, Barmen e Kiel. Para seu discurso público, escolhera o assunto bem promissor “Além do Túmulo”. Foi anunciado por meio de grandes faixas onde se representavam várias igrejas famosas por ensinarem as doutrinas da imortalidade da alma e do inferno de fogo. Em primeiro plano, enorme Bíblia se achava presa por uma corrente, a qual contudo, estava rompida num ponto. Ao fundo, o irmão Russell podia ser visto apontando para a Bíblia. Essas faixas criaram uma comoção e tanto em muitas cidades e muitas autoridades policiais impediram sua colocação. Mas, apesar disso, assistências de 1.500 a 2.000 pessoas vieram ouvir o discurso em Munique, Dresden e Kiel.

O discurso público também foi bem anunciado em Berlim. Anúncios excepcionalmente grandes nos jornais sublinharam várias vezes esse evento, e em toda a parte tapumes exibiam nossos cartazes. Adicionalmente, os “mensageiros” de todos os principais jornais foram contratados para ajudar a anunciar o discurso. Eram garotos vestidos de calças azuis e brancas e com bonés presos ao queixo e inclinados para cima com elegância. Usavam cartazes, tanto na frente como atrás, e deslizavam pelas ruas da cidade em patins. Sempre que tais garotos surgiam em cena, todo o mundo em Berlim sabia que algo de grandioso estava para acontecer.

É, portanto, compreensível que logo no início da tarde, grandes multidões de pessoas se dirigissem para o Friedrichshain, o maior salão da cidade, que abrigava cerca de 5.000 pessoas, para ouvir o discurso do irmão Russell. Horas antes que o salão fosse aberto, a inteira vizinhança estava cercada. A multidão sem precedentes aumentava de hora em hora e os meios de transporte não mais podiam cuidar das multidões. Muitos, que estavam em condições financeiras de fazê-lo, chegavam em cabriolés. Muitos outros não conseguiram chegar até lá devido ao saturamento dos meios de transporte. A área foi bloqueada pela polícia e houve vários cálculos de que de 15.000 a 20.000 pessoas tiveram de ser mandadas embora diante das portas do salão completamente lotado. Zelosos irmãos e irmãs, tirando proveito da situação, distribuíram milhares de tratados, bem como grande número de Estudos das Escrituras e outras publicações, entre os muitos milhares que não conseguiram entrar no salão. O irmão Russell pôde, portanto, partir satisfeito de que impressionante testemunho fora dado nesta sua última visita a Berlim.

O ano seguinte, 1913, foi marcado por sincero desejo de devotar, se possível, ainda mais energia, tempo e dinheiro no sentido de familiarizar a ainda mais pessoas com as boas novas do Reino. Foram feitos arranjos para se publicar os sermões do irmão Russell na revista semanal chamada “Der Volksbote”, destarte alcançando outras pessoas com a mensagem. Foram lançadas publicações em braille, para benefício dos cegos. A Sociedade até mesmo expressou sua disposição de fornecer gratuitamente aos irmãos publicações para distribuição.

O programa atarefado do irmão Russell não lhe permitiu visitar a Alemanha em 1913, mas os irmãos ficaram muito contentes quando ele enviou o irmão Rutherford, naquele tempo o consultor jurídico da Sociedade. Seus discursos tiveram boa assistência e os salões ficaram superlotados em toda a parte. Repetidas vezes foi necessário mandar as pessoas embora. Em Dresden, para exemplificar, o salão comportava cerca de 2.000 pessoas sentadas, ao passo que de 7.000 a 8.000 tiveram que ir embora por falta de espaço. Em seu discurso em Berlim, a que assistiram 3.000 pessoas, houve um distúrbio, quando bagunceiros fizeram tanto barulho que foi difícil o irmão Kötitz, que traduzia o discurso do irmão Rutherford, fazer-se ouvido. Deve-se lembrar que, nesta ocasião, não havia sistemas de alto-falantes, de modo que manter o controle da situação sob tais dificuldades exigia poderosa voz. O irmão Kötitz, embora fizesse tremendo esforço, não pôde enfrentar a situação, e foi completamente silenciado quando dilacerou seu pulmão ao tentar fazer isso. Imediatamente um irmão pulou em cima duma mesa e bradou com forte voz: “O que irão os americanos pensar de nós, alemães?”, o que pareceu acalmar os bagunceiros. O irmão Kötitz terminou o discurso, mas os irmãos que o conheciam relatam que jamais conseguiu recuperar-se completamente desse estafante esforço.

De especial alento, no fim do ano, foi o fato de que as despesas da obra puderam ser cobertas pelas contribuições voluntárias, havendo até pequeno saldo. Assim, os irmãos na Alemanha chegaram ao fim dum ano repleto de bênçãos copiosas, convictos de que outro ano de zelosa atividade estava adiante, ano que muitos consideravam o ‘último ano da colheita’.

1914 — ANO HÁ MUITO AGUARDADO

Então chegou o ano de 1914, ano histórico que muitos leitores de A Torre de Vigia aguardavam por várias décadas. A primeira metade do ano passou tão quietamente como o ano anterior. É verdade que existia uma atmosfera tensa na Europa, mas, visto que não irrompeu em violência, os opositores do Reino começaram a tecer comentários negativos, não sendo poucos os que foram precipitados demais em anunciar com vanglória a derrota dos “Auroristas do Milênio”. Mas, isto não conseguiu abalar a fé daqueles que participavam na obra de testemunho por muitos anos.

No ínterim, a roda do tempo continuava a girar. Realizaram-se manobras militares em vários países europeus “apenas por prevenção”. As coisas ainda pareciam quietas mas os empertigados passos dos soldados em instrução militar eram como o abafado murmúrio dum vulcão prestes a entrar em erupção a qualquer momento. De súbito o mundo inteiro susteve o fôlego. Um tiro ecoou em Sarajevo. Nas grandes cidades, por todo o mundo, os garotos vendedores de jornais saíram às ruas bradando “Extra! Extra!” e começou a guerra mais assassina da história da humanidade até então, guerra que os historiadores denominaram pela primeira vez de “guerra mundial”. Para muitos, a guerra espocou como um relâmpago no céu azul, e, com igual presteza, os zombadores silenciaram. O irmão Grabenkamp, de Lübbecke, dissera aos filhos: “Bem, meus meninos, chegou a hora!” e seus irmãos em todo o mundo pensaram e falaram palavras similares. Aguardavam estes eventos, sim, não só isso, haviam recebido a ordem de Jeová de anunciá-los a outros. Sabiam que estas coisas seriam simples precursores de indescritíveis bênçãos de Jeová para a humanidade.

Agora, com seus próprios olhos, podiam olhar para trás e ver como se comprovara o testemunho que deram. Exemplo disso é o irmão Dathe, que foi batizado com sua esposa em 1912 e que, anos depois, escreveu o seguinte a seu bom amigo e irmão Fritz Dassler:

“Durante as últimas duas horas que passei ao lado de minha querida esposa enferma, em 23 de junho de 1954, duas horas e meia antes de ela adormecer na morte, lembramo-nos do dia há muito já passado de 28 de junho de 1914, que sempre foi tão importante para nós. Era um domingo. Fazia um dia lindo de verão. Nessa tarde, tomamos uma xícara de café na varanda e maravilhamo-nos com o céu bem azul. O ar era límpido e seco. Não se podia ver uma nuvem sequer. Mencionei o jornal. Parecia não haver nenhuma tensão em parte alguma da terra; em toda a parte havia paz serena. Todavia aguardávamos sinais visíveis do início da regência de Cristo nesse ano. Os jornais já se sentiam triunfantes e publicavam um artigo difamador após outro contra os adoradores verdadeiros que haviam profetizado o fim do mundo em 1914. Na segunda-feira, 29 de junho de 1914, contudo, abrimos nosso jornal bem cedo de manhã e lemos as manchetes: ‘Assassinado em Sarajevo o Herdeiro Austríaco ao Trono.’ Da noite para o dia, os céus políticos ficaram negros. Quatro semanas depois, irrompeu a Primeira Guerra Mundial. Agora, aos olhos de nossos oponentes, éramos de súbito os maiores dos profetas.”

A disposição destes servos fiéis de cumprir a vontade revelada de Jeová os ajudou a compreender que uma obra ainda maior estava à frente, mesmo depois de 1914 ter vindo e passado. Jeová guiava seu povo de modo que seu propósito pudesse ser cumprido. A obra de preparação para o tremendo testemunho dado por meio do “Fotodrama da Criação” é um bom exemplo. O equipamento necessário, filmes, “slides” e as instruções, chegaram à Alemanha pouco antes do irrompimento da guerra. Algumas partes chegaram até mesmo antes e já haviam sido exibidas em 12 de abril de 1914, numa assembléia em Barmen, e numa assembléia em Dresden, a que assistiram a propósito, vários irmãos da Rússia e da Áustria-Hungria, de 31 de maio a 2 de junho.

Quando chegou o restante do filme na Alemanha, três semanas antes de irromper a guerra, a Sociedade fez arranjos imediatos para exibir o filme no auditório municipal em Elberfeld. Considerando-se o interesse público no Drama, o salão era pequeno demais e o filme teve de ser exibido duas vezes. O grande lançamento foi em Berlim, contudo, onde foi exibido duas vezes por dia a auditórios superlotados. A série (exibida em quatro partes, em quatro dias consecutivos) teve de ser exibida cinco vezes, de 1.º a 23 de novembro de 1914.

Mas, a guerra trouxe problemas, o primeiro dos quais foi quando se interrompeu temporariamente o contato com os Estados Unidos.

PROBLEMAS COM RESPEITO À SUPERVISÃO DA OBRA

O povo de Deus na Alemanha entrava então num período de grande tensão, assinalado por problemas relativos à supervisão da obra. Perto do fim de 1914, cerca de onze anos depois de o irmão Russell ter autorizado o irmão Kötitz a vir para a Alemanha para assumir a supervisão da obra aqui, ele foi de súbito atacado por vários lados e acusado de cometer impropriedades. Isto levou à inquietação entre os irmãos e fez com que o irmão Russell o retirasse de sua posição de serviço.

A necessidade de peregrinos adicionais na Alemanha fizera com que o irmão Russell enviasse um irmão dos Estados Unidos chamado Conrad Binkele, antigo pregador metodista que se familiarizara com a Torre de Vigia fazia apenas cerca de um ano, a fim de servir nesta posição, embora o irmão Russell só tivesse feito isso com hesitação. O irmão Binkele chegou à Alemanha exatamente quando os problemas entre os servos começaram a assumir graves proporções, e, em 1915, foi-lhe confiada a supervisão da obra na Alemanha.

No entanto, o irmão e a irmã Binkele logo voltaram para os Estados Unidos. Suas palavras de despedida foram mostradas com destaque em negrito na última página da Torre de Vigia de outubro, com o comentário de que ‘as condições esgotaram completamente seus recursos’. Tais “condições” eram provavelmente as dificuldades que continuaram a crescer durante 1915. Em outubro, o irmão Russell sentiu-se compelido a dar atenção especial ao problema e a tomar as medidas necessárias para enfrentá-lo. Uma carta intitulada “Carta Pessoal do Irmão Russell aos Estudantes da Bíblia Alemães” rezava como se segue:

“Brooklyn, outubro de 1915

“Prezados Irmãos:

“Penso com freqüência nos irmãos, nas minhas orações, e meu ardente desejo é que o Senhor os abençoe. Condoemo-nos dos irmãos nas tribulações da guerra, que os atingem quer direta quer indiretamente. Também desejamos expressar nossa condolência no que tange às tribulações sofridas nos interesses da verdade na Alemanha. Não nos compete julgar uns aos outros ou punir por declarar o julgamento final. Se os irmãos errantes se arrependerem, temos de nos contentar em deixar o julgamento e a punição finais entregues ao Senhor, que disse: ‘O Senhor julgará seu povo.’ Heb. 10:30.

“Todavia, nos interesses da verdade, da justiça e da conduta correta, e a bem da influência exercida pelos representantes da Sociedade, parece ser necessário designar novos representantes da Sociedade na Alemanha. A guerra tem causado certas inconveniências, o serviço postal e telegráfico é irregular, e é compreensível que certos mal-entendidos a respeito da liderança em Barmen tenham surgido por certo tempo. Cremos que nosso querido irmão Binkele fez o melhor que pôde e cuidou corretamente dos assuntos, segundo as circunstâncias. Mas, como sabem, o irmão Binkele voltou para os Estados Unidos.

“Desejamos informar aos irmãos alemães que, de agora em diante, todos os assuntos da Sociedade serão regulados por uma comissão de três irmãos: Ernst Haendeler, Fritz Christmann e Reinhard Blochmann. . . .

“Prezados irmãos, recomendo-lhes que cooperem e apóiem em todo sentido a nova liderança em Barmen. O Corpo de Cristo é um só, não permitam que haja divisões no corpo, assim como o Apóstolo nos admoesta.”

Mas, este arranjo tampouco deu certo conforme planejado, pois o irmão Blochmann se vira forçado a deixar Barmen e o irmão Haendeler morrera antes de a carta do irmão Russell ter sequer chegado na Alemanha. Visto que a tensão não amainou durante os meses seguintes, em fevereiro de 1916 o irmão Russell designou uma “comissão supervisora” composta de cinco irmãos, H. Herkendell, O. A. Kötitz, F. Christmann, C. Stohlmann e E. Hoeckle.

Este arranjo duma “comissão supervisora” não durou muito, porém. Apenas alguns meses depois de a comissão ter sido mais uma vez reagrupada, o irmão Binkele, que no ínterim havia retornado à Europa e fixado residência em Zurique, Suíça, foi designado para servir como o representante legal da Sociedade para a Alemanha, Suíça e os Países-Baixos, ao passo que o irmão Herkendell foi designado responsável pelo trabalho editorial.

O irmão Kötitz, substituído em 1914 pelo irmão Binkele, exibia o Fotodrama desde essa data. Permaneceu, contudo, sendo o alvo de ataque de irmãos, que visavam satisfazer seus próprios desejos egoístas, ao invés de contribuir para a paz interna da organização. Elisabeth Lang, que durante anos havia trabalhado com o irmão Kötitz, certa vez encontrou-o sentado tristonho num banco de parque, perto do salão onde se exibia o Fotodrama. Disse a ela que mais uma vez recebera uma carta de acusação que visava claramente privá-lo de seu último privilégio de serviço que restava. Relembrou como tivera o privilégio de trabalhar ao lado do irmão Russell por cerca de dez anos antes de ser-lhe designada a responsabilidade da obra na Alemanha. Amiúde se submetia então a um escrutínio de si mesmo, quanto a se ele fora digno de tal confiança. Confortava-se, contudo, com a idéia: “Se, devido aos meus 24 anos de atividade, já ajudei a apenas uma única pessoa a se provar digna de pertencer aos 144.000, então tive o privilégio de ter feito 1/144.000.ª parte do trabalho.”

É compreensível que estes contínuos ataques tenham abalado sua saúde, que já estava gravemente debilitada pelo pulmão dilacerado que sofrera em Berlim. Assim aconteceu que, em 24 de setembro de 1916, com 43 anos, ele morreu. O anúncio da Sociedade em A Torre de Vigia fez menção de sua “fidelidade” e disse que “seu zelo, sua perseverança, sua constância, sua forte fé e vontade, sua dedicação e fiel desempenho das obrigações, são reconhecidos e apreciados por todos os queridos irmãos”.

Pouco tempo depois, os irmãos alemães receberam notícias de que, em 31 de outubro, cerca de cinco semanas depois de o irmão Kötitz ter morrido, o irmão Russell também terminara sua carreira terrestre. Alguns ficaram tão deprimidos com isso que descontinuaram seu proceder e se afastaram. Mas, a maioria acatou as notícias da morte do irmão Russell como encorajamento para devotarem suas energias e seu tempo ainda mais intensamente a continuarem a obra que haviam iniciado.

A guerra tornava necessárias repetidas mudanças na supervisão. De outubro de 1916 até fevereiro de 1917, Paul Balzereit servia nesta capacidade; de fevereiro de 1917 até janeiro de 1918, o irmão Herkendell; e, de janeiro de 1918 até janeiro de 1920, o irmão M. Cunow, que foi então substituído pelo irmão Balzereit.

NEUTRALIDADE

O irrompimento da Primeira Guerra Mundial ofereceu ao Diabo uma oportunidade de criar incerteza entre os irmãos quanto à questão da neutralidade, incerteza que até mesmo se manifestou em Barmen, na Casa da Bíblia, em que os irmãos Dwenger, Basan e Hess tinham todos a idade de ser convocados. Ao passo que os irmãos Dwenger e Basan determinaram não fazer o juramento de lealdade nem pegar em armas, o irmão Hess estava indeciso. Lá se foi ele para a frente da Bélgica, companheiro dos que não punham sua esperança no reino de Deus. Jamais retornou. Uma posterior convocação resultou na chamada dos irmãos Dwenger e Basan. O irmão Basan logo conseguiu voltar para casa, ao passo que o irmão Dwenger não foi liberado, mas, antes, viu-se obrigado a arquivar registros num escritório militar. Ele se dispôs a fazer isso sendo compatível com seu entendimento do assunto naquele tempo. O irmão Balzereit, peregrino, discordou do irmão Dwenger, contudo, quando este lhe disse que, no caso de emergência, ele recusaria a incorporação e tomar armas. O irmão Balzereit expressou seu desacordo por dizer: “Compreende os resultados que advirão à obra se tomar tal posição?”

Devido à incerteza que prevalecia entre eles, nem todos os irmãos seguiram o proceder de estrita neutralidade cristã para com os assuntos das nações. Considerável número de irmãos fizeram o serviço militar e lutaram na frente. Outros se recusaram a fazer o serviço militar como combatentes, mas dispunham-se a servir nos corpos médicos do exército. Alguns, contudo, tomando firme posição, recusaram participar de qualquer modo, e foram sentenciados à prisão. Em resultado da posição que tomou, Hans Hölterhoff foi submetido a cruel decepção quando foi levado a um local sob o pretexto de que iria enfrentar um pelotão de fuzilamento. Por fim, foi sentenciado a dois anos de prisão pelo tribunal militar.

Em vista da incerteza que reinava entre o povo de Deus sobre tão importante assunto como a neutralidade cristã, podemos certamente agradecer a Jeová por ele ter continuado a lidar com misericórdia com eles.

MAIOR EXPANSÃO APESAR DE CONDIÇÕES DESFAVORÁVEIS

O Fotodrama da Criação contribuiu imensamente para a expansão nestes anos. Era então exibido em cidades menores tais como Kiel, onde uma senhora riquíssima, que logo se tornou nossa irmã, ficou tão impressionada que imediatamente doou a ampla soma de 2.000 marcos para a congregação, então com 45 ou 50 pessoas, a fim de poderem conseguir um salão melhor.

Foi o livro O Plano Divino das Épocas que fez com que Christian Könninger prestasse atenção. Uma crise familiar o moveu a pedir a bem-conhecido Estudante da Bíblia chamado Ettel que o visitasse, e iníciou-se um estudo, a que sua esposa mais tarde assistia. Seu seguinte passo foi pedir os endereços de outros interessados e leitores da Torre de Vigia nas cidades vizinhas. Juntos, convidavam seus vizinhos, amigos e conhecidos aos discursos proferidos na casa do irmão Ettel. O irmão Könninger e os outros irmãos tiravam proveito de cada oportunidade para convidar oradores a Eschweiler e Mannheim, mais tarde também para Ludwigshafen onde seus discursos eram anunciados oralmente, bem como pelo jornal, em tapumes para cartazes e por cartazes colocados nas vitrinas das lojas.

Em 1917, o irmão Ventzke, de Berlim, esforçava-se em disseminar a verdade além dos limites desta cidade. Tomava uma mochila cheia de livros e andava até Brandenburgo, a cerca de cinqüenta quilômetros a oeste de Berlim, voltando após vários dias, mas apenas depois de ter colocado todas essas publicações. Ao mesmo tempo, peregrinos visitavam a cidade de Danzig, e lançavam o alicerce para uma congregação ali, na casa do irmão Ruhnau.

NENHUMA PAUSA NO TRABALHO

Os irmãos nutriam várias expectativas no tocante ao ano de 1918. Alguns estavam certos de que assinalaria o fim de sua carreira terrestre e expressavam repetidas vezes essa esperança a seus amigos e conhecidos. A irmã Schünke, em Barmen, por exemplo, explicara a suas colegas de trabalho que, caso deixasse de se apresentar para o trabalho algum dia, seria porque fora “levada para casa”. Quando suas expectativas não se cumpriram, contudo, alguns se afastaram, desapontados, assim como alguns haviam feito em 1914. Outros se perguntavam o que iria acontecer agora.

Ainda havia trabalho a ser feito. A maioria dos irmãos ficaram contentes com isso, visto que o desejo de seu coração era render serviço sagrado a Jeová. Estes continuaram a trabalhar. Verificaram que, nos tempos críticos que então sobrevieram à Alemanha, havia mais ouvidos dispostos do que antes. Isto é confirmado pela experiência de Fritz Winkler (de Berlim).

Em 1919, estava empregado em Halle (Saale) e viajava de trem todo sábado para ver seus pais em Gera. Certo sábado, um senhor e sua filha tomaram o trem numa estação, ele com uma mochila cheia e sua filha com uma sacola que também estava cheia de algo. O trem mal acabara de partir quando o senhor, um irmão de Zeitz, abriu sua mochila cheia até a boca com o livro O Plano Divino das Épocas, e proferiu um discurso para os viajantes, usando a “Carta das Épocas”, localizada na primeira página do livro. Em conclusão, ofereceu a todos eles o primeiro volume de Estudos das Escrituras. Quando deixou o trem, algumas paradas depois, sua mochila estava vazia e a da sua filha se esvaziara quase que pela metade. Esta experiência moveu Fritz Winkler a comparecer a um discurso público, por meio do qual veio a conhecer a verdade.

OBRA DE PENEIRAMENTO

Mas, nem todos concordavam com a maneira em que as boas novas eram publicadas. Em especial, entre alguns dos ‘anciãos’ democraticamente eleitos pelas congregações, havia aqueles que faziam mais para impedir a obra do que para promovê-la. Tornou-se necessário avisar aos irmãos que não discutissem com eles. Era melhor deixar que seguissem seu próprio caminho e usar no ministério do Reino o tempo que seria de outra forma perdido em debates inúteis. A Torre de Vigia não deixava dúvidas de que viria tal peneiramento, razão pela qual os cristãos foram admoestados a observar aqueles que causavam divisões e controvérsias e a desviar-se deles. Isto exigiu certas mudanças nos países vizinhos durante 1919, e estas influíram sobre os irmãos e a obra na Alemanha. No decorrer do ano, por exemplo, o irmão Lauper começou a trabalhar segundo seu próprio conceito dos assuntos. Por conseguinte, pediu-se-lhe que devolvesse o estoque de livros e de revistas que pertenciam à Sociedade Torre de Vigia, mas que ele supervisionara por vários anos.

Perto do fim de 1919, os irmãos foram informados dum problema ainda maior. O irmão Russell, alguns anos antes designara A. Freytag a cuidar da obra franco-belga no escritório da Sociedade em Genebra. Sua autorização incluía a publicação da tradução em francês da Torre de Vigia em inglês, bem como dos Estudos das Escrituras. Ele usou mal esta autorização, contudo, e começou a editar suas próprias publicações, destarte causando considerável confusão entre os irmãos. Freytag foi removido de sua posição e o escritório da Sociedade foi dissolvido, sendo aberto novo escritório em Berna sob a direção do irmão E. Zaugg e sob a supervisão geral do irmão Binkele.

No ínterim, os apoiadores de Freytag começaram a realizar reuniões em separado e a trabalhar entre os irmãos na Alemanha, alguns dos quais perderam sua clara visão, devido às críticas e difamações de Freytag contra a Sociedade, acusando-a de disseminar falsos ensinos. O irmão Binkele achou necessário, em setembro de 1920, refutar as acusações falsas de Freytag, e a responder às muitas perguntas da Alemanha numa carta circular de quatro páginas. Todavia, as sementes da dúvida semeadas por Freytag começaram a germinar, e vários daqueles que não ficaram firmes o seguiram e fundaram suas próprias congregações. Este grupo ainda existe na Alemanha até os dias atuais.

NA EXPECTATIVA DE OUTRAS DESIGNAÇÕES DE SERVIÇO

A partir de janeiro de 1919, A Torre de Vigia de novo começou a ser publicada num número de dezesseis páginas e com frontispício, (omitido durante os anos de guerra para poupar despesas). A obra de peregrino foi fortalecida, quatro irmãos visitando com regularidade as congregações. Ao mesmo tempo, trabalhavam febrilmente na tradução do sétimo volume de Estudos das Escrituras, do livro O Mistério Consumado. Adicionalmente, um tratado de quatro páginas, intitulado “A Queda de Babilônia”, foi preparado, sendo epítome do livro.

Preparativos elaborados foram feitos. A partir de 21 de agosto, e nos meses seguintes, um virtual dilúvio de tratados e do livro O Mistério Consumado foi distribuído. Tratava-se de imensa campanha, embora nem todos participassem nela em especial os ‘anciãos eletivos’, que, ao invés, preferiam apenas proferir discursos. Até mesmo alguns dos irmãos e irmãs dispostos, de outra forma, hesitaram em fazer isso após ficarem cônscios do conteúdo do livro.

O irmão Richard Blümel, de Leipzig, batizado em 1918, não pensara bem no fato de que, embora batizado, ainda era membro formal duma igreja da cristandade. Nutria a opinião de que “se não a freqüento, não pertenço mais à igreja”. Mas, ao ler o tratado, e compreender que devia convidar outros a sair de Babilônia, sabia que só poderia participar neste trabalho depois de ter ele mesmo deixado a igreja. Bem cedo pela manhã, em 21 de agosto, fez com que seu nome fosse oficialmente removido do rol de membros da igreja e, de tarde, saiu para distribuir o tratado A Queda de Babilônia com consciência limpa.

Mais tarde, nesse ano, numa assembléia em Leipzig, o irmão Cunow, que naquele tempo tinha a supervisão da obra na Alemanha, falou da expansão da obra — quase 4.000 irmãos estavam então ativos — e anunciou que a revista A Idade de Ouro seria publicada na Alemanha assim que instruções fossem recebidas do escritório principal. Os presentes se sentiam deveras entusiásticos e todos eles expressaram sua determinação de apoiar financeiramente a obra.

CAMPO MADURO PARA A COLHEITA

Como mudara a Alemanha em apenas alguns anos! Antes da Primeira Guerra Mundial, comparativamente poucos estavam dispostos a ouvir as boas novas do Reino. Mas, o Kaiser, que em 1914 proclamara triunfalmente um glorioso futuro para a Alemanha, tinha então fugido para a Holanda, em exílio. O exército da Alemanha, enviado para conquistar a França, voltara à sua terra natal humilhado. O adágio da fivela de seu cinturão “Deus está conosco!” provara-se enganoso. Os soldados que voltavam tinham visto a futilidade da guerra, guerra jamais apoiada por Deus, como o clero repetidas vezes tentara persuadi-los a crer.

Muitos irmãos ainda vivos confirmam que foi esta guerra fútil e sem sentido que os moveu a despertar-se para a verdade. Muitos recusavam crer que Deus tivesse algo que ver com esta insensata destruição da vida humana; antes, consideravam o clero responsável, pois eles, durante seus chamados “ofícios religiosos campais”, prometeram uma recompensa celeste aos que perdessem sua vida na batalha. Outros, ao receberem a notificação de que seu marido, seu pai ou filho havia caído no “campo de honra”, começaram a perguntar-se se realmente estavam no céu, ou talvez num inferno de fogo, como pregado pelo clero. Para estes, o discurso “Onde Estão os Mortos?” foi oportuníssimo. Os irmãos conseguiam distribuir livros como nunca antes. Duas irmãs colportoras juntas, segundo afirmado, colocavam em média 400 volumes de Estudos das Escrituras num mês. Os servos fiéis de Jeová aproveitavam ao máximo suas oportunidades. Dentro de comparativamente pouco tempo, congregações saudáveis floresceram em muitas localidades.

Em Berlim, na quinta-feira, 27 de maio de 1920, sete oradores falaram a entre 8.000 e 9.000 pessoas famintas pela verdade em sete grandes salões em várias partes da cidade sobre o assunto “O Fim Está Próximo! O Que Se Seguirá?” O interesse era tão grande que 1.500 pessoas solicitaram visitas e 2.500 livros, além de outras publicações, foram colocados.

Daí, o Fotodrama realmente teve sua vez. Uma das exibições mais impressivas foi realizada no Gustav-Siegle-Haus em Stuttgart para mil pessoas. Manifestou-se tanto interesse que os irmãos cederam seus lugares às pessoas interessadas. Uma exibição especial para eles foi realizada no domingo, com apenas ligeiro intervalo para o almoço, ao passo que o inteiro programa era normalmente apresentado em quatro noites.

O Fotodrama foi aceito com grande apreciação na Saxônia, fortaleza do modo socialista de pensar, onde congregações começaram então a surgir como cogumelos que brotavam depois duma chuva branda. Entre estas se achava uma congregação em Waldenburgo, com mais de cem pessoas, que logo se reuniam regularmente para estudar a Palavra de Deus numa grande fazenda, cujo dono, pouco tempo antes tinha sido membro da junta de diretores da igreja.

PASSOS IMPORTANTES A CAMINHO DA ORGANIZAÇÃO TEOCRÁTICA

O irmão Rutherford, que desejava visitar pessoalmente a Alemanha desta vez, mas não conseguiu permissão para entrar, convidou então 26 irmãos da Alemanha até Basiléia, Suíça, em 4 e 5 de novembro de 1920, para considerarem meios e recursos para executar mais eficazmente a obra na Alemanha. A “filial alemã” foi dissolvida e novo escritório, chamado “Escritório da Europa Central da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados” foi aberto, sua sede temporariamente permanecendo em Zurique, mas devendo ser transferida para Berna logo que possível. Este escritório sob a direção dum superintendente principal plenamente devotado ao Senhor e designado pelo presidente, devia ter supervisão sobre a obra na Suíça, França, Bélgica, Países-Baixos, Áustria, Alemanha e Itália. Cada um dos países acima-mencionados teria um superintendente local, também designado pelo presidente. O propósito deste arranjo era unir a obra na Europa central de modo que pudesse ser feita da maneira mais vantajosa.

A conferência de dois dias com os 26 irmãos da Alemanha, inclusive os irmãos Hoeckle, Herkendell e Dwenger, visava especialmente encontrar os meios e recursos para se executar mais eficazmente a obra na Alemanha e determinar quem seria o superintendente local. A comissão que servira na Alemanha por muitos anos foi dissolvida. O irmão Cunow que até então dirigira a obra por alguns anos, solicitou que fosse dispensado deste cargo e colocado na obra de peregrino de modo que foi necessário escolher novo superintendente; Paul Balzereit foi escolhido para ser o superintendente local da Alemanha, e o irmão Binkele foi designado superintendente principal do Escritório da Europa Central.

CAMPANHA COM “MILHÕES”

O folheto Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, em alemão, foi anunciado para ser lançado em fevereiro de 1921 e uma campanha de discursos que deveria durar vários anos foi oficialmente planejada para ter início em 15 de fevereiro. Os melhores oradores foram designados a proferir os discursos e, quando não havia nenhum deles disponível, as congregações podiam escrever à Sociedade para que lhes arranjasse tais oradores.

Abriu-se destarte a porta para se dar poderoso testemunho, duma forma que os nossos irmãos, na maioria, jamais sonhavam ser possível um ano antes. O relatório anual da Sociedade declarava: “Nunca antes se mostrou tanto interesse na Alemanha como no presente. Grandes multidões estão afluindo e, embora aumente a oposição, a verdade se está espalhando.”

Isto se deu em Constância. A irmã Berta Maurer, que serve a Jeová por mais de cinqüenta anos, ainda recorda como o discurso “O Mundo Está Findando — Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão!” foi anunciado em enormes cartazes e então proferido no maior salão da cidade, o salão em que John Huss foi condenado a ser queimado na estaca. Discursos para manter o interesse foram proferidos e, em 15 de maio de 1921, quinze pessoas foram batizadas — o início da congregação em Constância.

Em Dresden, o discurso foi uma clara sensação. A congregação alugou três grandes salões, mas, em alguns casos, duas horas antes de os discursos serem proferidos, o serviço de bondes foi suspenso por causa de enorme multidão ter paralisado o trânsito. Os salões superlotados não podiam comportar mais ninguém. Os oradores tiveram dificuldades em abrir caminho pela multidão para chegar aos salões. Só depois de se prometer que o discurso seria repetido para o benefício dos que esperavam é que a multidão se dispôs a abrir passagem.

Na rua em Wiesbaden, a Sra. Elisabeth Pfeiffer encontrou um convite anunciando o discurso “Milhões”. Disse a si mesma: “Que tolice! Mesmo assim eu irei, porque gostaria de ver que espécie de pessoas crêem nisso.” Ela foi e ficou surpresa de ver uma grande multidão de pessoas na rua tentando em vão conseguir entrar no auditório do ginásio já superlotado, onde seria proferido o discurso. Nessa ocasião, os franceses ainda ocupavam o país e bondosamente agiram como indicadores. Quando viram que o salão estava repleto e que outras centenas de pessoas estavam em pé na rua, falaram com o irmão Bauer, o orador, e disseram à multidão à espera que ele estava disposto a lhes falar também, depois de terminar seu discurso. Cerca de trezentas a quatrocentos pessoas, inclusive a Sra. Pfeiffer, esperaram pacientemente. Aquilo que ouviu a impressionou de forma tão profunda que ela, depois disso, compareceu a todas às reuniões e logo se tornou zelosa irmã.

Em outra ocasião, os irmãos Wandres e Bauer tinham feito arranjos para o discurso, mas, contrário às experiências que vinham tendo com salões superlotados, nessa noite de início ninguém veio. Ao se aproximar a hora do início, ambos foram até à rua para ver se podiam esperar que alguém comparecesse. Encontraram alguns que estavam interessados em ouvir o discurso mas que, por alguma razão desconhecida dos irmãos, hesitavam em entrar no prédio. Quando se lhes indagou a razão, disseram que, visto ser o dia primeiro de abril, estavam incertos se se tratava de alguns brincalhões que queriam fazer uma brincadeira de primeiro de abril. Todavia, em cerca de meia hora, de trinta a quarenta pessoas haviam chegado para ouvir o discurso.

O irmão Erich Eickelberg, de Remscheid, distribuía o folheto Milhões em Solingen quando teve a seguinte experiência interessante: Apresentou-se a um senhor que encontrou, dizendo: “Estou-lhe trazendo as boas novas de que milhões que agora vivem jamais morrerão, mas viverão em paz e felicidade para sempre na terra. Este folheto prova isso e custa apenas dez pfennigs.” O cavalheiro rejeitou a oferta mas o garotinho que estava em pé ao seu lado disse: “Papai por que o Sr. não compra isso? Um caixão custa muito mais.”

ORGANIZAÇÃO EQUIPADA PARA NOVA ATIVIDADE

Os anos do após guerra, de 1919 a 1922, provaram ser anos de verdadeiro desenvolvimento e preparação para os irmãos na Alemanha.

A Sociedade, interessada em fortalecer a obra tanto interna como externamente, deu então os passos necessários para estabelecer a obra quanto à sua condição perante o governo. Os resultados foram que a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, formada em Allegheny, E. U. A., em 1884, foi reconhecida em 7 de dezembro de 1921 na Alemanha, como firma estrangeira legal.

A mensagem publicada em 1922 se concentrou principalmente em torno do tema “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão”. A Sociedade fixou o dia 26 de fevereiro de 1922 como dia para discursos em todo o mundo sobre “Milhões”. Na Alemanha, o discurso foi proferido naquele dia em 121 cidades diferentes e foi ouvido por cerca de 70.000 pessoas. Um segundo grande dia de testemunho mundial foi 25 de junho quando 119 discursos foram feitos na Alemanha, com a assistência de cerca de 31.000 pessoas. Dois outros “discursos mundiais” foram proferidos durante o ano, comparecendo, na Alemanha, 75.397 pessoas em 29 de outubro e 66.143 em 10 de dezembro. Assim, milhares de pessoas estavam sendo alcançadas pelas boas novas.

O IRMÃO RUTHERFORD VISITA DE NOVO A EUROPA

O irmão Rutherford empreendeu extensiva viagem pela Europa em 1922, tempo em que visitou Hamburgo, Berlim, Dresden, Stuttgart, Karlsruhe, Munique, Barmen, Colônia e Leipzig. Em Hamburgo, cerca de 500 irmãos se apresentaram para uma assembléia de um dia — excelente aumento desde sua visita apenas oito anos antes! Em Stuttgart, uma sala que podia acomodar apenas 1.200 estava disponível para o discurso público, centenas tiveram de ser mandadas embora junto à entrada. E, em Munique, o irmão Rutherford falou a 7.000 pessoas no superlotado “Zirkus Krone”. Antes de começar o discurso, tornou-se conhecido que um grupo de anti-semitas e também vários sacerdotes jesuítas se achavam presentes e que vieram com o intuito de perturbar e, se possível, interromper a assembléia. Afirmou o irmão Rutherford: “Tem-se declarado nesta cidade (Munique) e em outros lugares que a Associação dos Estudantes Internacionais da Bíblia é financiada pelos judeus.” Mal acabara de terminar essas palavras quando foram ouvidos gritos de “É verdade”, e assim por diante. Mas, o irmão Rutherford falou com convicção e ênfase, e logo calou as bocas dos que provocavam o tumulto, embora tentassem tomar a tribuna do orador, a fim de impedi-lo de terminar seu discurso.

O maior evento na Alemanha, durante 1922, foi o congresso em Leipzig, em 4 e 5 de junho. A Sociedade escolhera, a cidade de Leipzig como local apropriado para o congresso alemão. Os irmãos, a maioria dos quais morava na Saxônia eram bastante pobres e não conseguiriam financiar uma viagem longa. Assim, Leipzig era realmente o local mais apropriado.

Para a manhã de segunda-feira, planejou-se uma sessão de perguntas e respostas com o irmão Rutherford. Entre as perguntas, que haviam sido submetidas por escrito de antemão, havia uma de especial interesse. Tinha que ver com o “Völkerschlachtdenkmal” (“Monumento da Batalha das Nações”) em Leipzig, dedicado com cerimônias apropriadas em 1913, em comemoração da insurreição ocorrida perto de Leipzig, uns cem anos antes. A pergunta que tratava deste monumento era, em suma, como segue: “Será que Isaías 19:19 se refere a este monumento, quando diz: ‘Naquele dia virá a haver um altar a Jeová no meio da terra do Egito, e uma coluna a Jeová ao lado do seu termo’?”

Observemos aqui que, três anos antes — a saber, no congresso de Leipzig, realizado em 1919 — vários irmãos foram visitar este Monumento da Batalha das Nações em certa manhã. Nessa tarde, um discurso foi proferido pelo irmão Alfred Decker, um ‘ancião eletivo’ que mais tarde se tornou amargo opositor à verdade, tentando provar que este Monumento da Batalha das Nações era deveras a coluna mencionada em Isaías 19:19. O construtor do monumento, Thieme, do Conselho Privado, foi também convidado para esta ocasião festiva, e ele e seus arquitetos foram convidados a oferecer explicações apropriadas.

Antes de o irmão Rutherford responder a pergunta, foi visitar este tremendo projeto. Mais tarde, ao dirigir-se ao inteiro grupo reunido, não poupou palavras em declarar que Isaías 19:19 não se referia a este monumento. Fora erguido unicamente devido à ambição ardente dum homem que estava sob a influência do grande adversário. Não haveria razão para Jeová fazer erguer um monumento na terra no fim da era do evangelho. Toda parte do gigantesco monumento indicava sua origem como sendo do Diabo, de ser obra dele e de seus aliados e cúmplices, os demônios, que influenciaram os humanos a erguer este “monumento tolo”. O Kaiser alemão certa vez esperava poder dizer: “Foi ali que certa vez esteve Napoleão, que tentou conquistar o mundo, mas seu plano falhou por completo — e é aqui que o Kaiser alemão, que igualmente lançou-se à conquista do mundo, e cujo plano teve grande êxito, agora se ergue, razão pela qual o mundo inteiro deve curvar-se diante dele.”

“A HARPA DE DEUS”

Para preparar o caminho para a rápida distribuição do novo livro A Harpa de Deus, que então se tornara disponível em alemão, a Sociedade preparou e imprimiu cinco milhões de cópias dum panfleto intitulado “Por Quê?” Infelizmente, as gráficas que receberam a tarefa de imprimir A Harpa de Deus continuamente atrasavam sua programação, resultando em várias demoras na data de publicação. O preço do livro mencionado no panfleto da Sociedade não pôde ser mantido devido à inflação que rapidamente se agravava; e, no início de janeiro de 1923, o preço de 100 marcos teve de ser aumentado para 250, o equivalente a uns 100 gramas de margarina, embora, nessa época, o custo de impressão do Harpa já atingisse 350 marcos. O conteúdo do livro suscitou tremendo entusiasmo, não só entre os irmãos, mas também entre os amigos da verdade.

Em Langenchursdorf, que pertencia à congregação Waldenburgo, um irmão jovem chamado Erich Peters, bem talentoso em discursar, ficou tão entusiasmado com o conteúdo do livro e a sugestão de iniciar estudos com ele que pediu permissão a seu pai para convidar os amigos e vizinhos à casa dos seus pais uma vez por semana, em certa noite, para poder considerar com eles A Harpa de Deus. Esta noite de estudo veio, mais tarde, a ser freqüentada por tantas pessoas que eram necessárias cadeiras para cada cômodo no andar térreo. Este jovem irmão, falando com entusiasmo sobre o reino de Jeová e suas bênçãos, ficava no umbral da porta entre os cômodos, de modo que pudesse ser visto e ouvido por todos. Este exemplo foi rapidamente seguido por outras congregações e o chamado “estudo do Harpa” logo se tornou parte do programa normal.

A PRIMEIRA GRÁFICA

De abril de 1897 até dezembro de 1903, A Torre de Vigia (edição em alemão) tinha sido impressa em Allegheny (E. U. A.), e de janeiro de 1904 a 1.º de julho de 1923, em firmas mundanas da Alemanha. Por décadas, os livros e outras publicações da Sociedade foram impressos por firmas mundanas, a menos que enviados diretamente dos Estados Unidos. Com o tempo, a fim de reduzir as despesas, duas grandes prensas planas, junto com outro equipamento, foram montadas em Barmen, muito embora o espaço fosse extremamente limitado.

Visto que, de início, não havia quaisquer irmãos experientes em compor tipos ou em encadernar livros, o irmão Ungerer, experiente impressor de livros e tipógrafo de Berna, Suíça, foi enviado a Barmen para treinar os primeiros voluntários. Sua disposição de trabalhar e a determinação com que tentaram produzir excelentes impressos, apesar do humilde equipamento de que dispunham, foram surpreendentes.

Visto que todos os cômodos eram usados como quartos de dormir, e assim por diante, as prensas foram colocadas, no patamar da escada da casa de dois pavimentos, e num barracão de madeira de 20 metros por 8. O irmão Hermann Görtz ainda se recorda de imprimir 100.000 cópias adicionais do primeiro número da revista A Idade de Ouro (1.º de outubro de 1922). Tinham que alimentar duas vezes a máquina, folha por folha de papel, visto ser de operação manual. Visto que os irmãos dificilmente conseguiam satisfazer a demanda de matéria impressa, por quase um ano inteiro trabalhavam amiúde até quase a meia-noite.

COMO ALGUNS APRENDERAM A VERDADE

Circunstâncias estranhas foram às vezes responsáveis em fazer com que a atenção de alguém se voltasse para a verdade, tal como se deu no caso do irmão Eickelberg, que compareceu a uma exibição do Fotodrama. Falando da “reforma”, o orador declarou que ‘os protestantes pararam de protestar’, no que alguém da assistência bradou: “Nós ainda protestamos!” O orador pediu que as luzes fossem acesas, e todo o mundo se virou para ver quem era esta pessoa “corajosa”. Quem haveria de ser senão um clérigo protestante que se sentava entre dois clérigos católicos! A assistência ficou indignada e exigiu que o clérigo fosse expulso do salão. O irmão Eickelberg compreendeu que não se podia encontrar a verdade nos sistemas eclesiásticos.

Eugen Stark foi ver o Fotodrama em Stuttgart. O salão já estava lotado com 3.000 pessoas quando foi anunciado que o projetor tinha algum tipo de defeito e não podia ser consertado naquela noite. Todos foram convidados a voltar na noite seguinte. Eugen Stark foi embora, desapontado, indo então visitar sua mãe, que pertencia à Nova Igreja Apostólica. Ambos concluíram que os Estudantes da Bíblia não podiam ter a verdade, de outra forma tal coisa não teria acontecido. O irmão Stark decidiu não voltar na noite seguinte, mas, ao invés disso, ir visitar sua irmã. Seu bonde passou bem pelo salão em que o discurso seria dado, contudo, e ficou surpreso de ver que havia igualmente tantas pessoas que tentavam entrar no salão como na noite anterior. Sem pensar duas vezes, pulou do bonde, quase caindo debaixo de suas rodas. Mas, apesar dos ferimentos, levantou-se e foi ao salão. Ficou tão entusiasmado depois disso que obteve as ajudas bíblicas oferecidas e deixou seu endereço, a fim de ser visitado. Ninguém conseguiria impedi-lo de estudar a Bíblia agora.

Kurt Diessner ficou desgostoso com a religião devido a um hino que seu pregador lhe ensinou na escola, durante o ano de guerra de 1915. Falava sobre a destruição das nações inimigas, e dizia que os exércitos alemães as obrigariam a recuar para dentro de lagos, de pantanais, do Vesúvio e dos oceanos. Mais tarde, em 1917, os sinos da igreja foram retirados e fundidos para serem usados como grampos de granadas, e um jornal da igreja publicou uma foto de grande sino sendo abençoado por um clérigo com braços estendidos. Embaixo havia a seguinte legenda: “E agora ide e destruí em pedaços os corpos de nossos inimigos.” Kurt Diessner fizera agora sua decisão. Foi no início da década de 1920 que ele identificou e abraçou a verdadeira adoração de Jeová, e ainda consegue de tempos a tempos servir como pioneiro temporário.

TODO O CORAÇÃO NA OBRA DE EXPANSÃO

Alguns daqueles que há cinqüenta ou mais anos atrás ouviram e acataram a chamada de Jeová de servir ainda se acham entre nós e falam com veemência sobre sua atividade lá naquele tempo, quando ainda eram “jovens e fortes”. Pobres materialmente, eram ricos espiritualmente.

Minna Brandt, de Kiel, relata que costumava andar longas distâncias para pregar a mensagem do Reino e, quando não conseguia voltar no mesmo dia, passava a noite nos campos, dormindo num monte de feno. Mais tarde, pegava carona até as cidades mais setentrionais de Schleswig-Holstein, amiúde viajando de caminhão. Naqueles dias, os irmãos estavam equipados de grandes alto-falantes que usavam em proferir um discurso público no mercado ou em outro local apropriado, de tarde, depois de terem pregado no povoado pela manhã.

Ernst Wiesner (que mais tarde esteve na obra de circuito), e outros, costumavam viajar de bicicleta a uma distância de 90 a 100 quilômetros de Breslau para pregar. Os irmãos em Leipzig, onde Erich Frost e Richard Blümel serviam, eram muito engenhosos em suas tentativas de voltar a atenção do povo para a mensagem do Reino. Por certo tempo, utilizavam pequeno grupo musical, composto de irmãos, que costumava tocar enquanto marchava pelas ruas. Aqueles que os acompanhavam davam curto testemunho nas casas ao longo do caminho e então corriam para acompanhar o passo do grupo musical em marcha.

Em 1923, a atenção foi focalizada na pregação de tempo integral com a chamada urgente: “Procuramos mil pioneiros.” Isto criou uma comoção e tanto entre o povo de Deus, pois significava que uma em cada quatro pessoas dos 3.642 “trabalhadores” que então relatavam estava sendo convocada a ser pioneiro. A chamada não ficou sem resposta.

Willy Unglaube, por exemplo, compreendia que isso era para ele, de modo que começou a ser pioneiro, como ele disse “não apenas por um ou dois anos, mas enquanto Jeová puder usar-me nesta posição”. Trabalhou em várias partes da Alemanha, e, mais tarde, esteve em Betel de Magdeburgo por vários anos. Em 1932, respondeu à convocação de pioneiros nos campos estrangeiros. Foi enviado primeiro à França, daí à Argélia, Córsega, à França meridional, mais tarde de novo à Argélia, e então à Espanha. Dali, foi para Singapura, e então para a Malásia, indo depois para Java e, em 1937, à Tailândia, onde permaneceu até retornar à Alemanha, em 1961. Tinha 25 anos quando respondeu à chamada de pioneiros e agora, embora esteja perto dos 77, ainda se acha entre nossos mais dispostos e bem sucedidos pioneiros.

Em 1.º de fevereiro de 1931, Konrad Franke começou a servir como pioneiro. Começou em sua juventude a lembrar-se de seu Criador. Agora, membro da família de Betel, sente-se feliz de poder rememorar 42 anos de serviço ininterrupto de tempo integral, quatorze dos quais gastou como superintendente da filial na Alemanha.

SERVIÇO DE PEREGRINO

Os discursos encorajadores, proferidos pelos peregrinos durante os anos 20, por certo muito contribuíram para a edificação dos irmãos. O transporte naquele tempo era bem limitado e não era especialmente confortável. Visto que os irmãos peregrinos dispunham de muito território rural a cobrir, não era incomum que uma carroça de sítio, puxada a cavalo, fosse seu meio de transporte. Às vezes era inevitável palmilhar grandes distâncias.

Emil Hirschburger certa vez foi designado a proferir um discurso na Alemanha meridional. Viajava de trem e viu-se sentado no mesmo compartimento junto com seis homens cujas roupas os identificavam claramente como clérigos católicos. Estavam conversando sobre o discurso que o irmão Hirschburger iria dar, não sabendo, naturalmente, que o irmão Hirschburger se achava bem no meio deles. Parecia que haviam estado numa conferência religiosa e que o clérigo que morava na cidade onde seria proferido o discurso do irmão Hirschburger havia sido aconselhado a desafiá-lo a um debate público. Este clérigo estava interessado em receber conselhos de seus colegas quanto ao modo de apresentar sua argumentação, a fim de não ser derrotado por “este Estudante da Bíblia” no confronto público. Mas, evidentemente, nada do que seus colegas recomendavam o satisfazia. Saltaram um por um do trem, cada um desejando boa sorte aos outros. Quando o último estava prestes a saltar, o clérigo preocupado perguntou a seu colega que ia saltar, em tom confidencial, o que pensava do assunto, e se achava que seria sábio ir à reunião. A resposta veio logo e foi proferida em carregado dialeto schwabiano: “Bem, se acha que pode fazer-lhe frente, então vá.” O irmão Hirschburger não conseguiu vê-lo no discurso.

DRAMA DA CRIAÇÃO

No início dos anos 20, os filmes do Fotodrama estavam quase que gastos. No entanto, a Sociedade conseguiu comprar noticiários bem como filmes bíblicos, de várias companhias mundanas e, depois de revisá-los, quer por remover certas partes inapropriadas, quer por adicionar outras, conseguiu exibi-los. Desta forma, filmes inteiramente novos de entre 5.000 a 6.000 metros foram ajuntados. Em adição a isto, os “slides” que haviam sido exibidos também foram substituídos por novas gravuras tiradas quer do livro Criação quer de outros livros publicados pela Sociedade Torre de Vigia ou por “slides” conseguidos no mercado público. Não havia fotografia a cores naquele tempo, mas Wilhelm Schumann, do Betel de Magdeburgo, foi incansável em seus esforços de retocar com cores as fotos em preto e branco. As gravuras lindamente coloridas sempre causaram duradoura impressão nos espectadores e, visto que muitas das gravuras eram da maravilhosa criação de Jeová, o título do filme foi mudado para “Drama da Criação”. Sob este subtítulo, disse o Anuário de 1932 em alemão:

“Nada restou do anterior drama da criação exceto o nome e o uso de ‘slides’. O texto . . . é tirado do livro Criação e de outros, e o nome ‘Drama da Criação’ é semelhantemente do livro Criação.”

Em 1928, quando devia começar uma exibição em Stettin, Erich Frost, músico profissional e maestro duma orquestra mundana até aquele tempo, foi chamado a Stettin a fim de prover o acompanhamento musical para o filme que, naturalmente, era silencioso. Mais músicos logo aderiram ao grupo. Mais tarde, até mesmo usavam seus instrumentos para imitar o canto dos pássaros e o farfalhar das árvores. Numa exibição em Munique, no verão setentrional de 1930, Heinrich Lutterbach, excelente violinista, conheceu o conjunto musical e foi de imediato convidado a viajar junto com eles. Alegremente aceitou, destarte completando a orquestra, que era apreciada em toda a parte. Dois anos depois, a Sociedade forneceu ao irmão Frost outro conjunto de filmes e ‘slides’ e instruiu-o a ir para a Prússia Oriental. Depois disso, o irmão Lutterbach assumiu a batuta de condutor da pequena orquestra.

Uma exibição do filme foi planejada para Munique em 1930. O Drama da Criação já havia sido exibido ali com grande êxito, de modo que os líderes religiosos estavam naturalmente mui perturbados. Desesperados, instruíram a centenas de pessoas em suas congregações de Munique a que obtivessem entradas para o drama nos guichês publicamente anunciados, mas então não comparecessem. O resultado seria um salão vazio. Os irmãos descobriram isso com suficiente antecedência, contudo, de modo que puderam planejar contramedidas. Aconteceu que todas as suas ações se voltaram contra os próprios desordeiros.

A SOCIEDADE SE MUDA

Os irmãos encarregados logo começaram a compreender que o equipamento da gráfica, disponível em Barmen, era insuficiente. Evidentemente orientados pelo espírito de Jeová, sua atenção se voltou para Magdeburgo, onde uma propriedade se tornou disponível para compra imediata. Embora obrigada a decidir rapidamente, a Sociedade comprou a propriedade ali, na Rua Leipzig. A transferência oficial de Barmen para Magdeburgo ocorreu em 19 de junho de 1923. Subitamente, tropas francesas ocuparam as áreas do Reno e do Ruhr, inclusive Barmen e Elberfeld. Isto significava, naturalmente, que o correio, a ferroviária e o banco alemão também foram tomados, o que teria tornado muito difícil cuidar dos interesses das congregações, tendo-se por base Barmen. O relatório anual de 1923 declarava a respeito deste evento: “A sede de Brooklyn recebeu o aviso, certa manhã de que a filial alemã se mudara em segurança para Magdeburgo. Logo na manhã seguinte, os jornais noticiavam que os franceses ocuparam Barmen. Agradecemos a nosso precioso Senhor a Sua proteção e bênção.”

Era então possível imprimir A Torre de Vigia em nossa própria gráfica. O primeiro número impresso foi o de 15 de julho de 1923. Cerca de três ou quatro semanas depois, grande prensa plana de alimentação automática foi montada e começou-se a imprimir o primeiro volume dos Estudos das Escrituras. Logo depois, o livro A Harpa de Deus foi impressa na mesma prensa.

Mais equipamento, porém, fazia-se necessário. Por esse motivo, o irmão Balzereit solicitou a permissão do irmão Rutherford para a compra duma rotativa. O irmão Rutherford viu a necessidade e concordou, mas com uma condição. Notara que, com o decorrer dos anos o irmão Balzereit deixara crescer uma barba bem similar à do irmão Russell. Seu exemplo logo foi seguido, pois havia outros que também queriam se parecer com o irmão Russell. Isto poderia dar origem a uma tendência para a adoração de criaturas e o irmão Rutherford desejava impedir tal coisa. Assim, em sua seguinte visita, aos ouvidos de todos da família da Casa da Bíblia, disse ao irmão Balzereit que ele poderia comprar a rotativa, mas apenas com a condição de que raspasse a barba. O irmão Balzereit concordou com tristeza e, depois foi ao barbeiro. Nos próximos dias houve vários casos de confusão de identidades, e algumas situações engraçadas, porque o “estranho” às vezes não era reconhecido por seus colegas de trabalho.

Um ano depois, tornou-se possível montar a primeira parte da prensa no andar térreo, e a segunda parte foi entregue pouco depois. Podia-se então falar duma oficina gráfica e duma encadernadora de livros bem equipada capaz de produzir livros de 400 páginas no ritmo de 6.000 exemplares por dia.

Houve grande aumento na distribuição de publicações em 1923 e 1924. Para satisfazer a demanda, em 1925 a Sociedade comprou propriedades adjacentes ao primeiro prédio. O equipamento de gráfica, bem como o da oficina de encadernação foi ampliado e aprimorado. Construiu-se sólido prédio de cimento armado no terreno recém-adquirido para alojar a oficina de encadernação e as prensas planas, havendo espaço para duas rotativas no andar térreo, ficando o departamento de composição, bem como os outros departamentos preparatórios, no segundo pavimento, e o escritório no terceiro andar. Apesar disso, foi necessário muito trabalho extra pois continuou a aumentar a distribuição de publicações. Em 1928 obteve-se uma segunda rotativa, mas, a necessidade era tão grande que os irmãos operavam as máquinas em dois turnos de doze horas cada um, mesmo aos domingos. Isto significava que as máquinas funcionavam dia e noite sem parar, por vários anos. Na oficina de encadernação dava-se o mesmo, naturalmente, visto que os irmãos tinham de acabar o serviço depois de as publicações terem sido impressas. Desta forma, conseguiam produzir 10.000 livros por dia.

Também se tornou possível então construir um majestoso salão de assembléia no terreno recém-adquirido. Foi decorado com bom gosto e acomodava cerca de 800 pessoas sentadas. Os irmãos o chamaram de “Salão da Harpa”, sem dúvida por apreço ao livro A Harpa de Deus.

Os da família da Casa da Bíblia que conseguiam sair aos domingos viajavam com grande caminhão, que comportava, a título precário, assentos para cinqüenta e quatro pessoas ou iam de ônibus, trem, automóvel ou bicicleta para o território em Magdeburgo ou ao redor, a fim de participar na obra de pregação. Trabalhavam num raio de várias centenas de quilômetros e conseguiram lançar o alicerce para muitas congregações.

Com o tempo, o número de trabalhadores na Casa da Bíblia subiu para mais de 200.

O CONGRESSO DE 1924 EM MAGDEBURGO

O maior evento de 1924 foi o congresso de Magdeburgo, a que compareceu o irmão Rutherford. Aproximadamente 4.000 irmãos e irmãs de toda a Alemanha vieram, alguns de bicicletas. A maioria não conseguira trazer nada exceto inadequada lancheira, pois a nação toda estava sem recursos. Muitos não dispunham de fundos para financiar a viagem e milhares tiveram de ficar em casa. Os que viajaram de bicicleta tiveram de enfrentar uma viagem de vários dias. Também dispunham apenas de parcos recursos para alimentação e hospedagem. Muitos trouxeram alimento que consistia unicamente de pão seco. Quando, durante os discursos, a fome apertava demais, os irmãos tiravam um pedaço de pão seco e davam uma dentada nele. O irmão Rutherford ficou tão comovido com isso que imediatamente fez arranjos para se fornecer a cada uma das aproximadamente 4.000 pessoas presentes no dia seguinte um par de salsichas quentes, dois pãezinhos e uma garrafa de água mineral, gratuitamente. Podemos facilmente imaginar a alegria dos presentes quando, de súbito, grandes caldeirões cheios de salsichas surgiram em ambas as pontas do auditório em que se realizava a assembléia. Os irmãos entraram em fila para serem servidos. Revigorados pela refeição que tomaram juntos, voltaram a seus lugares no auditório sentindo-se como que convidados em um banquete.

Em seu discurso de boas-vindas da assembléia, o irmão Rutherford pediu que todos aqueles que já haviam feito sua dedicação e a simbolizaram pelo batismo em água levantassem as mãos. Ao ver o grande número, acrescentou: “Há cinco anos atrás, não havia tantos assim em toda a Europa.”

Mais tarde, no discurso público, ocorreu no salão principal um incidente infeliz. Devido ao descuido de alguém, pequena lâmpada de emergência caiu ao chão, no que uma pessoa ainda mais descuidada gritou “fogo”, destarte provocando o pânico em alguns. Visto que tudo isso se deu na parte de trás do salão, ninguém no palco sabia exatamente o que estava acontecendo, e, de início, os irmãos supuseram que perturbadores tentavam acabar com a reunião. Quando o distúrbio não diminuiu, o irmão Rutherford fez um sinal para a orquestra, para que começasse a tocar. Ela atacou o cântico “Adoro o Poder do Amor”, e eis que as milhares de pessoas no salão começaram a cantar. As ondas de histeria logo passaram e o irmão Rutherford conseguiu continuar seu discurso sem outras interrupções.

“DENUNCIADOS OS ECLESIÁSTICOS”

Era este o título duma resolução preparada em 1924 para distribuição mundial. Os irmãos na Alemanha participaram nisso, em especial na primavera setentrional de 1925. Era uma resolução de extrema importância, expondo impiedosamente o clero, resultando numa reação similar a se mexer numa casa de marimbondos. Em especial, na Baviera, o clero começou a atacar nossos irmãos e a impedir que fizessem seu trabalho. O primeiro presidente alemão da República de Weimar acabara de morrer e nova eleição estava programada. Os políticos diziam ‘Nenhum católico ousará ser presidente’, de modo que a Baviera católica respondia a isto por considerar com a máxima desconfiança todas as publicações inamistosas para com Roma. Não só na Baviera, mas também em outras partes da Alemanha, o clero reagia a isso com todos os meios disponíveis.

A vida do irmão Balzereit se achava ameaçada. Uma carta anônima, que lhe foi enviada, rezava em parte:

“Seu Diabo em Pele de Ovelha!

“As acusações que faz contra o clero serão a sua queda! Antes que se dê conta, o mundo o verá pela última vez, e sua morte atemorizará seus seguidores, restringindo-os. . . . Já foi julgado!

“Exigimos o seguinte nas próximas três semanas: Retirada pública de sua publicação ‘Denunciados os Eclesiásticos’. Se isto não for feito será candidato à morte.

“Não se trata de vã ameaça . . .”

Mas, isto não era motivo tampouco para transigência. Pelo contrário, o pequeno porém corajoso exército do restante ungido tomou contramedidas. Um tratado intitulado “Verdadeiras ou Falsas?” foi distribuído, informando ao público destas ameaças. Fez-se a pergunta se as acusações contidas no panfleto “Denunciados os Eclesiásticos” eram “Verdadeiras ou Falsas”. Foram então apresentadas declarações feitas por clérigos e trechos de revistas religiosas.

Em desespero de causa, um clérigo em Pommern apresentou denúncia à promotoria pública contra a Sociedade Torre de Vigia e seus diretores. Realizou-se um julgamento então em Magdeburgo. Mas, o promotor público cometeu o erro de ler a inteira resolução durante o julgamento, destarte refutando sua própria afirmação de que a resolução era contra o consistório de Stettin. Todos no tribunal reconheceram que a resolução denunciava, não só o consistório de Stettin, mas o clero através do mundo. O tribunal, observando isso, inocentou o irmão Balzereit, mas sentiu-se obrigado a aconselhá-lo a evitar a publicação de tais contundentes ataques no futuro.

INFLAÇÃO

Os publicadores já haviam sido aconselhados, em agosto de 1921, a ser parcimoniosos na distribuição do tratado Mensário dos Estudantes da Bíblia, em vista do alto custo de impressão envolvido. Não se deviam distribuir exemplares indiscriminadamente, mas só deviam ser dados aos que mostrassem genuíno interesse.

No início de 1922, a Sociedade se viu obrigada a anunciar que o preço duma assinatura anual de A Torre de Vigia, naquele tempo ainda impressa apenas mensalmente, seria fixado em 16 marcos. Um mês depois, foi necessário aumentá-lo para 20 marcos e, em julho do mesmo ano, para 30 marcos. A inflação galopava, porém, a tamanho passo, nos meses seguintes, que, em outubro, a Sociedade se viu obrigada a anunciar que, no futuro, as assinaturas só seriam aceitas à base dum período de três meses. O preço para os três meses, no ínterim subira para 70 marcos. Para os primeiros três meses de 1923, os irmãos tiveram de pagar 200 marcos, e, para o segundo período de três meses, 750 marcos. Em 15 de junho, uma assinatura anual custava 3.000 marcos, e, um mês depois, custava 40.000 marcos. Em 1.º de agosto, a Sociedade se viu obrigada a parar por completo o serviço de assinaturas, os exemplares avulsos estando disponíveis apenas contra pagamento imediato. Mas, por volta de 1.º de setembro, um exemplar avulso já custava 40.000 marcos. Um mês depois, um exemplar avulso custava 1.660.000 marcos e, em 25 de outubro, a inflação atingira tamanhas alturas que um exemplar avulso custava dois e meio bilhões de marcos. O dinheiro não tinha mais nenhum valor.

Esta breve consideração dos anos críticos de inflação talvez mostre sob que condições difíceis a obra do Senhor teve de ser feita naquele tempo. Com efeito, nos últimos três meses de 1923, a distribuição das publicações da Sociedade quase que chegou a uma paralisação total. Só foi possível continuar com a ajuda de Jeová.

‘ANCIÃOS ELETIVOS’

O arranjo democrático para se eleger anciãos era algo que poderia ter sido suficiente para retardar o progresso à frente da obra na década de 1920. Havia uma variedade de opiniões quanto a como tais eleições deveriam ser feitas. Alguns exigiam que os candidatos pudessem responder corretamente a pelo menos 85 por cento das perguntas V. D. M. (V. D. M. significa Verbi Dei Minister, ou Ministro da Palavra de Deus.) Este era o caso em Dresden, por exemplo. Mas, os irmãos em Halle tiveram uma experiência que nos mostra a que espécie de dificuldades levavam tais exigências arbitrárias. Havia irmãos na congregação cuja atitude para com a obra não era boa, mas que, por outro lado, desejavam ser líderes na congregação. Quando se lhes disse por fim que não haviam sequer respondido às perguntas V. D. M., razão pela qual não eram elegíveis para as posições de liderança na congregação, imediatamente corrigiram este aparente descuido. Quando, depois disso, ainda não conseguiram obter a posição pela qual se empenhavam, irrompeu uma rebelião, resultando na divisão da congregação, apenas de 200 a 250 publicadores restando dos 400 originais.

Em algumas congregações, amiúde havia severas controvérsias na época de eleições. Em Barmen, para exemplificar, em 1927, quando se devia fazer uma votação sobre certos candidatos, por se erguer as mãos. Uma testemunha relata que não demorou muito até que todos gritavam, ao mesmo tempo, e os irmãos se viram obrigados a mudar a votação para o voto secreto, que, a propósito, era o método usado em muitas congregações. Em Kiel, foi até mesmo necessário fazer uma eleição de anciãos sob proteção policial.

Tais coisas ocorreram porque alguns candidatos não eram cristãos maduros. Com efeito, alguns dentre eles se opunham quer direta quer indiretamente à obra do Reino.

Por exemplo, quando a Sociedade incentivou o estudo congregacional regular de A Torre de Vigia, foram especialmente alguns dos ‘anciãos eletivos’ que se opuseram a tal sugestão, e causaram divisões em inúmeras congregações. O diretor em Remscheid declarou que, no futuro, apenas aqueles que saíssem no serviço de campo nas manhãs de domingo seriam usados para dirigir o estudo da Torre de Vigia, no que um dos ‘anciãos eletivos’ pegou uma cadeira e, depois de ameaçar o diretor com ela, abandonou a congregação, levando quarenta pessoas com ele. Algo similar aconteceu em Kiel, onde, apesar dos esforços da Casa da Bíblia, 50 dos 200 irmãos e irmãs na congregação a abandonaram.

Rememorando, podemos certamente afirmar que a segunda metade da década de 1920 foi um tempo de peneiramento aqui na Alemanha. Alguns que nos acompanhavam até esse tempo se tornaram inimigos declarados do Reino. Sua saída certamente não constituiu nenhuma perda para a organização de Deus, porque a década de 1930 resultou ser um verdadeiro tempo de prova para os que permaneceram fiéis!

PROBLEMAS LEGAIS

De 1924 a 1926, a Secretaria da Fazenda do Estado considerava a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados como sendo de natureza estritamente caritativa e não exigira nenhum imposto sobre os recibos de colocações de publicações, mas esta isenção foi cortada em 1928. Um julgamento que resultou em boa dose de publicidade foi o resultado disso visto que a Sociedade se certificou de que o público fosse informado, por meio de A Torre de Vigia e A Idade de Ouro, desse ataque instigado pelos líderes dos dois maiores sistemas eclesiásticos. Que este ataque viera das igrejas foi, mais tarde, abertamente admitido por elas, com a explicação de que visava ‘impedir os Estudantes da Bíblia em sua distribuição de informações bíblicas’. Os irmãos instaram com todas as pessoas de disposição justa que assinassem a petição contra essa ação injusta. É compreensível que o tribunal ficasse profundamente impressionado quando uma petição com nada menos de 1.200.000 assinaturas foi apresentada. Os tribunais mais tarde decidiram em nosso favor.

Outro meio pelo qual os líderes religiosos tentaram frear o tremendo progresso da obra foi tentar fazer que os publicadores conflitassem com as leis do país. Já em 1922 surgiram os primeiros casos de “vendas ambulantes ilegais e a recusa de pagar as taxas de vendas ambulantes”. Em 1923 houve outros casos legais, e, mais uma vez, a acusação era de “violação das leis das vendas ambulantes”. Foram impostas severas sentenças. Em 1927, 1.169 irmãos foram presos e julgados por “violação das leis das vendas ambulantes” e “efetuarem vendas ambulantes sem licença”. Em 1928, houve 1.660 julgamentos, e, em 1929, houve 1.694. Mas, o clero continuou procurando uma lei que pudesse ser usada qual arma para silenciar os Estudantes da Bíblia. Por fim pensaram ter encontrado o que procuravam. O Saarbrücker Landes Zeitung, de 16 de dezembro de 1929, referia-se a isto:

“Infelizmente, a polícia tem sido impotente em fazer algo quanto à obra dos Estudantes da Bíblia. As prisões feitas até agora . . . terminaram todas em inocentar os réus . . . Agora, contudo, o Tribunal de Justiça em Berlim, num caso similar, manteve a sentença, estabelecendo o princípio de que oferecer publicações religiosas de casa em casa e nas ruas está sujeito às ordenanças policiais com respeito a se guardar o descanso sabático nos domingos e feriados em casos em que esteja envolvido o esforço físico, assim colocando isto sob a jurisdição do trabalho, e onde o público observa a tal.

“Felizmente, vários tribunais no território do Saar conseguiram sentenciar os réus, em casos similares, desde que tomaram conhecimento desta decisão. Isto oferece uma oportunidade agora de por fim à obra dos Estudantes da Bíblia.”

AÇÃO NA BAVIERA

Tentativas de fazer isto ocorreram em toda a Alemanha, mas a Baviera teve posição de destaque, sendo feitas mais prisões ali do que em qualquer outro lugar. Por algum tempo, as leis locais até mesmo tiveram êxito em proscrever por breve tempo a obra. Em 1929, a Sociedade decidiu fazer um combinado “ataque de um só dia” à região ao sul de Regensburgo por enviar cerca de 1.200 publicadores para pregarem em um único domingo. Foram feitos arranjos com a ferrovia para dois trens especiais, um que partiria de Berlim e apanharia os irmãos de Leipzig, e um segundo que partiria de Dresden, para apanhar os irmãos de Chemnitz e de outras cidades da Saxônia. Cada passageiro pagaria uma passagem de uns 25 marcos, que, naquele tempo, era uma boa soma. Mas, os irmãos estavam mais do que dispostos a fazer este sacrifício. Apenas desejavam certificar-se de que poderiam tomar parte nesta atividade, pois o inimigo não dormia.

Enquanto eram feitos arranjos para esta campanha, os irmãos ficaram convictos de que o clero faria uso de sua influência a fim de a impedir, caso soubessem dela de antemão. Por esse motivo, os irmãos fizeram tudo que puderam para mantê-la em segredo. Apesar disto, não conseguiram impedir que o clero descobrisse tudo, de uma forma ou de outra, cerca de uma semana antes. Subitamente, a ferrovia não se dispôs a nos conceder os dois trens especiais. De imediato, todas as congregações envolvidas receberam instruções de fretar ônibus. O clero ouviu falar nisso também, e fez arranjos para que todas as estradas que saíam da Saxônia fossem fortemente policiadas no fim-de-semana seguinte. Tais autoridades policiais saberiam encontrar algum motivo para parar todos os carros cheios de Estudantes da Bíblia, detendo-os tanto que teriam de voltar para casa sem cumprir sua missão.

No ínterim, a ferrovia ouvira falar de nossos arranjos de ônibus e, decidindo que perdia grandes negócios, concordou no último minuto em permitir que os dois trens especiais partissem, afinal das contas. Os irmãos cancelaram de imediato os ônibus. Esta última alteração dos planos, apenas dois dias antes da hora da partida, não foi descoberta pelo clero. Assim, enquanto vigiavam, em plena força, todas as rodovias, os dois trens especiais se juntaram em Reichenbach (Vogtland) e entraram na vizinhança de Regensburgo como um único trem especial por volta das 2 da madrugada. Dali em diante, o trem parou em cada estação ferroviária para deixar que alguns irmãos saltassem, alguns dos quais trouxeram suas bicicletas de modo a poderem ir até a zona rural e trabalhar ali também.

Tremendo testemunho foi dado naquele dia, pois a cada pessoa se fornecera, não só publicações suficientes para colocar à base duma contribuição, mas também uma abundância delas para distribuir gratuitamente. Os irmãos decidiram tentar deixar algo em cada casa. Vários irmãos foram presos e não conseguiram voltar com o trem especial, mas os que tiveram o privilégio de participar nesta campanha nunca se cansavam de mencioná-la depois disso. Certamente não estamos errados em supor que nossos adversários também se lembraram deste fim-de-semana por muito tempo.

INSOLVÊNCIA DO BANCO

No meio do crescente desemprego e da instabilidade econômica, faliu o banco, em que a maioria dos fundos para a obra na Alemanha e na Europa Central estavam depositados. Somente a filial alemã sofreu uma perda de 375.000 marcos.

A Sociedade se viu obrigada a avisar as congregações de que o congresso planejado para o verão de 1930 em Berlim teria de ser cancelado. Em sua carta, mencionou-se também possível “interrupção da produção”. Mas, este anúncio era como um alarma. Muito embora a situação financeira dos irmãos fosse muito ruim, pois muitos deles estavam desempregados, todavia, a fim de assegurar ininterrupto fluxo de publicações, mostraram-se imediatamente dispostos a contribuir o dinheiro que já haviam economizado para o congresso de Berlim, bem como qualquer outra soma que puderam levantar com seus limitados recursos financeiros. Com efeito, muitos sacrificaram suas alianças de casamento e outras jóias.

Em resultado, não sofreram solução de continuidade os planos para a expansão da obra feitos antes do problema bancário, não, nem foram sequer adiados. Na primavera setentrional de 1930, comprou-se outra propriedade vizinha de nossa antiga propriedade. Os velhos prédios que se erguiam na propriedade recém-adquirida foram derrubados e tanto quanto possível, usou-se o material para que os irmãos construíssem novo prédio amplo de Betel, com 72 cômodos alojando duas pessoas cada um, e ampla sala de jantar.

MAIS PROCESSOS

Durante 1930, outros 434 processos foram iniciados. Isso significava que, junto com os processos já pendentes, havia então 1.522 processos que iriam aos tribunais para julgamento.

Mas, nossos inimigos religiosos passavam momentos difíceis tentando rotular-nos de violadores da lei em 1930, por causa de uma circular enviada a todas as autoridades policiais pelo Ministério do Interior, datada de 19 de abril, que continha a seguinte sentença: “A associação, na atualidade, persegue unicamente objetivos religiosos e não é politicamente ativa . . . no futuro, a introdução de processos criminais, em especial com respeito a violações das leis do Reich, que regem as Vendas Ambulantes, deve ser evitada.”

CONGRESSOS EM PARIS E BERLIM

Em 1931, o irmão Rutherford mais uma vez planejou uma viagem à Europa. Realizar-se-ia um congresso em Paris, de 23 a 26 de maio, e um em Berlim, de 30 de maio a 1.º de junho. Devido à difícil situação econômica na Alemanha, o irmão Rutherford sugeriu que fossem feitos arranjos para se convidar os irmãos da Alemanha meridional e da Renânia a Paris, visto que seria mais barato para eles ir para lá do que viajar até Berlim. Trens especiais foram organizados partindo de Colônia, Basiléia e Estrasburgo. Os irmãos apreciaram muitíssimo isto, e, os resultados foram que, das cerca de 3.000 pessoas reunidas em Paris, 1.450 eram da Alemanha.

O congresso em Berlim foi realizado no Palácio dos Esportes. Não se esperava grande assistência, em primeiro lugar, por causa da crise econômica e, em segundo lugar, devido a que quase 1.500 pessoas foram para Paris. Assim, que alegria foi ver quase 10.000 pessoas presentes, um número bem inesperado!

O irmão Rutherford, que aproveitava toda oportunidade para se livrar dos costumes das religiões mundanas entre os irmãos, já provocara pequena revolução num congresso anterior com suas roupas. Notara que os irmãos na Europa — e isto incluía a Alemanha — apreciavam especialmente usar roupas pretas nas assembléias. Os homens não só usavam ternos pretos — nos enterros até cartolas — mas também usavam gravatas pretas, assim como era o costume nas organizações da religião falsa. Esta observação levou o irmão Rutherford a comprar um terno de cor extremamente clara e uma gravata vermelha escura para usar com o terno. Depois de ele ter vindo à Alemanha assim trajado, muitos começaram a livrar-se de suas roupas pretas.

Agora, na assembléia de Berlim, ele chamou a atenção para as muitas fotos suas e do irmão Russell que eram vendidas em forma de cartões-postais ou fotos, algumas das quais tinham até molduras. Depois de encontrar tais fotos em numerosas mesas nos corredores em torno do salão, mencionou-as em seu discurso seguinte, instando com todos na assistência a não comprá-las, e pedindo aos servos encarregados, em palavras bem claras, que tirassem as fotos das molduras e as destruíssem, o que foi então feito. Desejava evitar qualquer coisa que pudesse levar à adoração de criaturas. Em relação com o congresso de Berlim, o irmão Rutherford naturalmente visitou a filial em Magdeburgo. Como as visitas anteriores, esta resultou ser como uma brisa refrescante, libertadora. Pouco antes da visita do irmão Rutherford, fotos dele e do irmão Russell haviam sido penduradas em todas as dependências. Então, todas elas eram removidas, assim que o irmão Rutherford as descobria.

O irmão Rutherford não deixou de ver várias outras coisas tampouco, com o decorrer dos anos. Não só ele, mas grande número dos em Betel haviam reconhecido o perigo que corria o irmão Balzereit. É um fato inegável que ele era bom organizador e que a obra na Alemanha fizera bom progresso sob sua direção. Seu grande erro, contudo, estava em atribuir o enorme crescimento mais à sua própria habilidade pessoal do que ao espírito de Jeová. Em certa refeição à mesa de Betel, Balzereit solicitou à família de Betel que não se dirigisse mais a ele como “irmão” na presença das pessoas mundanas. Em tais casos, deviam dirigir-se a ele como “Sr. Diretor”, e ele até mesmo mandou colocar uma placa em seu escritório, dizendo “diretor”.

Durante esse tempo, a integridade de Balzereit a Jeová foi ameaçada de outra direção. Evidente era que sempre tivera medo de sofrer perseguição. Como o líder responsável do escritório alemão, fora processado devido à distribuição da resolução “Denunciados os Eclesiásticos”. É verdade que foi inocentado, mas quando o juiz instou com ele a que evitasse fazer tais declarações fortes em nossas publicações no futuro, evidentemente estava determinado a seguir estes conselhos, pois, quando expressões e declarações na Torre de Vigia ou em outras publicações enviadas de Brooklyn pareciam ser fortes demais para ele, ele as “amainava”.

Os desejos materialistas também começaram a crescer. Balzereit apreciava escrever poesias e vê-las publicadas na revista A Idade de Ouro sob o pseudônimo de Paul Gerhard, e agora tinha escrito um livro e o mandara publicar em Leipzig. Este livro fora então adicionado à lista de publicações a serem distribuídas pelas congregações que, sem saber das verdadeiras circunstâncias, o pediam, destarte trazendo consideráveis lucros ao irmão Balzereit. Ele também mandou construir uma quadra de tênis em Betel, certa vez, não tanto para o benefício de toda a família, como para seu próprio uso.

Numa tentativa de terminar o novo prédio em tempo para as cerimônias de dedicação, durante a visita do irmão Rutherford, o irmão Balzereit aumentara o número de trabalhadores em Betel de 165, no fim de dezembro de 1930, para 230 pessoas, mas ele não fora honesto quanto a isso. Temendo que o irmão Rutherford não aprovasse o número de trabalhadores, Balzereit fez arranjos para que cinqüenta irmãos fossem enviados numa “viagem de pregação”, para não serem vistos. Ao voltarem, perguntou-se-lhes se preferiam voltar para casa ou fazer o serviço de pioneiro. Vários irmãos compreendendo que era a obra de Jeová que estava envolvida e não uma questão de personalidades humanas, aproveitaram essa oportunidade a fim de começarem a ser pioneiros, ao passo que outros foram embora amargurados.

AUMENTA A PERSEGUIÇÃO

Em 1931, foram de novo as autoridades na Baviera que assumiram a liderança na luta contra o povo de Deus. Por aplicarem mal a lei de emergência de 28 de março de 1931, que tratava dos distúrbios políticos, subitamente viram aberta a oportunidade de proscrever as publicações dos Estudantes da Bíblia. Em Munique, em 14 de novembro de 1931 nossos livros foram confiscados. Quatro dias mais tarde, as autoridades policiais de Munique fizeram uma declaração, aplicável a toda a Baviera, proscrevendo todas as publicações produzidas pelos Estudantes da Bíblia.

Naturalmente os irmãos tomaram medidas imediatas para recorrer da decisão. Em fevereiro de 1932, o governo da Alta Baviera manteve tal proscrição. De imediato recorreu-se desta decisão perante o Ministério do Interior da Baviera que rejeitou o recurso em 12 de março de 1932, como “não tendo fundamento”.

Em harmonia com essa decisão legal, o chefe de polícia de Magdeburgo veio em nossa defesa, em 14 de setembro de 1932, dizendo: “Comprovamos, por meio desta, que a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia se acha unicamente envolvida em assuntos bíblicos e religiosos. Não tem estado politicamente ativa até essa época. Não se têm visto quaisquer tendências que indiquem inimizade contra o estado.”

Mas, as dificuldades continuaram a assomar de mês em mês, mesmo em outros estados germânicos. Paul Köcher viera a Simmern, junto com seis pioneiros especiais, a fim de exibir ali o abreviado Fotodrama, em duas noites. Viu-se obrigado a interromper a exibição, contudo, pois, quando se mostrava Davi com sua harpa e se citava um dos seus salmos, o salão inteiro ficou agitado. Descobriu-se logo que quase todos os presentes pertenciam às SA, as tropas de assalto de Hitler.

Experiências similares ocorreram no Saar. Em dezembro de 1931, fez-se um apelo ao governo para que instruísse as autoridades policiais ali para não impedirem a obra. Enviou-se tal instrução, mas a mesma enraiveceu tanto o clero que a cada semana se davam avisos do púlpito contra os Estudantes da Bíblia. As hostilidades aumentavam continuamente, e, no fim de 1932, nada menos de 2.335 processos legais estavam pendentes. Apesar disso, 1932 resultou ser o melhor ano até então no que dizia respeito à produção de publicações.

Em 30 de janeiro de 1933, Hitler assumiu a posição de chanceler do Reich. Em 4 de fevereiro, expediu um decreto que permitia que a polícia confiscasse publicações ‘que pusessem em perigo a ordem e a segurança públicas’. Tal decreto também restringira as liberdades de reunião e de imprensa.

PERÍODO DE TESTEMUNHO DE AÇÃO DE GRAÇAS DO RESTANTE

A Comemoração da morte de Cristo caiu em 9 de abril daquele ano e, relacionado com a mesma, foi planejado para 8 a 16 de abril o “Período de Testemunho de Ação de Graças do Restante”. Devia ser dado um testemunho mundial, usando-se o folheto Crise.

Os irmãos na Alemanha não conseguiram, contudo, terminar em paz o período de testemunho de oito dias. A campanha com o folheto Crise levou a uma proscrição na Baviera, em 13 de abril. Esta foi seguida pelas proscrições na Saxônia, em 18 de abril; na Turíngia, em 26 de abril; e em Baden, em 15 de maio. Outros estados alemães se seguiram. O irmão Franke, que era pioneiro naquela época em Mainz relata que a congregação de mais de 60 publicadores ali dispunha de 10.000 folhetos para distribuir. Os irmãos compreenderam que tinham de agir rápido a fim de distribuí-los. Organizaram seu tempo de tal modo que 6.000 dos folhetos já haviam sido distribuídos nos primeiros três dias da campanha. Mas, no quarto dia, vários irmãos foram detidos e suas casas sofreram buscas. A polícia só conseguiu encontrar alguns exemplares dos folhetos, contudo, visto que os irmãos haviam previsto tal ação e ocultaram os outros 4.000 folhetos num lugar seguro.

Todos os irmãos detidos foram soltos no mesmo dia. De imediato, organizaram uma campanha em que os 4.000 folhetos seriam distribuídos entre todos os irmãos na congregação que pudessem participar dela. Nessa noite, rodaram em suas bicicletas até Bad Kreuznach, cidade a cerca de 40 quilômetros, onde distribuíram os restantes folhetos entre o povo, dando alguns deles de graça. O dia seguinte trouxe provas de que esta ação era correta, pois, no ínterim, a Gestapo dera busca nas casas de todas as pessoas conhecidas como sendo Estudantes da Bíblia. Mas, todos os 10.000 folhetos haviam sido distribuídos.

Em Magdeburgo, as autoridades governamentais notificaram o escritório de que a gravura no frontispício (um guerreiro que brandia uma espada da qual gotejava sangue) era inaceitável e exigiram que fosse removida. O irmão Balzereit, que repetidas vezes mostrara sua disposição de transigir, deu instruções imediatas para se remover as capas coloridas do folheto.

Foi uma semana de testemunho cheia de expectativas. O inimigo revelava diariamente, de forma cada vez mais clara, sua determinação de nos golpear com implacável força. Assim aconteceu que foi igualmente tanto mais encorajador quando se compilou o relatório e verificou-se que 24.843 pessoas compareceram à Comemoração da morte de Cristo, em comparação com as 14.453 no ano anterior. O número de publicadores ativos no período de testemunho foi, igualmente uma causa para regozijo: 19.268, em contraste com os 12.484 durante a campanha do folheto Reino, um ano antes. Nos oito dias de campanha, foram distribuídos 2.259.983 folhetos Crise.

A GESTAPO DÁ BUSCA NO LAR DE BETEL

Os nazistas esperavam encontrar alguma espécie de material que nos ligasse ao comunismo quando ocuparam o escritório e a gráfica da Sociedade em 24 de abril. Nesse caso, poderiam aplicar uma nova lei e confiscar a inteira propriedade e a entregar ao Estado, algo que já haviam feito com os prédios que pertenciam aos comunistas. Depois de darem busca no prédio, a polícia telefonou às autoridades do governo certa noite, dizendo que não haviam achado nada incriminatório. A ordem foi: “Vocês têm de achar algo!” Mas, falhou sua tentativa de assim fazer, e a propriedade teve de ser devolvida aos irmãos em 29 de abril. O escritório de Brooklyn protestara contra a desapropriado ilegal da propriedade (possuída por uma corporação estadunidense) junto ao governo estadunidense naquele mesmo dia.

CONGRESSO DE BERLIM EM 25 DE JUNHO DE 1933

No verão de 1933, a obra das testemunhas de Jeová já havia sido proscrita na maioria dos estados alemães. As casas dos irmãos sofriam buscas regulares e muitos irmãos tinham sido presos. O fluxo de alimento espiritual estava parcialmente obstruído, embora apenas por certo tempo; ainda assim, muitos irmãos perguntavam por quanto tempo seria possível continuar a obra. Nesta situação, as congregações foram convidadas, mediante mui breve aviso, para um congresso a realizar-se em Berlim, em 25 de junho. Visto que se esperava que muitos não pudessem comparecer, devido às várias proscrições, as congregações foram incentivadas a enviar pelo menos um ou vários delegados. Mas, aconteceu que 7.000 irmãos chegaram até lá. Para muitos deles, foram necessários três dias, alguns pedalando suas bicicletas por toda essa distância, ao passo que outros foram de caminhão, visto que as companhias de ônibus recusaram-se a fretar ônibus para uma organização proscrita.

O irmão Rutherford, que, junto com o irmão Knorr, tinham vindo à Alemanha apenas alguns dias antes, a fim de ver o que poderia ser feito a fim de garantir a segurança da propriedade da Sociedade, preparara uma declaração junto com o irmão Balzereit, a ser apresentada aos delegados do congresso para adoção. Era um protesto contra a interferência do governo de Hitler na obra de pregação que realizávamos. Altas autoridades governamentais, desde o presidente do Reich para baixo, deveriam receber uma cópia da declaração se possível, por porte registrado. Vários dias antes de o congresso se iniciar, o irmão Rutherford retornou aos Estados Unidos.

Muitos na assistência ficaram desapontados com a “declaração”, visto que em muitos pontos, deixava de ser tão forte como muitos irmãos esperavam. O irmão Mütze, de Dresden, que trabalhara intimamente com o irmão Balzereit até aquele tempo, acusou-o mais tarde de ter amainado o texto original. Não era a primeira vez que o irmão Balzereit atenuara a linguagem clara e inequívoca das publicações da Sociedade a fim de evitar dificuldades com as agências governamentais.

Grande número de irmãos recusaram adotá-la apenas por este motivo. Com efeito, anterior peregrino, chamado Kipper, recusou-se a sugerir sua adoção e outro irmão o substituiu. Não se podia dizer corretamente que a resolução fora adotada unanimemente, muito embora o irmão Balzereit mais tarde notificasse o irmão Rutherford de que tinha sido.

Os congressistas voltaram para casa cansados, e muitos se sentiam desapontados. Levaram 2.100.000 exemplares da “declaração” de volta com eles, contudo, e trabalharam rápido em distribuí-los e enviá-los a numerosas pessoas em posições de responsabilidade. O exemplar enviado a Hitler foi acompanhado de uma carta que dizia, em parte:

“A sede de Brooklyn da Sociedade Torre de Vigia é e sempre tem sido extremamente amigável para com a Alemanha. Em 1918, o presidente da Sociedade e sete membros da Diretoria, nos Estados Unidos, foram sentenciados a 80 anos de prisão por motivo de que o presidente se recusou a permitir que duas revistas nos Estados Unidos, que ele editava, fossem usadas na propaganda de guerra contra a Alemanha.”

Muito embora a declaração tivesse sido atenuada e muitos dos irmãos não pudessem concordar de todo o coração com a sua adoção, todavia, o governo ficou enraivecido e começou uma onda de perseguição contra aqueles que a distribuíam.

OCUPADO MAIS UMA VEZ O ESCRITÓRIO DE MAGDEBURGO

A distribuição por toda a Alemanha da declaração adotada em Berlim, apenas um dia depois de a obra ter sido proscrita na Prússia, era sinal para que a polícia de Hitler entrasse em ação. Em 27 de junho, todas as autoridades policiais receberam ordens de ‘dar buscas imediatas em todos os grupos locais e em todos os locais de negócios, e confiscar qualquer material hostil ao estado’. Um dia depois, em 28 de junho, o prédio de Magdeburgo foi ocupado por trinta homens das SA, que fecharam a gráfica e hastearam a suástica no prédio. Segundo o decreto oficial das autoridades policiais, era até mesmo proibido estudar a Bíblia e orar dentro da propriedade da Sociedade. Em 29 de junho, tal medida foi anunciada pelo rádio a toda nação alemã.

Apesar das enérgicas tentativas do irmão Harbeck, superintendente da filial na Suíça, de impedir isso, livros, Bíblias e gravuras, somando um total de 65.189 quilos, foram retiradas da gráfica da Sociedade em 21, 23 e 24 de agosto, postos em 25 caminhões e então queimados em público nos limites de Magdeburgo. O custo de impressão do material atingia cerca de 92.719,50 marcos. Em adição, numerosas publicações foram confiscadas e então queimadas, ou, de outro modo, destruídas, nas várias congregações, tais como, por exemplo, em Colônia, onde foram destruídas publicações no valor de pelo menos 30.000 marcos. A Idade de Ouro, em seu número de 1.º de junho de 1934, relatou que o provável valor total de bens (mobília, publicações, etc.) destruídos se achava entre dois e três milhões de marcos.

A perda teria sido maior ainda caso não se tivessem tomado medidas para transferir a maioria das publicações de Magdeburgo, em alguns casos de barco, e estocá-las em outros locais apropriados. Desta forma, foi possível manter ocultas grandes quantidades de publicações dos olhos e das mãos da polícia secreta por muitos anos. Grande parte foi usada na pregação às ocultas nos anos que se seguiram.

Em resultado da intervenção do governo estadunidense, o prédio da Sociedade em Magdeburgo foi devolvido à Sociedade em outubro. O documento de liberação, datado de 7 de outubro de 1933, dizia que ‘a propriedade da Sociedade fora liberada e devolvida em sua inteireza para seu uso livre embora fosse proibido executar qualquer atividade ali, imprimir publicações ou realizar reuniões’.

“AMIZADE COM O MUNDO”

O clero da cristandade não teve vergonha em mostrar abertamente seu apoio a Hitler e seus esforços de perseguir as testemunhas de Jeová. Conforme relatado em Oschatzer Gemeinnützige, de 21 de abril de 1933, o ministro luterano Otto, num discurso pelo rádio em 20 de abril, em honra ao aniversário de Hitler, disse:

“A Igreja Luterana alemã do Estado da Saxônia chegou conscientemente a bom termo com a nova situação e tentará prestar a mais íntima cooperação com os líderes políticos de nosso povo mais uma vez, a fim de tornar disponível à inteira nação a força do antigo evangelho de Jesus Cristo. Os primeiros resultados desta cooperação já podem ser relatados na proscrição hoje imposta à Associação Internacional dos Fervorosos Estudantes da Bíblia e suas subdivisões na Saxônia. Sim, que momento decisivo mediante a direção de Deus! Até agora, Deus tem estado conosco.”

INÍCIO DA ATIVIDADE ÀS OCULTAS

Embora no primeiro ano da ascensão dos nazistas ao poder a atividade de testemunho às ocultas estivesse praticamente desorganizada e não se realizassem em toda a parte reuniões em pequenos grupos, todavia a Gestapo sempre achava novas razões para prender os irmãos.

Logo depois de os primeiros irmãos terem sido presos e seus lares sofrerem buscas, os objetivos em seu modo de pensar começaram a compreender que tais medidas eram simplesmente o início de uma campanha mais grave de perseguição. Sabiam que seria inteiramente sem sentido tentar resolver tais questões na mesa de conferência. O único proceder correto era lutar pela verdade.

Mas, grande número hesitava, achando melhor esperar, pois Jeová certamente faria algo para impedir esta perseguição sobre seu povo. Ao passo que este grupo perdia tempo em hesitação, e ansiosamente tentava não agravar os assuntos por qualquer ação de sua parte, os outros publicadores estavam determinados a continuar a obra. Irmãos corajosos logo começaram a realizar reuniões em pequenos grupos em suas casas, embora soubessem que isto poderia levar a prisões e a severa perseguição.

Em alguns lugares, os irmãos começaram a mimeografar cópias de artigos da Sentinela, alguns exemplares dela sendo introduzidos clandestinamente dos países vizinhos. Karl Kreis, de Chemnitz, foi um dos primeiros a fazer arranjos para isso. Depois de cortar os estênceis, levava-os ao irmão Boschan, em Schwarzenberg, onde faziam cópias mimeografadas. Entre os especialmente ativos nessa época se achavam Hildegard Hiegel e Ilse Unterdörfer. Logo que a proscrição foi decretada, determinaram que não deixariam que nada as impedisse de executar sua comissão dada por Deus. A irmã Unterdörfer comprou uma motocicleta e viajava de um lado para o outro entre Chemnitz e Olbernhau, levando aos irmãos as cópias mimeografadas de A Sentinela. Ela visitava de bicicleta os que moravam mais perto, de modo a não atrair indevida atenção.

O irmão Johann Kölbl fez arranjos para produzir 500 cópias mimeografadas de A Sentinela em Munique, e estas eram então distribuídas entre os irmãos ali, bem como nos territórios bem distantes da Floresta da Baviera.

Em Hamburgo havia o irmão Niedersberg, que imediatamente tomou a iniciativa. Era um peregrino por vários anos antes de ser atacado por esclerose múltipla. Apesar deste empecilho, fazia o que podia. Agora, nesse tempo de provação, os irmãos apreciavam visitá-lo, pois isto sempre resultava no fortalecimento de sua fé. Seu amor aos irmãos logo o moveu a dar passos a fim de assegurar que recebessem de novo regularmente o alimento espiritual. Começou a mimeografar A Sentinela em sua casa. Ensinou a Helmut Brembach a cortar estênceis e lhe mostrou como operar o mimeógrafo. Daí, vendo que o trabalho podia ser feito sem ele, avisou os irmãos que planejava uma viagem para visitar as congregações na costa ocidental de Schleswig-Holstein, a fim de encorajá-los e fazer arranjos para que obtivessem A Sentinela. Mais uma vez, considerou cuidadosamente com os irmãos como as revistas podiam ser enviadas e delineou um código com eles, por meio do qual saberiam, pelo que ele escrevesse, quantas cópias enviar a cada congregação.

Foi em 6 de janeiro de 1934 que o irmão Niedersberg apesar de sua saúde ruim, partiu de casa. Só conseguia andar fazendo o máximo de esforço e com a ajuda duma bengala, mas partiu confiante em Jeová. Depois de visitar várias congregações, suas primeiras mensagens codificadas chegaram a Hamburgo e as cópias mimeografadas de A Sentinela começaram a ser enviadas. Chegou na vizinhança de Meldorf exatamente quando um irmão bem-conhecido na comunidade faleceu. Visto que muitos irmãos das congregações vizinhas estariam presentes no enterro, pediu-se ao irmão Niedersberg que proferisse o discurso fúnebre. Aproveitou esta oportunidade para dar vigoroso discurso, seu propósito sendo fortalecer os irmãos presentes, que não tinham podido assistir a quaisquer reuniões já por muitos meses. Como era de se esperar, houve grande número de pessoas presentes, e voltaram aos seus territórios designados grandemente encorajadas pelo que ouviram.

Naturalmente, havia outros também presentes, até mesmo oficiais da Gestapo. Depois do discurso do irmão Niedersberg, perguntaram o seu nome e endereço, mas não o prenderam evidentemente não ousando fazê-lo devido à ocasião. Assim pôde continuar sua viagem, que se tornava cada vez mais difícil para ele. Ao chegar à casa do irmão Thode, em Hennstedt, sentiu-se subitamente atacado por forte dor de cabeça e morreu pouco depois disso dum ataque de apoplexia. Assim, suas últimas forças tinham sido usadas em organizar as coisas de modo que os irmãos recebessem o edificante alimento espiritual. Duas semanas depois, a Gestapo apareceu em sua casa em Hamburgo-Altona para prendê-lo.

Em adição às cópias mimeografadas de A Sentinela produzidas na Alemanha, algumas eram enviadas da Suíça, França, Tchecoslováquia, sim, até mesmo da Polônia, para a Alemanha, e ela aparecia em várias formas, amiúde em tamanhos diferentes. De início, muitos artigos da Sentinela eram enviados de Zurique, Suíça, trazendo o título “O Jonadabe”. Depois de a Gestapo descobrir este método, todas as agências dos correios na Alemanha receberam instruções de confiscar todos os envelopes que traziam este título e de tomar medidas apropriadas contra aqueles a quem as revistas eram endereçados. Na maioria dos casos, isto levava à sua prisão.

Mais tarde, o título e também a maneira de embrulhar A Sentinela mudavam com praticamente todo número. Na maioria dos casos, o título do artigo da Sentinela era usado, este em geral aparecendo apenas uma vez, tal como, por exemplo, “As Três Festas”, “Obadias”, “O Lutador”, “O Tempo”, “Cantores do Templo”, e assim por diante. Mas, mesmo assim alguns destes exemplares caíam nas mãos da Gestapo caso em que uma circular era enviada a cada delegacia de polícia na Alemanha, informando-as de que esta determinada revista estava proscrita. Mas, na maioria dos casos, estas informações chegavam tarde demais, porque outro artigo da Sentinela, de formato inteiramente diferente e com título completamente diferente, já tinha surgido então. A Gestapo logo teve de admitir, com ira amarga, que as testemunhas de Jeová estavam um passo à frente deles na estratégia de guerra.

O mesmo acontecia com A Idade de Ouro. Por certo tempo não se achava alistada entre as revistas proscritas. Mais tarde, depois de ter sido oficialmente banida, era enviada em particular aos irmãos alemães, em geral pelos irmãos de países estrangeiros, em especial da Suíça. Os que enviavam as revistas sempre se asseguravam de que o endereço fosse escrito à mão e por uma pessoa diferente de cada vez.

Quanto menos êxito tinha a Gestapo em suas tentativas de cortar tais fontes de suprimento, tanto mais brutais eles se tornavam ao lidar com irmãos. Em geral os prendiam depois de darem buscas em suas casas, embora, amiúde, sem qualquer motivo. Na delegacia de polícia os irmãos eram em geral cruelmente maltratados, na tentativa de retirar deles alguma espécie de admissão de culpa.

ELEITORES “LIVRES”

Outra arma usada para intimidar a populaça, e especialmente dirigida contra as testemunhas de Jeová para obrigá-las a transigir, era a das chamadas eleições “livres”. Os que se recusavam a ser obrigados a votar eram denunciados como “judeus”, “traidores da Pátria”, e “patifes”.

Max Schubert, de Oschatz (Saxônia) foi convocado cinco vezes pelos funcionários eleitorais que desejavam levá-lo aos locais de votação no dia de eleições. Sua esposa foi visitada por algumas mulheres com a mesma intenção. O irmão Schubert disse a seus visitantes, a cada vez, contudo, que era uma das testemunhas de Jeová, e já votara a favor de Jeová, o que era suficiente e tornava desnecessário votar em outra pessoa.

Passou momentos difíceis no dia seguinte. Era um agente de passagens da ferrovia e entrava continuamente em contato com as pessoas. Naquele dia, fizeram questão de saudá-lo com o “Heil Hitler”. Ele retribuía a saudação com um “Bom dia” ou algo similar. Sentia, contudo, haver algo “no ar” e considerou isso com sua esposa na hora do almoço, dizendo que se preparasse para qualquer eventualidade. Após terminar seu serviço naquela tarde, foi preso por volta das 17 horas por um policial e levado à casa do diretor local do Partido Nacional-Socialista. Pequena carroça puxada por dois cavalos estava parada à porta. O irmão Schubert foi obrigado a ficar em pé no meio, com vários homens das SA sentados em volta dele, cada qual com uma tocha acesa na mão. Na frente se erguia um com uma corneta, e atrás outro, com um tambor, e se revezavam em soar o alarma para que todos olhassem o desfile. Dois homens das SA na carroça seguravam um grande letreiro que dizia: “Sou um patife e traidor da Pátria, porque não votei.” Atrás do desfile, formara alguém logo um grupo que continuamente repetia as palavras no letreiro. No fim da sentença, perguntavam: “Qual é o lugar dele?”, no que as crianças da multidão gritavam em uníssono: “Num campo de concentração!” O irmão Schubert foi levado pelas ruas da cidade de cerca de 15.000 habitantes durante duas horas e meia. A rádio de Luxemburgo noticiou isto no dia seguinte.

Alguns dos irmãos eram funcionários públicos civis. Visto que não faziam a “saudação alemã”, nem participavam nas eleições e nas demonstrações políticas, o governo fazia planos desde o verão de 1934, para baixar uma lei proscrevendo em toda a nação os Estudantes da Bíblia, a fim de poder expulsá-los do serviço público civil. Isto exigia uma lei nacional que proscrevesse sua atividade, ao invés de simples leis estaduais locais. Tal lei foi promulgada em 1.º de abril de 1935. Mas, algumas repartições já tinham agido por sua própria conta.

Ludwig Stickel era contador municipal em Pforzheim. Em 29 de março de 1934, recebeu uma carta do prefeito, dizendo: “Estou iniciando um processo criminal contra o Sr., visando demiti-lo de seu cargo. Está sendo acusado de recusar-se a votar nas eleições do Reichstag [câmara legislativa], em 12 de novembro de 1933. . . .” Numa longa carta, o irmão Stickel explicou sua posição, mas, visto que o julgamento na realidade já fora feito, foi notificado de que tinha sido demitido em 20 de agosto.”

Seu alvo era privar as testemunhas de Jeová de seus meios de vida — despedindo-as de seus empregos, afastando-as de seus locais de trabalho, fechando seus locais de comércio e proibindo-os de exercer suas profissões.

Gertrud Franke, de Mainz, descobriu isso depois que o marido dela foi preso pela quinta vez em 1936, e a polícia secreta lhe assegurou que não tinham jamais a intenção de libertá-lo de novo. Depois de a irmã Franke ser liberta — estivera presa uns cinco meses — dirigiu-se à agência de empregos. Descobriu, contudo, que visto que estivera presa, ninguém queria contratá-la. Por fim, uma fábrica de cimento foi obrigada a aceitá-la. Duas semanas depois, teve sua seguinte surpresa, ao descobrir que, sem seu consentimento, tinha sido inscrita na Frente Trabalhista Alemã e que as taxas tinham sido deduzidas de seu cheque de pagamento. Reconhecendo os objetivos políticos dessa organização, de imediato se dirigiu ao escritório e se queixou de que se retivera dinheiro de seu cheque de pagamento para uma organização que ela de jeito nenhum reconhecia, e solicitou que se cuidasse desse assunto. Isto resultou em sua demissão imediata. Ao ir de novo à agência de empregos, foi-lhe dito que a agência de empregos não lhe arranjaria um emprego nem lhe daria qualquer espécie de ajuda como desempregada. Se ela se recusava a participar da Frente Trabalhista, o problema era dela de ver como conseguiria viver.

JOVENS CONFRONTAM PROVAÇÕES

Em inúmeros casos, os filhos das testemunhas de Jeová viram-se privados da oportunidade de receber educação. Deixemos que Helmut Knöller conte sua experiência em suas próprias palavras:

“Na própria ocasião em que a atividade das testemunhas de Jeová na Alemanha foi proscrita, meus pais foram batizados em símbolo de sua dedicação a Jeová! Para mim, o tempo de decisão veio quando tinha treze anos e foi anunciada a proscrição. Na escola, amiúde havia decisões a fazer relacionadas com a saudação à bandeira, que eu decidia em favor da fidelidade e da dedicação a Jeová. Sob tais circunstâncias, nem se podia pensar em obter instrução mais elevada, e assim comecei a aprender o ofício de comerciário em Stuttgart; isto incluía cursar duas vezes por semana uma escola comercial onde se realizavam diariamente cerimônias de hasteamento da bandeira. Visto que era mais alto do que qualquer dos meus colegas de turma, eu, naturalmente, atraía indevida atenção quando me recusava a saudar a bandeira.

“Exigia-se que os alunos se levantassem quando o professor entrava na sala, saudando-o com as palavras ‘Heil Hitler’, e erguendo o braço direito. Eu não fazia isso. O professor, naturalmente, dirigia sua atenção apenas para mim, e amiúde ocorriam cenas assim: ‘Knöller, venha cá! Por que não faz a saudação “Heil Hitler?”’ ‘Isso é contra a minha consciência, Sr.’ ‘O quê? Seu porco! Afaste-se de mim — seu fedorento — afaste-se mais. Que vergonha! Um traidor!’, etc. Fui então transferido para outra turma. Meu pai conversou com o diretor e recebeu a seguinte explicação característica: ‘Pode o seu Deus, em quem confia, dar-lhe sequer um pedaço de pão? Adolf Hitler pode, e ele já provou isso.’ Isto significa que as pessoas devem honrá-lo e saudá-lo com as palavras ‘Heil Hitler’.”

Após ter concluído seu aprendizado, irrompeu a Segunda Guerra Mundial e o irmão Knöller foi convocado para o serviço militar. Ele relata isso como segue:

“Fui convocado para o serviço militar em 17 de março de 1940. Por muito tempo, eu calculava o que iria acontecer. Imaginava que, ao me apresentar ao centro de incorporação mas então recusar-me a fazer o juramento, seria submetido ao conselho de guerra e fuzilado. Com efeito, preferia isso a ser lançado num campo de concentração! Mas, as coisas não aconteceram desse modo. Não fui submetido a um tribunal militar, mas fiquei preso, passando a pão e água. Cinco dias depois, a Gestapo veio e me levou a uma audiência que demorou várias horas, sendo feita toda espécie de ameaça. Essa noite fui devolvido à prisão. Fiquei felicíssimo; não sentia mais nenhum vestígio de medo, mas apenas alegria e a expectativa do que o futuro traria e como Jeová mais uma vez me ajudaria. Três semanas depois, altos agentes da Gestapo leram para mim uma ordem, dizendo que, devido à minha atitude de inimizade ao estado, e o perigo que representava eu ficar ativo em favor dos proscritos Estudantes Internacionais da Bíblia, tinha de permanecer sob custódia protetora. Isso significava um ‘campo de concentração’. Assim, aconteceu justamente o oposto do que esperava. Junto com outros presos, fui lançado no campo de concentração de Dachau em 1.º de junho.”

O irmão Knöller provou a vida não só em Dachau, mas também em Sachsenhausen. Foi mais tarde transferido, junto com vários outros presos, para a ilha de Alderney, no Canal da Mancha. Dramática viagem o levou a Steyr, Áustria, onde ele, e os que estavam com ele, foram finalmente soltos em 5 de maio de 1945. A turbulência desses anos pode ser vista no fato de que o irmão Knöller, que fora objeto de tanta perseguição, não tivera ainda a oportunidade de simbolizar sua dedicação a Jeová por meio do batismo em água, embora seus anos de fidelidade sob as circunstâncias mais difíceis fossem prova de que fizera tal dedicação. No pequeno grupo de sobreviventes, com os quais voltou para casa, havia outros nove irmãos todos os quais perseveraram fielmente durante quatro a oito anos nos campos de concentração e que então aproveitaram com gratidão a oportunidade, em Passau, para serem batizados.

FILHOS ARRANCADOS DE JUNTO DOS PAIS

O irmão e a irmã Strenge experimentaram exatamente quão pouca oportunidade tinham as testemunhas de Jeová, durante aqueles anos turbulentos, de obter seus direitos legais. O irmão Strenge foi preso e sentenciado a três anos de prisão, no que a irmã Strenge, agora sozinha com seus filhos, ficou numa situação que exigia cada partícula de força que conseguisse juntar. Relata ela:

“Na escola, meu filho devia aprender de cor um hino patriótico e um poema patriótico. Não conseguindo harmonizar isso com suas convicções religiosas, recusou-se. Seu professor fez com que dois rapazes o levassem como se fosse prisioneiro até o diretor, certo Sr. Hanneberg, que lhe disse que seu dedo seria espancado a ponto de ficar sangrando tanto, tão inchado, preto e roxo que ‘não mais poderia enfiá-lo em seu [reto]’. Continuou a ameaçá-lo e disse que jamais veria de novo a seu pai. Por fim, perguntou a este garoto de dez anos se ele recusaria fazer o serviço militar. Günter referiu-se à Bíblia e disse: ‘Quem tomar da espada perecerá pela espada’, no que o diretor instruiu o professor de Günter a ‘puni-lo como é costumeiro’. Depois disso, o diretor o mandou para casa, dizendo que instruiria a polícia que o prendesse em casa, cinco minutos depois, e o internasse num reformatório. Meu filho mal acabara de chegar em casa quando a polícia chegou em frente de nossa casa num carro grande. Vários oficiais exigiram entrar tempestuosamente, mas eu me recusei a abrir a porta. Depois de algum tempo a polícia foi para a casa da vizinha, exigindo dela evidência incriminatória contra mim. Incapaz de oferecer tal evidência incriminatória, ela foi pressionada por tanto tempo que, por fim, admitiu ter-nos ouvido entoar um cântico e fazer oração cada manhã. Daí, a polícia se foi.

“Na manhã seguinte, por volta das 10,30, a polícia voltou. Visto que não me dispus a abrir a porta, os oficiais da Gestapo bradaram: ‘Sua maldita Estudante da Bíblia! Abra a porta!’ Daí, foram até um serralheiro que morava perto e o fizeram arrombar a porta.

“Segurando um revólver apontado para meu peito, um dos agentes da Gestapo gritou: ‘Entregue-nos as crianças.’ Mas, eu as segurava perto de mim e elas se agarravam a mim em busca de proteção. Temendo que eles nos separassem à força, gritávamos pedindo socorro a plenos pulmões.

“A janela estava aberta e grande grupo de pessoas se reuniu na frente da casa e ouviu meus gritos altos de desespero: ‘Eu tive meus filhos com terríveis dores de parto e jamais os entregarei a vocês. Terão que me espancar primeiro até me matar.’ Daí, vencida pela excitação, desmaiei. Depois de voltar a mim, fui interrogada pela Gestapo durante três horas. Tentaram fazer com que incriminasse meu marido. O interrogatório foi interrompido várias vezes pelos meus desmaios. No ínterim, a multidão sempre crescente em frente da casa começou cada vez mais a indicar, pelo seu barulho que não concordava com o que se passava. Por fim, a Gestapo se retirou mais uma vez, não tendo realizado aquilo a que se propuseram. Então passaram a manobrar para retirar secretamente os meus filhos de mim. Pelo que parece, na execução deste plano, fui intimada a comparecer a um tribunal especial em Elbing, alguns dias depois. No mesmo dia, meus filhos deveriam comparecer perante o guardião que havia sido designado para eles. Suspeitei que se daria o pior e visitei o guardião junto com ambos os filhos no dia anterior. Ele disse que minha filha de 15 anos seria colocada num campo de trabalho e Günter, com dez anos, seria entregue a uma família que o educaria segundo as linhas do Nacional-Socialismo. No caso de recusa, ambos seriam colocados num reformatório. Excitada, perguntei: ‘Diga-me, será que já estamos realmente vivendo na Rússia, ou ainda estamos na Alemanha?’ no que ele respondeu: ‘Sra. Strenge, vou ignorar o que a Sra. acaba de dizer. Eu também sou duma família religiosa; meu pai é ministro!’ Quando solicitei que pelo menos minha filha tivesse permissão de ser aceita como aprendiz em alguma parte, este advogado retorquiu: ‘Não quero ter dificuldades com vocês. Prefiro lidar com vinte outras crianças do que com um Estudante da Bíblia.’

“Chegou o sábado, o dia em que devia comparecer ao tribunal em Elbing para defender minha fé em Jeová e em suas promessas. Para fortalecer-me e de modo que pudesse mais uma vez extravasar meu coração, visitei meu marido encarcerado antes de ir lá. Quando ele foi trazido, caí soluçando nos braços dele. Todo o pesar e todos os terríveis eventos dos dias recentes mais uma vez jorraram dentro de mim: meu marido sentenciado a três anos de prisão, meus filhos sendo arrancados de mim e separados também um do outro. Meu espírito estava abatido e eu estava nos limites de minha perseverança. Mas, como palavras dum anjo foram as palavras do meu marido, que me confortaram, por rememorarem as experiências de Jó e seus sofrimentos, e, ainda assim, sua inquebrantável fidelidade a Deus, de modo que, mesmo depois de tudo perder, não acusou a Deus de nenhum erro. Relatou como também tinha sido ricamente abençoado por Jeová, depois de grave teste provocado pelas numerosas audiências de instrução e o julgamento. Isto me deu renovado vigor. Fui então à audiência com a cabeça erguida para ouvir, com orgulho, com que zelo meus filhos tinham dado testemunho de Jeová e seu Reino, e de sua fé em frente de seus professores e de outras altas autoridades. Decretou o ‘tribunal alemão’: Não tendo criado meus filhos no sentido do Nacional-Socialismo, e por ter entoado cânticos junto com eles em louvor a Jeová, eu seria sentenciada a oito meses de prisão.”

POSTO NO OSTRACISMO PELOS COLEGAS

O irmão Willi Seitz, de 12 anos, de Karlsruhe, teve uma experiência de outro tipo. Ele mesmo relata:

“Dificilmente consigo descrever o que tive de suportar até agora. Meus colegas de escola me espancam; quando fazemos excursões, eu tenho de ir sozinho, se é que me permitem ir, e não posso conversar com meus colegas de escola, isto é, os que ainda tenho. Em outras palavras: ‘Sou odiado e sofro zombarias como um cão sarnento.’ Meu único consolo é que o reino de Deus virá em breve. . . .”

Em 22 de janeiro de 1937, Willi foi expulso da escola “devido a se recusar a fazer a saudação alemã, a cantar hinos patrióticos e a tomar parte nas celebrações escolares”.

CONDENADO POR ORAR E CANTAR

Max Ruef, de Pocking, também verificou como eram feitas tentativas sistemáticas de obrigar as testemunhas de Jeová a violar sua integridade. Seu meio de vida ficou completamente arruinado. Uma hipoteca que fizera a fim de efetuar melhoras na casa foi cancelada. Não podendo pagar a hipoteca de imediato toda sua propriedade foi posta em leilão em maio de 1934.

“A perseguição não parou aí”, relata o irmão Ruef. “Pelo contrário, às instâncias da liderança política, fui falsamente acusado e levado às barras do tribunal. Visto que não havia nada de que pudessem acusar-me, fui sentenciado a seis meses de cadeia por um tribunal especial em Munique por me empenhar em orar e cantar, o que era proscrito, em minha casa. Comecei a cumprir sentença em 31 de dezembro de 1936. Minha esposa, esperando seu terceiro filho, não recebeu, além do aluguel, que atingia 12 marcos do Reich, nenhuma espécie de sustento para si e para nossos dois filhos, com nove e dez anos. Chegou o tempo para ela dar à luz. Ambos fizemos uma petição para que se interrompesse minha sentença por algumas semanas, a fim de que pudesse cuidar de certas coisas necessárias. Cerca de uma semana antes de a criança nascer, nossa petição foi negada, como sendo ‘inapropriada’.

“Em 27 de março, fui notificado de que minha esposa falecera e que eu seria solto por três dias a fim de cuidar dos assuntos necessários. De imediato me dirigi à clínica onde minha esposa fora levada depois de ter a criança, embora ela morresse antes de chegar ali. O médico e uma das enfermeiras, que ainda não sabiam que eu era uma das testemunhas de Jeová, fortemente instaram comigo para que ‘processasse o médico e a parteira, pois sua esposa era saudável e não havia nada de errado com ela’, mas eu apenas respondi, cansado de tudo: ‘Então eu teria muito que fazer.’ Em casa, junto com a criança morta no quarto, encontrei meus dois outros filhos, com nove e dez anos, numa disposição mental que facilmente se pode imaginar. Deveria eu deixá-los agora sem ninguém para cuidar deles, talvez jamais os vendo de novo?”

Os sogros do irmão Ruef solicitaram que o corpo da esposa dele fosse enviado a Pocking, onde não se permitiu que ninguém de fora da família imediata falasse junto ao túmulo. Assim aconteceu que o próprio irmão Ruef proferiu o discurso fúnebre de sua esposa, Jeová lhe dando forças para fazê-lo.

A idéia de ter agora de deixar seus dois filhos sozinhos sem ninguém que cuidasse deles era impossível de suportar para o irmão Ruef. Tendo apenas algumas horas de sobra de sua licença da prisão, levou um de seus dois filhos para seus sogros, embora não fossem testemunhas de Jeová, e o outro ele levou para irmãos que viviam próximo da fronteira suíça. Por fim, lançou-se numa fuga dramática através da fronteira, para a Suíça, onde recebeu asilo junto com seu filho.

PRIMEIRO CASTIGO, DEPOIS “AMABILIDADE”, PARA VIOLAR A INTEGRIDADE

Houve casos em que os filhos que foram separados dos pais se tornaram fracos na fé por certo tempo e na verdade correram o perigo de ser atraídos para o lado nazista, assim como os líderes do movimento imaginavam que se daria. Tome-se, por exemplo, Horst Henschel, de Meissen, que em 1943 foi batizado, com 12 anos, junto com seu pai. Ele escreve:

“Minha infância foi cheia de altos e baixos. Eu me retirei da Juventude Hitlerista — pelo menos tanto quanto isso era possível — e me sentia feliz e forte. Ao me recusar fazer a saudação a Hitler, uma exigência diária na escola, era espancado, mas me regozijava de saber, fortalecido pelos meus pais, que permanecera fiel. Mas, havia ocasiões em que, quer por causa da punição física, quer por temor da situação, eu dizia ‘Heil Hitler’. Lembro-me de como então ia para casa, com os olhos cheios de lágrimas e como orávamos juntos a Jeová, e como eu de novo tomava coragem para resistir aos ataques do inimigo na próxima vez. Daí, a mesma coisa acontecia de novo.

“Certo dia, a Gestapo veio e deu busca em nossa casa. ‘É uma das testemunhas de Jeová?’, perguntou à minha mãe um dos homens das SS, de ombros largos. Como se fosse hoje, posso vê-la inclinar-se contra o umbral da porta e dizer com firmeza ‘Sou’, embora soubesse que isto significaria ser presa mais cedo ou mais tarde. Ela foi presa, duas semanas depois.

“Ela estava ocupada, cuidando de minha irmãzinha, que faria um ano no dia seguinte, quando a polícia veio com um mandado de prisão contra ela. . . . Visto que meu pai estava em casa naquele tempo, permanecemos sob a sua jurisdição. . . . Duas semanas depois, papai também foi preso. Ainda posso vê-lo agachado em frente ao fogão da cozinha, contemplando o fogo. Antes de ir para a escola, dei-lhe o abraço mais apertado que eu pude, mas ele não se virou para me olhar. Eu amiúde penso na luta árdua que ele travou e até o dia de hoje sou grato a Jeová por ter Deus suprido a ele a força necessária para me dar tão bom exemplo. Voltei para casa e verifiquei estar só. Ordenaram a meu pai que fizesse o serviço militar e ele fora à junta de recrutamento da cidade para explicar sua recusa. Foi imediatamente preso. Meus avós e outros parentes nossos — todos os quais se opunham às testemunhas de Jeová e alguns dos quais eram membros do partido nazista — tomaram medidas para obter a custódia sobre mim e minha irmãzinha de um ano, de modo a não sermos enviados a uma instituição para jovens ou talvez até mesmo a um reformatório. Minha outra irmã, já com 21 anos foi presa apenas duas semanas depois do papai, e morreu três semanas depois na prisão, com difteria e escarlatina.

“Minha irmãzinha e eu estávamos agora com nossos avós. Lembro-me de ajoelhar diante da cama de minha irmãzinha para orar. Não me permitiam ler a Bíblia, mas, secretamente obtive uma duma vizinha, e a lia.

“O vovô, que não estava na verdade, certa vez visitara o papai na prisão. Voltou para casa muito indignado e terrivelmente irado. ‘Esse criminoso, esse vagabundo! Como pode abandonar seus próprios filhos?’ Algemado nas mãos e nos pés, papai foi levado perante meu avô que, junto com os outros tentou convencê-lo a fazer o serviço militar por causa dos filhos. Mas, ele continuou fiel e firmemente rejeitou essa sugestão, no que um oficial observou ao vovô: ‘Mesmo se este homem tivesse dez filhos, não agiria diferente.’ Embora fosse terrível aos ouvidos do vovô, para mim isso era prova de que papai permanecia fiel e que Jeová o ajudava.

“Algum tempo depois, recebi dele uma carta. Foi sua última. Visto não saber onde minha mãe estava presa, escreveu a mim. Fui para meu quarto de dormir no sótão, e li suas primeiras palavras: ‘Regozije-se quando receber essa carta, porque eu perseverei. Dentro de duas horas será executada minha sentença. . . .’ Fiquei triste e chorei, embora não compreendesse a profundeza da questão naquele tempo como compreendo hoje.

“Em face de todos estes eventos decisivos, permaneci relativamente forte. Sem dúvida Jeová me deu a força necessária para solucionar meus problemas. Mas, Satanás tem muitos modos de envolver a pessoa em sua armadilha e logo eu iria sentir isso. Um de meus parentes se achegou a meus professores, pedindo-lhes que fossem pacientes comigo. De súbito, todos se tornaram muitíssimo amigáveis comigo. Os professores não me puniam, mesmo quando não fazia a saudação ‘Heil Hitler’, e meus parentes se tornaram especialmente amigáveis comigo. Daí, aconteceu.

“Por minha própria iniciativa, juntei-me à Juventude Hitlerista, embora ninguém me tentasse obrigar a fazer isso, e embora fosse apenas alguns meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial. O que Satanás deixara de obter com severidade, conseguiu realizar com lisonja e astúcia. Atualmente posso afirmar que a severa perseguição externa talvez prove nossa lealdade, mas que os ataques ardilosos de Satanás, de outros ângulos, não são menos perigosos do que os ataques brutais. Atualmente compreendo os testes difíceis da fé que minha mãe teve de atravessar enquanto presa. Eu recebera a última carta do papai, confirmando sua fidelidade e dedicação até à morte, e isto me fortaleceu imensamente. Ela, por outro lado, recebera suas roupas e ternos, em que manchas de sangue ainda eram claramente visíveis, testemunhas silenciosas dos fustigamentos ligados à morte dele. Mamãe mais tarde me contou que todas essas coisas foram dificílimas de suportar, mas que sua prova mais difícil durante esse tempo foram minhas cartas, indicando que eu deixara de servir a Jeová.

“A guerra terminou rapidamente. Mamãe voltou para casa e me ajudou a voltar ao caminho da dedicação. Ela continuou a me criar no amor de Jeová e em dedicação a Ele. Rememorando, vejo que tinha muitos dos mesmos problemas que muitos dos nossos irmãos jovens têm hoje. Mas, mamãe jamais deixou de lutar para me ajudar a permanecer na vereda da dedicação. Devido à bondade imerecida de Jeová, tenho tido agora o privilégio de estar no serviço de tempo integral por vinte e dois anos, seis anos e quatro meses desse tempo sendo gastos na prisão na Alemanha Oriental, preso assim como meus pais foram.

“Amiúde pergunto a mim mesmo o que fiz para merecer ter sido tão ricamente abençoado por Jeová no passado. Atualmente creio que as orações do papai e da mamãe foram responsáveis por isso. Não poderiam ter dado melhor exemplo de conduta cristã do que deram por meio de seu próprio proceder.”

Há 860 casos conhecidos em que os filhos foram afastados dos pais, embora o número exato talvez seja bem maior. Em vista de tal desumanidade, não é estranho que, com o decorrer do tempo, as autoridades tenham chegado ao ponto de tornar impossível que se tivessem filhos, por simplesmente declararem que um dos genitores possuía uma “doença hereditária”. Podia então ser esterilizado, sob as provisões da lei.

MÉTODOS NAS AUDIÊNCIAS

Uma das táticas cruéis empregadas era permitir que o cônjuge e outros membros da família provassem os tormentos que seus entes queridos tinham de experimentar durante os interrogatórios. Emil Wilde descreve a crueldade disso, sendo ele obrigado a ouvir de sua cela enquanto sua esposa era literalmente torturada até morrer.

“Em 15 de setembro de 1937”, começa ele, “bem cedinho de manhã, por volta das 5 horas, dois oficiais da Gestapo vieram e deram buscas em nossa casa, depois de primeiro interrogarem meus filhos. Depois disso, eu e minha esposa fomos levados à delegacia de polícia e imediatamente trancafiados nas celas. Nossa primeira audiência se deu cerca de dez dias depois. Disseram-me que minha esposa também teria sua primeira audiência naquele mesmo dia, e isto aconteceu mesmo.

“Desde o meio-dia em diante, por volta das 13 horas, ouvi altos gritos duma mulher. Ela estava sendo espancada e, ao continuarem os gritos a ficar mais altos, eu pude ouvi-los mais claramente, reconhecendo-os como sendo de minha esposa. Toquei a sineta e perguntei por que a mulher, minha esposa, estava sendo espancada, disseram-me que não era minha esposa, mas outra, que merecia a surra por mal comportamento. Em fins daquela tarde, os gritos começaram de novo e se tornaram tão intensos que mais uma vez toquei a sineta e me queixei do tratamento que davam à minha esposa. A Gestapo continuou a negar que se tratava da minha esposa. Por volta da uma hora da madrugada, não conseguia agüentar mais, e toquei de novo a sineta, esta vez resultando em que o oficial de polícia, cujo nome não sei, me disse: ‘Se tocar a sineta só mais uma vez, faremos com você o mesmo que fizemos com sua mulher!’ Seguiu-se o silêncio por toda a prisão, pois, no ínterim, haviam levado minha esposa à clínica nervosa. Cedo pela manhã de 3 de outubro o chefe da guarda da Gestapo, Classin, veio até minha cela e me disse que minha esposa havia morrido na clínica nervosa. Eu lhe disse bem na face que eram culpados pela morte de minha esposa, e, no dia de seu enterro, movi um processo de assassinato contra a Gestapo. Isto resultou em a Gestapo me acusar de calúnia.

“Isto significava que haveria outro julgamento, além do meu primeiro. Quando foi realizado, duas irmãs se levantaram durante a audiência do tribunal especial e testificaram: ‘Ouvimos a Sra. Wilde gritar: “Seus demônios, vocês me estão matando de pancada.”’ O juiz respondeu: ‘Mas elas não viram isso, apenas ouviram. Sentencio-o a um mês de prisão.’ Várias irmãs, que viram minha esposa depois da morte, confirmaram que estava terrivelmente desfigurada com grandes marcas ao redor do pescoço e no rosto. Não tive permissão de comparecer ao enterro dela.”

Em outros casos, fizeram-se tentativas de hipnotizar os irmãos. Alguns deles receberam alimentos que continham entorpecentes, de modo que, por certo tempo, perderam o controle do que diziam. Na tentativa de obrigar outros a confessar, suas mãos e seus pés foram atados atrás das costas a noite toda. Visto que alguns não conseguiram suportar essas terríveis formas de tortura, a Gestapo conseguiu obter informações sobre como a obra das testemunhas de Jeová estava organizada e como era feita.

AUTORIDADES E EMPREGADORES AMIGÁVEIS

Embora as autoridades usassem a ‘nova linguagem poderosa e alta’, que caracterizava especialmente todos os líderes do novo estado, baseada no chamado ‘princípio do Führer’, todavia, era confortador que, aqui e acolá, algumas autoridades policiais, ao lidar com as testemunhas de Jeová, tanto nas prisões como fora delas, mostrassem ainda ser capazes de ter compaixão pelo próximo.

Carl Göhring, devido à sua recusa de fazer a “saudação alemã” e aderir à Organização da Frente Trabalhista, foi despedido de seu emprego na firma ferroviária particular da Companhia Leuna, em Merseburgo. A agência de empregos se recusou a encontrar um trabalho para ele e o escritório do seguro social recusou-se a lhe dar qualquer espécie de ajuda. Mas, Jeová, que conhece as necessidades de seu povo, dirigiu os assuntos, de modo que o irmão Göhring logo conseguiu um emprego na fábrica de papel em Weissenfels. Seu diretor, certo Sr. Kornelius, contratava todos os irmãos na vizinhança que haviam sido despedidos de seus empregos e não exigia nada deles que se chocasse com suas consciências.

Como aconteceu mais tarde, havia outros patrões como este também, embora não fossem muitos. Um bom número de irmãos viram-se assim livres das garras da Gestapo.

Havia também juízes de per si que intimamente não estavam em completo acordo com os métodos violentos usados pelo governo hitlerista. Especialmente, de início, vários juízes apresentavam aos irmãos uma declaração inofensiva para assinarem, uma que simplesmente declarava que se refreariam de empenhar-se em qualquer atividade política. Visto que os irmãos podiam assinar a mesma sem quaisquer reservas, poupou a muitos de perder sua liberdade.

As buscas nas casas amiúde indicavam que nem todas as autoridades eram tão odiosas para com as testemunhas de Jeová, como talvez parecesse exteriormente. O irmão e a irmã Poddig experimentaram isto quando sua casa sofreu uma busca. Acabavam de receber correspondência, inclusive cópias de A Sentinela, junto com outras publicações, da irmã carnal da irmã Poddig, que morava na Holanda. Antes de terem a oportunidade de ler algo, contudo, a campainha subitamente tocou.

“Depressa”, bradou a irmã Poddig, “coloquem tudo na despensa e fechem a porta”. Visto que isto talvez chamasse atenção, contudo, ela decidiu no último minuto deixar a porta aberta. No ínterim, o agente da Gestapo, acompanhado por um homem das SA, já havia entrado na casa. “Então”, começou ele, “vamos começar aqui mesmo”. Com isso queria dizer a despensa, com sua porta aberta. O garotinho do irmão Poddig disse de repente: “Vai perder muito tempo até achar alguma coisa na despensa”, no que o agente sorriu e replicou: “Bem, então vamos para o outro quarto.” A inteira busca não teve êxito. Com efeito, o irmão Poddig e sua família tiveram a impressão de que eles — pelo menos o agente da Gestapo — não queriam encontrar nada. Tornou-se evidente que o homem das SA não achou que a busca estava sendo feita cabalmente e queria continuá-la. Mas, o agente da Gestapo o repreendeu e lhe proibiu de procurar mais. Ao partir, voltou subitamente sozinho e sussurrou à irmã Poddig: “Sra. Poddig, ouça o que eu lhe digo. Eles levarão os seus filhos, porque não estão na Juventude Hitlerista. Por favor, mande seus filhos, nem que seja apenas por uma questão de aparência.” “Então, ambos saíram e pudemos ler nossa correspondência da Holanda em paz”, escreve o irmão Poddig. “Agradecemos a Jeová as muitas coisas novas e A Sentinela, que mais uma vez estava incluída.”

PASSADOS PARA TRÁS

Há, naturalmente, inúmeros casos em que os oficiais da Gestapo ficaram, pelo que parece, atacados de cegueira, quando faziam suas buscas, e onde foram freqüentemente passados para trás pelas ações relâmpagos dos irmãos, indicando claramente a proteção de Jeová e a ajuda angélica.

A irmã Kornelius, de Marktredwitz, conta uma experiência: “Certo dia, outro policial apareceu para dar uma busca. Tínhamos várias publicações na casa, inclusive várias Sentinelas mimeografadas. Naquele instante, não vi nenhuma outra possibilidade senão a de metê-las num bule vazio de café, que por acaso estava sobre a mesa. Depois de examinar tudo, era apenas uma questão de tempo até se encontrar este esconderijo. Exatamente nesse instante, minha irmã carnal apareceu subitamente no apartamento. Sem quaisquer preliminares, eu lhe disse: ‘Aqui está, leve o seu café.’ Ela olhou um pouco atônita, de início, compreendeu o que eu queria dizer, contudo, e foi logo embora, levando junto o bule de café. As publicações estavam fora de perigo e os oficiais não notaram que haviam sido passados para trás.”

Pitoresca é a história que o irmão e a irmã Kornelius contam sobre Siegfried, seu filho de cinco anos, que naquele tempo não tinha dificuldades com a “saudação alemã” e coisas similares porque não estava ainda em idade escolar. Mas, visto que seus pais o criavam na verdade, sabia que as publicações de seus pais, que eram sempre escondidas depois de lidas, eram muito importantes, e que a Gestapo não deveria encontrá-las. Certo dia, ao ver dois oficiais atravessando o quintal da casa de seus pais, imediatamente compreendeu que procuravam as publicações escondidas e, de imediato, sabia o que fazer para impedi-los de achar algo. Embora não estivesse ainda em idade escolar, apoderou-se da pasta escolar de seu irmão mais velho, esvaziou-a de tudo e encheu-a com as publicações. Pendurou a pasta nas costas e saiu para a rua com ela. Ali esperou até que os oficiais partiram depois de darem uma busca sem êxito. Depois disso, voltou à casa, e escondeu de novo as publicações onde as tinha encontrado.

“OVELHAS” SÃO ENCONTRADAS NA PRISÃO

Os irmãos entravam em contato com pessoas de todas as espécies enquanto presos e, naturalmente, na medida do possível, falavam-lhes de sua esperança. Quão grande era sua alegria quando um de seus colegas de prisão aceitava a verdade! Willi Lehmbecker nos conta uma dessas experiências. Estava encarcerado com vários outros presos numa cela em que se permitia fumar:

“Meu beliche era o de cima, mas o preso que dormia embaixo fumava tanto que eu dificilmente conseguia respirar. Quando todos os outros estavam dormindo, eu conseguia testemunhar a ele sobre o propósito de Deus para a humanidade, por meio da Bíblia. Verifiquei que era um ouvinte atento. Este rapaz era ativo na política e ficara sob custódia por distribuir revistas ilegais. Prometemos um ao outro que, uma vez livres de novo, se ainda estivéssemos vivos, tentaríamos visitar um ao outro. Mas, as coisas aconteceram de forma diferente. Em 1948 eu me encontrei de novo com ele numa de nossas assembléias de circuito. Ele me reconheceu logo, saudou-me alegremente e então me contou sua história. Depois de cumprir sua sentença, e ser liberto, foi convocado ao serviço militar e serviu na frente da Rússia. Ali teve oportunidade de repensar todas as coisas que eu lhe dissera. . . . Por fim, disse-me: ‘Hoje me tornei seu irmão.’ Pode imaginar quão emocionado fiquei e como me regozijei com isso?”

Hermann Schlömer teve similar experiência. Foi igualmente numa assembléia de circuito que um irmão se aproximou dele e perguntou: “Está reconhecendo-me?” Respondeu o irmão Schlömer: “Seu rosto me é familiar, mas não sei quem é.” O irmão então se apresentou como tendo sido o guarda da prisão encarregado do irmão Schlömer na prisão de Francforte-Preungesheim enquanto cumpria sua pena de cinco anos ali. O irmão Schlömer falara ao guarda muitas coisas sobre a verdade. Também lhe pedira uma Bíblia, que o clérigo da prisão lhe havia negado. O guarda carcerário era humano e obteve uma Bíblia para o irmão Schlömer. A fim de que tivesse algo para fazer na solitária, também lhe trazia as meias da família para cerzir. Sim, o irmão Schlömer realmente tinha motivos de regozijar-se, compreendendo que, neste caso, a palavra de Jeová caíra em solo fértil.

TORNA-SE ESCASSO O ALIMENTO ESPIRITUAL

O menu espiritual na Alemanha continuou a reduzir-se. Quão perigoso era para pessoas, bem como grupos, perderem contato com a organização e não mais terem a oportunidade de obter alimento espiritual, é relatado por Heinrich Vieker:

“Quando os nazistas apoderaram-se do poder, tínhamos dentre trinta a quarenta publicadores em nossa congregação. A posição desafiadora assumida por este sistema logo fez com que muitos irmãos ‘desaparecessem na sombra’, tornando-se assim inativos, cerca da metade dos publicadores não mais aparecendo. Isto significava que tínhamos de ser muito cuidadosos em lidar com aqueles que se afastavam, saudando-os quando nos encontrássemos com eles, mas não lhes fornecendo revistas quando disponíveis. Durante uma palestra, certa vez descobrimos que todos os irmãos, com a exceção de cerca de quatorze, haviam votado numa eleição.”

Naturalmente, havia o perigo de que alguns irmãos fossem privados do alimento espiritual simplesmente por causa de alguma circunstância infeliz que causasse suspeita de que se afastaram da organização de Jeová. Eis o que aconteceu com Grete Klein e sua mãe em Stettin. Ouçamo-la.

“Reuníamo-nos em pequenos grupos nas casas de vários irmãos. Nosso superintendente de congregação me fornecia A Sentinela a fim de que cortasse estênceis para que fosse mimeografado. Mas, apenas por curto tempo, e então este privilégio, que eu tanto prezava, me foi tirado. Os irmãos ficaram atemorizados e tinham receio de que pudessem ser descobertos, depois que descobriram que meu pai se opunha à verdade. Nós, eu e minha mãe, não recebíamos sequer um exemplar de A Sentinela. Com efeito, os irmãos chegaram ao ponto de nem nos cumprimentar quando nos encontravam nas ruas. Ambas fomos completamente cortadas da organização. Em Stettin, uma congregação de Estudantes da Bíblia deixou de existir porque, embora ainda livres, ficamos sem liderança e sem alimento espiritual. . . .

“Permanecer estático realmente significa recuar; isto logo vimos pela nossa atitude espiritual. Depois de a guerra começar, continuei a orar em favor dos nossos irmãos nos campos de concentração; logo depois, contudo, também orava em favor de meus irmãos carnais que faziam a guerra com armas literais na Rússia e na Grécia. Naquele tempo, não me ocorria que aquilo que eu fazia era errado. Muitas vezes me vinha à mente a idéia de se era mesmo possível estabelecer uma nova ordem debaixo do reino de Deus.

“Além de mim, havia muitos outros jovens na congregação de Stettin que não sabiam qual era sua posição. Vários rapazes, tais como Günter Braun, Kurt e Artur Wiessmann, achavam-se no serviço militar, lutando com armas carnais. Kurt Wiessmann foi até mesmo morto em ação. Importante razão para nossa posição negativa era, sem dúvida, o fato de que nossa liderança na congregação de Stettin caíra vítima do temor do homem. . . .

“Por outro lado, tais irmãos que se enfraqueceram durante esse tempo são um exemplo da paciência, do amor e do perdão de Jeová, visto que, conforme verifiquei mais tarde, alguns deles sinceramente se arrependeram de suas ações depois que a obra foi reiniciada e foram restaurados ao favor de Jeová. Alguns deles ainda estão no serviço de tempo integral hoje, como, para exemplificar, o anterior superintendente de congregação de Stettin, que devido ao temor do homem, rompeu todo contato comigo e com minha mãe, e mudou-se com a esposa para um lugar onde eram inteiramente desconhecidos. Mas, como me regozijei quando me encontrei de novo com ele em Wiesbaden, ao começar a servir em Betel, e ao poder ver ambos continuarem no serviço de tempo integral até à velhice. Por causa de seu proceder, alguns dos irmãos sofreram muito nos campos de concentração e nas prisões, e muitos tiveram muita dificuldade em perdoá-lo. Mas, a misericórdia de Jeová os ajudou a fazer isso e serviu como maravilhoso exemplo para eles.”

INCERTEZA EM MAGDEBURGO E EM TODA A PARTE

Retornando no relato a 1933, quando Hitler se tornou chanceler, verificamos que o irmão Rutherford logo compreendeu que o governo alemão tinha seus olhos voltados para nosso prédio em Magdeburgo e as valiosas prensas ali instaladas. Fizeram-se firmes empenhos de provar às autoridades responsáveis que a Wachtturm Bibel - und TraktatGesellschaft era subsidiária da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia e que, visto que a propriedade de Magdeburgo em grande parte consistia em dádivas recebidas dos Estados Unidos, era realmente propriedade estadunidense. Sob tais circunstâncias, o irmão Balzereit, como cidadão alemão, só teve êxito parcial em lutar para a liberação da propriedade estadunidense. O irmão Rutherford, portanto, pediu ao irmão Harbeck, superintendente da filial na Suíça, que entrasse na controvérsia, fazendo uso de sua cidadania estadunidense.

O irmão Balzereit, que resolvera mudar-se para a Tchecoslováquia a bem da sua segurança, sentiu então que sua autoridade estava sendo diminuída, e seu orgulho ficou ferido. Todavia, ele mesmo mostrava pouco desejo de retornar à Alemanha e dirigir pessoalmente as negociações para reter a posse da propriedade da Sociedade e apoiar seus irmãos na sua luta pela fé. Ao mesmo tempo, o irmão Balzereit e vários irmãos que tomaram seu lado na controvérsia, acusavam o irmão Harbeck de ser negligente em cuidar dos interesses alemães, ao passo que outros chegaram até a telegrafar ao irmão Rutherford em favor de Balzereit.

O irmão Rutherford respondeu a Balzereit como segue: “Volte a Magdeburgo, e fique lá, e cuide dos assuntos e faça o que puder, mas informe o irmão Harbeck de tudo. . . . Com efeito, não era preciso que o irmão pedisse permissão de voltar à Alemanha visto que no que me diz respeito, e o irmão sabe bem disso, poderia ter permanecido lá mesmo desde o início. O irmão tentou fazer-me crer, contudo, que sua segurança pessoal dependia de refugiar-se fora do país.”

O ano de 1933 chegou ao fim sem se conseguir qualquer união no que dizia respeito a realizar reuniões regulares e a execução da obra de pregação. O irmão Poddig descreve a situação: “Dois grupos se desenvolveram. Os temerosos sustentavam que éramos desobedientes e púnhamos em perigo tanto a eles como a obra de Jeová.” Uma carta escrita pelo irmão Harbeck em agosto de 1933 teve ampla distribuição entre os irmãos alemães, e foi usada pelos temerosos em suas discussões, como prova da correção de sua posição. No ínterim, a Sociedade publicou o artigo da Sentinela intitulado “Não os Temais”, que apoiava a ação dos que, apesar da crescente perseguição e dos maus tratos, seguiram a voz de sua consciência e tinham continuado a se reunir em pequenos, grupos e a efetuar a obra de pregação às ocultas. Mostrava-lhes que sua ação estivera em harmonia com a vontade divina.

As negociações para liberar a propriedade de Magdeburgo tinham fracassado, de modo que o irmão Rutherford escreveu ao irmão Harbeck, em 5 de janeiro de 1934: “Nutro pouca esperança de que conseguiremos algo do governo alemão. Sou da opinião de que esta ala da organização de Satanás continuará a oprimir nosso povo até que o Senhor interfira.”

No ínterim, cartas adicionais dos irmãos na Alemanha tinham chegado ao irmão Rutherford, dando-lhe uma idéia mais exata da condição da obra na Alemanha, e também da atitude espiritual dos irmãos. Uma delas, do irmão Poddig tratava do artigo da Sentinela, “Não os Temais”. Explicava que alguns dos irmãos recusavam aceitar esta Sentinela como “alimento no tempo apropriado”. Alguns até mesmo tentavam impedir que os irmãos fizessem qualquer pregação às ocultas. A resposta do irmão Rutherford foi transmitida aos irmãos em toda a parte. Dizia, em parte: “O artigo ‘Não os Temais’, que foi publicado na Sentinela de 1.º de dezembro foi escrito especialmente para o benefício de nossos irmãos na Alemanha. É surpreendente que qualquer dos irmãos se oponha aos interessados em encontrar oportunidades de dar testemunho do Senhor. . . . O artigo acima-mencionado aplica-se tanto à Alemanha como a qualquer outra parte da terra. Aplica-se em especial ao restante, onde quer que os membros de per si estejam. . . . Isto significa que nem o servo de literatura, nem o diretor de serviço, nem o líder da obra de colheita, nem qualquer outra pessoa tem o direito de lhe dizer o que fazer ou a recusar-se a fornecer-lhe as publicações que estejam disponíveis. Sua atividade no serviço do Senhor não é ilegal, pois a faz em obediência à ordem do Senhor . . .”

PLANOS PARA AÇÃO UNIDA SÃO FEITOS EM BASILÉIA

Um congresso foi programado para o local da feira de Basiléia, Suíça, a ser realizado de 7 a 9 de setembro de 1934. O irmão Rutherford esperava ver a vários irmãos da Alemanha ali, a fim de ouvir em primeira mão sobre a situação real no país. Sob as condições mais adversas, quase mil irmãos da Alemanha conseguiram comparecer. Mais tarde relataram quão angustiado ficou o irmão Rutherford quando ouviu pessoalmente o que os irmãos já tinham sido obrigados a sofrer.

Por outro lado, viu-se obrigado a reconhecer que até mesmo os superintendentes viajantes presentes não tinham a mesma opinião com respeito à obra de pregação. Falou-lhes sobre os passos que deviam dar na Alemanha, depois do congresso. Foram feitos planos para a ação unida.

O dia 7 de outubro de 1934 será lembrado por muito tempo como algo especial por parte dos que tiveram o privilégio de participar nos eventos daquele dia. Naquele dia, Hitler e seu governo se viram confrontados pela ação destemida das testemunhas de Jeová — em seus olhos, uma minoria ridícula.

Pormenores foram delineados numa carta do irmão Rutherford, uma cópia da qual deveria ser levada por mensageiro especial a cada congregação na Alemanha. Ao mesmo tempo tais mensageiros receberam instruções de fazer preparativos para que fossem realizadas reuniões em toda a Alemanha nesse determinado dia. A carta do irmão Rutherford, dizia, em parte:

“Cada grupo das testemunhas de Jeová na Alemanha deve reunir-se num local conveniente na cidade onde morarem na manhã de domingo, 7 de outubro, às 9 horas. Esta carta deve ser lida a todos os presentes. Devem unir-se em oração a Jeová, pedindo a Ele, mediante Cristo Jesus, nosso Cabeça e Rei, a sua orientação, proteção, libertação e bênção. Imediatamente depois, enviem uma carta às autoridades governamentais alemãs, cujo texto terá sido preparado de antemão, e então se achará disponível. Alguns minutos devem ser gastos na consideração de Mateus 10:16-24, tendo presente que, por fazer como manda este texto, estão ‘tomando posição por suas vidas’. (Ester 8:11) A reunião deve concluir então e devem ir a seus vizinhos, dando-lhes um testemunho sobre o nome de Jeová, sobre nosso Deus e seu Reino debaixo de Cristo Jesus.

“Seus irmãos por todo o mundo estarão pensando nos irmãos e farão uma oração similar a Jeová ao mesmo tempo.”

DECLARAÇÃO UNIDA DA DETERMINAÇÃO DE OBEDECER A DEUS

Os preparativos tinham de ser feitos em completo segredo, naturalmente. Exigiu-se de todo irmão que tinha algo que ver com os mesmos que concordasse em não falar nem com sua própria esposa ou outros membros da família sobre o que se planejava para 7 de outubro. Apesar destas precauções, surgiu uma situação no último minuto que, não fora pelo poderoso e protetor braço de Jeová, poderia ter tido terríveis conseqüências. A respeito do que aconteceu em Mainz, Konrad Franke relata:

“Eu fora preso no início de 1933 pela primeira vez, e lançado num campo de concentração, de modo que, depois de ser solto, amiúde tinha de me apresentar à Gestapo, que cada vez me acusava de ser encarregado de organizar a obra nesta cidade, o número contínuo de prisões dando testemunho de que havia uma campanha organizada de pregação em progresso. Por conseguinte, fiz arranjos para que minha correspondência fosse enviada para um endereço camuflado, endereço este que o irmão Franz Merck, nosso diretor regional de serviço, conhecia. Mas, por algum motivo inexplicado, ele não me entregou pessoalmente, como tinha sido concordado em Basiléia, a carta do irmão Rutherford, contendo as necessárias instruções, mas a enviara a mim pelo correio, e isto ao meu endereço normal e literalmente ‘no último minuto’. Felizmente, o irmão Albert Wandres, com quem eu trabalhava intimamente ligado, já me trouxera à atenção a campanha, e assim eu estava a par de todos os pormenores delineados na carta. Visto que os dias até 7 de outubro passavam mui rapidamente, e eu ainda não recebera esta importante informação do irmão Merck, fui adiante sem a sua ajuda e fiz arranjos para que a reunião se realizasse na casa dum irmão num subúrbio de Mainz, reunião à qual quase vinte pessoas foram convidadas.

“Dois dias antes de a reunião se realizar, abrupta mudança teve de ser feita, visto que a casa onde devíamos reunir-nos se tornou local perigoso. Depois de todos os irmãos e irmãs terem sido avisados do novo endereço, descobriu-se subitamente que uma família nesta casa também expressara grande inimizade e ameaçara mandar prender imediatamente cada pessoa que conheciam como sendo testemunha de Jeová se, em qualquer tempo no futuro, pusessem os pés em sua casa. Assim, os irmãos que eram os donos do prédio, num apartamento do qual se realizaria a reunião na manhã seguinte, pediram que fosse realizada em outro lugar. Portanto, tornou-se necessário, em 6 de outubro, visitar todos os irmãos de novo, avisando-os dum terceiro local para a reunião às 9 horas na manhã seguinte. Mas onde? Não parecia haver outras possibilidades. Depois de considerar com oração o assunto, decidi convidar os irmãos ao meu pequeno apartamento de pioneiro, embora isto fosse perigoso.

“Voltei para casa cansado, na noite de 6 de outubro, e minha esposa me passou uma carta que fora entregue tarde da noite, fora do horário normal de entrega postal, e isto apesar de que era apenas uma carta simples, ao invés de por via expressa, o que teria feito com que as autoridades postais a entregassem nessa hora. Abria-a e descobri que era a carta do irmão Rutherford. O irmão Merck a enviara a mim provavelmente porque não tinha possibilidades de entregá-la a tempo pessoalmente a mim.

“A maneira da entrega era, para mim, uma prova de que a carta primeiramente fora parar na Gestapo — como se dava com toda a minha correspondência particular — e que esta fizera arranjos para entregá-la, evidentemente pensando que eu não sabia nada ainda da campanha. Calculavam que eu faria então os arranjos necessários em harmonia com o conteúdo da carta, em algum tempo à noite, de modo que pudessem apanhar todos nós juntos e prender-nos, sem qualquer esforço especial de sua parte, na manhã seguinte. Com efeito, houve tempo suficiente para avisar as autoridades de toda a Alemanha. Seria muito simples prender todas as testemunhas de Jeová reunidas nas várias cidades, na manhã seguinte.

“O que devia fazer? Meu apartamento, situado num prédio que também abrigava uma taberna, era tudo, menos seguro. Todos os que moravam no prédio, com a exceção da irmã dona do prédio, cujo quarto de dormir era contíguo ao nosso apartamento, eram amargos opositores. Por outro lado, não havia quaisquer outras possibilidades dum local onde nos pudéssemos reunir. Confiando na ajuda de Jeová, decidi não fazer quaisquer outras mudanças, nem agitar indevidamente os irmãos e as irmãs, que, na maior parte, viviam em famílias divididas, e que não tinham a menor idéia de qual era a finalidade da reunião. Intimamente, preparava-me para ser preso de novo.

“Às 7 horas da manhã de 7 de outubro, os primeiros irmãos já haviam chegado, tendo sido feitos arranjos para que todos viessem individualmente num período de duas horas, de modo que isso não fosse tão notado. Os irmãos apareceram, um a um, todos com grandes expectativas do que viria, embora em harmonia com as instruções, não foram informados da verdadeira razão da reunião. Mas, não havia ninguém dentre eles que não achasse que este seria um dia extremamente significativo. Todos, inclusive as irmãs cujos maridos na maioria eram opositores e a maioria das quais tinham filhinhos pequenos a cuidar, impressionaram-me como estando determinados e dispostos a fazer tudo que se lhes pedisse que fizessem nos interesses da vindicação do nome de Jeová.

“Quando faltavam dez minutos para as 9 horas, todos estavam reunidos em nosso apartamento de pioneiro, de um só cômodo. Eu esperava plenamente ver a Gestapo chegar num carro grande a qualquer instante e prender a nós todos. Portanto, senti-me na obrigação de explicar a situação aos irmãos e lhes dar a oportunidade de deixar de participar na reunião, caso temessem as possíveis conseqüências. Eu lhes disse: ‘A situação é tal que todos nós podemos ser presos nos próximos dez minutos. Não desejo que nenhum dos irmãos possa acusar-me mais tarde de tê-lo metido em tal situação sem informá-lo de sua seriedade. Portanto, peço que abram suas Bíblias em Deuteronômio 20.’ Li o Deut. 20 versículo 8: ‘Qual é o homem que é temeroso e receoso de coração? Vá e retorne à sua casa, para que não faça os corações de seus irmãos derreter-se como o seu próprio coração.’ Depois de ler isto para os presentes, eu disse: ‘Quem achar que a situação é perigosa demais tem agora a oportunidade de deixar de participar na reunião.’

“Mas, nem uma pessoa sequer, nem mesmo as irmãs que tinham maridos opositores e filhinhos pequenos, pensou em recuar de medo. O que então se seguiu é algo que é difícil de expressar em palavras. Nos poucos minutos que restavam para as 9 horas, houve um silêncio festivo no quarto. Era evidente que todos na assistência estavam entregando o assunto em oração silenciosa à mão protetora de Jeová. Eram 9 horas. E, ao passo que essa idéia continuava a me vir à mente de que ‘a Gestapo chegará ao pátio a qualquer momento’, iniciei a reunião com oração. Subitamente, todos tivemos a sensação de que um anel forte e protetor tinha sido colocado em volta de nós, abrangendo não só os irmãos em perigo na Alemanha, mas os irmãos através do mundo que, em harmonia com as instruções, se reuniram em muitos países à mesma hora e que, naturalmente, também iniciaram suas reuniões com oração, tudo isto visando protestar perante Hitler contra o tratamento desumano de seus irmãos na Alemanha.

“Depois disso, proferi um discurso aos irmãos, repetindo as idéias principais do notável discurso do irmão Rutherford em Basiléia para o encorajamento dos irmãos alemães. Apresentava provas bíblicas de que, apesar das condições mudadas, não estávamos livres de nossa responsabilidade perante Jeová de nos reunir regularmente para estudar sua Palavra e louvá-lo, nem da obrigação de servirmos como suas testemunhas e tornar publicamente conhecido o Reino.”

Em harmonia com a ação tomada pelas testemunhas de Jeová em toda a Alemanha, todos no grupo concordaram entusiasticamente que se devia enviar a seguinte carta ao Governo naquele dia, por via registrada:

“ÀS AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS:

“A Palavra de Jeová Deus, conforme delineada na Bíblia Sagrada, é a lei suprema, e, para nós, é nosso único guia por motivo de nos termos devotado a Deus e sermos seguidores verdadeiros e sinceros de Cristo Jesus.

“No ano passado, e contrário à lei de Deus e em violação de nossos direitos, proibiram-nos, como testemunhas de Jeová de nos reunirmos para estudar a Palavra de Deus e adorá-lo e servi-lo. Em sua Palavra, ele nos ordena que não deixemos de nos reunir. (Hebreus 10:25) A nós, Jeová ordena: ‘Vós sois minhas testemunhas de que eu sou Deus. Ide e falai ao povo a minha mensagem.’ (Isaías 43:10, 12; Isaías 6:9; Mateus 24:14) Há um conflito direto entre a sua lei e a lei de Deus, e, seguindo a orientação dos fiéis apóstolos, ‘devemos obedecer a Deus antes que aos homens’, e isto faremos. (Atos 5:29) Por conseguinte, esta tem por fim avisá-los de que, a todo custo, obedeceremos aos mandamentos de Deus, vamos reunir-nos para o estudo da sua Palavra, e iremos adorá-lo e servi-lo conforme Ele ordenou. Se o seu governo ou suas autoridades nos causarem violência porque obedecemos a Deus, então nosso sangue ficará sobre os senhores e terão que responder perante o Deus Onipotente.

“Não temos interesse algum nos assuntos políticos, mas estamos inteiramente devotados ao reino de Deus sob Cristo, seu Rei. Não faremos dano nem prejudicaremos a ninguém. Nosso prazer seria ficar em paz e fazer o bem a todos os homens conforme tenhamos oportunidade, mas, visto que seu governo e as autoridades dele continuam em sua tentativa de nos forçar a desobedecer à mais alta lei do universo, vemo-nos obrigados a lhes avisar agora que iremos, por Sua graça, obedecer a Jeová Deus e confiar plenamente nele para nos livrar de toda opressão e de todos os opressores.”

Em pleno apoio a seus irmãos alemães, as testemunhas de Jeová em toda a terra se reuniram em 7 de outubro e, depois de oração unida a Jeová, enviaram um cabograma avisando o governo de Hitler:

“Seus maus tratos para com as testemunhas de Jeová chocam a todas as pessoas boas da terra e desonram o nome de Deus. Refreie-se de continuar perseguindo as testemunhas de Jeová; de outra forma, Deus o destruirá, bem como a seu partido nacional.”

Surpreendentemente, poucos irmãos foram presos naquele dia, embora a Gestapo — mesmo que apenas no último minuto — tivesse descoberto o que iria ser feito. Voltemos ao relato do irmão Franke:

“Apesar de que mais de uma hora se passara desde que encerráramos a reunião com oração, ainda ninguém da Gestapo aparecera. Então começaram a ir embora os primeiros, como antes, a intervalos. Cerca de oito irmãos ainda estavam lá quando eu fui pegar minha bicicleta para pedalar até a cidade adjacente de Wiesbaden, a fim de entregar pessoalmente a carta às autoridades postais. A carta tinha sido escrita à noite e deixada em Wiesbaden onde os irmãos deveriam enviá-la, caso eu, como esperava plenamente, fosse preso. Ao pedalar pelo portão do jardim, um agente da Gestapo vinha pedalando sua bicicleta pela entrada, mas não me reconheceu. Os outros oito irmãos foram avisados e fugiram para o quarto de dormir adjacente, da irmã Darmstadt, a irmã a quem pertencia o prédio. As perguntas que o agente da Gestapo fez à minha esposa, ao dar busca no apartamento, indicavam que a Gestapo sabia tudo sobre nossa reunião. Apesar disso, nem eu nem quaisquer dos outros irmãos fomos presos naquele dia. Foi apenas vários meses depois, quando fui preso de novo pela Gestapo, que me contaram que estavam de posse da carta do irmão Rutherford.”

Ao passo que alguns dos irmãos se empenhavam em visitar seus vizinhos logo depois da reunião, e em trazer à atenção deles o reino de Deus, havia grande consternação em muitas das agências do correio fora da Alemanha. Especialmente no continente europeu, as autoridades postais em muitos lugares se recusavam a aceitar o telegrama. Isto se deu em Budapeste. Martin Pötzinger assistiu à reunião ali e se lhe pediu que levasse o telegrama aos correios. Relata ele: “O telegrama foi aceito, mas, no dia seguinte, fui notificado pelo correio central que deveria comparecer pessoalmente ali. Todos pensávamos que a Gestapo me levaria em custódia, expulsando-me do país, e assim acabaria a minha atividade . . . mas isto não aconteceu. Foi-me apenas dito que a Hungria não transmitiria o telegrama e me foi devolvido meu dinheiro.” Em Doorn (Holanda), onde o Kaiser alemão Guilherme II vivia em exílio, os correios de início recusaram enviar o telegrama, porém, mais tarde avisaram a Hans Thomas, que o havia entregue, de que fora enviado e que se confirmara sua chegada a Berlim.

O efeito que as cartas, e especialmente os telegramas tiveram sobre Hitler, pode ser depreendido de um relatório escrito por Karl R. Wittig, atestado por um tabelião em Francforte (Meno), em 13 de novembro de 1947:

“DECLARAÇÃO — Em 7 de outubro de 1934, tendo sido anteriormente chamado, visitei o Dr. Wilhelm Frick, naquele tempo Ministro do Interior do Reich e da Prússia, em seu escritório do ministério do interior do Reich, situado em Berlim, na Köenigsplatz 6, visto que era um plenipotenciário do General Ludendorff. Eu deveria receber comunicações, cujo conteúdo era uma tentativa de persuadir o General Ludendorff a descontinuar sua objeção ao regime nazista. Durante a minha palestra com o Dr. Frick, Hitler apareceu subitamente e começou a tomar parte na conversa. Quando nossa palestra obrigatoriamente tratou da ação contra a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia [testemunhas de Jeová] na Alemanha até então, o Dr. Frick mostrou a Hitler vários telegramas protestando contra a perseguição, por parte do Terceiro Reich, contra os Estudantes da Bíblia afirmando: ‘Se os Estudantes da Bíblia não entrarem na linha imediatamente, agiremos contra eles por usar as mais fortes medidas.’ Após o que, Hitler ficou de pé num pulo e, com punhos cerrados, bradou histericamente: ‘Esta raça será exterminada da Alemanha!’ Quatro anos depois dessa palestra, pude, por minhas próprias observações, convencer-me, durante meus sete anos de custódia protetora no inferno dos campos de concentração nazistas em Sachsenhausen, Flossenburgo e Mauthausen — fiquei na prisão até ser liberto pelos Aliados — que o acesso de ira de Hitler não era apenas uma simples ameaça. Nenhum outro grupo de prisioneiros dos citados campos de concentração ficou exposto ao sadismo da soldadesca SS de tal modo como ficaram os Estudantes da Bíblia. Era um sadismo marcado por infindável série de torturas físicas e mentais, as quais nenhuma linguagem no mundo pode expressar.”

Depois de termos enviado nossas cartas a Hitler, ocorreu uma onda de prisões. Hamburgo foi a cidade mais duramente atingida, pois ali, apenas alguns dias depois de 7 de outubro, a Gestapo prendeu 142 irmãos.

ORGANIZADA A OBRA ÀS OCULTAS

Tendo então avisado a Hitler, em nossa carta de 7 de outubro, de que, apesar de sua proscrição, continuaríamos a obedecer às ordens de Deus com exclusividade, empenhamo-nos em organizar todos os irmãos e irmãs corajosos e dispostos em pequenos grupos, sob a direção de um irmão maduro, cuja obrigação era cuidar de todo o coração das ovelhas do Senhor e pastoreá-las.

O país foi dividido em treze regiões, e um irmão, com boas qualidades de pastoreio, foi designado em cada região para servir como diretor regional de serviço, como era então chamado. Estes tinham de ser irmãos que, sem considerar os perigos envolvidos, estavam dispostos a entrar em contato com pequenos grupos a fim de lhes fornecer o alimento espiritual, apoiá-los em sua atividade de pregação e fortalecê-los na fé. Exceto algumas, as posições foram ocupadas por servos inteiramente desconhecidos dos irmãos até então. Haviam provado, contudo, desde a ascensão de Hitler ao poder, que estavam dispostos a subjugar seus próprios interesses pessoais aos do Reino.

MIMEOGRAFA-SE E DISTRIBUI-SE “A SENTINELA”

Os irmãos mimeografavam e distribuíam cópias de A Sentinela em muitos locais diferentes por toda a Alemanha. Em Hamburgo por exemplo, Helmut Brembach continuou a fornecer aos irmãos em Schleswig-Holstein e Hamburgo cópias que ele e sua esposa faziam à noite. A irmã Brembach relata a seguinte experiência, dentre as muitas que ela e o marido tiveram:

“Era de manhã quando a campainha da porta subitamente tocou, mas muito mais alto do que de costume. Quando abri a porta, encontrei três homens em pé ali. Suspeitei quem eles eram. ‘Gestapo’ disse um deles, e todos os três já estavam dentro do apartamento. Meu coração quase me subiu à garganta, ao pensar em todas as coisas escondidas na casa. Tremendo interiormente de medo, orei a Jeová.

“Do ponto de vista humano, não teria sido nenhum problema encontrar as Sentinelas empacotadas e o equipamento inteiro que usávamos para produzi-las. Visto que nossa casa era uma em que moravam várias famílias, inclusive as de dois oficiais de polícia, não havia nenhum lugar para esconder as coisas, especialmente em vista de que o material necessário — papel, o mimeógrafo, a máquina de escrever e a tinta, bem como o material para embrulhos — eram todos grandes. Não sabendo como esconder tais coisas dos olhos que não deviam vê-las — precisávamos delas a cada duas semanas — decidimos amontoar tudo em nosso depósito de batatas, que ficava no meio do porão, onde poderiam chegar quaisquer dos outros ocupantes do prédio. Cada vez que acabávamos de produzir A Sentinela, colocávamos tudo cuidadosamente de novo neste depósito, cobríamos o mesmo com sacos vazios, e então empilhávamos caixotes vazios de tomates por cima, até o teto, esperando que, se acontecesse o pior, os que tentassem descobrir algo deixassem de notá-lo ou fossem preguiçosos e indiferentes demais para querer tirar tudo de cima do depósito de batatas. Confiávamos em Jeová; não havia nada mais que pudéssemos fazer.

“O oficial me perguntou se possuíamos qualquer publicação proscrita na casa. Para evitar mentir, eu disse: ‘Pode olhar à vontade o Sr. mesmo.’ Deram busca no apartamento, abrindo a porta do armário de tal modo que deixaram de ver a máquina de escrever, que esquecêramos de colocar no depósito, e que teriam reconhecido como sendo a máquina necessária para datilografar A Sentinela, caso a descobrissem. Mas, Jeová os cegou. Depois de não encontrar nada no apartamento, perguntaram se podiam examinar o porão. Pensei então que era inevitável a descoberta de todos os materiais e registros. Tentei ocultar deles o meu medo embora meu coração batesse cada vez mais alto. Para piorar as coisas, uma mala cheia de Sentinelas mimeografadas que meu marido deveria levar numa viagem no dia seguinte estava bem atrás do depósito. Mas, o que aconteceu? Os três oficiais se puseram no meio do cômodo, vejam bem, bem ali, onde estava o depósito com a mala cheia de Sentinelas atrás dele. Mas, nenhum deles parecia notá-la; era como se tivessem sido cegados. Nenhum deles fez nenhum esforço de qualquer espécie de examinar o depósito ou até mesmo ver o que havia na mala. Por fim, um dos oficiais perguntou sobre nosso sótão; ali encontraram várias publicações mais antigas, que pareceram satisfazê-los, e assim se foram embora. Mas, as coisas mais importantes, graças à ajuda de Jeová e a dos seus anjos, permaneceram escondidas de seus olhos.”

Poder-se-ia relatar muitos casos similares, que mostravam a orientação de Jeová em manter intatas estas operações com o mimeógrafo por longos períodos de tempo, e assim suprir Seu povo de publicações.

OBRA DE PREGAÇÃO ORGANIZADA

Nem todos os associados conosco se empenhavam na atividade de pregação. Pelo contrário, em algumas congregações, apenas a metade o faziam. Em Dresden, por exemplo, em certa ocasião, a congregação alcançara um auge de cerca de 1.200 publicadores, mas, depois da proscrição, estes caíram rapidamente para 500. Todavia, talvez tenha havido pelo menos dez mil por toda a Alemanha que se declararam dispostos a pregar, sem considerar o perigo envolvido.

De início, a maioria só trabalhava com a Bíblia, ao passo que folhetos e livros mais antigos que haviam sido salvos das garras da Gestapo eram colocados ao se fazerem revisitas. Outros fizeram cartões de testemunho. Ainda outros escreviam cartas a pessoas que conheciam, aproveitando-se de alguma ocasião especial. A atividade de porta em porta continuou, embora estivessem envolvidos grandes perigos. Toda vez que alguém abria a porta, poderia ser um homem das SA ou SS. Depois de falar a uma porta, os publicadores em geral iam para outro prédio de apartamentos ou, em casos onde o perigo era extremo, até mesmo para outra rua.

Pelo menos por dois anos foi possível, em quase toda parte da Alemanha — em alguns lugares até por mais tempo — pregar de casa em casa. Não há dúvida de que isto só era possível graças à proteção especial de Jeová.

A pequena quantidade de publicações disponíveis para a atividade de pregação logo se esgotou. Por conseguinte, verificamos as possibilidades de obtermos publicações dos países estrangeiros. Ernst Wiesner, de Breslau, nos informa de alguns pormenores interessantes sobre como isso era feito:

“Publicações nos eram enviadas da Suíça através da Tchecoslováquia. Eram estocadas na fronteira, com pessoas de fora, e então trazidas de lá pelas Montanhas Riesen, para a Alemanha. Esse trabalho, feito por uma equipe de irmãos maduros e dispostos, era perigosíssimo e extremamente cansativo. Atravessávamos a fronteira à meia-noite. Os irmãos estavam bem organizados e estavam equipados com grandes mochilas. Faziam a viagem duas vezes por semana, embora tivessem de apresentar-se a seus empregos cada dia, além disso. No inverno, usavam tobogãs e esquis. Conheciam cada trilha e atalho, dispunham de bons faroletes, binóculos e sapatos próprios para longas caminhadas. Ser cauteloso era a lei suprema. Ao chegarem na fronteira alemã, por volta da meia-noite, e mesmo depois de cruzá-la, ninguém ousava falar uma palavra por muito tempo. Dois irmãos iam na frente e, sempre que encontravam alguém, logo faziam sinais com seus faroletes. Este era um sinal para que os irmãos com suas mochilas pesadas, que os seguiam uns 100 metros atrás, se escondessem no mato pelo caminho, até que os dois irmãos que iam na frente deles voltassem e mencionassem certa senha, que era mudada de semana em semana.

“Isto podia acontecer várias vezes numa noite. Uma vez o caminho estivesse livre de novo, os irmãos se dirigiam a certa casa num povoado do lado alemão, onde os livros eram colocados em pequenos pacotes nessa mesma noite ou bem cedo na manhã seguinte, eram endereçados e então eram levados de bicicleta à agência dos correios em Hirschberg ou outras cidades vizinhas. Os irmãos por toda a Alemanha recebiam suas publicações dessa forma. . . . Esta equipe de irmãos zelosos e de extraordinária perícia, conseguiu trazer grande quantidade de publicações para dentro da Alemanha, num período de dois anos, sem ser apanhada, destarte fortalecendo a muitos por todo o país.” Arranjos similares também foram usados nas fronteiras com a França, o Saar, a Suíça e a Holanda.

De interesse, neste particular, é uma carta escrita por certa irmã: “Quando lerem o relatório do Anuário sobre a Alemanha perguntarão a si mesmos como é possível que tantas publicações fossem colocadas sob tais condições. Fazemos a nós próprios a mesma pergunta. Se Jeová não estivesse conosco, isso seria impossível. Muitos dos irmãos estão sendo vigiados constantemente pela polícia sempre que saem de casa. . . . Mas, Jeová está a par disso e, apesar de tudo, permite nos ser fortalecidos vez após vez pelo abundante alimento que usufruímos.”

Tivemos tempo suficiente para ocultar as publicações em vários lugares antes de ser anunciada a proscrição. A fim de entender o que ocorreu, contudo, é importante ter presente que os irmãos jamais tinham tido qualquer experiência em estocar publicações quando sob proscrição. Assim, ao invés de dividi-la entre muitos irmãos, a tendência de início era depositá-la em grandes depósitos, pensando que isso era mais seguro, em especial em vista de que os encarregados achavam que a proscrição seria apenas temporária. Alguns dos depósitos tinham espaço de estocagem para de trinta a cinqüenta toneladas de publicações. Ao passar o tempo, contudo alguns dos irmãos começaram a preocupar-se, pensando no que aconteceria se os inimigos descobrissem e confiscassem estes grandes depósitos. Por esse motivo, os encarregados dos depósitos começaram a dar os livros para serem usados no ministério, sem considerar se seriam colocados por uma contribuição ou não.

Uma vez evidente que a perseguição continuaria, e que manter os esconderijos se tornava cada vez mais perigoso, os irmãos começaram a dar gratuitamente tantos livros e folhetos quantos fossem possíveis. Ao participarem no ministério de campo, simplesmente os colocavam dentro da porta, quando ninguém estava observando, ou os enfiavam debaixo do capacho da porta, esperando que, em alguns casos, caíssem em mãos de pessoas sinceras, desejosas da força e da esperança que lhes podiam transmitir.

COMEMORAÇÃO DA MORTE DE CRISTO

Visto que estávamos determinados a não deixar de reunir-nos em harmonia com a ordem de Jeová, era óbvio que estávamos extremamente cônscios quanto a celebrar a Comemoração da morte de Cristo. Em tais dias, a Gestapo ficava especialmente ativa, determinando, na maioria dos casos, a data da Comemoração, quer pelas publicações impressas fora da Alemanha, quer da Sentinela mimeografada, que às vezes lhe caía nas mãos. Sua ira especialmente se concentrava nos ungidos, que eram mencionados, não só em relação com a Comemoração, mas também em relação com as campanhas especiais. Viam neles os “cabeças” da organização, que teriam de ser esmagados primeiro a fim de destruir a organização.

A Comemoração em 17 de abril de 1935, foi especialmente estimulante. Várias semanas antes, a Gestapo já sabia da data e já tivera muito tempo para alertar a todos os seus escritórios. Uma circular secreta, datada de 3 de abril de 1935 dizia:

“Um ataque de surpresa, lançado nesta ocasião contra os líderes conhecidos dos Estudantes da Bíblia, teria muito êxito. Queiram relatar quaisquer informações a respeito do êxito até 22 de abril de 1935.”

Mas, a maioria dos oficiais só puderam mencionar muito poucas “informações a respeito do êxito”, como o de Dortmund, que só conseguiu relatar que as casas daqueles que se cria serem líderes da Associação dos Estudantes da Bíblia foram postas sob observação, mas que, em nenhum caso realizaram-se reuniões. Como um apaziguador, acrescentaram que “os membros liderantes e ativos dos Estudantes da Bíblia neste distrito já se acham em custódia, de modo que não sobrou ninguém para organizar tais reuniões”.

No entanto, a polícia secreta estava enganada, pois, pouco depois de esta circular secreta ser enviada, recebemos uma cópia dela dum amigo da verdade que tinha acesso a tais informações secretas. Os diretores regionais de serviço avisaram a todos os servos, com bastante tempo, e lhes deram o conselho apropriado sobre como evitar a detenção e ainda assim obedecer às instruções de nosso Senhor e Mestre.

Assim, aconteceu que muitos se reuniram logo depois das 18 horas, ao passo que outros esperaram até que a Gestapo viesse e se fosse, antes de saírem para se reunir com seus irmãos em pequenos grupos, alguns celebrando a Comemoração nos meados da noite. De qualquer forma, a maioria dos departamentos da Gestapo enviaram relatórios similares ao enviado de Dortmund.

Willi Kleissle relata que os irmãos em Kreuzlingen celebraram a Comemoração logo às 18 horas. Foram instruídos para que, antes de saírem do prédio, fossem à loja situada nele, cujo dono era um irmão, onde podiam comprar açúcar, café ou outros itens similares. Daí, poderiam sair pela porta regular da loja. A “turma do porrete”, como o irmão Kleissle a chamava, realmente apareceu, mas só depois de todos os irmãos terem ido para a loja, de modo que não conseguiram provar nada. Mas, as perguntas feitas pela Gestapo, bem como os vários comentários feitos pela polícia, indicavam claramente que haviam obtido informações por meio de A Sentinela, quanto à data da Comemoração.

Os irmãos sempre estavam preparados para surpresas, contudo, e isto era bom. Tentavam ligar, não só sua assistência às reuniões semanais, mas, acima de tudo, seu comparecimento à Comemoração, com alguma atividade diária inofensiva, e isto amiúde os salvava da prisão. Franz Kohlhofer, da vizinha Bamberg, relata:

“Neste determinado dia, os espiões ficaram especialmente ativos em vigiar as casas das testemunhas de Jeová, na esperança de apanhar algumas delas em atividade ilegal e então prendê-las. . . . Havíamos decidido, vários dias antes, reunir-nos para a celebração na casa dum irmão que criava porcos. Todo mundo deveria trazer uma cesta cheia de cascas de batatas e outros lixos. Tudo isso tinha de ocorrer apressadamente, porque a Gestapo poderia surgir a qualquer momento. Como precaução, levávamos juntos nossos baralhos, de modo a poder enganar a polícia caso nos surpreendesse. E adivinhem o que aconteceu! Assim que o irmão terminara sua oração final, ouviram-se batidas à porta. Mas já então nós quatro estávamos sentados ao redor da mesa inofensivamente empenhados num jogo de cartas. Dificilmente podiam crer no que seus olhos viam, ao fixarmos os olhos neles quieta e candidamente. Visto que não nos conseguiram apanhar na hora certa, viram-se obrigados a ir embora sem terem realizado aquilo que se propuseram fazer.”

BATISMO

Não foram poucos os que aprenderam a verdade, durante este tempo, que foram batizados sob as circunstâncias mais provadoras. Logo muitos dos recém-batizados foram lançados na prisão ou em campos de concentração, e vários deles perderam a vida da mesma forma que aqueles que lhes trouxeram as boas novas.

Paul Buder já tivera sua atenção voltada para o discurso “Milhões” lá atrás, em 1922, mas não entrou em íntimo contato com a verdade até 1935, quando uma jovem empregada no mesmo lugar que ele, e a respeito da qual tinha sido avisado pelos outros, lhe deu o livro Criação. “Isso foi em 12 de maio de 1935”, escreve ele em suas memórias, “e era aquilo que eu procurava. Em 19 de maio de 1935, deixei de ser membro da igreja e disse à jovem que eu gostaria de me tornar uma das testemunhas de Jeová. Quão feliz ela ficou! Ela já estivera presa por seis semanas, sendo acusada de ser colportora. Daí, entrei em contato com o irmão e a irmã Woite, da congregação de Forst. Apesar de ser tido como espião dos nazistas naquela congregação, ia regularmente de casa em casa em todos os povoados com minha pequena Bíblia de Lutero. Em 23 de julho de 1936, fui batizado no Rio Neisse em Forst, presentes o irmão e a irmã Woite, e também um irmão mais idoso que proferiu o discurso.”

Os batismos amiúde eram realizados em pequenos grupos, em casas particulares. De tempos a tempos, eram realizados ao ar livre, às vezes, com apenas alguns candidatos, outras vezes com mais. Heinrich Halstenberg nos conta sobre um batismo no Rio Weser.

“Em 1941, vários interessados expressaram seu desejo de ser batizados. Quando descobrimos que havia vários que tinham o mesmo desejo na vizinhança, começamos a procurar um local apropriado e o encontramos em Dehme, no Rio Weser. Depois de tudo ter sido bem considerado e cuidadosamente planejado, o batismo foi fixado para 8 de maio de 1941. Os irmãos e os candidatos ao batismo já estavam lá bem cedo de manhã. Para outros, parecia como se fôssemos um grupo que se divertia em nadar. Daí, de modo que ninguém nos pudesse surpreender, alguns foram enviados para ficar vigiando e, depois de se falar da importância do batismo, oramos a Jeová. Então, sessenta candidatos ao batismo foram imersos no rio. Outros, que eram idosos ou doentes demais para mergulhar na água fria, foram batizados em particular numa banheira, perfazendo um total de 87 batizados naquela dia.”

COMEÇA UMA CAÇADA HUMANA

Albert Wandres tinha sido um dos diretores regionais de serviço muito antes de 7 de outubro de 1934, e seu nome logo se tornou bem conhecido da Gestapo, em especial pela constante corrente de julgamentos nas várias cidades do Ruhr em que ele trabalhava. Em resposta à pergunta sobre onde os réus obtiveram suas publicações, o nome “Wandres” era ouvido com freqüência. A Gestapo fez todo esforço para colocá-lo sob custódia. Astutamente, contudo, ele pedira a todos os irmãos que tinham retratos dele que os devolvessem ou que os destruíssem. O resultado foi que, embora a Gestapo soubesse seu nome, não tinha idéia de sua aparência. Não caiu nas mãos de seus perseguidores senão depois de uma caçada humana de três anos e meio. Ouçamos o irmão Wandres nos contar algumas de suas experiências em sua atividade às ocultas.

“Por certo tempo, encontrei vários irmãos em Düsseldorf numa mercearia dum irmão. Achamos que, se entrássemos e saíssemos da loja pouco antes da hora de fechar, isso seria menos notado. Certa vez já estávamos juntos por cerca de uma hora quando a Gestapo de súbito exigiu entrar. Bem na hora, fugi do depósito de armazenagem, onde realizamos nossa palestra, para a loja, que distava apenas alguns passos. Felizmente, as luzes já tinham sido apagadas. Instantes depois, entraram como um relâmpago no depósito de armazenagem e prenderam todos os irmãos presentes. Deram buscas no inteiro depósito e encontraram minha pasta cheia de Sentinelas. Subitamente, um dos agentes gritou alegremente: ‘Eis o que procuramos! A quem pertence a pasta?’ Ninguém respondeu. Então ele exigiu saber onde eram os alojamentos do dono da loja. ‘No terceiro andar’ foi a resposta. ‘Saiam’, bradou o agente da Gestapo, e todos os irmãos subiram as escadas até o apartamento, com os agentes da Gestapo perseguindo-os com ardor, esperando encontrar no apartamento do irmão aquele a quem procuravam.

“Entrei então de novo com cautela no depósito de armazenagem, coloquei meu casaco e chapéu, apanhei minha pasta e verifiquei se não havia ninguém do lado de fora, na rua. Daí, parti apressado. Quando os cavalheiros voltaram lá de cima, descobriram, para tristeza deles, que seu “pássaro” escapara da gaiola, e já estava a caminho de Elberfeld-Barmen.” Adiciona o irmão Wandres: “Isto é muito divertido e bom de se contar, mas, passar a pessoa mesma por tudo isso é outra história.”

“Certa vez”, continua o irmão Wandres, “eu levava duas malas pesadas, cheias dos livros Preparação, para Bonn e Kassel. Haviam sido enviadas através da fronteira perto de Trier. Cheguei em Bonn em fins da noite e deixei as malas num lugar seguro no porão do servo de congregação. Na manhã seguinte, por volta das 5,30, tocou a campainha. A Gestapo viera de novo dar buscas no apartamento. O irmão Arthur Winkler, naquele tempo servo de congregação, bateu à minha porta e trouxe à minha atenção as visitas indesejadas. Visto que não havia possibilidade de escapar, decidimos preparar-nos para o que desse e viesse. Quando a polícia entrou no meu quarto, perguntaram o que fazia ali e respondi brevemente que fazia uma excursão pelo Rio Reno e desejava visitar o Jardim Botânico de Bonn. Examinaram cuidadosamente meus documentos e, embora um pouco inseguros, os devolveram então a mim. O irmão Winkler teve de ir com eles até a chefatura de polícia, onde um dos agentes disse a seu superior — segundo o irmão Winkler me contou mais tarde — ‘Havia outra pessoa lá.’ ‘Vocês não o trouxeram? Não resta dúvida que foram as pessoas bem indicadas para se mandar até lá.’ ‘Por quê?’ um deles perguntou. ‘Devemos voltar e pegá-lo?’ ‘Pegá-lo? Acha que está esperando a sua volta?’ Na realidade os agentes mal acabaram de sair da casa quando eu também parti com uma das duas malas (eles não as encontraram), que levei junto para Kassel.

“Chegando em Kassel, o servo de congregação, o irmão Hochgräfe, me contou: ‘Não pode ficar aqui. Precisa partir imediatamente. A Gestapo está vindo toda manhã a esta casa, já por uma semana.’ Concordamos que ele deveria andar uns 50 metros na minha frente, e me mostrar o caminho até um lugar onde pudesse deixar as publicações. Mal tínhamos andado mais de duzentos metros pela linda Kastanienallee quando os agentes da Gestapo, que conheciam bem o servo de congregação, se aproximaram de nós. Visto que eu o seguia a uns cinqüenta metros de distância, pude ver o sorriso zombeteiro deles, mas não o detiveram. Alguns minutos depois, as publicações por meio das quais os irmãos podiam ser fortalecidos em sua fé mais uma vez tinham sido levadas a um lugar seguro.

“Outra vez, eu levava duas malas pesadas de publicações para Burgsolms, perto de Wetzlar. Eram 23 horas e tudo estava escuro como o breu. Dificilmente alguém poderia verme, mas ainda assim tinha a estranha sensação de estar sendo vigiado. Depois de chegar a meu destino, avisei aos irmãos que escondessem as malas num local seguro. Por volta das 5,30 da manhã seguinte, veio o sargento de polícia da cidade. Eu estava em pé no meio do quarto, preparando-me para me lavar, quando ele se voltou para a irmã e disse: ‘Ontem à noite um homem com duas malas pesadas veio aqui. Sem dúvida obtiveram publicações novamente. Onde as colocaram?’ A irmã respondeu: ‘Meu marido já foi trabalhar. E não sei o que aconteceu ontem à noite porque não estava em casa!’ O sargento replicou: ‘Se não entregar voluntariamente as malas, então teremos de dar buscas na casa à procura delas. Eu vou procurar o prefeito, pois sem ele não posso realizar a busca. Mas, até que eu volte, está proibida de sair da casa.’ Durante esta inteira palestra, eu estava em pé no meio do quarto, imaginando por que agente tinha aquele olhar vidrado e por que nem seque falara comigo. Só podia concluir que ele fora como que cegado. Depois de ele sair para procurar o prefeito, aprontei-me para partir imediatamente. Fui para o lado de fora e esperei atrás da casa até que o prefeito e o sargento de Polícia entrassem na casa pela frente. Nesse momento, saí sorrateiramente lá de trás. Os vizinhos, que por acaso viram isto, ficaram evidentemente contentes por eu ter escapado. Terminei de me vestir no meio do mato e então corri tão rápido quanto pude para a seguinte estação de trem e continuei a viagem.”

Os outros diretores regionais de serviço tiveram experiências similares.

PROVAÇÃO DE OUTRA ESPÉCIE

Durante os anos de 1934 a 1936, os pastores fiéis apoiavam seus irmãos por toda a Alemanha, encorajando-os a freqüentar as reuniões e, se possível, participar em todos o, ramos de serviço, apesar da perseguição. No ínterim, realizou-se um julgamento em Halle, em 17 de dezembro de 1935, contra Balzereit, Dollinger e sete outros considerados irmãos “destacados”. Pelo menos para a metade deles, isso foi o fim de sua carreira cristã.

Muitos irmãos, nos numerosos julgamentos que ocorriam na Alemanha, naquele tempo, admitiam abertamente o que fizeram na promoção dos interesses do Reino sob condições provadores. Em contraste, estes homens sob julgamento em Halle negavam ter feito qualquer coisa proibida pelo Governo. Balzereit, quando o presidente lhe perguntou o que tinha a dizer, afirmou que logo que a proscrição fora anunciada na Baviera, ele enviara instruções para não se trabalhar ali, e que o mesmo se dera em todos os demais estados. Disse que jamais enviara instruções que encorajassem qualquer pessoa a desconsiderar a proscrição.

Quando o presidente lhe perguntou sobre a Comemoração anual da morte de Cristo, Balzereit respondeu que ele também tinha ouvido dizer que os irmãos planejavam reunir-se para celebrá-la, apesar da proscrição. Ele os avisara sobre isto, contudo, visto que sabia que a polícia planejava uma ação especial para esse dia.

Naturalmente, a atitude pessoal do réu com respeito ao serviço militar veio à tona, assim como acontecera em todos os julgamentos naquele tempo. Ele se declarou completamente satisfeito com a explicação do Führer, a saber, que a própria guerra era um crime, mas que todo país tinha o direito e o dever de proteger a vida de seus cidadãos.

Pouco depois, o irmão Rutherford escreveu a seguinte carta aos irmãos alemães:

“Ao povo fiel de Jeová na Alemanha:

“Apesar da perseguição iníqua sobre os irmãos, e a grande oposição levantada pelos agentes de Satanás nesse país, é animador saber que o Senhor ainda dispõe de alguns milhares nesse país que têm fé nele e que persistem em proclamar a mensagem do Seu reino. Sua fidelidade em fazer frente aos perseguidores e em permanecer fiéis ao Senhor se acha em notável contraste com a ação tomada por aquele que anteriormente era o encarregado da Sociedade na Alemanha, e outros associados com ele. Recentemente, uma cópia do testemunho dado no julgamento desses homens em Halle me foi fornecida, e fiquei atônito de verificar nela que nem um só dos julgados naquela ocasião deu um testemunho fiel e verdadeiro do nome de Jeová. Cabia especialmente ao anterior encarregado, Balzereit, levantar bem alto o estandarte do Senhor e declarar-se a favor de Deus e seu reino, no meio de toda a oposição, mas nem uma palavra sequer foi proferida que mostrasse sua completa confiança em Jeová. Vez após vez, eu trouxera à atenção dele o fato de que certas coisas poderiam ser feitas na Alemanha e ele me assegurou de que fazia todo esforço para encorajar os irmãos a prosseguir com o testemunho. Mas, no julgamento ele declarou com ênfase que não se fizera nada. É desnecessário que eu considere mais esse assunto aqui. Basta dizer que a Sociedade, daqui em diante, não terá nada que ver com ele, nem com aqueles que, nessa ocasião tiveram oportunidade de dar testemunho do nome de Jeová e do Seu reino e deixaram de fazê-lo. A Sociedade não fará nenhum esforço de procurar libertá-los da prisão, mesmo se tivesse poder de fazer algo.

“Que todos que agora amam o Senhor voltem seus rostos para Ele, Jeová, e seu Rei, e permaneçam fiéis e firmes do lado do reino, sem considerar toda oposição que talvez lhes sobrevenha. . ..”

O assunto foi considerado no número em alemão da Sentinela de 15 de julho de 1936, como aviso para aqueles que desejavam sinceramente ser testemunhas fiéis de Jeová, sob todas as circunstâncias.

Em contraste com muitos dos irmãos fiéis da Alemanha, que foram sentenciados a termos de até cinco anos de prisão, Balzereit foi condenado a dois anos e meio e Dollinger a dois anos. Depois de cumprir sua sentença na prisão, Balzereit foi enviado ao campo de concentração de Sachsenhausen, onde foi obrigado a desempenhar um papel extremamente inglório. Assinara a declaração em que renunciava à associação com os irmãos e evitava todo contato com eles. Devido à sua conduta, foi liberto cerca de um ano depois, mas, no ínterim, viu-se obrigado a suportar muitas humilhações, pois, basicamente, as SS também odiavam os traidores. Foram as próprias SS que lhe deram o nome “Belzebu”, e um dos homens das SS exigiu que certa vez ficasse em pé na frente de todos os seus irmãos — havia cerca de 300 no campo, nessa época — e repetisse sua declaração assinada, renunciando à associação com as testemunhas de Jeová, e ele fez isso!

Em 1946, tempo em que Balzereit já se tornara violento opositor da verdade, ele escreveu uma carta às autoridades de reparação, revelando a atitude hostil que tinha até mesma antes do julgamento. Assim findou um capítulo obscuro na história do povo de Deus na Alemanha, cujas primeiras linhas já tinham sido escritas na década de 1920.

A GESTAPO GOLPEIA — 28 DE AGOSTO DE 1936

Passaram-se dois anos de zelosa atividade, durante os quais a Gestapo deixou de exercer qualquer influência real sobre a organizada atividade às ocultas, apesar de sua cuidadosa vigilância sobre todas as testemunhas de Jeová conhecidas. Mas, com o tempo, ficaram sabendo cada vez mais sobre nossa atividade e em breve estavam bem informados do que fazíamos. Para ajudar a combater-nos, um “Comando especial da Gestapo” foi formado, segundo um aviso confidencial enviado à prussiana Polícia Secreta do Estado, datado de 24 junho de 1936.

Na primeira metade de 1936, a Polícia Secreta do Estado compilou vasto arquivo que continha os endereços de pessoas que eram suspeitas de ser testemunhas de Jeová, ou, pelo menos, de ser amigáveis para com elas. Este arquivo se baseava, em grande grau, nos endereços encontrados no livro Maná Celeste Diário, confiscado nas buscas às casas. Cursos especiais foram então ministrados aos agentes da Gestapo. Foram instruídos a dirigir o estudo da Sentinela; tinham de estudar cuidadosamente os artigos mais recentes da Sentinela, de modo que pudessem responder às perguntas como se fossem irmãos. Por fim, tinham até mesmo de aprender a orar. Tudo isto visava, se possível, penetrar bem no meio da organização e destruí-la de dentro.

Anton Kötgen, de Münster, relata que, depois de entregar as publicações a uma senhora “amigável”, foi prontamente detido e lançado na prisão. Ao mesmo tempo, o irmão Kötgen prossegue dizendo: “Os agentes da Gestapo visitaram minha esposa, que estava do lado de fora, no jardim. Apresentaram-se como irmãos, mas apenas visando descobrir os nomes dos outros irmãos. Minha esposa logo percebeu sua tramóia, e os revelou como sendo agentes da Gestapo.” Mas, não foi em todo o caso que a Gestapo foi reconhecida a tempo.

No ínterim, o irmão Rutherford planejava uma viagem à Suíça e desejava, se possível, falar com os irmãos da Alemanha. Foram feitos arranjos para um congresso em Lucerna, de 4 a 7 de setembro de 1936. o escritório central na Suíça sugerirá que compilássemos vários relatórios dos irmãos, de toda a Alemanha, a respeito de suas detenções, os maus tratos sofridos às mãos da Gestapo, de serem despedidos de seus empregos por se recusarem a fazer a “saudação alemã”, e também relatórios de casos em que os irmãos morreram em resultado de maus tratos, e assim por diante. Tais relatórios deveriam ser levados secretamente para a Suíça antes de o congresso se iniciar de modo que o irmão Rutherford tivesse a oportunidade de examiná-los.

Mas, de súbito, em 28 de agosto de 1936, a Gestapo deu um golpe impiedoso conjugado, lançando em operação uma campanha em que as testemunhas de Jeová foram caçadas como bestas feras. Todas as forças disponíveis foram mobilizadas, tanto de dia como de noite, mas principalmente à noite, na tentativa de capturar as testemunhas de Jeová. Todas as informações que a Gestapo reunira nos meses precedentes se provaram então de grande ajuda para eles. Pessoas insuspeitas inclusive algumas que jamais pretenderam ser testemunhas de Jeová, foram apanhadas na rede. Tais pessoas, naturalmente, estavam mais do que dispostas a contar à Gestapo tudo que sabiam sobre as testemunhas de Jeová, de modo que pudessem recuperar sua liberdade; e, embora amiúde parecesse bem pouco o que sabiam, todavia, estes retalhos de informações ajudaram a completar o quadro que a Gestapo até então já conseguira montar. Em audiências posteriores, a Gestapo amiúde se jactava de que tais informações os ajudaram a capturar milhares de pessoas, a maioria das quais foram lançadas em prisões e, mais tarde, em campos de concentração.

Quando a campanha da Gestapo atingiu por fim a máxima velocidade, grande ofensiva teve êxito em colocar sob custódia o irmão Winkler, que naquele tempo era o encarregado de toda a obra na Alemanha, e a maioria dos diretores regionais de serviço, cujos nomes e territórios, na maioria dos casos, já eram conhecidos. A Gestapo julgava que esta “campanha” era de tamanho importância que a inteira rede polícial ficou envolvida em golpear as testemunhas de Jeová, deixando os elementos criminosos do submundo sem serem molestados.

O trabalho pormenorizado da Gestapo, num período de vários meses, levara à descoberta de que se realizavam importantes reuniões entre o irmão Winkler e outros servos responsáveis de toda a Alemanha no jardim zoológico de Berlim. Isto se dava especialmente na parte mais quente do ano. Tais reuniões puderam ser camufladas por muito tempo por meio da agência de alugar cadeiras do irmão Varduhn ali. Sem ser notado, podia dizer aos irmãos que chegavam onde é que um irmão os esperava no jardim zoológico, e levá-los a um local seguro, onde se dava a palestra. Sempre que havia perigo pairando no ar, avisava-os simplesmente por se dirigir aos irmãos e receber o pagamento pelas cadeiras que eles “alugaram”. Mas, este maravilhoso arranjo não permaneceria secreto por muito tempo. De uma forma ou de outra, a Gestapo descobrira os pormenores, e isso resultou ser lhes de ajuda em seu astucioso plano de ataque. O irmão Klohe, que estava ele mesmo envolvido, conta-nos o que aconteceu naqueles dias excitantes em Berlim:

“Eu aguardava o congresso de Lucerna, tinha boas oportunidades de poder comparecer, visto que já conseguira obter um visto suíço. Mas, antes disso, queria ir a Leipzig considerar assuntos de organização com o irmão Frost, cujo território eu deveria assumir como diretor regional de serviço, visto que surgira uma vaga com a prisão do irmão Paul Grossman. Não consegui alcançar o irmão Frost, contudo e no lugar onde esperava encontrá-lo fui recebido ao invés pela Gestapo. Fiquei completamente paralisado, de início pois logo quando iria iniciar tal serviço animador, eu seria privado da associação com meus irmãos e levado pela Gestapo para Leipzig. [Dali foi levado para Berlim.]

“No ínterim, a Gestapo ficara sabendo que tínhamos um local de reunião no jardim zoológico e descobriram muitas outras coisas sobre a nossa organização. Estas informações foram obtidas por vários modos, inclusive por chantagem.

“Alguns dias depois, cinco oficiais, armados de pistolas carregadas, apareceram subitamente, me mandaram pôr minhas roupas civis, e me levaram ao local próximo do lago de peixes dourados onde o irmão Varduhn alugava suas cadeiras de jardim. Não suspeitavam, contudo, que ele fosse uma das testemunhas de Jeová. Agora eu deveria servir de ‘isca’ para meus irmãos, que por fim apareceriam para a reunião planejada, sobre a qual a Gestapo obtivera então informações.

“Mal acabara de me sentar onde me mandaram quando vi nossa irmã Hildegard Mesch vir-se aproximando de mim. Ela ficara imaginando por que eu não me dirigira até eles visto que era esperado, e queria então saber por que não viera. Visto que minhas canelas inchadas estavam muito doloridas devido aos golpes que eu recebera, os oficiais não suspeitaram de nada quando subitamente me curvei, fazendo uma careta de dor, no momento exato em que ela passava do outro lado da alameda, e eu tentava ao mesmo tempo fazer-lhe um sinal, com os olhos, de que a Gestapo estava no jardim zoológico. Ela entendeu, hesitou por um segundo apenas, e então retornou ao irmão Varduhn, a quem informou desta nova situação. Isto significava o maior dos perigos para o irmão Winkler, que realmente chegou pouco depois, e, sem suspeitar, sentou-se numa cadeira vazia. Logo depois o irmão Varduhn se aproximou dele, pedindo o pagamento do aluguel da cadeira, e ao mesmo tempo avisou-o de que os agentes da Gestapo estavam no jardim zoológico. O irmão Winkler logo se levantou, deixando sua pasta para trás e fugiu — segundo parecia — passando pelo círculo de agentes da Gestapo. Descobri mais tarde, que em fins da noite ele apareceu no apartamento do irmão Kassing, onde um grupo de agentes da Gestapo, que o esperava, o levou imediatamente sob custódia.”

Dentro de poucos dias, pelo menos a metade dos diretores regionais de serviço na Alemanha, junto com milhares de outros irmãos e amigos, tinham sido presos. Isto incluía o irmão Georg Bär, que relata:

“A cada noite, por volta das 22 horas, ouvia os presos serem levados de suas várias celas. Pouco depois, eu os ouvia serem espancados no porão, ouvia seus gritos e seus soluços. Cada noite, ao ouvir as portas das celas serem abertas, eu costumava pensar: Chegou a minha vez. Mas, não me incomodaram até que, por fim, no quarto ou quinto dia, por volta das 6 horas, fui chamado para interrogatório. Desta vez, era um homem das SS que me levou ao seu quarto e me mandou sentar. Então, disse: ‘Sabemos que nos poderia contar muito mais do que desejaria.’ Ficou em pé, apanhou um lápis que afiou na beirada da cesta de papel, e continuou seu pequeno discurso: ‘Não vou tornar as coisas difíceis para você, venha cá.’ Ele me pediu que chegasse até sua mesa mostrou-me várias páginas datilografadas e me deixou lê-las. Era uma lista de todos os servos viajantes da Alemanha, com meu nome no fim. Li os nomes das congregações que havíamos visitado, bem como os nomes dos irmãos ali. Preto no branco, li quantas publicações, fonógrafos e discos havíamos pedido. Também, as contribuições e outros fundos que havíamos entregue estavam alistados. Mal pude crer no que via. A nossa inteira organização subterrânea estava ali nas mãos da Gestapo. Na verdade, precisei de alguns minutos até conseguir pesar inteiramente a situação. Onde é que a Gestapo conseguira estes registros? Eu me perguntava. Se a minha própria atividade não estivesse alistada com tal exatidão, teria duvidado da veracidade do relatório. O homem da Gestapo-SS de Dresden, Bauch, que dirigia o interrogatório me deu tempo para ajuntar as idéias. Receio ter apresentado uma cara um tanto apavorada quando me sentei. Ele então disse: ‘Bem, realmente, não há motivo de permanecer em silêncio.’

“Por meses me atormentava a idéia de onde é que a Gestapo conseguira nossos registros. Mais tarde descobri que todos os nossos pedidos, relatórios e os fundos que havíamos entregue tinham sido cuidadosamente registrados num arquivo e guardados em Berlim. Mais tarde, este foi encontrado e confiscado pela Gestapo.”

ATIVIDADE INTRÉPIDA CONFUNDE A POLÍCIA

O congresso cuidadosamente planejado de Lucerna, de 4 a 7 de setembro de 1936, assumiu subitamente novo aspecto como resultado da prisão em massa que ocorrera duas semanas antes. Talvez o congresso, sobre o qual a Gestapo também tinha informações, determinasse a data de sua campanha contra nós. Pelo menos, fizeram tudo que podiam para tornar impossível o comparecimento dos irmãos alemães. Pode-se ver isto duma circular confidencial da Polícia Secreta do Estado, datada de 21 de agosto de 1936, que diz com respeito aos irmãos que viajariam para o congresso: “Tais pessoas devem ser impedidas de deixar o país. O passaporte é confiscado em tais casos.”

Na realidade, dentre as mais de mil pessoas que planejaram fazer a viagem, apenas trezentas conseguiram fazê-la. Mas, a maioria delas tiveram de atravessar ilegalmente as fronteiras e muitas foram presas ao voltar.

O irmão Rutherford naturalmente aproveitou a oportunidade de falar aos servos da Alemanha que estavam presentes sobre os problemas deles. Estava especialmente interessado em como cuidar espiritualmente dos irmãos. Heinrich Dwenger estava presente, e relata, a respeito da continuação da palestra:

“Pediu-se então aos diretores regionais de serviço que fizessem sugestões. Eles recomendaram que o irmão Rutherford me enviasse de volta à Alemanha. Haviam pedido que eu mesmo fizesse essa sugestão, mas eu lhes disse que não poderia fazê-la, visto ter sido enviado a Praga, e não podia dizer que desejava retornar à Alemanha. Pareceria dessatisfeito com minha designação. Assim aconteceu que, por certo tempo, o irmão Frost foi designado para assumir a responsabilidade. Então o irmão Rutherford perguntou: ‘O que acontecerá se for preso?’ No caso da prisão do irmão Frost, o irmão Distei foi recomendado pelos irmãos para substituí-lo.’

Adotou-se uma resolução, e cerca de duas a três mil cópias delas foram enviadas a Hitler e a seus escritórios governamentais na Alemanha. Uma cópia adicional foi enviada ao papa em Roma. A confirmação da entrega tanto ao Vaticano, em Roma, como à Chancelaria do Reich, em Berlim, foi recebida por Franz Zürcher, de Berna, que, segundo o desejo expresso no congresso, enviara as resoluções em 9 de setembro de 1936. A resolução, que continha três páginas e meia datilografadas, incluía as seguintes idéias:

“Levantamos fortes objeções ao tratamento cruel das Testemunhas de Jeová pela Hierarquia Católica Romana e seus aliados na Alemanha, bem como em todas as outras partes do mundo, mas deixamos o resultado do assunto inteiramente nas mãos do Senhor, nosso Deus, que, segundo sua Palavra, recompensará plenamente. . . . Enviamos sinceras saudações aos nossos irmãos perseguidos na Alemanha e lhes pedimos que permaneçam corajosos e que confiem completamente nas promessas do Deus Onipotente, Jeová, e em Cristo. . . .”

Foram feitos arranjos para se distribuir a resolução adotada ali a um grande número de pessoas na Alemanha, por meio de uma campanha relâmpago. Das 300.000 cópias impressas em Berna, 200.000 foram enviadas a Praga, de onde foram levadas através da fronteira, perto de Zittau e outros lugares nas montanhas Riesen. As outras 100.000 cópias deveriam ser levadas dos Países-Baixos para a Alemanha mas, triste é dizê-lo, foram confiscadas nos Países-Baixos. Assim, vários diretores regionais de serviço tiveram de fazer suas próprias cópias para Berlim e a Alemanha setentrional. A data para a distribuição seria 12 de dezembro de 1936, das 17 às 19 horas.

Segundo relatórios posteriores, cerca de 3.450 irmãos e irmãs tomaram parte. Cada um tinha vinte, ou, no máximo quarenta cópias, e a idéia era livrar-se deles tão rápido quanto possível no território a que a pessoa fora designada. Deviam ser simplesmente colocados nas caixas do correio ou metidos debaixo das portas.

Deixava-se uma cópia em cada casa; nos grandes prédios de apartamentos, em geral não mais de três cópias. Daí, os que distribuíam os panfletos corriam para uma rua vizinha e faziam o mesmo, de modo que se distribuíssem cópias por uma área tão grande quanto possível. O efeito sobre os opositores era devastador! Erich Frost, que estava em íntimo contato com o escritório em Praga durante os oito meses em que estivera encarregado da obra na Alemanha, entregou o seguinte relatório sobre esta campanha, durante uma de suas viagens a Praga:

“A distribuição da resolução resultou ser tremendo golpe no governo e na Gestapo. Foi distribuída num repentino impulso de atividade, em 12 de dezembro de 1936. Tudo foi preparado até nos mínimos pormenores, todos os trabalhadores fiéis foram avisados e cada um recebeu seu território e seu pacote de resoluções vinte e quatro horas antes de o trabalho ser iniciado, às 17 horas em ponto. Em questão de uma hora, a polícia e os homens das SA e SS estavam patrulhando as ruas na tentativa de pegar alguns dos corajosos distribuidores. Mas, só pegaram uns poucos, dificilmente mais de uma dúzia no país inteiro. Na seguinte terça-feira contudo, os oficiais surgiram em muitas das casas dos irmãos e os acusaram diretamente de participarem na distribuição. Nossos irmãos naturalmente, não sabiam nada sobre isso, e foram feitas poucas prisões.

“Agora, segundo a imprensa, há uma sensação não só de ira horrorizado por causa de nossa intrepidez, mas também de crescente temor. Ficaram inteiramente surpresos de que depois de quatro anos de terror por parte do governo de Hitler, ainda fora possível efetuar tal campanha com tanto segredo e em tão ampla escala. E, acima de tudo, têm medo da população. Muitos se queixaram à polícia, mas, quando os oficiais de polícia e outras autoridades fardadas iam até às casas e indagavam dos moradores se estes receberam os não tal folheto, eles negavam. Isto se dava porque, com efeito, apenas duas ou, no máximo, três famílias em cada prédio receberam tal resolução. A polícia não sabia disso naturalmente, e pensava que um deles tinha sido deixado em cada porta.

“Assim, acham que a populaça recebeu nossa resolução mas, por certos motivos, recusa admitir isso quando indagada pela polícia, e isto lhes causa extrema confusão e temor.”

A Gestapo ficou muitíssimo desapontada, pois pensava ter esmagado por completo nossa atividade com sua extensiva campanha de 28 de agosto. E, agora, encaravam a distribuição de nossa resolução, que consideravam ter sido mais ampla do que foi na realidade! Era inegável que o inimigo tivera êxito em abrir graves brechas nas fileiras do povo de Deus, mas jamais tivera êxito em parar por completo a obra. Os irmãos continuavam a cumprir sua comissão de pregar, como se depreende do relatório dos diretores regionais de serviço para o irmão Rutherford, que abrangia o período de 1.º de outubro a 1.º de dezembro de 1936. Os resultados eram como se segue: (todos os números são aproximados) 3.600 trabalhadores, 21.521 horas, 300 Bíblias, 9.629 livros e 19.304 folhetos. Isto se comparava favoravelmente com o último relatório mensal antes da onda de prisões (de 16 de maio a 15 de junho): 5.930 trabalhadores, 38.255 horas 962 Bíblias, 17.260 livros e 52.740 folhetos.

DENÚNCIA POR “CARTA ABERTA”

Em praticamente toda audiência de instrução e todo julgamento realizados depois de a resolução ser distribuíra, em 12 de dezembro de 1936, fez-se menção dela. As autoridades tornavam ainda mais difícil a situação para muitos irmãos porque, afirmavam, tais declarações não eram verídicas e não poderíamos oferecer provas de nossas afirmações. Os irmãos encarregados, portanto, sugeriram ao irmão Rutherford que uma “carta aberta” fosse distribuída numa “campanha relâmpago”, tal como tinha sido feito com a própria resolução. Daria à Gestapo uma resposta que provava serem inverídicas suas afirmações. O irmão Rutherford concordou e pediu ao irmão Harbeck, na Suíça, que redigisse a “carta aberta”, visto que tinha acesso a toda a matéria ajuntada até 1936 sobre a perseguição.

O seguinte parágrafo, citado dela, mostra claramente a espécie de argumentação dura que os irmãos usavam para responder de público a seus inimigos:

“A paciência e a vergonha cristãs nos restringiram já por suficiente tempo de trazer à atenção do público, tanto na Alemanha como em outras partes, estes ultrajes. Temos em nosso poder esmagadora quantidade de documentos que provam que os maus tratos cruéis mencionados acima, contra as testemunhas de Jeová, realmente ocorreram. Especialmente destacado na responsabilidade por tais maus tratos tem sido certo Theiss, de Dortmund, e Tennhoff e Heimann da polícia Secreta em Gelsenkirchen e Bochum. Não se restringiram de maltratar as mulheres com chicotes de cavalos e cassetetes de borracha. Theiss, de Dortmund, e um homem da Polícia do Estado em Hamm são especialmente famosos por sua crueldade sádica em maltratar as mulheres cristãs. Estamos de posse de nomes e pormenores de dezoito casos em que testemunhas de Jeová foram violentamente mortas. No início de outubro de 1936, por exemplo, uma das testemunhas de Jeová, chamada Peter Heinen, da Rua Neuhüller, Gelsenkirchen, Vestfália, foi espancado até morrer por oficiais da Polícia Secreta na prefeitura de Gelsenkirchen. Este trágico incidente foi comunicado ao Chanceler do Reich, Adolf Hitler. Cópias foram também enviadas ao Ministro do Reich, Rudolf Hess, e ao chefe da Polícia Secreta, Himmler.”

Depois de a “carta aberta” ter sido redigida, o texto inteiro foi escrito em estênceis de alumínio em Berna e enviado a Praga. De tempos a tempos, Ilse Unterdörfer, que trabalhava de perto com o irmão Frost na atividade subterrânea, foi por ele instruída que levasse relatórios e apanhasse informações ali. Em uma dessas viagens a Praga, a irmã Unterdörfer recebeu os estênceis com os quais seria mimeografado a “carta aberta” num mimeógrafo Rotaprint que se acabara de comprar. Em 20 de março de 1937, a irmã Unterdörfer chegou a Berlim com seu precioso pacote.

“Aceitei o pacote”, relata o irmão Frost, “e então passei este material ‘perigoso’ para outra irmã, que se certificou de que fosse colocado num lugar seguro. Essa noite, eu e a irmã Unterdörfer, que trouxera estes valiosos estênceis, fomos ambos presos no lugar em que pousávamos. Embora fosse difícil aceitarmos o fato de ter perdido nossa liberdade durante o resto da ditadura nazista, ainda nos sentíamos felizes de saber que garantíramos a segurança da nova campanha de folhetos.”

Mas, o irmão Frost estava equivocado. Ao ser transportada para a prisão, descobriu que o mimeógrafo Rotaprint estava bem ao lado dele no carro de polícia. A Gestapo o encontrara numa de suas buscas. Ademais, os estênceis, que não podiam ser usados em nenhuma outra máquina, aparentemente desapareceram e jamais foram encontrados.

Ida Strauss, a quem o irmão Frost dera os estênceis, e que estava bem a par dos pormenores da campanha pensava a mesma coisa. “Eu tinha os estênceis de alumínio em minha bolsa”, ela se lembra, “e os levava ao local onde o mimeógrafo estava. Já era tarde da noite e estava escuro; o dono da casa, uma pessoa interessada, estava em pé nas escadas e bradou: ‘Fuja imediatamente, procure um local seguro. A Gestapo confiscou o mimeógrafo, prendeu os irmãos e até alguns instantes atrás esperava por você, mas então os agentes finalmente desistiram.’ O que aconteceria agora? Nos próximos dias, descobri que muitos irmãos tinham sido presos naquela noite e não encontrei ninguém entre os irmãos que tivesse qualquer ligação com a organização.

“Comecei a procurar um irmão e várias irmãs destemidas o bastante para se dedicarem mais aos interesses da obra de Jeová. Sabia que estava na lista negra da Gestapo, e tinha de pensar que podia ser presa a qualquer hora. Quando isso aconteceu, senti-me feliz de que os interesses da obra estavam em mãos fiéis.”

No que diz respeito aos estênceis da “carta aberta”, a irmã Strauss também estava equivocada. Os estênceis não mais podiam ser usados, visto que o mimeógrafo fora confiscado, e não se achava disponível outro.

Agora que o irmão Frost tinha sido preso, Heinrich Dietschi ficou encarregado da obra, como se havia decidido em Lucerna, na palestra com o irmão Rutherford. Seu primeiro objetivo foi despachar esta “carta aberta”. Por conseguinte entrou em contato com o irmão Strohmeyer em Lemgo. Tanto o irmão Strohmeyer como o irmão Kluckhuhn acabavam de ser soltos da prisão, depois de cumprirem seis meses, por imprimirem o Anuário de 1936. Mas, o irmão Strohmeyer concordou em ajudar.

O problema era obter de novo os estênceis da Suíça. Desta vez, conseguimos matrizes de cartolina, que primeiro de tudo tinham de ser transformadas em estereótipos pelos irmãos, de modo que pudessem fazer as chapas para as prensas. O irmão Dietschi obtivera as matrizes da Suíça, depois de 200.000 cópias da “carta aberta” terem sido impressas ali, mas as tentativas de atravessar a fronteira com elas para a Alemanha tinham falhado.

Resolvida a questão da impressão, decidiu-se que a “carta aberta” seria distribuída numa “campanha relâmpago” a ser realizada em 20 de junho de 1937. A irmã Elfriede Löhr relata: “O irmão Dietschi organizou a campanha. Éramos todos corajosos, tudo tinha sido maravilhosamente arranjado e cada região possuía suficientes cartas. Apanhei uma grande mala cheia delas na estação de trem, para o território em torno de Breslau, e as levei aos irmãos em Liegnitz. Também tinha os meus próprios exemplares, que no tempo designado distribuí como todos os demais irmãos.”

A distribuição da “carta aberta” deve ter apanhado a Gestapo desprevenida, porque se jactavam durante meses de que tinham destruído por completo a organização. Isto apenas aumentou sua excitação. Era como se alguém subitamente mexesse num formigueiro. Como que em frenesi sem nenhum alvo claro diante deles, corriam em círculo na maior das confusões, especialmente as pessoas tais como Theiss, em Dortmund.

Mas, o tempo de triunfo de Theiss também chegara ao fim. Visto que Theiss cria não dever mostrar misericórdia alguma ao lidar com as testemunhas de Jeová, mandou que certo dia se desse busca numa casa de um ex-irmão chamado Wunsch, que, no ínterim, se desviara da verdade e servia como sargento-ajudante da força aérea de Hitler. Quando Wunsch voltou para casa, sua esposa lhe contou que a casa sofrera uma busca. Imediatamente se dirigiu a Theiss, em Dortmund, e lhe perguntou por que fizera isso. Surpreso de ver um sargento-ajudante da força aérea diante dele, Theiss gaguejou: “Faz parte dos Estudantes da Bíblia?” Replicou Wunsch: “Ouvi alguns dos seus discursos, mas eu ia a todo lugar em que pudesse ouvir algo.” Daí, a Sra. Theiss o interrompeu. Excitado, Theiss então se amansou e disse: “Caso soubesse, jamais teria tentado destruir os Estudantes da Bíblia. Isso pode fazer uma pessoa ficar maluca. A pessoa imagina que prendeu um dos animais e de súbito há outros dez que aparecem. Sinto ter começado todo esse negócio.”

Não é de se supor que a consciência deste agente do Diabo jamais se tivesse acalmado. Pelo contrário, o livro Kreuzzug gegen das Christentum (Cruzada Contra o Cristianismo), no subtítulo “Você ganhou, Galileu!”, concluía dizendo:

“Ouvimos dizer que Theiss, de Dortmund, que foi repetidas vezes mencionado, já por algum tempo sofre terríveis dores de consciência por causa dos seus atos criminosos e que os demônios o estão levando devagarzinho à insanidade. Há vários meses atrás, jactou-se de ter ‘feito em pedacinhos’ 150 das testemunhas de Jeová. Foi ele quem disse desafiadoramente: ‘Jeová, eu te declaro desprezo eterno, viva o rei de Babilônia.’

“Agora, contudo, procura tais pessoas, promete não atormentá-las e suplica-lhes que lhe digam o que precisa fazer para escapar da ameaçadora punição e para livrar-se do terrível tormento mental que está sofrendo. Afirma que recebera a ‘ordem de cima, de maltratá-las’, e que agora deseja parar, porque surgem novas testemunhas de Jeová a todo o tempo. Como Judas, depois de ter traído o Mestre ao inimigo, Theiss procura o arrependimento e não consegui achá-lo. Embora sejam poucos, ainda assim há casos em que os agentes da Gestapo e outros membros do partido ficaram tão abalados pela firmeza das testemunhas de Jeová que notaram o erro de seu proceder e deixaram seus empregos

A distribuição da “carta aberta” provocou grande ansiedade na Gestapo, e logo depois estenderam uma rede. Foi somente uma questão de dias até que uma pista os levo direto a Lemgo, e aos irmãos Strohmeyer e Kluckhuhn, que imprimiram a “carta aberta”. Conseguiram provar que haviam impresso pelo menos 69.000 exemplares. Ambos foral sentenciados a três anos de prisão, e, depois de terem cumprido sua sentença, a Gestapo os colocou em custódia protetora, chamando-os de “incorrigíveis”.

Visto que a maioria dos diretores regionais de serviço tinham sido presos, irmãs foram chamadas para preenche as lacunas e a manter contato entre o irmão Dietschi e a congregações. Uma delas era Elfriede Löhr, que tentou entrar em contato com o irmão Dietschi, depois de o irmão Frost e a irmã Unterdöfer terem sido presos. Ela viajou para Württemberg e, depois de procurá-lo, encontrou o irmã Dietschi em Stuttgart. Ele a levou junto para familiarizá-lo com os vários métodos de manter contato com os irmãos Preparativos extensivos foram também feitos para que um transmissor portátil fosse construído nos Países-Baixos e colocado em operações em algum tempo no outono setentrional de 1937. A Gestapo já tinha informações disso e ficou, furiosa com o irmão Dietschi, cujo nome conheciam, mais que se provou tão esquivo como o irmão Wandres.

Deve ter sido por volta desse mesmo tempo que a irmã Dietschi foi presa pela Gestapo e levada para o infame “Steinwache” em Dortmund. Tentaram obrigá-la a contar onde seu marido se escondia, mas ela se recusou a falar. Foi tão maltratada que uma de suas pernas ficou, depois disso, mais curta do que a outra. Além disso, teve de se completamente envolvida em ataduras embebidas de álcool por várias semanas depois de sua soltura.

RESULTADOS DO CONGRESSO EM PARIS DE 1937

O congresso de 1937 em Paris, como o do ano anterior em Lucerna, seria assistido pelo irmão Rutherford. Desta vez só alguns poucos irmãos conseguiram ir da Alemanha. O inimigo criara grandes lacunas nas fileiras dos irmãos. O irmão Riffel, um dos poucos que puderam assistir ao mesmo, contou mais tarde que, apenas em Lörrach e na vizinhança, quarenta irmãos e irmãs tinham sido presos, dez dos quais foram enforcados, submetidos à câmara de gás ou fuzilados, ou morreram de fome ou morreram devido aos resultados das “experiências médicas” dos campos de concentração.

Outra resolução foi adotada em Paris, mais uma vez delineando nossa posição clara e inquebrantável com respeito a Jeová e a seu reino sob a regência de Jesus Cristo e trazendo abertamente à atenção a perseguição brutal na Alemanha, avisando aos responsáveis de que receberiam o julgamento justo de Deus.

Durante a ausência de duas semanas da Alemanha do último diretor regional de serviço, ocorreram coisas. A irmã Löhr, que em geral estava presente nas reuniões semanais realizadas pelo irmão Dietschi, com cerca de quinze irmãos e irmãs para considerar os problemas de serviço, tinha sido presa. Aconteceu dessa forma:

Visto que as reuniões, na maioria dos casos, começavam por volta das 9 horas e amiúde duravam até às 17 horas, os irmãos e as irmãs perguntaram se não podiam almoçar juntos. A irmã Löhr fora convidada a cozinhar. Por motivos de segurança, os irmãos mudavam o local de reunião de semana em semana, destarte tornando necessário transferir de um local para o próximo o grande caldeirão usado para preparar a refeição. Ninguém sabe se a Gestapo descobriu isso por meio dos irmãos recentemente presos ou por algum outro meio, mas realmente descobriu onde fora realizada a última reunião antes do congresso de Paris. A Gestapo manteve esse apartamento sob observação, e, quando a irmã Löhr veio apanhar o caldeirão, cerca de três ou quatro dias antes da seguinte reunião, foi seguida pela Gestapo até o novo local de reunião e prontamente presa. A Gestapo logo descobriu que não só encontrara o novo local de reunião mas também o esconderijo secreto do irmão Dietschi. Depois do congresso de Paris, ele voltou direto para Berlim e, sem verificar se havia qualquer possível perigo, dirigiu-se ao apartamento. O irmão Dietschi caiu na armadilha e foi preso ali mesmo. Naturalmente, as reuniões com o grupo então menor de servos viajantes tiveram de ser mudadas quanto à ocasião e o local.

O irmão Dietschi servira incansavelmente por muitos anos na atividade subterrânea e não recuara em face de perigo. Foi sentenciado a quatro anos, mas, diferente da maioria de seus irmãos, não foi colocado num campo de concentração depois de ter cumprido sua sentença.

Em 1945, quando a obra começou a ser reorganizada, ele foi um dos primeiros a começar a servir as congregações como “servo aos irmãos”. Mas, infelizmente, anos depois começou a desenvolver suas próprias teorias e se desviou da organização de Jeová.

Mas, retornemos a 1937. Depois de perigosas lacunas na fileiras de nossos irmãos terem sido de novo abertas, o irmão Wandres tentou fechá-las, pelo menos temporariamente, de modo a assegurar aos irmãos seu alimento espiritual. Depois da prisão do irmão Franke, ele assumira seu território, mas agora se sentia responsável também por outros territórios desocupados, assim, pediu à irmã Auguste Schneider, de Bad Kreuznach, que entregasse o alimento espiritual aos irmãos em Bad Kreuznach, Mannheim, Kaiserslautern, Ludwigshafen, Baden-Baden e o inteiro território do Saar. Com todos os irmãos que tinham de viajar nesta época de extrema dificuldade, ela recebeu outro nome; dali em diante ela era “Paula”.

O irmão Wandres, compreendendo que o inimigo estava especialmente furioso na Saxônia, pediu a Hermann Emter de Friburgo, que cuidasse deste território. Em 3 de setembro ambos viajaram a Dresden. Embora o irmão Wandres jamais tivesse estado ali, a Gestapo os aguardava. Terminara uma caçada humana que durara três anos!

Perto de meados de setembro, em harmonia com arranjos feitos com o irmão Wandres, a insuspeitosa “Paula” esperava na estação ferroviária em Bingen, com duas grandes malas cheias de publicações. Subitamente, um cavalheiro se aproximou dela e disse: “Bom dia, Paula! Albert não vem, e você terá de me acompanhar!” Era inútil tentar resistir, pois o estranho era um agente da Gestapo. Acrescentou: “Não precisa esperar por Albert; já o agarramos e tomamos todo o seu dinheiro. . . . O Sr. Wandres disse que você estaria aqui, com duas grandes malas, e que você é Paula!” Até o dia de hoje constitui um mistério onde é que a Gestapo conseguiu tais informações. Mas, este era um método popular da Gestapo, isto é, afirmar que certos irmãos diziam certas coisas, de modo a minar a confiança entre os irmãos, fazendo com que se afastassem de tais “traidores”.

PLANO DE DETENÇÃO PERPÉTUA

Com esta série de prisões, findava importante era para os irmãos alemães. O período da atividade bem organizada se acabara. Tudo agora apontava para o início de nova fase na luta. O alvo da Gestapo era então: Cada pessoa suficientemente corajosa para se apegar a Jeová tinha de ser destruída, destarte destruindo a organização.

Segundo uma circular expedida pela Gestapo de Düsseldorf, em 12 de maio de 1937, os Estudantes da Bíblia deveriam ser dali em diante colocados nos campos de concentração, mesmo nos casos em que não existia nenhum mandado de prisão, mas à simples base de suspeita. Avisos similares foram enviados por toda a Alemanha. Ademais, os Estudantes da Bíblia deviam ser colocados automaticamente em campos de concentração, depois de cumprirem suas sentenças de prisão. Esta decisão se tornou mais severa e foi ampliada em abril de 1939. Dali em diante, apenas os dispostos a assinar uma declaração, dissociando-se de Jeová e de sua organização, deveriam ser libertos. Muitos irmãos nem sequer tiveram a oportunidade de decidir se assinariam a declaração.

Quando Heinrich Kaufmann, de Essen, terminou de cumprir sua sentença, e punha suas roupas civis, um agente criminal simplesmente lhe disse que seria colocado sob custódia protetora. Primeiro, levaram-no até a casa dele, que ele não visitava já por um ano e meio, e lhe perguntaram: “Deseja rescindir sua fé e seguir a Hitler?” Ao mesmo tempo, mostraram-lhe as chaves de sua casa e um pacote de 9 quilos de comestíveis, prometendo-lhe que sua esposa também retornaria do campo de concentração de Ravensbrück. O irmão Kaufmann rejeitou a oferta.

Às vezes se faziam tentativas para engodar os irmãos, como relata Ernst Wiesner. Pouco tempo antes de ser solto, colocaram um documento na sua frente. A declaração era de natureza tão geral que, depois de lê-la cuidadosamente, ele decidiu que poderia assinada. Mas, então veio o engodo. O irmão Wiesner deveria colocar sua assinatura no fim da página, mas a metade de baixo estava em branco. Não havia dúvida de que a Gestapo mais tarde adicionaria outras coisas que o irmão Wiesner não poderia subscrever com boa consciência. Mas, ele compreendeu de imediato o que desejavam e, antes de poderem impedi-lo, assinou seu nome logo abaixo do texto datilografado. O resultado foi que, apesar de sua assinatura, não foi liberto, mas foi informado pela polícia secreta, três semanas antes de terminar sua sentença, de que estava sendo transferido de imediato para um campo de concentração.

OS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO — ABISMOS ESCANCARADOS

No Vierteljahresheft für Zeitgeschichte (Publicação Trimestral de História), Hans Rothfels escreve em seu segundo panfleto para 1962: “Ser lançados nos campos de concentração era, para os Fervorosos Estudantes da Bíblia, a última e mais difícil fase de seu período de sofrimento sob os Nacionais-Socialistas. . . .”

O que consolava a maioria era que já havia irmãos fiéis encarcerados que estavam enrijecidos pelo calor da perseguição. Estar com eles e sentir seus cuidados amorosos era confortador e avivava os corações de cada novo “interno”.

Mas, sempre que a firmeza de nossos irmãos era observada e relatada ao governo, o único pensamento deste era com podia aumentar os sofrimentos dos irmãos. Assim, aconteceu que, por certo tempo, as testemunhas de Jeová recebiam, como questão de rotina, 25 chicotadas com um chicote de aço, além de muitos outros meios brutais de tortura, ao chegarem aos campos. Seu trabalho escravo começava a 4,30 da manhã, quando a campainha do campo soava para despertar a todos. Pouco depois, irrompia um tumulto: fazer as camas, lavar-se, beber café, atender a chamada — e tudo isso a toque de caixa. Não se permitia que ninguém fizesse nada em seu passo normal. Marchavam para responder à chamada, daí saíam para juntar-se às várias equipes de trabalho. O que se seguia então era um verdadeiro drama: carregar cascalhos, areia, pedras, postes, inteiras seções das barracas, e isto o dia inteiro — tudo a toque de caixa. Os capatazes, que gritavam com os presos sem cessar, e os obrigavam a chegar aos limites do que podiam suportar, eram os piores que Hitler poderia oferecer.

Lembrar que Jesus sofrera coisas similares era confortador e encorajador, e lhes dava força para perseverar sob o tratamento desumano.

A bem da variedade, “exercícios de castigo” às vezes eram ordenados sem nenhum motivo em especial. Os irmãos eram amiúde forçados a passar sem alimento. Poderia ser um verdadeira prova quando, ao invés de poder sentar-se e comer uma refeição, um irmão cansado era obrigado a fica em pé, em posição de sentido, por outras quatro ou cinco horas no pátio, e isto apenas porque no casaco de um do irmãos faltava um botão, ou ele cometera outra insignificante infração das regras.

Por fim, permitia-se que dormissem, se a fome deixasse. Mas, as noites não eram sempre só para se dormir. Amiúde um, ou, às vezes, vários dos infames “líderes do bloco” apareciam no meio da noite para aterrorizar os presos. Estes episódios às vezes começavam com tiros de revólver no ar ou nos caibros dos barracões. Daí, os presos eram forçados a correr em volta dos barracões, ou, às vezes, até mesmo a subir neles, de pijamas, isto enquanto os “líderes do bloco” desejassem. É compreensível que os irmãos mais idosos sofressem mais sob tais tratamentos, e custou a muitos deles a própria vida.

Em março de 1938, uma proscrição absoluta de correspondência entrou em vigor para as testemunhas de Jeová nos campos de concentração. Esta durou nove meses, durante os quais os irmãos não podiam entrar em contato com seus parentes, nem vice-versa. Mesmo depois de ser levantada esta proscrição, a limitação de que cada uma das testemunhas de Jeová só escrevesse cinco linhas por mês a seus parentes permaneceu em vigor por entre três e meio a quatro anos — em alguns campos durou ainda mais. O texto era preparado e rezava: “Recebi sua carta, muito obrigado. Estou bem, com saúde e vigor. . . .” Mas, há casos em que o aviso de morte chegou antes da carta que rezava: “Estou bem, com saúde e vigor.” No espaço em branco da carta, carimbava-se o seguinte texto: “O preso continua como antes, sendo um teimoso Estudante da Bíblia, e se recusa a rejeitar os falsos ensinos dos Estudantes da Bíblia. Por esta razão, foram-lhe negados os privilégios comuns de correspondência.”

“TRONCUDO” ENCONTRA UM ADVERSÁRIO À ALTURA

A vida num campo de concentração estava repleta de suas ansiedades diárias, amiúde causadas pelo próprio comandante do campo. Por certo tempo, o comandante de Sachsenhausen era um homem chamado Baranowsky, e, por causa de sua constituição forte, os presos logo o apelidaram de “Troncudo”.

Em geral recebia pessoalmente cada nova leva de prisioneiros e proferia seu “discurso de boas-vindas” a eles. Usualmente começava com as palavras: ‘Sou o comandante do campo e me chamam de “Troncudo”. Agora, ouçam bem todos vocês! Podem conseguir o que quiserem de mim — um balaço na cabeça, um balaço no peito, um balaço no estômago! Poderão cortar o pescoço se quiserem, ou rasgar suas veias! Poderão atirar-se contra a cerca eletrificada se quiserem. Simplesmente se lembrem de que meus rapazes são bons atiradores! Eles os mandarão direto para o céu!’ Jamais perdia uma oportunidade de zombar de Jeová ou de seu santo nome.

Mas, no início da proscrição sobre as testemunhas de Jeová, um rapaz de cerca de 23 anos, de Dinslaken, aprendera a verdade. Seu nome era August Dickmann. Embora não tivesse ainda sido batizado, a Gestapo o prendera e o levara a julgamento. Depois de cumprir sua pena, deixara que a Gestapo o pressionasse a assinar a “declaração”, sem dúvida na esperança de que isto o libertasse de mais perseguição. Apesar disto, foi lançado em Sachsenhausen em outubro de 1937, logo depois de cumprir sua pena. Os irmãos ali usavam toda oportunidade para manter palestras alegres e encorajadoras uns com os outros, e agora, estando entre eles, ele compreendeu que transigira com o inimigo devido à fraqueza. Arrependeu-se e pediu que fosse anulada a declaração que assinara.

No ínterim, seu irmão carnal, Heinrich, também fora lançado no campo de Sachsenhausen. August lhe contou que tinha assinado a declaração, mas que, no ínterim, mandara que fosse anulada.

As próximas semanas correram rápido. Quando irrompeu a Segunda Guerra Mundial, na última metade de 1939, o comandante do campo, Baranowsky, começou a executar seus planos. Viu a oportunidade chegar quando a esposa de August Dickmann lhe enviou sua folha de convocação militar, que havia sido enviada à casa deles em Dinslaken. Três dias depois de irromper a guerra, Dickmann foi chamado ao “departamento político”. Antes de se fazer a chamada, Heinrich, a quem August informara deste novo acontecimento, avisou-o de que, agora que irrompera a guerra devia preparar-se para tudo. Devia estar inteiramente certo do que queria fazer. August respondeu: “Podem fazer o que quiserem comigo. Não vou assinar e não vou transigir de novo.”

O interrogatório foi feito naquela tarde, mas August não voltou ao convívio dos irmãos. Como se soube mais tarde não só recusara assinar a folha de convocação militar, mas dera excelente testemunho. Foi lançado na solitária, numa masmorra, enquanto o comandante do campo avisou a Himmler do caso, pedindo permissão para executar Dickmann publicamente, na presença dos irmãos e do inteiro campo. Estava convicto de que grande número de testemunhas de Jeová assinariam a declaração se realmente se vissem confrontadas com a morte. A maioria até então se recusara a fazê-lo, mas apenas se tinham feito ameaças. Himmler respondeu, na volta do correio, que Dickmann fora sentenciado à morte e devia ser executado. Agora se abrira o caminho para que “Troncudo” realizasse seu ‘grande espetáculo’.

Era uma sexta-feira. Havia uma lúgubre quietude pairando sobre todo o campo, quando, de súbito, um grupo de comando apareceu e, num curto tempo, armou um estande de tiro no pátio. Isto, naturalmente, levou a toda espécie de rumores. A excitação foi ficando mais intensa quando foram dadas ordens para se largar o trabalho uma hora antes do usual. Paul Buder ainda se lembra de como, quando a turma de trabalho estava marchando de volta, um homem das SS lhe disse rindo: “Hoje é o Dia da Ascensão! Um de vocês irá para o céu hoje.”

Quando entrou a turma a que Heinrich Dickmann estava designado, o capataz do campo se aproximou dele e perguntou se ele sabia o que se passava. Quando respondeu que não, foi-lhe dito que seu irmão August seria fuzilado.

Mas, não havia tempo para longas palestras. Foram dadas ordens para que todos os presos marchassem para o campo. As testemunhas de Jeová foram colocadas bem na frente do local onde ficaria o pelotão de fuzilamento. Todos os olhos se fixavam nesse ponto. Os guardas das SS entraram marchando; as medidas de segurança eram quatro vezes maiores do que de costume. A tampa das metralhadoras foi retirada e as armas foram carregadas para uso imediato. Os homens das SS se empoleiravam no muro alto, aguardando ansiosamente o que iria acontecer — tantos deles que a pessoa pensaria que o grupo inteiro recebera ordens de estar presente a este espetáculo sanguinário. O portão principal era construído de fortes barras de ferro redondas, e os homens das SS, que amavam as sensações, estavam em pé sobre ele e pendurados nele como se fossem um cacho de uvas. Alguns deles até mesmo subiram nas barras transversais a fim de poderem ver melhor. Seus olhos estavam cheios, não só de curiosidade, mas de sede de sangue. Algumas faces revelavam certo horror, pois todos sabiam o que em breve aconteceria.

Acompanhado de vários altos oficiais das SS, August foi trazido, com as mãos atadas em sua frente. Todo o mundo ficou impressionado com sua calma e tranqüilidade, como se fosse alguém que já tinha vencido a batalha. Aproximadamente seiscentos irmãos estavam presentes, seu irmão carnal Heinrich estando em pé a apenas alguns metros.

Subitamente, houve um ruído dissonante nos alto-falantes ao serem ligados os microfones. Podia-se ouvir a voz de “Troncudo”: “Prisioneiros, ouçam!” Houve um silêncio imediato. Havia apenas a respiração ligeiramente asmática deste monstro, ao continuar:

“O preso August Dickmann, de Dinslaken, nascido em 7 de janeiro de 1910 recusa-se a fazer o serviço militar, afirmando ser um ‘cidadão do reino de Deus’. Ele disse: Quem derramar o sangue humano, terá o seu sangue derramado. Ele se colocou fora da sociedade e, segundo instruções do líder das SS, Himmler, deve ser executado.”

Ao passo que mortífero silêncio reinava sobre todo o pátio, “Troncudo” continuou: “Avisei a Dickmann, há uma hora atrás, que sua miserável vida seria eliminada às 18 horas.”

Um dos oficiais se aproximou e perguntou se se devia perguntar mais uma vez ao preso se mudara de idéia e estava disposto a assinar os documentos de convocação, no que “Troncudo” respondeu: “Isso não adiantaria.” Voltando-se para Dickmann, ordenou: “Vire-se, seu porco”, e então deu a ordem para atirar. Nisso, Dickmann foi baleado pelas costas por três homens das SS. Um destacado líder das SS mais tarde avançou e lhe deu um tiro na cabeça, fazendo o sangue escorrer-lhe pela bochecha. Depois de um dos homens de baixa patente das SS ter tirado as algemas, quatro irmãos foram instruídos a colocá-lo num caixão preto e levá-lo para a enfermaria.

Ao passo que todos os demais presos puderam então debandar, e ir para suas barracas, as testemunhas de Jeová tiveram que ficar. Chegara a hora de “Troncudo” fazer valer suas afirmações. Com grande ênfase, perguntou quem estava disposto agora a assinar a declaração — não só a rejeição da fé da pessoa, mas também indicando a disposição de se tornar soldado. Ninguém respondeu. Daí, dois foram à frente! Mas, não foi para assinar a declaração. Pediram que a assinatura de ambos, que apuseram aproximadamente um ano antes, fosse anulada!

Isto era demais para “Troncudo”. Furioso, deixou o pátio. Como seria de se esperar, os irmãos passaram maus momentos naquela noite e nos próximos dias. Mas, permaneceram firmes.

A execução de Dickmann foi anunciada várias vezes pelo rádio, nos dias seguintes, pelo que parece na esperança de intimidar outras Testemunhas ainda livres.

Três dias mais tarde, seu irmão Heinrich foi chamado ao “departamento político”. Dois altos agentes da Gestapo vieram de Berlim verificar qual tinha sido o efeito sobre ele da execução de seu irmão. Segundo seu próprio relatório ocorreu a seguinte conversação:

“‘Viu como seu irmão foi fuzilado?’ Minha resposta foi: ‘Vi.’ ‘O que aprendeu disso?’ ‘Eu sou e continuarei a ser uma das testemunhas de Jeová.’ ‘Então será o próximo a ser fuzilado.’ Pude responder a várias perguntas bíblicas, até que, por fim, o agente gritou: ‘Não quero saber o que está escrito, quero saber o que você pensa.’ E, ao passo que tentava mostrar-me a necessidade de se defender a pátria, continuava entremeando sentenças tais como: ‘Você será o próximo a ser fuzilado . . . a próxima cabeça a rolar . . . o próximo a cair.’ Até que o outro agente disse: ‘É inútil. Tome, complete os registros.’”

A declaração foi mais uma vez colocada diante do irmão Dickmann para que ele a assinasse. Recusou-se, dizendo: “Se eu reconhecesse o estado e o governo, por assinar isto, significaria que eu concordava com a execução de meu irmão. Não posso fazer isto.” A resposta: “Então poderá começar a calcular por quanto tempo ainda viverá.”

Mas, o que aconteceu com “Troncudo”, que zombava de Jeová e o desafiara como poucos humanos jamais o fizeram? Só foi visto no campo poucas vezes depois disso, e, daí, não foi mais visto. Os presos descobriram, contudo, que pouco depois da execução de August Dickmann, foi atacado de terrível moléstia. Morreu cinco meses depois, sem ter a oportunidade de zombar de novo de Jeová ou de suas testemunhas. “Comprei uma briga com Jeová. Veremos quem é mais forte, eu ou Jeová”, dissera “Troncudo”, em 20 de março de 1938, quando colocou os irmãos na “turma do isolamento”. A batalha fora decidida. “Troncudo” perdera. E ao passo que nossos irmãos foram soltos da “turma de isolamento” meses depois, e, em certos casos, obtiveram certa dose de alívio, continuava a circular por todo campo o rumor de que “Troncudo” ficara gravemente enfermo e que, quando os oficiais o visitavam em seu leito de doente, dizia em tom de lamúria: “Os Estudantes da Bíblia oram para que eu morra, porque deixei que seu homem fosse fuzilado!” Era também um fato que, depois de sua morte, a filha dele, quando se perguntava a causa da morte do pai, sempre respondia: “Os Estudantes da Bíblia oraram para que meu pai morresse.”

DACHAU

O irmão Friedrich Frey, de Röt, relata sobre o tratamento recebido pelo “grupo de isolamento” em Dachau: “Dificilmente se pode descrever a fome, o frio, os tormentos. Um oficial certa vez me deu uma botinada no estômago, provocando sério ferimento. Outra vez, minha espinha nasal ficou tão deformada pelos espancamentos repetidos que até o dia de hoje tenho dificuldades em respirar. Certa vez, um homem das SS me pegou comendo um punhado de migalhas secas de pão durante as horas de trabalho, para remediar a fome. Deu-me uma botinada no estômago e me derrubou no chão. Como punição adicional, fui pendurado num poste de três metros, com os braços algemados atrás. Esta posição anormal do corpo e seu peso provocavam um bloqueamento da circulação do sangue e cruciante dor. Um homem das SS pegou em ambas as minhas pernas e as moveu de um lado para o outro, gritando: ‘Ainda é testemunha de Jeová?’ Mas, eu não conseguia responder, visto que o suor da morte já escorria da minha testa. Adquiri disso um tique nervoso até o dia de hoje. Não podia deixar de pensar nas últimas horas de nosso Senhor e Mestre, com as mãos e pés atravessados por pregos.”

Em Dachau, pouco antes do “Natal”, foi erguida grande árvore de Natal, decorada com velas elétricas e outros enfeites. Os 45.000 presos do campo, inclusive mais de cem testemunhas de Jeová, esperavam ter alguns dias de paz. Mas, o que aconteceu? Às 20 horas da véspera do Natal, quando todos os detentos estavam em suas barracas, as sirenas do campo subitamente soaram; os presos deveriam marchar para o pátio tão rápido quanto pudessem. Podia-se ouvir a banda das SS tocando. Cinco companhias de tropas das SS, plenamente equipadas, entraram marchando. O comandante do campo, acompanhado de oficiais das SS, fez breve discurso, dizendo aos detentos que eles queriam celebrar o Natal com os presos essa noite de seu próprio modo especial. Então retirou uma lista de nomes de sua pasta e, por quase um hora, leu os nomes dos presos recomendados para castigo nas últimas semanas. Foi trazido e montado o tronco, e o primeiro preso foi amarrado a ele. Depois disso, dois homens das SS, equipados com um chicote de aço, tomaram seu lugares à direita e à esquerda do tronco, e começaram a espancar o preso, enquanto a banda tocava “Noite Silenciosa”; esperava-se que todos os presos cantassem também. Ao mesmo tempo, o preso que recebia as 25 chibatadas era obrigado a contá-las em voz alta. A cada vez que um preso era amarrado ao tronco, dois outros homens das SS vinham à frente para administrar o castigo. Deveras essa era uma forma digna de uma “nação cristã” celebrar o Natal!

Em face de tal tratamento, nossos irmãos precisavam ter forte fé, fortalecida pelo cuidadoso estudo da Palavra de Deus. Como deixar de estudar pode ser perigoso e deixar a pessoa sem preparo para tais provas foi sentido por Helmut Knöller. Deixemo-lo contar sua própria experiência:

“Meus primeiros dias em Dachau foram dificílimos. Com 20 anos, era o mais jovem dos recém-chegados. Fui designado a uma turma especial que tinha de trabalhar até mesmo aos domingos. Meu supervisor era especialmente duro comigo. Tinha de cumprir as tarefas mais difíceis, às quais não estava acostumado, a toque de caixa. Desmaiei repetidas vezes, mas voltava a mim cada vez por ser colocado no porão, com água até os quadris, e então derramavam água sobre a minha cabeça.

“Quase cheguei ao completo esgotamento físico. Isto prosseguia dia após dia e estava quase ao ponto de ficar desesperado, sabendo que poderia durar semanas a fio, sim, até meses. . . . Mas, as dificuldades se tornaram tão grandes que por fim eu me dirigi aos líderes do campo e assinei a declaração, indicando que não tinha mais nada que ver com os Estudantes Internacionais da Bíblia. Ter eu assinado a mesma foi resultado direto de insuficiente estudo de minha parte em casa. Meus pais estudavam muito pouco eles mesmos, e nós, os filhos, recebêramos apenas instruções falhas da parte deles. . . . Fora-me dito que eu poderia assinar tal declaração, visto que, primeiro de tudo, não se dizia nada nela sobre as testemunhas de Jeová, mas apenas sobre os Estudantes da Bíblia, e em segundo lugar, não era errado enganar o inimigo, se isto resultasse em sermos libertos a fim de podermos servir melhor a Jeová lá fora.” Foi somente mais tarde, em Sachsenhausen, que irmãos maduros o ajudaram a avaliar o significado da integridade cristã e edificar sua fé.

MAUTHAUSEN

Muito embora muitas pessoas fossem mortas nas câmaras de gás ou fossem cruelmente mortas em Dachau, todavia, Mauthausen era um campo regular de destruição. O comandante do campo, Ziereis, repetidas vezes disse que só estava interessado em atestados de óbito. Com efeito, num período de seis anos, 210.000 homens foram cremados nos dois modernos fornos que dispunham lá, uma média de cem por dia. Quando se fazia com que os presos trabalhassem de alguma forma, era em geral na pedreira. Um rochedo íngreme ali localizado era chamado de “muro de pára-quedistas” pelos desumanos homens das SS. Centenas de presos eram empurrados desse rochedo e então ficavam imóveis lá embaixo. Eram mortos pela queda ou se afogavam no buraco cheio de água da chuva. Muitos presos desalentados até mesmo se jogavam no abismo por sua livre vontade.

Outra atração era a chamada “escada da morte”. Uma pilha de 186 blocos soltos de vários tamanhos, empilhados um sobre o outro, era chamada de escada. Depois de os presos terem carregado pesadas pedras nos ombros até o topo, os homens das SS gostavam de provocar deslizamentos em massa por chutá-los ou lhes dar coronhadas com seus fuzis, destarte derrubando-os de costas sobre as “escadas”. Isto resultava em muitas mortes, o número de mortos aumentando devido às pedras que caíam de cima. Valentin Steinbach, de Francforte, lembra-se de que grupos de 120 homens ajuntados pela manhã, amiúde voltavam à noite com apenas cerca de 20 ainda vivos.

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO PARA MULHERES

Os campos de concentração foram construídos não só para os homens, mas também para as mulheres. Um deles entrou em operação já em 1935 em Moringen, perto de Hannover. Quando se tornou grave a pressão contra as testemunhas em 1937, o campo de Moringen começou a ser evacuado. Em dezembro, cerca de 600 detentas, inclusive várias irmãs foram levadas para o campo de Lichtenburgo. Visto que os esforços de fazer com que nossas irmãs mudassem de seu firme proceder haviam falhado, uma “equipe penal” foi formada. Seus supervisores lhes davam muito pouco o que comer, e constantemente tentavam encontrar motivos para dar-lhes castigos. O comandante do campo lhes disse: ‘Se quiserem continuar vivas, então venham a mim e assinem.

Um método usado na tentativa de fazer com que nossas irmãs violassem sua integridade é relatado por Ilse Unterdörfer: “Certo dia a irmã Elisabeth Lange, de Chemnitz, foi convocada a falar com o diretor. Ela se recusou resolutamente a assinar a declaração, no que foi levada a uma cela do porão deste velho castelo. Como qualquer pessoa familiarizada com velhos castelos e suas masmorras pode imaginar, isto foi extremamente provador. As celas eram buracos escuros, com pequena janela com barras de ferro. A cama era de pedra e a maioria do tempo a pessoa se via obrigada a ficar deitada nesta “cama” fria e dura, sem nem mesmo um saco de palha. A irmã Lange passou meio ano na solitária, neste buraco do porão. Embora sofresse fisicamente, não abalou sua determinação de permanecer fiel.”

Outro método empregado para tentar romper a firmeza de nossas irmãs era o árduo trabalho físico. Por este motivo, várias irmãs foram levadas a Ravensbrück. Foi em 15 de maio de 1939 que o primeiro grupo chegou, seguido de perto por outros. O campo logo cresceu a ponto de incluir 950 mulheres, cerca de 400 das quais eram testemunhas de Jeová. Todas elas recebiam ordens de fazer o trabalho mais difícil de construção e de limpeza, tarefas normalmente só exigidas de homens. O novo comandante do campo, especialmente famoso por sua brutalidade, pensou que conseguiria desgastar as irmãs por fazê-las desempenhar árduo trabalho físico.

Tal tratamento resultou naturalmente em muitas mortes. Daí, também grupos completos foram levados a Auschwitz, campo que como Mauthausen, estava especialmente equipado para a destruição em massa. As mulheres idosas, com saúde ruim ou que não satisfaziam os padrões dos homens das SS para as mulheres que pudessem produzir uma “raça superior” viam-se confrontadas com a morte. Berta Mauerer nos conta o que se passava ali:

“Éramos obrigadas a ficar nuas na frente duma comissão que fazia a seleção. Imediatamente depois, o primeiro grupo partiu para Auschwitz. Entre elas havia um número de irmãs que foram tapeadas em pensar que estavam sendo levadas para um campo em que as coisas seriam mais fáceis, embora todos soubessem que Auschwitz era ainda mais insuportável. Aquelas que constituíam o segundo grupo ouviram dizer a mesma coisa. Entre este grupo havia muitas irmãs fracas e doentias.” Logo depois, seus parentes foram notificados de suas mortes. Na maioria dos casos ‘doenças circulatórias’ foram alistadas como a causa da morte.

Outra coisa que poderia ter representado uma prova para as irmãs é relatado por Auguste Schneider, de Bad Kreuznach:

“Certo dia, uma prisioneira veio até mim e disse: ‘Sra. Schneider, eu vou-me embora daqui!’ Perguntei-lhe para onde ia e ela respondeu: ‘Há tantos homens aqui que um prostíbulo está sendo montado para os presos. Foi-nos indagado, e cerca de vinte a trinta mulheres se ofereceram. Dão-nos boas roupas e nos embelezam!’ Perguntei a ela onde iria ser isso, e ela respondeu: ‘No campo dos homens.’

“Dificilmente se pode descrever o que acontecia ali. Mas, certo dia um líder das SS me contou: ‘Sra. Schneider, a senhora já deve ter ouvido falar no que acontece no campo dos homens. Eu apenas queria que soubesse que nenhuma das testemunhas de Jeová tomou parte nisso!’”

Ravensbrück se tornou amplamente conhecido como o mais famoso de todos os campos de concentração para mulheres. Quando irrompeu a segunda guerra mundial, o número de irmãs ali já subira para cerca de quinhentos.

Certo dia, várias irmãs receberam súbitas ordens de deixar suas celas e foram postas a deixar brilhando todo o prédio, visto que Himmler indicara que viria fazer uma inspeção ali. Mas, o dia passou e ele deixou de aparecer. Nossas irmãs já se tinham preparado para deitar-se, isto é, já tinham tirado os sapatos, que serviam de travesseiro, mas, devido ao frio, dormiam com suas roupas de uso comum. Deitavam-se tão perto umas das outras quanto possível, de modo a se manterem aquecidas. De tempos a tempos, mudavam de posição, de modo que todas ficassem do lado de fora uma vez, pois ali era naturalmente mais frio. Subitamente, houve grandes ruídos nos corredores e as portas das celas começaram a se abrir. Nossas irmãs ficaram então em pé diante do homem que, na Alemanha, tinha o poder de vida ou morte. Himmler examinou criticamente as irmãs, lhes fez algumas perguntas e viu-se obrigado a reconhecer que não se dispunham a fazer quaisquer concessões.

Essa mesma noite, depois de Himmler e seus ajudantes terem partido, grande número de detentas foram chamadas e as outras detentas podiam ouvir seus gritos. Himmler introduzira o castigo “intensivo” também para as mulheres; recebiam 25 chibatadas com o chicote de aço em suas nádegas descobertas.

Uma irmã fala da coragem com que muitas enfrentaram seus problemas: “Em meu bloco havia uma mulher judia que aceitara a verdade. Certa noite, ela também foi despertada. Ouvi quando ela se levantou e tentei dizer-lhe uma palavra de conforto. Mas, ela disse: ‘Sei o que me espera. Mas, sinto-me feliz de ter aprendido sobre a maravilhosa esperança da ressurreição. Espero calmamente a morte.’ E, corajosamente, ela saiu.”

DIVISÕES AUMENTAM AS DIFICULDADES

Separados de seus irmãos de fora, os que estavam nos campos sentiam grande ânsia de alimento espiritual. Os recém-chegados eram inquiridos para se saber o que tinha sido publicado em A Sentinela. Às vezes, a informação era corretamente transmitida, e às vezes não era. Havia também irmãos que tentavam usar a Bíblia para fixar a data em que seriam libertos, e, embora os argumentos fossem fracos, alguns esperançosamente se apegavam a estas “insignificâncias”.

Durante essa época, um irmão dotado de excepcional memória foi mandado para Buchenwald. De início, sua habilidade de lembrar e de partilhar com os outros as coisas que aprendera foram uma fonte de encorajamento para os irmãos. Mas, com o tempo, tornou-se um ídolo, “a maravilha de Buchenwald”, e suas declarações, até mesmo suas opiniões pessoais, eram tidas como finais. De dezembro de 1937 até 1940, proferiu um discurso toda noite, cerca de mil ao todo, e muitos deles eram taquigrafados, a fim de serem mimeografados. Embora houvesse muitos irmãos mais idosos no campo que eram capazes de proferir discursos, este irmão era o único que fez isso. Quaisquer pessoas que não estivessem de pleno acordo com ele eram mencionadas como “inimigas do Reino”, e “da família de Acã”, a serem evitadas pelos “fiéis”. Quase quatrocentos irmãos mais ou menos dispostos seguiram este arranjo.

Aqueles assim rotulados de “inimigos” eram também irmãos que estiveram dispostos a arriscar sua vida para promover os interesses do Reino no melhor de suas habilidades. Eles, também, tinham sido mandados para o campo por causa de sua determinação de provar sua integridade, mesmo até à morte. Alguns deles não aplicavam plenamente os princípios bíblicos, é verdade. Todavia, quando procuraram estabelecer contato com os responsáveis, de modo que também pudessem beneficiar-se de qualquer alimento espiritual que se tornasse disponível em Buchenwald, estes consideravam como “abaixo de sua dignidade” considerar os assuntos.

Wilhelm Bathen, de Dinslaken, que ainda serve a Jeová, relata como ele pessoalmente foi atingido: “Quando compreendi que eu também tinha sido desassociado, fiquei espiritualmente tão abalado e deprimido que me perguntei como era possível tal coisa. . .. Amiúde ficava de joelhos e orava a Jeová para que me desse um sinal. Perguntava a mim mesmo se eu era culpado da situação, e se Ele também me havia desassociado. Eu tinha uma Bíblia e a lia à luz fraca e encontrava grande dose de conforto na idéia de que isto me acontecia como prova, de outra forma, eu já teria sido destruído, pois ser cortado do convívio dos irmãos era uma tremenda dor.”

Assim, imperfeições humanas e um conceito exagerado da própria importância, levaram a divisões entre o povo de Deus, resultando em severas provas para alguns.

VENCIDOS PELA PREOCUPAÇÃO DE “SOBREVIVER”

Alguns que foram colocados nos campos, determinados a não transigir, mais tarde permitiram que a preocupação com sua “sobrevivência” eclipsasse seu amor a Jeová e aos seu irmãos. Se a pessoa conseguia atingir alguma posição responsável na organização do campo, sendo-lhe confiada, supervisão de alguma esfera de atividade, não mais teria que esgotar sua força pelo trabalho árduo. Mas, isto era perigoso. Em muitos casos, exigia que trabalhasse de perto com as SS, que obrigasse os presos a trabalhar num ritmo mais acelerado e que denunciasse os detentos — até seu próprios irmãos — para castigo.

Certo irmão chamado Martens encontrou-se nessa situação quando estava no campo de Wewelsburgo. De início, tinha a supervisão sobre 250 Estudantes da Bíblia. Constantemente se empenhou em ser um excelente “ancião do campo” aos olhos das SS. Com o tempo, muitos presos políticos e outros foram acrescentados ao campo. Martens não queria perder sua posição, de modo que teve de patrocinar os interesses das SS e empregar seus métodos.

Não demorou muito até que proibia os irmãos de considerar o texto diário ou de orar juntos. Logo começou a revistá-los e a espancar com uma mangueira de borracha aqueles com quem encontrava uma cópia do texto diário. Certa manhã, quando vários irmãos oravam juntos, pulou no meio deles e interrompeu a sessão, dizendo: “Não conhecem as regras do campo? Acham que vou querer dificuldades só por causa de vocês?” Assim, muitos sofrimentos adicionais foram trazidos sobre grande número de irmãos fiéis devido a alguns poucos que perderam de vista seu alvo.

O PROBLEMA DA FOME

Depois de começar a Segunda Guerra Mundial, o alimento disponível era enviado às frentes. As refeições nos campos de concentração consistiam principalmente de um tipo de nabo que, em geral, só era usado para alimentar animais. Tudo era preparado com tamanha falta de amor que amiúde se ouvia os detentos dizer que até mesmo os porcos teriam recusado tal alimento. Mas, não era a questão de dispor de alimento apetitoso, era simplesmente uma questão de sobrevivência. Muitos morreram de fome. “Minha maior prova era a fome”, escreve o irmão Kurt Hedel, e explica por que, dizendo: “Tenho 1,87 de altura e normalmente peso uns 104 quilos. Mas, no inverno de 1939/1940, pesava apenas 40 quilos e até mesmo menos. Não era nada mais do que pele e ossos. Apesar do meu tamanho, não me davam mais o que comer do que davam aos menores do que eu. Amiúde apertava o meu estômago com os punhos, de dor, até que um irmão maduro me aconselhou a levar o problema a Jeová em oração, e pedir ajuda a ele para suportar a dor. Logo compreendi que grande ajuda é a oração em tais situações.” Outro irmão se lembra de que amiúde punha um punhado de areia na boca para combater as dores da fome.

Quão confortadora era a associação fraternal em tais situações. Sim, era muito comovedor ver irmãos, que estavam marcados para morrer, dar parte de suas reduzidíssimas rações de pão para aqueles que passavam momentos piores do que eles. Amiúde eram apenas migalhas que secretamente escondiam sob os travesseiros daqueles que, por uma ou outra razão, não haviam recebido nada para comer, e que foram obrigados a ficar em pé no pátio, em cortante frio, tendo muito pouco o que vestir. Quão suavizante era, para aqueles a quem o inimigo quase “abatera”, ouvir dum irmão maduro palavras encorajadoras que gotejavam como óleo sobre uma ferida e davam novo alento, numa ocasião em que sentiam que sua situação era intolerável! E quão poderosa resultou ser a oração unida! Com freqüência, nas noites, quando as barracas eram trancadas e tudo estava quieto nos dormitórios, os problemas eram unicamente apresentados a Jeová em oração. Não raro eram assuntos que tinham que ver com todos eles, mas, com igual freqüência, eram problemas de irmãos individuais. Sempre que Jeová — como fez em tantos casos — trazia imediata mudança para melhor, isto era causa para oração unida de agradecimentos no dia seguinte. Enfrentando uma situação que uma pessoa não poderia suportar sozinha, os irmãos compreendiam mais uma vez que “nunca estamos sós”.

O QUE ACONTECEU AOS QUE TRANSIGIRAM

É interessante que o pessoal das SS, que não raro usavam os truques mais sujos para tentar fazer com que alguém assinasse a declaração, com freqüência se voltavam contra tais pessoas uma vez tivessem assinado, e as fustigavam mais ainda depois do que antes. Karl Kirscht confirma isto: “Mais do que ninguém, as testemunhas de Jeová eram as vítimas das chicanices nos campos de concentração. Pensava-se que, desta forma, podiam ser persuadidas a assinar a declaração. Pedia-se-nos repetidas vezes que assim o fizéssemos. Alguns assinaram, mas, na maioria dos casos, tiveram de esperar mais de um ano antes de serem soltos. Durante esse tempo, amiúde eram vituperados pelo pessoal das SS como sendo hipócritas e covardes, e eram obrigados a dar o chamado ‘passeio de honra’ ao redor de seus irmãos, antes de se lhes permitir deixar o campo.”

Wilhelm Röger relembra que um irmão assinou a declaração quando sua esposa e sua filha foram visitá-lo, mas não disse aos irmãos que fizera isso. “Várias semanas depois foi informado de que devia aprontar-se para o livramento. (Tais pessoas em geral tinham de ficar em pé junto ao portão até que seus nomes fossem chamados.) Este irmão ficou em pé no portão o dia inteiro, e ainda estava em pé ali naquela noite, de modo que voltou para junto dos irmãos nas barracas. Depois da chamada noturna, dirigida por um capitão muito temido, de nome Knittler, este irmão recebeu ordem de buscar uma banqueta no alojamento e então foi obrigado a subir nela no pátio, em frente dos irmãos que marchavam: Knittler então dirigiu a atenção para o irmão, e, olhando-o de forma acre, disse: ‘Olhem para o seu covarde; ele assinou sem dizer nada a nenhum de vocês!’ Na realidade, os homens das SS gostariam que todos nós assinássemos a declaração. Mas, o respeito que secretamente tinham por nós ia por água abaixo uma vez que alguém a assinava.”

A irmã Dietrichkeit lembra de duas irmãs que assinaram a declaração. Ao voltarem, contaram à irmã Dietrichkeit que haviam assinado porque tinham receio de que iriam morrer de fome. Não ocultaram que os homens das SS lhes perguntaram: “Agora que negaram a seu Deus, Jeová, a que Deus servirão?” As duas irmãs logo foram soltas, mas, quando os russos invadiram o país, ambas foram presas de novo por uma razão ou outra, e levadas pelos russos para a prisão onde realmente morreram de fome. Em outro caso, uma irmã que assinara a declaração foi estuprada pelos russos nos últimos poucos dias da guerra e então foi morta por eles.

Grande número de irmãos que assinaram a declaração foram convocados para as forças militares e levados para a frente, onde a maioria deles perdeu a vida.

Muito embora haja suficiente prova de que aqueles irmãos que assinaram assim se colocaram fora da proteção de Jeová, não aconteceu que, na maioria dos casos, fossem “traidores”. Muitos mandaram anular sua assinatura antes de serem soltos, uma vez que irmãos maduros, com entendimento, os ajudaram a compreender o que tinham feito. Suplicando arrependidos, que Jeová lhes desse outra oportunidade de provar sua fidelidade, muitos destes, depois do colapso do regime de Hitler, espontaneamente se juntaram às fileiras dos publicadores e começaram a trabalhar como publicadores de congregação, com o tempo, como pioneiros, superintendentes, até mesmo como superintendentes viajantes, promovendo de forma exemplar os interesses do reino de Jeová. Muitos foram confortados pela experiência de Pedro, que tinha negado a seu Senhor e Mestre também, mas que foi recebido de volta em seu favor. — Mat. 26:69-75; João 21:15-19.

TRAIÇÃO

Ao passo que alguns temporariamente perderam seu equilíbrio espiritual, devido aos métodos astutos usados, ou por causa de fraqueza humana, houve outros que viraram traidores e fizeram com que seus irmãos sofressem muito.

Julius Riffel relata que, em 1937/1938 “certo irmão Hans Müller, de Dresden, veio até o Betel de Berna e tentou entrar em contato com os irmãos na Alemanha, alegadamente visando ‘reconstruir a organização subterrânea na Alemanha, depois de tantos irmãos terem sido presos’.

“Naturalmente declarei minha disposição de cooperar, como o fizeram vários outros irmãos. É triste dizê-lo, mas não sabíamos naquela ocasião que este ‘irmão’ Müller trabalhava para a Gestapo na Alemanha. Sem suspeitar de nada, fizemos planos em Berna e começamos nosso trabalho. Eu devia assumir Baden Württemberg. Em fevereiro de 1938, atravessei a fronteira da Alemanha, e tentei reorganizar a atividade por entrar em contato com os irmãos ainda livres. Duas semanas depois, fui preso. . . . A Gestapo sabia de nossa atividade nos mínimos detalhes e isto por meio deste falso irmão, que ajudou a reconstruir a organização subterrânea, apenas para depois traí-la à Gestapo. Tal ‘irmão’ fez a mesma coisa um ano depois nos Países-Baixos e também na Tchecoslováquia. . . .

“Em 1939, fui levado no caminhão de presos para Coblenz, onde deveria testemunhar no julgamento de três irmãs com as quais trabalhara às ocultas em Stuttgart. Ali, eu mesmo ouvi um agente da Gestapo dizer a um oficial do tribunal como sabiam todos os pormenores sobre a nossa obra, coisas tais como endereços e nomes pretensos, bem como a estrutura da organização. Certa vez, quando esperávamos do lado de fora, no corredor, este mesmo agente da Gestapo me disse que não teriam conseguido colocar-se no rastro de nossa atividade tão facilmente se não fosse pelo fato de haver pessoas que não valiam nada em nossas fileiras. É triste dizê-lo, mas não pude negar isso. De tempos a tempos, pude avisar os irmãos, lá da prisão, sobre este ‘irmão’ traidor mas o irmão Harbeck ignorou o aviso, simplesmente não podendo crer nisso. Segundo minha opinião, este tal de Müller foi responsável pela prisão de centenas de irmãos.”

A CORRENTE CONTINUA A FLUIR

Muito embora o inimigo repetidas vezes abrisse novas lacunas nas fileiras do povo de Deus, e dizimasse o número dos que ainda estavam livres, sempre havia outros que reconheciam a necessidade de se fornecer o alimento espiritual aos irmãos. Faziam isto apesar do perigo que representava para suas vidas. Um dos irmãos que refez o sistema de distribuição da Sentinela entre os irmãos, enquanto Müller continuava a fazer seu trabalho sujo em Dresden, foi Ludwig Cyranek. Fez isto até ser preso e condenado a dois anos de prisão. Daí, logo que deixou para trás as portas da prisão, o irmão Cyranek voltou direto ao trabalho.

Muitas irmãs preencheram com alegria os lugares vagos pelas prisões dos irmãos, embora compreendessem que, de acordo com as leis mais severas do tempo de guerra, poderiam perder a vida se fossem apanhadas. Entre as usadas para distribuir A Sentinela, por exemplo, achavam-se a irmã Neuffert, em Holzgerlingen, a irmã Pfisterer, em Stuttgart, e a irmã Franke, em Mainz. O irmão Cyranek escrevia a estas irmãs algumas cartas contendo informações inofensivas, cartas que as irmãs passavam a ferro, de modo a poderem ler a mensagem secreta que ele escrevera por baixo, com suco de limão, dizendo-lhes onde podiam levar as Sentinelas e quantas.

De tempos a tempos, o irmão Cyranek ia a Stuttgart, onde Maria Hombach trabalhava com ele como secretária. Ditava relatórios a ela sobre a obra na Alemanha, que ele então enviava a Arthur Winkler nos Países-Baixos, que cuidava da Alemanha e da Áustria. A irmã Hombach escrevia tais cartas com suco de limão, de modo que importantes informações não caíssem em mãos desautorizadas.

Ter esta atividade às ocultas funcionado por pelo menos um ano só pode ser atribuído à orientação de Jeová. Amiúde ele se certificava de que seu povo fosse conduzido por meios estranhos, para que pudesse ser suprido de alimento espiritual na época devida. Müller logo sentiu que a época era oportuna para trair a inteira equipe de organização perante a Gestapo. Todos os envolvidos foram presos em questão de dias. No julgamento em Dresden, o irmão Cyranek foi sentenciado à morte e outros receberam longas sentenças. Em 3 de julho de 1941, poucas horas antes de sua execução, escreveu a seus parentes a seguinte carta:

“Meu querido irmão, minha cunhada, meus pais e todos os outros irmãos incluídos,

“Temam a Deus e atribuam-lhe a honra! Tenho de escrever-lhes as dolorosas notícias de que, quando receberem esta carta, não mais estarei vivo. Por favor, não fiquem tristes demais. Lembrem-se de que é uma questão muito simples para o Deus Onipotente me levantar dentre os mortos. Sim, ele pode fazer todas as coisas e, se ele me permite beber este cálice amargo, então certamente deve servir para algum propósito. Saibam que foi minha tentativa de servi-lo, apesar de minha fraqueza, e estou completamente convencido de que Ele tem estado comigo e estará até o fim. Confio-me à sua guarda. Meus pensamentos, durante estas últimas horas se voltam para vocês, meus queridos. Que seus corações não fiquem desanimados, mas, antes, que mantenham seu equilíbrio, pois é muito melhor do que saberem que estou sofrendo na prisão, que seria contínua preocupação para vocês. E agora, minha querida mãe e meu querido pai, quero agradecer-lhes por todas as coisas boas que fizeram por mim. Mal consigo gaguejar um fraco muito obrigado. Que Jeová lhes retribua tudo que fizeram. Minha oração é que Ele os proteja e abençoe, pois é apenas a Sua bênção que enriquece. Querido Toni, só posso mesmo crer que você teria feito todo o possível para me livrar da ‘cova dos leões’, mas isto foi em vão. Recebi hoje à noite o aviso de que o pedido de clemência foi rejeitado, e que minha sentença será executada amanhã de manhã. Não fiz nenhum tipo de apelo, nem pedi misericórdia das mãos do homem. Aprecio sua boa vontade, contudo, de ajudar-me e lhe agradeço, bem como a Luise, do fundo do meu coração, por todas as boas coisas que me deram. Suas linhas de condolência me fizeram bem. Muitas saudações a vocês todos e permitam-me enviar um beijo a todos. Especialmente reservei um lugar no meu coração para Karl. Que Jeová esteja com vocês até nos encontrarmos de novo. Eu vos abraço em despedida. [assinado] Ludwig Cyranek.”

Julius Engelhardt, que mimeografou Sentinelas junto com a irmã Frey, em Bruchsal, trabalhara intimamente ligado com o irmão Cyranek, na parte meridional da Alemanha. Foi planejado que, no caso da prisão do irmão Cyranek, ele continuaria o seu trabalho. É triste ter que dizer que Müller também o traiu perante a Gestapo, e logo descobriram seu esconderijo na sua cidade natal de Karlsruhe. Mas, o irmão Engelhardt sempre encorajara as irmãs por lhes dizer que ‘não pode custar-nos mais do que nossas cabeças’, e estava determinado a só vender sua liberdade pelo maior preço possível. Embora o agente da Gestapo já o tivesse levado em custódia, subitamente conseguiu soltar-se e correu escada abaixo, onde desapareceu nas multidões da rua mais rápido do que a polícia pôde impedi-lo. É interessante o que os historiadores seculares, no livro Widerstand und Verfolgung in Essen 1933 — 1945 (Oposição e Perseguição em Essen 1933 — 1945), dizem sobre a atividade do irmão Engelhardt, conforme tirado dos arquivos da Gestapo:

“Com a prisão de Cyranek, Noernheim e outros, a distribuição de publicações ilegais de jeito nenhum cessou, pois Engelhardt, que de início era ativo no sudeste, se vira obrigado a fugir para o território do Ruhr em 1940, quando ameaçado de prisão em sua anterior base em Karlsruhe. Depois de breve estada em Essen, encontrou um lugar ilegal para morar em Oberhausen-Sterkrade, onde, desde o começo de 1941 a abril de 1943, produziu 27 números diferentes da Sentinela, numa edição de 240 e mais tarde, de 360 exemplares. Do território do Ruhr, fez arranjos para bases em Munique, Mannheim, Speyer, Dresden, bem como em Freiberg, na Saxônia, e serviu como tesoureiro para o inteiro país. . . . Em 18 de setembro de 1944, o tribunal superior em Hamm proferiu altas sentenças contra os membros do grupo de Essen, que realizava reuniões e distribuía regularmente a Sentinela em conexão com a atividade de Engelhardt. . . . Muitos foram mortos.”

Christine Hetkamp também nos fornece encorajador relatório sobre a atividade do irmão Engelhardt: “Meu marido, que era batizado, tornou-se maligno opositor. . . . Eu não perdia nenhuma das reuniões, que eram realizadas alternadamente na casa de minha mãe, na minha casa e na do meu irmão. Eu podia tê-las em minha casa porque meu marido partia às segundas-feiras e ficava na casa de sua irmã até sábado; ela morava um pouco fora da cidade. Sua família era uma família fanaticamente nazista, e ele encontrava abrigo ali, visto que não podia mais suportar nosso espírito, o que é compreensível. Assim, durante a ausência dele, imprimia-se A Sentinela em nossa casa por quase três anos. Certo irmão (o irmão Engelhardt), que morava conosco por três anos, primeiro de tudo cortava os estênceis numa máquina de escrever e então os usava para mimeografar cópias de A Sentinela. Depois disso, viajava com minha mãe para Berlim, Mainz, Mannheim, etc., onde entregava as revistas a pessoas fidedignas que então as distribuíam ainda mais. O irmão Engelhardt e mamãe estavam encarregados de todo o arranjo, ao passo que eu cozinhava e lavava. Quando minha mãe foi presa, eu assumi a tarefa de entregar A Sentinela em Mainz e Mannheim. . . Em abril de 1943, mamãe foi presa pela segunda vez, desta vez para sempre. Pouco depois, o irmão Engelhardt, que por tanto tempo estivera encarregado, e que dirigia a obra às ocultas, também foi preso.”

Mais tarde, a filha da irmã Hetkamp, seu cunhado, sua irmã, sua cunhada, e sua tia, foram presos. Todos eles foram julgados em 2 de junho de 1944. O irmão Engelhardt e sete outros réus, inclusive a mãe da irmã Hetkamp, foram condenados à morte. Foram todos decapitados pouco depois disso.

Dali em diante, as condições na Alemanha continuaram a se tornar mais confusas. Não mais era possível determinar com certeza onde as Sentinelas eram mimeografadas, mas estavam sendo produzidas.

FIÉIS ATÉ À MORTE

As numerosas execuções que ocorreram no Terceiro Reich assumem um lugar especial na história da perseguição. Pelo menos 203 irmãos e irmãs, segundo relatórios incompletos, foram decapitados ou fuzilados. Este número não inclui aqueles que morreram de fome, de doenças ou de outros maus tratos brutais.

A respeito dum irmão que foi sentenciado à morte, relata o irmão Bär: “Todos os detentos e também as autoridades carcerárias ficaram surpresos com ele. Era serralheiro e fazia consertos por toda a prisão. Ele executava seu trabalho diário sem qualquer sinal de abatimento ou tristeza; pelo contrário, enquanto trabalhava, entoava cânticos de louvor a Jeová.” Certo dia, por volta do meio-dia, foi removido da oficina, e foi morto naquela noite.

O irmão Bär continua seu relato, dizendo: “Minha esposa certa vez viu uma irmã na prisão em Potsdam que ela não conhecia. Passou por ela no pátio da prisão. Quando a irmã viu minha esposa, ergueu ambos os braços algemados e fez uma saudação alegre. Embora sentenciada a morte, não havia aparência de dor nem de tristeza em seu semblante.” Esta calma e paz irradiadas pelos irmãos e irmãs sentenciados à morte adquire maior valor quando a pessoa se lembra do que tiveram de enfrentar em suas celas.

Ao passo que nossos irmãos e irmãs eram resolutos e resignados, com efeito, até mesmo alegres às vezes em face da vereda difícil que foram obrigados a percorrer, outros que não eram Testemunhas amiúde desmaiavam ou, por causa do seu intenso temor da morte, soltavam altos brados até serem restringidos à força.

Jonathan Stark, de Ulm, contudo, não cedeu a tal temor. Na verdade, só tinha dezessete anos quando foi preso pela Gestapo, e, sem formalidades legais, foi mandado para Sachsenhausen, onde foi colocado nas barracas da morte. Qual era sua ofensa? A recusa de fazer o serviço pré-militar. Emil Hartmann, de Berlim, ouviu dizer que Jonathan estava confinado a estas barracas e, embora pudesse resultar em severa punição para ele, o irmão Hartmann conseguiu entrar ali para falar com este jovem irmão e fortalecê-lo. Para ambos, estas breves visitas foram muitíssimo encorajadoras. Jonathan sempre se sentia muito feliz. Embora encarasse a morte, confortava sua mãe com a maravilhosa esperança duma ressurreição. Quando conduzido pelo comandante do campo ao local de execução apenas duas semanas depois de sua chegada, as últimas palavras de Jonathan foram “A favor de Jeová e de Gideão”. (Gideão foi um servo fiel de Jeová que prefigurou Jesus Cristo.) — Juí. 7:18.

Elise Harms, de Wilhelmshaven, lembra-se que se pediu várias vezes a seu marido que voltasse atrás depois de ser sentenciado, e, quando ele recusou, foi oferecida a ela a permissão de visitá-lo sob a condição de que fizesse tudo a seu alcance para persuadi-lo a mudar de idéia. Mas, ela não podia fazer isto. Quando ele foi decapitado, ela se sentiu feliz de ele ter permanecido fiel a Jeová e de que não estava mais sob a pressão para se tornar infiel. No ínterim, o pai dele, Martin Harms, foi preso pela terceira vez e lançado em Sachsenhausen. Profundamente comovente é a carta que o filho dele lhe escreveu pouco antes de sua execução em 9 de dezembro de 1940:

“Meu querido pai,

“Ainda temos três semanas até 3 de dezembro, o dia em que nos vimos pela última vez há dois anos atrás. Ainda consigo ver seu querido sorriso ao trabalhar no porão da prisão e quando eu andava no pátio da prisão. Nas primeiras horas da manhã não suspeitávamos que eu e minha querida Lieschen (sua esposa) seríamos soltos naquela tarde, nem que o senhor, meu querido pai, para nosso pesar, seria levado nesse mesmo dia para Vechta, e dali então para Sachsenhausen. Aqueles últimos instantes, quando estávamos a sós no parlatório da prisão de Oldenburgo ainda se acham indelevelmente inculcados em minha memória, como eu o abracei e lhe prometi que cuidaria da mamãe, e do senhor fazendo tudo que estivesse a meu alcance. Minhas últimas palavras foram: ‘Permaneça fiel, meu querido pai!’ Durante esse último ano e nove meses (21 meses ao todo) de ‘escravidão em liberdade’, cumpri minha promessa. Ao ser colocado sob custódia, em 3 de setembro, passei a responsabilidade a seus outros filhos. Tenho encarado o senhor com orgulho, durante esse tempo, e também com surpresa, pela forma em que tem levado sua carga em fidelidade ao Senhor. E agora eu, também, obtive a oportunidade de provar minha fidelidade ao Senhor até a morte, sim, em fidelidade não só até à morte, mas até mesmo na morte. Minha sentença de morte já foi anunciada e estou algemado tanto de dia como de noite — as marcas (sobre o papel) são das minhas algemas — mas ainda não venci plenamente. Permanecer fiel não é fácil para uma das testemunhas de Jeová. Ainda tenho oportunidade de salvar minha vida terrestre, mas somente por perder assim a verdadeira vida. Sim, uma das testemunhas de Jeová recebe a oportunidade de violar seu pacto até mesmo quando contempla a força. Portanto, ainda estou no meio duma luta e ainda tenho que obter muitas vitórias antes de poder afirmar que ‘travei a luta excelente, observei a fé, acha-se reservada para mim a coroa da justiça que Deus, o justo juiz, me dará.’ A luta é deveras difícil, mas sinto-me grato de todo o coração ao Senhor, não só por Ele me ter dado a força necessária para suportar tudo até agora, em face da morte, mas também por me dar uma alegria que gostaria de compartilhar com todos os meus entes queridos.

“Meu querido pai, o senhor ainda está preso, também, e não sei se esta carta chegará ou não até o senhor. Caso consiga alguma vez ficar livre, contudo, então permaneça tão fiel como é agora, pois sabe que quem tiver posto sua mão no arado e olhar para trás não é digno do reino de Deus. . . .

“Quando o senhor, meu querido pai, estiver de novo em casa, certifique-se então de cuidar muito bem de minha querida Lieschen, pois a situação será especialmente difícil para ela, sabendo que seu amado não voltará mais. Sei que o senhor fará isto e lhe agradeço de antemão. Meu querido pai, em espírito eu lhe digo, permaneça fiel, assim como tentei permanecer fiel, e então nos veremos de novo. Estarei pensando no senhor até o último instante.

“Seu filho Johannes

“Auf Wiedersehen!” (Até à vista!)

PALAVRAS DE ENCORAJAMENTO AOS DE FORA

Não aconteceu apenas de os candidatos à morte serem encorajados pelos irmãos de fora; os de fora, em liberdade, amiúde eram encorajados ainda mais pelos seus irmãos presos. A irmã Auschner, de Kempten, confirma isto. Ela recebeu uma carta de seu filho de 21 anos, em 28 de fevereiro de 1941, que continha as seguintes breves linhas dirigidas ao irmão dele de 18 anos e meio: “Meu querido irmão. Em minha última carta, trouxe à sua atenção um livro, e espero que tenha levado a peito o que eu disse, pois isto só lhe pode trazer benefícios.” Dois anos e meio depois, a irmã Auschner recebeu deste filho caçula uma carta de despedida. Ele havia levado a peito o que seu irmão mais velho havia escrito e o tinha seguido fielmente até à morte.

Os dois irmãos, Ernst e Hans Rehwald, de Stuhm, Prússia Oriental, também ajudaram um ao outro de forma similar. Depois de Ernst ter sido levado às barras dum tribunal militar e sentenciado à morte, escreveu de sua cela de morte uma carta a seu irmão Hans, na prisão em Stuhm: “Querido Hans. Em caso de a mesma coisa lhe acontecer, então se lembre do poder da oração. Não sinto nenhum medo, pois a paz de Deus está dentro do meu coração.” Pouco tempo depois, seu irmão se achava na mesma posição e, embora só tivesse dezenove anos nessa ocasião, foi executado.

TESTE DE LEALDADE PARA OS CÔNJUGES

Era impressionante ver como os parentes íntimos encorajavam seus entes queridos a não vacilar em sua integridade. A irmã Höhne, de Francforte sobre o Oder foi uma das pessoas que acompanharam o marido dela até a estação ferroviária, quando recebeu sua ordem de incorporação, para jamais vê-lo de novo. As últimas palavras dela foram: “Seja fiel” — palavras que o irmão Höhne tinha em mente até sua morte.

Em muitos casos, os irmãos eram recém-casados e, caso seu amor a Jeová e a Cristo Jesus não fosse tão forte, certamente não teriam conseguido suportar o rompimento dos vínculos da comunicação com seus entes queridos. Duas irmãs, que já são viúvas por mais de trinta e dois anos, rememoram aqueles tempos turbulentos, gratas pela ajuda que Jeová lhes deu. As irmãs Bühler e Ballreich, de Neulosheim, perto de Speyer, ambas se casaram perto do início da proscrição e aprenderam a verdade por volta dessa mesma época. Em 1940, ambos os maridos receberam sua chamada para incorporação e, ao recusarem fazer o serviço militar, foram presos.

A irmã Ballreich se dirigiu aos oficiais de recrutamento do distrito, em Mannheim, onde soube que os dois irmãos foram enviados para Wiesbaden, para compareceram perante um tribunal militar. A irmã Ballreich obteve permissão de visitar seu marido, sob a condição de tentar persuadi-lo a mudar de idéia. A irmã Bühler obteve permissão de visitar seu marido sob a mesma condição. Ambas as irmãs de imediato se dirigiram a Wiesbaden. Relata a irmã Bühler:

“Dificilmente posso descrever quão triste foi o reencontro. Ele (o marido dela) perguntou: ‘Por que você veio?’ Respondi-lhe que devia supostamente tentar influenciá-lo. Mas, ele me confortou, me deu conselhos bíblicos e me disse que não ficasse triste como os demais que não têm esperança, mas que pusesse minha inteira confiança em nosso grande Deus, Jeová. . . . Um jovem funcionário do tribunal, que nos acompanhara até à prisão, aconselhou-nos a ficar em Wiesbaden até terça-feira, que era o dia em que o processo seria julgado. Se estivéssemos ali, com certeza obteríamos permissão de comparecer ao mesmo. Assim, ficamos até terça-feira. Esperamos do lado de fora, na rua, até que nossos maridos, acompanhados de dois soldados com armas carregadas, foram conduzidos pela rua como se fossem criminosos profissionais. Era um verdadeiro espetáculo para homens e anjos. Eu e a irmã Ballreich fomos andando junto. Conseguimos assistir ao julgamento. Durou menos de uma hora, terminando com dois homens inculpes e bravos sendo sentenciados à morte. Depois disso, só conseguimos ficar com eles por cerca de duas horas num quarto no andar térreo. Mas, depois de sairmos do tribunal, andamos pelas ruas de Wiesbaden como duas ovelhas perdidas.”

Pouco depois disso, as duas irmãs jovens receberam a notificação de que seus maridos tinham sido fuzilados em 25 de junho de 1940, com as palavras nos lábios “Jeová para sempre!”

PAIS E FILHOS PUSERAM A JEOVÁ EM PRIMEIRO LUGAR

Um caso que deteve as atenções, não só dos tribunais, promotores distritais e advogados de defesa, mas também do público, envolvia os dois irmãos Kusserow, de Paderborn. Baseados nas boas instruções nos modos de Jeová que haviam recebido em casa, estavam dispostos a dar suas vidas sem ter medo. E sua mãe usou a morte deles como oportunidade adicional de falar a outros na sua comunidade sobre a esperança da ressurreição. Um terceiro irmão, Karl, foi preso três meses depois e levado a um campo de concentração; morreu quatro semanas depois de ser solto. Havia treze membros nesta família; doze foram presos, sentenciados a um total de 65 anos, dos quais serviram 46.

Similar ao caso dos Kusserows em que, não só os pais, mas também os filhos puseram os interesses do Reino à frente de si mesmos, era a família Appel de Süderbrarup. Possuíam pequena gráfica ali. Ouçamos como a irmã Appel nos conta o que aconteceu:

“Em 1937, quando a grande onda de prisões já rolava sobre a Alemanha, eu e meu marido fomos levados para longe de nossos quatro filhos na noite de 15 de outubro. Oito pessoas (da Gestapo e oficiais de polícia) entraram em nossa casa e deram busca em toda a casa, desde o porão até o sótão. Daí levaram-nos junto com eles. . .. Depois de sermos sentenciados, meu marido foi levado para Neumünster e eu para a prisão de mulheres em Kiel. . . Em 1938, depois de uma série de anistias, fomos soltos. . . . Quando irrompeu a segunda guerra mundial, contudo, sabíamos o que estava à nossa espera, pois meu marido estava determinado a manter neutralidade. Falamos a nossos filhos sobre o assunto inteiro e trouxemos à atenção deles as declarações bíblicas com respeito à perseguição.

“No que foi possível, fizemos arranjos para termos suficientes roupas para os filhos, de modo que fossem cuidados neste sentido. Depois de meu marido ter exposto aos oficiais de recrutamento suas razões bíblicas para não poder empenhar-se na guerra, pôs o restante de seus assuntos em ordem. Apresentávamos diariamente todos os nossos problemas a Jeová em oração. Em 9 de março de 1941, às 8 horas da manhã, tocou a campainha da porta, e vieram dois soldados apanhar meu marido. Esperaram do lado de fora e lhe concederam quinze minutos para se despedir de nós. Nosso filho Walter já tinha ido para a escola. Pedimos aos outros três filhos e à irmã Helene Green, que trabalhava em nossa gráfica, que viessem de imediato ao apartamento. A última solicitação de meu marido foi para entoarmos o cântico ‘Quem é leal e fiel não se deixa nunca atemorizar.’ Embora as palavras ficassem presas em nossas gargantas, cantamos. Depois duma oração, os soldados entraram e levaram meu marido. Essa foi a última vez que os filhos viram seu pai. Foi levado para Lübeck, onde alto oficial conversou longamente com ele de modo paternal, tentando persuadi-lo a colocar o uniforme. Mas, a lei imutável de Jeová estava tão firmemente ancorada no coração do meu marido que não havia jeito de ele voltar atrás. . . .

“Foi cedo na manhã de 1.º de julho de 1941 que as autoridades policiais me apresentaram uma carta . . . notificando-me de que nosso carro estava sendo confiscado como propriedade comunista e que a gráfica estava sendo fechada pela polícia. Daí, entregou-me outra carta que dizia: ‘Deve levar seus filhos à prefeitura na manhã de 3 de julho de 1941. Deve trazer suas roupas e seus sapatos.’ Este foi um golpe duro.

“Assim aconteceu que, na manhã de 3 de julho, supervisores de dois lares para jovens vieram apanhar as crianças. A senhora que ficou cuidando de minhas filhas de quinze e de dez anos, Christa e Waltraud, disse-me: ‘Já sabia há várias semanas que eu iria pegar suas filhas, e não consegui dormir uma noite desde então, sabendo que estou levando filhas de uma família bem-organizada. Mas, tenho de fazer isso.’

“Alguns dos vizinhos não se refrearam de mostrar seu desagrado pela ação tomada, mas as autoridades responsáveis logo fizeram circular um aviso de que ‘qualquer pessoa que fale sobre o caso Appel está cometendo sedição nacional!’ Para certificar-se, três oficiais de polícia foram enviados para superintender o assunto da remoção dos filhos. . . . Meu marido foi, naturalmente, avisado pelas autoridades dos passos que foram dados no tocante à firma e aos filhos. Esperavam que isto o abrandasse. Foi acusado de ser desonesto e inescrupuloso em ter deixado sua família na lama. Meu marido me escreveu uma carta muito amorosa, dizendo como se levantara bem cedo na manhã seguinte, ficara de joelhos e, em oração, confiara o cuidado de sua família a Jeová. . . .

“No mesmo dia em que os filhos foram levados, recebi notificação do tribunal militar de Berlim-Charlottenburgo para comparecer ali. Compareci perante o principal promotor-público, que me pediu que tentasse influenciar meu marido a por o uniforme. Quando lhe disse a razão bíblica de não poder fazer isto, ele gritou, cheio de raiva: ‘Então, vamos cortar-lhe a cabeça!’ Apesar disso, pedi permissão de falar com meu marido. Ele não deu nenhuma resposta, mas apertou uma campainha que chamava um soldado, o qual me levou ao andar de baixo, onde vários oficiais me saudaram com olhares gelados e acusações. Quando fui embora, um deles me seguiu, segurou minha mão e disse: ‘Sra. Appel, sempre permaneça firme como agora. Está fazendo o que é certo.’ Eu fiquei deveras surpresa. O que importava contudo, era que pude falar com meu marido.

“Enquanto estava em Berlim, os nazistas já tinham vendido nossa firma. Fui obrigada a assinar a declaração de venda porque — foi-me dito — de outro modo seria enviada para um campo de concentração.

“Depois de ter visitado meu marido em Berlim, várias vezes, ele foi condenado à morte. O advogado que o ‘defendeu’ observou: ‘Seu marido teve uma oportunidade excepcional de sair disso, mas recusou-se a fazer uso dela.’ Ao que meu marido respondeu: ‘Fiz minha decisão a favor de Jeová, e seu reino, e isso é o fim da questão.’

“Em 11 de outubro de 1941, meu marido foi decapitado. Em sua última carta, que lhe foi permitido escrever poucas horas antes de sua execução, dizia: ‘Quando receber esta carta, minha querida Maria e meus quatro filhos, Christa, Walter, Waltraud e Wolfgang, tudo já terá terminado e terei obtido a vitória por meio de Jesus Cristo, e minha esperança é que tenha sido vitorioso. Do fundo do meu coração, desejou lhes feliz entrada no reino de Jeová. Permaneçam fiéis! Três irmãos jovens, que irão seguir o mesmo caminho que eu seguirei amanhã de manhã, estão aqui ao meu lado. Seus olhos brilham!’

“Pouco tempo depois, fui obrigada a sair de minha casa em Süderbrarup. A mobília ficou guardada em cinco lugares diferentes. Pessoalmente acabei sem um centavo na casa de minha mãe.”

“Meu filho Walter foi tirado da escola, pelo lar para jovens, e enviado a Hamburgo, onde faria um aprendizado como gráfico. Em 1944, foi convocado, embora só tivesse 17 anos. Da forma mais maravilhosa, viera a possuir o livro A Harpa de Deus antes disso e aprendera muita coisa dele nas noites de bombardeios em Hamburgo, em seu quartinho no sótão. Seu desejo era dedicar-se a Jeová. Depois de muitas dificuldades, conseguiu ir a Malente, na época do Ano Novo de 1943/1944, onde, numa lavanderia escura, um irmão o batizou secretamente. . .

“Conseguiu entrar em contato comigo em segredo e eu esperei nas ruas de Hamburgo várias horas até que ele veio, porque me era proibido ver meus próprios filhos, sob quaisquer circunstâncias.

“Para encorajamento dele, pude contar-lhe que recebera uma carta dos irmãos em Sachsenhausen, que haviam ouvido falar de nosso quinhão. O irmão Ernst Seliger escreveu que, depois de o campo silenciar à noite, várias centenas de irmãos, de várias nações, se ajoelhavam perante Jeová e faziam menção de nós em suas orações. Daí, meu filho foi levado à força para a Prússia Oriental, para o grupo militar a que foi designado. No frio gélido, tiraram-lhe as roupas e colocaram o uniforme na frente dele, mas ele se recusou a colocá-lo. Demorou dois dias até que ele recebeu algo quente para comer. Mas, permaneceu firme.

“Em Hamburgo, havíamo-nos despedido um do outro. Ele me disse que iria pelo mesmo caminho que seu pai. Uns sete meses depois, após terem sido alterados seus documentos a fim de fazê-lo parecer mais velho, foi realmente decapitado, sem ter jamais sido julgado. Segundo a lei, ainda era menor de idade e estava sob jurisdição juvenil.

“Um policial de Süderbrarup me visitou e leu para mim um relatório policial da Prússia Oriental. Eu mesma não recebi nada. Embora eu não esperasse realmente que meu rapaz tivesse de seguir o caminho do pai, visto ser ele tão jovem e o fim da guerra estar tão perto, todavia, apesar da grande dor que senti, ofereci uma oração de agradecimentos a Jeová. Podia então dizer: ‘Sou grata, Jeová, por ele ter caído no campo de batalha em teu favor.’

“Daí veio a convulsão de 1945. Alegremente acolhi em meus braços novamente meus três filhos restantes. Os dois mais jovens tinham sido tirados dos lares para jovens e estavam morando com um diretor do escritório trabalhista nos últimos três anos, onde eram criados no sentido do nacional-socialismo. Eu tinha permissão de visitá-los apenas uma vez a cada quatro meses e de conversar com eles por várias horas, mas sempre com alguém presente. Apesar disso, minhas duas meninas certa vez conseguiram sussurrar-me que tinham um pequeno testamento que mantinham cuidadosamente oculto. Quando estavam a sós, uma delas ouvia à porta para certificar-se de que ninguém vinha e a outra lia alguns versículos. Quão feliz me senti!

“Agora, em 1945, os irmãos fiéis começaram a voltar de seu encarceramento. Em Flensburg chegou um navio com muitos irmãos e irmãs, principalmente do leste. Naquele tempo, iniciou-se um período de intensa atividade. Foi ali que conheci meu marido atual, o irmão Josef Scharner. Ele, também, tinha sido privado de nove anos de liberdade. Na verdade, ambos tínhamos passado por momentos difíceis e ambos tínhamos o mesmo desejo de gastar nossos últimos anos em servir a Jeová com toda a nossa força.”

FAZER DISCÍPULOS MESMO NUMA CELA DE MORTE

Que seria possível fazer discípulos até mesmo em celas de morte poderia parecer difícil de se crer, mas o irmão Massors relata tal experiência numa carta dirigida à sua esposa, datada de 3 de setembro de 1943:

“Durante 1928/30/32, fui pioneiro em Praga. Eram proferidos discursos e a cidade estava coberta de publicações. Naquele tempo, eu encontrei um orador político do governo, chamado Anton Rinker. Conversei bastante tempo com ele. Aceitou a Bíblia e vários livros e explicou que não tinha tempo de estudar tais coisas, visto que tinha de cuidar da família e ganhar a vida. Disse, contudo, que seus parentes tinham todos inclinações religiosas, embora não freqüentassem a igreja.

“Deve ter sido em 1940/41 quando novo companheiro foi mandado para minha cela, como amiúde costumava acontecer. Sentia-se muito deprimido, mas todos se sentem assim de início. Apenas quando a porta se fecha atrás é que a pessoa subitamente compreende onde está. ‘Meu nome é Anton Rinker, e sou de Praga’, disse-me meu novo colega de cela. Reconheci-o de imediato e lhe disse: ‘Anton, sim, Anton, está reconhecendo-me?’ ‘Sim, parece que o conheço, mas . . .’ Só levou algum tempo para que ele se lembrasse de que visitara seu lar em 1930/32 e que ele ficara com uma Bíblia e vários livros naquele tempo. ‘O quê!’, disse Anton, ‘está aqui por causa de sua fé? Não posso compreender; nenhum dos ministros fazem nada parecido a isso. Em que realmente crê?’ Ele logo iria descobrir.

“‘Mas, por que o clero não nos diz tais coisas?’ era sua pergunta. ‘Esta é a verdade. Agora sei porque tinha de vir para esta prisão. Devo dizer, meu caro Franz, que antes de entrar nesta cela orei a Deus para que me enviasse um crente, de outra forma eu pensava em cometer suicídio. . . .’

“Passaram-se semanas e meses. Daí, Anton me disse: ‘Antes de eu partir desse mundo, que Deus ajude minha esposa e meus filhos a encontrar a verdade, de modo que possa partir em paz.’ . . . Certo dia, ele recebeu uma carta de sua esposa, em que ela escrevia:

“‘ . . . Quão felizes ficaríamos se apenas você pudesse ler a Bíblia e os livros que comprou daquele senhor alemão há alguns anos. Tudo veio a ser exatamente como os livros diziam. Esta é a verdade para a qual nunca tínhamos tempo.’”

ALIMENTO ESPIRITUAL NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

Naqueles anos em que os irmãos, em especial os que estavam nos campos de concentração, estavam “isolados”, tinham muito pouca oportunidade de obter uma Bíblia ou outras publicações. Ainda mais esforço era gasto em lembrar-se do conteúdo de importantes artigos da Sentinela, quando tinham de ficar horas a fio no pátio, ou às noites, quando tinham um pouco de sossego em suas barracas. Sua alegria era especialmente grande quando era possível, de algum modo, obter uma Bíblia.

Jeová às vezes usava modos interessantes de fazer com que uma Bíblia chegasse às mãos de seus servos. Frank Birk, de Renchen (Floresta Negra), lembra-se de que, certo dia em Buchenwald, um preso mundano lhe perguntou se gostaria de ter uma Bíblia. Ele encontrara uma na fábrica de papel em que trabalhava. Naturalmente que o irmão Birk aceitou com gratidão a oferta.

O irmão Franke também se lembra de como, em 1943, um idoso senhor das SS, que se juntara a esta organização apenas pressionado pelos tempos, dirigiu-se a vários clérigos em seu dia de folga e solicitou uma Bíblia. Todos eles disseram que lamentavam não ter mais uma Bíblia. Foi à noitinha quando por fim encontrou um clérigo que lhe disse ter uma pequena Bíblia de Lutero que havia guardado por motivos especiais. Ficou tão contente por ver um homem das SS manifestar interesse na Bíblia, contudo, que disse que a Bíblia poderia ser dele. Na manhã seguinte, este homem das SS, de cabelos grisalhos, deu a Bíblia ao irmão Franke, obviamente contente de poder dar este presente a um preso sob seus cuidados.

Com o tempo tornou-se possível introduzir novos artigos das Sentinelas nos campos de concentração. No campo de concentração de Birkenfeld, isto era feito da seguinte forma: Dentre os presos havia um irmão que, devido ao seu conhecimento de arquitetura, trabalhava com um civil amigável para com as testemunhas de Jeová. Através deste senhor amigável, o irmão entrou em contato com os irmãos de fora do campo que logo lhe supriram as Sentinelas mais recentes.

Nossos irmãos no campo de Neuengamme tiveram oportunidades similares. A maioria dos aproximadamente setenta irmãos ali foram colocados na limpeza, depois dos ataques aéreos sobre Hamburgo. Ali, em Hamburgo, puderam obter Bíblias, certa vez encontrando três em questão de alguns minutos Willi Karger, que teve esta experiência pessoal, relata: “Gostaria de contar sobre o alimento espiritual adicional que uma irmã de Döbeln nos trouxe. Que isto jamais seja esquecido. O irmão dela, Hans Jäger, pertencia a nosso grupo de trabalho em Bergedorf, perto de Hamburgo, e foi designado a trabalhar na siderúrgica de Glunz. Nosso quinhão era o trabalho árduo e estrita vigilância. O irmão Jäger, todavia, teve êxito em enviar furtivamente uma carta e avisar a irmã dele onde estaria durante sua hora de almoço. Sua irmã tomou um trem para Hamburgo e ‘sondou’ cuidadosamente como chegar ao local em que nós trabalhávamos. Teve êxito em colocar as revistas solicitadas em nossas mãos, assim, apesar dos guardas das SS, e devido à supervisão de Jeová, as valiosas revistas foram trazidas ao campo sem serem vistas.”

Todos imaginavam modos diferentes, e, com o tempo, havia várias Bíblias no campo. Um irmão escreveu à esposa em Danzig que apreciaria comer um pouco de “bolo de melaço e gengibre Elberfelder”, e no seguinte pacote de comida (que os irmãos podiam receber neste campo naquele tempo) recebeu uma Bíblia Elberfelder cuidadosamente oculta no meio do bolo de melaço e gengibre. Certas pessoas tinham contato com presos que trabalhavam no crematório. Estes relatavam que muitos livros e revistas eram queimados ali, de modo que os irmãos fizeram arranjos secretos de receber as Bíblias e revistas, em troca de alguns de seus suprimentos de comida.

Em Sachsenhausen, algumas Bíblias chegaram ás mãos dos irmãos quando eles ainda estavam no “isolamento”. Estranho como pareça, o isolamento resultou ser uma proteção neste caso, visto que um irmão não só fora designado para cuidar do portão que levava à área de isolamento, mas também possuía a chave, e, portanto, tinha de abrir e fechar o portão. Havia sete mesas grandes numa sala que acomodava 56 irmãos sentados. Por bom tempo, um irmão fornecia um comentário de 15 minutos, abrangendo o texto, enquanto que os outros comiam seu desjejum. Fazia-se um rodizio então entre as mesas, bem como entre os irmãos que se sentavam nelas. Este comentário era então o típico de palestra quando os irmãos eram obrigados a ficar em pé por horas a fio no pátio.

No rigoroso inverno de 1939/1940, as Testemunhas fizeram uma petição a Jeová, em oração, quanto a este assunto de publicações, e eis que aconteceu um milagre! Jeová colocou sua mão protetora sobre um irmão, que conseguiu introduzir três Sentinelas no “isolamento”, dentro de sua perna de madeira, e isto apesar de cuidadosa revista. Muito embora os irmãos tivessem de arrastar-se para debaixo de suas camas e ler a luz dum farolete, enquanto outros ficavam vigiando à direita e à esquerda, isso era prova da maravilhosa orientação de Jeová. Como bom Pastor’ não abandona Seu povo.

No inverno de 1941/42, quando os irmãos tinham sido soltos do “isolamento”, sete Sentinelas que consideravam Daniel capítulos 11 e 12, o primeiro número que considerava Miquéias, um livro intitulado “Kreuzzug gegen das Christentum” (Cruzada Contra o Cristianismo) e um Boletim (agora Ministério do Reino) chegaram todos ao mesmo tempo. Tratava-se realmente duma dádiva do céu, pois, junto com seus irmãos em outros países, podiam então ter entendimento claro do “rei do sul” e do “rei do norte”.

Graças ao fato de que os presos que não estavam em “isolamento” tinham as tardes de domingo livres, e que o capitão do bloco político ia a outras barracas visitar seus amigos naquela tarde, era possível os irmãos dirigirem um estudo da Sentinela todo domingo durante vários meses. Em média, 220 a 250 irmãos participavam neste estudo, ao passo que 60 a 70 ficavam vigiando por todo o caminho até a entrada do campo, e, sempre que surgia perigo, davam certo sinal. Foi assim que jamais foram pegas de surpresa por um homem das SS durante seu estudo. Os estudos dirigidos em 1942 permanecem inesquecíveis para os presentes a eles. Os irmãos ficaram tão impressionados pelas maravilhosas explicações a respeito da profecia em Daniel, capítulos 11 e 12 que, na conclusão, em alegre tempo de marcha, cantavam canções folclóricas entremeadas de cânticos do Reino assim não fornecendo motivo de suspeita ao guarda de ronda a alguns metros, das barracas, em uma torre, antes, ele se alegrava de ouvir o lindo coral. Imagine só: A voz de 250 homens que, embora presos, na realidade estavam livres, entoando de todo o coração cânticos de louvor a Jeová. Que espetáculo! Estariam os anjos do céu cantando junto também?

DIMINUI A PRESSÃO SOBRE OS NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

Embora o sangue de testemunhas fiéis de Jeová continuasse a fluir nos centros executores nazistas até bem o completo colapso do regime, todavia, as armas daqueles que juraram vez após vez que as testemunhas de Jeová só deixariam os campos de concentração pelas chaminés do crematório começaram a enfraquecer. Havia também os problemas que a Guerra apresentava. Assim, em especial a partir de 1942/1943, houve períodos em que as testemunhas de Jeová ficaram em relativa paz.

A guerra, que era agora uma guerra total, havia mudado ao ponto em que todas as forças disponíveis tinham sido mobilizadas. Por este motivo, em 1942, começaram a incluir, na medida do possível, os prisioneiros em projetos produtivos para a economia. Neste sentido, um comentário feito pelo líder das SS, Pohl, a seu chefe, Himmler, a respeito da “situação dos campos de concentração” é interessante:

“A guerra produziu visível mudança na estrutura dos campos de concentração, e, basicamente, mudou sua função com respeito ao uso dos detentos.

“O encarceramento de presos unicamente por motivos de segurança, de educação ou preventivos, não predomina mais [a destruição em massa não é nem sequer mencionada]. A ênfase foi mudada para o aspecto econômico do assunto. A mobilização de todos os detentos, em primeiro lugar, para tarefas relacionadas com a guerra (aumento da produção de armamentos) e, em segundo lugar, para assuntos relacionados a paz, torna-se cada vez mais o fator predominante.

“As medidas necessárias que são tomadas resultam desta avaliação, que exige a transferência gradual dos campos de concentração de seu objetivo anterior, unilateralmente político, para uma organização que satisfaça as necessidades econômicas.”

Tal transformação, naturalmente, exigia que os detentos fossem melhor alimentados, se haviam de ser usados mais para o trabalho. Isto trouxe maior alívio aos irmãos. As autoridades também foram bastante judiciosas, tirante algumas exceções, para não tentar colocar os irmãos em fábricas de armamentos, mas de usá-los de acordo com suas habilidades vocacionais nas várias oficinas.

No ínterim, Jeová fizera sua parte, pois ele pode dirigir os corações dos humanos — mesmo os dos seus inimigos — como correntes de água. Notável exemplo é Himmler. Por anos ele cria que apenas ele podia decidir quanto à vida dos servos fiéis de Jeová, mas subitamente começou a mudar de idéia a respeito dos “Estudantes da Bíblia”. Seu médico pessoal, um médico finlandês chamado Kersten, desempenhou importante papel.

O massagista Kersten começou a exercer forte influência sobre Himmler, que estava sempre muito doente. Ouviu falar em as testemunhas de Jeová serem cruelmente perseguidas, e certo dia pediu a Himmler que lhe desse algumas das mulheres para trabalhar em sua propriedade em Harzwalde, cerca de setenta quilômetros ao norte de Berlim. Depois de hesitar, Himmler concordou, e, mais tarde, concedeu um pedido adicional de Kersten, libertando uma irmã dum campo de concentração, de modo que pudesse trabalhar na segunda casa de Kersten, na Suécia. Foi por meio destas irmãs que Kersten ouviu a verdade sobre as condições nos campos de concentração e sobre o indescritível sofrimento inflingido em especial sobre as testemunhas de Jeová durante anos. Ficou tremendamente surpreso, sabendo que suas massagens repetidas vezes restauravam este demônio a suficiente saúde para continuar seus negócios assassinos. Por conseguinte, decidiu usar sua influência para, pelo menos em certa medida, amainar o sofrimento de todos estes presos. Pode-se assim atribuir à influência dele que dezenas de milhares deles, em especial perto do fim da guerra, não foram exterminados. Em especial para as testemunhas de Jeová, sua influência resultou ser muitíssimo benéfica. Pode-se ver isto de uma carta que Himmler escreveu a seus mais íntimos associados, os mais altos líderes das SS, Pohl e Müller. Tal carta, carimbada “Secreta”, incluía os seguintes trechos:

“Acha-se anexo um relatório sobre as dez Estudantes da Bíblia que trabalham na fazenda do meu médico. Tive oportunidade de estudar o assunto dos Fervorosos Estudantes da Bíblia de todos os ângulos. A Sra. Kersten fez uma sugestão muito boa. Ela disse que jamais teve empregadas tão boas, dispostas, fiéis e obedientes como essas dez mulheres. Tais pessoas fazem muita coisa por amor e bondade. . . Uma das mulheres recebeu certa vez 5 marcos do Reich como gorjeta dum convidado. Aceitou o dinheiro, visto que não desejava lançar nenhum vitupério sobre o lar e o entregou a Sra. Kersten, visto ser proibido ter dinheiro no campo. As mulheres voluntariamente faziam qualquer trabalho que era exigido delas. Às noites, tricotavam, aos domingos se ocupavam de alguma outra forma. No verão, não deixaram passar a oportunidade de levantar-se duas horas mais cedo e juntar cestas cheias de cogumelos, muito embora se exigisse que elas trabalhassem dez, onze e doze horas por dia. Tais fatos completam meu quadro sobre os Estudantes da Bíblia. São pessoas incrivelmente fanáticas e dispostas, prontas a sacrificar-se. Se pudéssemos pôr tal fanatismo a trabalhar pela Alemanha, ou instilar tal fanatismo em nosso povo, então seríamos mais fortes do que somos hoje. Naturalmente, visto que rejeitam a guerra, seu ensino é tão detrimental que não podemos permiti-lo, a fim de não causarmos o maior dos danos a Alemanha. . . .

“Não se consegue nada punindo-as, visto que somente falam disso depois com entusiasmo. . . . Cada castigo serve qual mérito para o outro mundo. É por isso que todo verdadeiro Estudante da Bíblia se deixará executar sem hesitação. . . . Todo confinamento no calabouço, toda dor da fome, todo período de congelamento é um mérito, todo castigo, todo golpe é um mérito perante Jeová.

“Caso surjam problemas no campo, no futuro, envolvendo os Estudantes da Bíblia, proíbo então o comandante do campo de declarar qualquer punição. Tais casos devem ser relatados a mim, com breve descrição das circunstâncias. De agora em diante planejo fazer o oposto e dizer a respectiva pessoa: ‘É-lhe proibido trabalhar. Será melhor alimentada do que os outros e não terá que fazer nada.’

“Pois, de acordo com a crença destes lunáticos de natureza pacata cessa o mérito, sim, pelo contrário, os méritos anteriores serão deduzidos por Jeová.

“A minha sugestão agora é de que todos os Estudantes da Bíblia sejam designados a trabalhar — por exemplo, a trabalhar na lavoura, que nada tem que ver com a guerra e toda a sua loucura. Se devidamente designadas, pode-se deixá-las sem vigilância; não fugirão. Podem ser-lhes dados serviços sem controle, provarão ser os melhores administradores e trabalhadores.

“Outro uso delas, conforme sugerido pela Sra. Kersten: Podemos utilizar as Estudantes da Bíblia em nossos ‘Lebensbornheime’ (orfanatos erguidos para criar filhos gerados pelos homens das SS para produzir uma raça superior), não como enfermeiras, mas como cozinheiras, arrumadeiras, ou para trabalhar na lavanderia ou em tarefas similares. Onde ainda tivermos homens trabalhando como serventes de limpeza, podemos usar mulheres fortes dentre as Estudantes da Bíblia. Estou convencido de que, na maioria dos casos, teremos pouca dificuldade com elas.

“Também concordo com as sugestões de que se designem Estudantes da Bíblia às famílias grandes. Estudantes da Bíblia habilitadas, dotadas da necessária capacidade, devem ser encontradas e relatadas a mim. Então as distribuirei pessoalmente entre as famílias grandes. Em tais casas, não devem usar uniformes da prisão, mas roupas civis, e sua permanência deve ser arranjada de forma similar às Estudantes da Bíblia livres e internadas em Harzwalde.

“Em todos estes casos em que detentas ficam parcialmente livres e têm sido designadas a tal trabalho, queremos evitar registros escritos ou assinaturas, e fazer tais acordos apenas com um aperto de mão.

“Queiram enviar suas recomendações para dar início a esta atividade e um relatório sobre ela.”

Assim aconteceu. Dentro de curto tempo, um bom número de irmãs foram enviadas para trabalhar nas casas, nas hortas para o mercado, nas propriedades das SS e nos “Lebensbornheime”.

Havia outras razões, contudo, de os homens das SS estarem dispostos a aceitar as testemunhas de Jeová em suas casas. Os homens das SS sentiam o ódio secreto que crescia entre o povo comum. Compreendiam que não zombavam deles apenas em particular. Muitos nem mais confiavam em suas criadas e tinham medo que elas pusessem veneno em sua comida ou os matassem de algum outro modo. Com o tempo, altos oficiais das SS não ousavam mais ir a qualquer barbeiro, temendo que este lhes cortasse o pescoço. Max Schröer e Paul Wauer foram designados a fazer regularmente a barba dos altos oficiais das SS, visto que estes sabiam que as testemunhas de Jeová jamais se vingariam, nem matariam seus inimigos humanos.

Tais irmãos e irmãs que trabalhavam fora dos campos até mesmo obtiveram permissão de receber visitas de seus parentes ou podiam eles mesmos visitar seus parentes em casa. Alguns obtiveram férias de várias semanas para este fim. Isto por fim significava que os irmãos e as irmãs obtinham mais comida, que resultava na melhora rápida de sua saúde e reduzia o número de mortes devido à fome e aos maus tratos.

Até que ponto a atitude nos campos de concentração mudou para proveito das testemunhas de Jeová, pode ser visto de uma experiência de Reinhold Lühring. Em fevereiro de 1944, foi subitamente chamado de sua equipe de trabalho e lhe mandaram apresentar-se ao escritório do campo. Era ali que tantos tinham recebido maus tratos e se fizeram tentativas de persuadi-los de renunciar à sua fé em Jeová. Quão surpreso ficou o irmão Lühring quando os oficiais sentados à sua frente lhe pediram que supervisionasse uma propriedade, orientando devidamente o trabalho e os trabalhadores. Respondendo a todas as perguntas deles na afirmativa, foi mais tarde levado para a Tchecoslováquia, junto com quinze outros irmãos, para tomar conta da propriedade da Sra. Heydrich.

Outra equipe de trabalho, composta de 42 irmãos todos bons artífices, foi levada para o Lago Wolfgang, na Áustria, a fim de construir uma casa para um alto oficial das SS. Embora o trabalho nas encostas da montanha não fosse fácil, os irmãos passaram muito melhor em outros sentidos. Por exemplo, Erich Frost, que pertencia a este grupo, obteve permissão de lhe mandarem de casa o seu acordeão. Depois de recebê-lo, ele e os outros irmãos amiúde tinham permissão de ir às noitinhas até o lago, onde tocava músicas folclóricas e peças de concerto, que eram apreciadas, não só por seus irmãos, mas também por aqueles que moravam junto ao lago, inclusive os homens das SS, sob cuja supervisão trabalhavam.

Também continuou a ser mais fácil suprir o alimento espiritual aos irmãos nos campos de concentração. O Dr. Kersten desempenhou um papel nada pequeno nisso, visto que amiúde viajava entre sua casa na Suécia e sua propriedade em Harzwalde. Sempre permitia que as irmãs que Himmler lhe dera para trabalhar em sua propriedade e em sua casa na Suécia arrumassem suas malas. Silencioso acordo fora feito entre elas, de que a irmã na Suécia colocaria várias Sentinelas na mala de Kersten, quando a arrumasse. Ao chegar em Harzwalde, ele mandava a irmã que trabalhava para ele ali que desfizesse a mala, o que ele sempre deixava que ela fizesse sozinha. Depois de as irmãs terem estudado cuidadosamente estas Sentinelas, passavam-nas para o campo de concentração vizinho.

A propriedade do Sr. Kersten em Harzwalde estava numa localização ideal, a cerca de 35 quilômetros ao sul do campo de mulheres de Ravensbrück e a cerca de 30 quilômetros ao norte do campo dos homens em Sachsenhausen. Coisas eram transportadas constantemente de Harzwalde para ambos os campos, de modo que não era difícil introduzir alimento espiritual nos campos, para os irmãos e irmãs.

Havia assim um contato cada vez mais íntimo entre os vários campos e casas particulares em que nossas irmãs foram designadas trabalhar para as famílias dos SS. Ilse Unterdörfer relata a respeito desta época interessante:

“Visto que gozávamos de considerável liberdade onde trabalhávamos, tínhamos êxito em enviar cartas a nossos parentes sem que fossem censuradas. Também conseguíamos corresponder com nossos irmãos que trabalhavam na parte externa ou a quem os homens das SS confiaram posições, destarte gozando de maior liberdade. Sim, tivemos até êxito em entrar em contato com os irmãos que viviam em liberdade e obtivemos Sentinelas. Depois de muitos anos de viver à base das coisas anteriormente aprendidas, e das novas verdades trazidas pelos recém-chegados, era maravilhosamente revigorante poder ler pessoalmente de novo A Sentinela. Fui designada a uma fazenda das SS perto de Ravensbrück, sob a jurisdição do oficial das SS, Pohl. Como detenta supervisora, era responsável pelo trabalho de nossas irmãs. Algumas de nas até dormiam ali, e não tinham mais de ir de forma alguma ao campo. Era-me então possível, segundo os arranjos feitos numa carta entregue por uma irmã, entrar em contato com Franz Fritsche, de Berlim, com quem encontrei-me numa noite numa seção arborizada da fazenda. Sempre me fornecia várias Sentinelas. Além disso, sempre recebíamos alimento espiritual de outra forma. Duas irmãs trabalhavam numa fábrica, e também traziam exemplares de A Sentinela para o campo. Desta forma, Jeová cuidava amorosamente de nós num tempo em que isso era muitíssimo urgente.”

Jeová abençoava os irmãos que tinham acesso mais fácil ao alimento espiritual e que se empenhavam em torná-lo disponível a outros, como se pode ver do relato de Frank Birk. Achava-se entre os trazidos à propriedade de Harzwalde. Logo ouviram dizer que outros irmãos encarcerados, trabalhando sob a supervisão dum soldado, erguiam um prédio na floresta, a cerca de dez quilômetros. Visto que os irmãos de Harzwalde já gozavam de certa medida de liberdade, procuravam uma oportunidade de encontrar-se com tais irmãos na floresta.

“Certo domingo de manhã”, relata o irmão Birk, “eu e o irmão Krämer pegamos nossas bicicletas e partimos para achar nossos irmãos. Ao rodarmos para dentro dos bosques, vimos logo uma clareira em que se erguia novo prédio. Vendo um preso surgir na clareira, acenamos para ele, e começou a vir em nossa direção no meio do mato. Logo que vimos o triângulo lilás em sua roupa, sabíamos que era um irmão. Depois de lhe dizermos que éramos do grupo de Harzwalde, ele nos levou ao prédio novo. Visto que tínhamos Sentinelas novas, sentamo-nos e começamos a estudar. Depois disso, visitávamos nossos irmãos todo domingo. Estavam sob a supervisão dum sargento-ajudante de Friburgo, que era bondoso para com os irmãos. Pouco antes do Natal, perguntei-lhe: ‘O que acharia se o Sr. e nossos irmãos fizessem uma visita a Harzwalde nesses feriados?’ Ele respondeu, pensativo, que desejava ir a algum lugar com seus homens para cortarem o cabelo. Quando soube que tínhamos um barbeiro em Harzwalde, concordou de imediato. E, assim, bem cedo na manhã de Natal, nossos irmãos, acompanhados por este oficial, vieram até à fazenda. A irmã Schulze, de Berlim, que trabalhava na cozinha, cuidou especialmente bem do oficial, de modo que ninguém nos perturbasse em nossa associação mútua. Essa noite, os irmãos voltaram para casa cheios de alegria, por causa da reunião abençoada que tivemos juntos. Imagine só, isto ocorrera bem no meio de nossos inimigos!”

Com o tempo, houve crescentes possibilidades de se introduzir o alimento espiritual em todos os campos de concentração. Gertrud Ott e dezoito outras irmãs encarceradas em Auschwitz foram enviadas para trabalhar num hotel em que as famílias dos homens das SS moravam. Visto que outras pessoas também vinham comer e beber ali, não demorou muito até que as irmãs ainda livres descobriram suas irmãs presas lavando as janelas. “Somos irmãs também”, sussurraram ao passar, sem olhar para cima. Três semanas depois, fizeram arranjos de reunir-se no lavatório. Dali em diante, as irmãs de fora vinham regularmente e traziam Sentinelas e outras publicações para as irmãs que trabalhavam no hotel, que eram então enviadas para Ravensbrück.

No início de dezembro de 1942, surgiu uma oportunidade especialmente maravilhosa para que cerca de 40 irmãos, deixados em Wewelsburgo, cuidassem dum serviço especial ali. Embora fossem ainda tratados como detentos, gozavam certa medida de liberdade, pois não havia mais qualquer cerca de arame farpado, nem sentinela, para mantê-los dentro do campo.

O irmão Engelhardt ainda estava livre nessa época e tentara enviar instruções aos irmãos que moravam perto para encontrarem um meio de introduzir Sentinelas no campo. Depois de vencer vários problemas, Sandor Beier, de Herford, e Martha Tünker, de Lemgo, investigaram a situação simplesmente por atravessarem uma seção como um casal de jovens talvez o fizesse. Logo estabeleceram contato com os irmãos e lhes forneceram regularmente Sentinelas, depois disso. Na primeira vez, encontravam os irmãos num cemitério, em certo túmulo; da seguinte vez, escondiam as revistas num monte de palha, ou as entregavam pessoalmente aos irmãos à meia-noite, num local predeterminado. Novo local de encontro era arranjado para cada entrega. Depois de o irmão Engelhardt e as irmãs que produziam e distribuíam as revistas serem presos, surgiu a pergunta de como aqueles que ainda estavam livres seriam supridos do alimento espiritual.

Desta vez, os irmãos em Wewelsburgo tentaram encontrar por si mesmos a solução. Conseguiram uma máquina de escrever, que um dos irmãos usava para cortar estênceis. Outro irmão construiu um mimeógrafo primitivo de madeira. Irmãs de fora, com as quais ainda tinham contato, traziam aos irmãos os suprimentos necessários para o mimeógrafo. Tantas cópias de A Sentinela eram por fim produzidas aqui que grande parte da Alemanha setentrional podia ser suprida. Elisabeth Ernsting se lembra de como recebia 50 cópias para suprir o território sob seus cuidados. Assim, por quase dois anos, até o colapso do regime em 1945, foi possível prover A Sentinela para os irmãos que moravam na Vestfália e em outros distritos.

O suprimento do alimento espiritual para os irmãos e irmãs que estavam nos campos de concentração melhorou tão grandemente que, em 1942, em Sachsenhausen, podia ser comparado a um pequeno riacho. Condenado à morte pouco antes do colapso do regime nazista, mas não sendo executado, o irmão Fritsche, de Berlim, conseguiu, por um período de um ano e meio, fornecer aos irmãos, não só todas as revistas novas, mas também vários números antigos, bem como todos os livros e folhetos que haviam sido lançados no ínterim. Era como se os irmãos tivessem sido levados a ricos pastos, pois todo irmão possuía um exemplar de uma das publicações da Sociedade para estudar toda noite. Que mudança! Mas, isso não era tudo. A organização funcionava tão bem que o irmão Fritsche conseguia enviar cartas aos parentes dos irmãos, ou cartas para outros campos, ou a filiais no exterior. Assim, era possível, numa questão de um ano e meio, retirar sorrateiramente 150 cartas, e introduzir quase o mesmo número no campo. As cartas enviadas testificavam a excelente condição espiritual dos irmãos. Compreensivelmente, muitas cópias destas cartas eram feitas. Algumas foram até mesmo mimeografadas e serviam de encorajamento para os irmãos de fora, e em especial para os parentes daqueles que estavam presos.

A UNIDADE TEOCRÁTICA É DECLARADA COM INTREPIDEZ NOS CAMPOS

Tudo correu bem por cerca de um ano e meio, até o outono setentrional de 1943, quando o irmão Fritsche foi preso. Encontraram-se, em buscas domiciliares, relatórios sobre Sachsenhausen que chamavam a atenção para ele. A polícia encontrou em seu poder, não só Sentinelas, e outras publicações, mas também algumas cartas dos irmãos que ele deveria entregar. A polícia, ao descobrir que se trocava correspondência numa escala quase internacional, tornou-se suspeitosa quanto à habilidade ou a disposição dos líderes do campo de desincumbir-se de suas obrigações. Himmler por conseguinte, ordenou imediata busca a ser feita em todos os campos de concentração sob suspeita

A campanha começou no fim de abril. Certa manhã, alguns dos oficiais da Polícia Secreta vieram a Sachsenhausen. O ataque de surpresa sobre os irmãos havia sido bem planejado. Os que trabalhavam dentro do campo foram chamados de seus locais de trabalho e se lhes mandou ficar em pé no pátio, onde foram interrogados sobre os textos diários, e revistados. Encontraram-se algumas publicações. Tudo isso foi acompanhado pelos espancamentos usuais. Mas, a Gestapo não conseguiu fazer com que os irmãos retrocedessem pois Jeová os nutrira ricamente no meio de seus inimigos. Tinham clara visão de sua comissão e não temiam tomar sua posição unicamente a favor da regência teocrática.

Ernst Seliger tornou-se conhecido como o elo de ligação com o irmão Fritsche, de modo que recebeu “atenção” especial. Esforçara-se em pensar, não só as feridas carnais, mas também as espirituais, e seus humildes modos paternais contribuíram grandemente para a união usufruída neste campo. Mas, ficou muitíssimo perturbado quanto ao resultado de seus primeiros interrogatórios e orou a Jeová para que ele pudesse transformar sua “derrota”, como a considerava, numa vitória. Mas, não se tratava duma prova para uma pessoa apenas. Wilhelm Röger, de Hilden, descreve a situação como segue: “Agora tinha de ser ‘Um por todos e todos por um!’” Todos os irmãos comprovaram a declaração do irmão Seliger, de que ele distribuía textos diários para seu encorajamento. Confirmaram que haviam lido as publicações que o irmão Seliger trouxera ao campo e que continuariam a encorajar-se uns aos outros e a falar sobre sua esperança no futuro.

Passaram-se quatro dias. Domingo de manhã, o irmão Seliger compareceu perante a administração do campo, de modo que pudessem registrar o protocolo. Descreve suas experiências: “Primeiro, testemunhei em três quartos de hospital [onde trabalhava como auxiliar] . . . Então, cheio de alegria, dirigi-me à cova dos leões. Um médico e um farmacêutico estudavam as cartas que enviáramos ilegalmente para fora do campo. Seguiram-se duas horas de debates acalorados. Quando se devia concluir o protocolo, o oficial interrogador disse: ‘Seliger, o que irá fazer agora? Tenciona continuar a escrever textos diários e encorajar seus irmãos? E tenciona continuar pregando a mensagem aqui no campo entre outros detentos?’ ‘Sim, é exatamente isso que vou continuar a fazer, e não só eu, mas também todos os meus irmãos!’ . . . Às 14 horas o interrogatório terminou e a declaração feita em nome de todos os irmãos lhes foi apresentada no que todos foram alegremente fazer a obra de pregação” — nas barracas do campo.

Os irmãos se lembravam de que já se haviam passado quase dez anos desde 7 de outubro de 1934, quando Hitler fora informado, por uma carta, que as testemunhas de Jeová não deixariam de reunir-se e de pregar, apesar das ameaças. Agora, depois de quase dez anos, a Gestapo compreendia que o espírito combativo do povo de Deus não havia sido desfeito, sem considerar se estavam dentro ou fora dos campos de concentração. As cartas testemunhavam isto.

A Gestapo examinou então os outros campos de concentração para ver se a muito anunciada ‘unidade teocrática’ também prevalecia ali. O seguinte campo foi o de Berlim-Lichterfelde, um ramo de Sachsenhausen. O irmão Paul Grossmann, que servia como elemento de ligação entre Sachsenhausen e Lichterfelde, mais tarde mencionou a investigação:

“Em 26 de abril de 1944, a Gestapo deu novo golpe. Às 10 horas dessa manhã, dois oficiais da Gestapo vieram a Lichterfelde investigar-me cabalmente como elemento de ligação entre Sachsenhausen e Lichterfelde. Mostraram-me duas cartas ilegais que eu escrevera aos irmãos em Berlim. Estas cartas mostravam claramente nossos métodos de operação. [Podemos ver quão insensato é escrever cartas que contenham tais informações, porque é de se esperar que mais cedo ou mais tarde as autoridades as descubram quando fazem prisões ou dão buscas.] Os oficiais ficaram assim informados sobre todos os pormenores de organização e, em adição, que havíamos recebido regularmente alimento de nossa ‘mãe’.

“Apesar de virarem tudo de pernas para o ar, tudo que encontraram foi uma Sentinela. Tive de ficar em pé junto ao portão enquanto outros irmãos eram trazidos do trabalho. Também foram revistados e tiveram de ficar em pé junto ao portão. Isto causou grande sensação, visto que Já por muito tempo não se fazia uma grande batida policial como esta. Houve muitos espancamentos e palavras abusivas durante o interrogatório, e encontraram-se algumas Sentinelas e textos. Um relatório extenso sobre as experiências em Sachsenhausen, uma Bíblia e outros documentos não caíram nas mãos deles. Os irmãos não esconderam que trabalhavam ativamente em prol dos interesses da Teocracia e que liam as Sentinelas. Tivemos de ficar em pé junto ao portão até às 23 horas daquela noite. No ínterim, um caminhão da polícia chegou para transferir os doze líderes do grupo para Sachsenhausen. Isto significava que seriam enforcados. Tiveram de entregar suas colheres e pratos, e assim por diante. Mas, a transferência não se materializou. Nem no dia seguinte, tampouco, embora os avisos de morte, para os parentes, já tivessem sido escritos. Houve uma surpresa no terceiro dia. Os doze irmãos não foram executados, mas os mandaram voltar ao trabalho.”

Dos irmãos em Lichterfelde se exigiu então que assinassem uma declaração, dizendo: “Eu, ________________________, uma das testemunhas de Jeová, que já estou no campo desde ______________________, professo pertencer à ‘unidade teocrática’ que existe no campo de concentração de Sachsenhausen. Tenho obtido textos diários e publicações que tenho lido e passado adiante.” Todos estavam mais do que felizes de assiná-la.

Similares batidas políciais foram realizadas, com os mesmos resultados, em outros campos, uma delas sendo realizada em Ravensbrück, em 4 de maio de 1944, porque era evidente pelas cartas que havia contato entre Sachsenhausen e Ravensbrück. Várias medidas foram tomadas contra as “líderes” deste campo. Mas, não demorou muito para que as irmãs fossem recolocadas em suas antigas tarefas aqui também, depois de solicitações terem sido feitas pelos responsáveis pelos departamentos. Isto era prova adicional de que o poder do tirano, por volta dessa época, já tinha sido razoavelmente rompido.

As derrotas sofridas pelo exército alemão na frente oriental, em 1944, ceifaram tantas vidas que não só os homens idosos e até a juventude hitlerista foram convocados para a guerra, mas até mesmo detentos receberam a oportunidade de provar-se na frente oriental. Por este motivo, vieram comissões aos campos e ofereceram aos presos políticos a oportunidade de juntar-se a divisão destituída do General Dirlewanger. Se se provassem ali, então seriam considerados alemães livres. Era interessante, contudo, que todos os presos que portavam o triângulo lilás eram sempre enviados para suas barracas antes de tal oferta ser feita aos outros. Sabiam qual seria a resposta das testemunhas de Jeová e, portanto, deixaram de lhes perguntar.

EVACUAÇÃO APRESSADA DOS CAMPOS

Em 1945, a incessante chuva de bombas por parte das forças aéreas estadunidense e inglesa de dia e de noite, e o recuo do exército alemão, que por fim se transformou em fuga aberta, indicavam a todos que o fim da Segunda Guerra Mundial estava próximo. As SS haviam parado de demonstrar seu mando. Que não se achavam em posição invejável pode ser depreendido quando nos lembramos de que centenas de milhares de pessoas nos campos de concentração aguardavam nervosamente a libertação. Essas massas eram material imprevisível, sim, explosivo, o que deixava muitos homens das SS com medo dos detentos. Mas, Himmler continuava a seguir as ordens do Führer e enviara o seguinte telegrama aos comandantes de Dachau e Flossenburgo: “A rendição é inconcebível. O campo deve ser imediatamente evacuado. Nenhum detento deve cair vivo nas mãos do inimigo. (Assinado, Heinrich Himmler)” Instruções similares foram enviadas a outros campos.

Este era o último plano demoníaco, mais uma vez pondo em perigo a vida dos servos fiéis de Deus detidos nos campos. Mas, não estavam preocupados demais. Punham sua confiança em Jeová, sem considerar qual pudesse ser para eles, pessoalmente, o resultado imediato.

Os oficiais das SS, que tinham o dever de liquidar os presos, viam-se confrontados com insolúvel tarefa. O irmão Walter Hamann, designado a trabalhar na cantina das SS, ouviu interessante conversa entre os oficiais das SS. Relata: “Os oficiais falavam de matar com gás os detentos, mas as instalações eram pequenas demais, nem dispunham de suficiente gás. Daí, ouvi uma conversa telefônica a respeito de um carregamento de óleo para as fornalhas; mas este não pôde ser entregue. Mencionou-se então fazer explodir os campos e seus presos. Caixas de dinamite já haviam sido colocadas nas várias barracas, especialmente na ala do hospital. Mas, este plano também foi abandonado. Por fim, decidiu-se evacuar os 30.000 detentos; foi-lhes dito que seriam enviados a um campo maior — que não existia — mas, em realidade, tencionavam dar-nos um túmulo em massa na Baía de Lübeck. Nenhum gás, petróleo ou dinamite seriam necessários para isso.”

No ínterim, aumentava a velocidade com que as forças dos Aliados se aproximavam pelo leste e oeste. As tropas das SS começaram então a preocupar-se com sua própria vida e se tornavam cada vez mais confusas, em especial depois de se tornar conhecida a decisão do governo de liquidar os campos. Confrontadas com problemas intransponíveis, simplesmente levaram os detentos para as estradas e os fizeram marchar com pouquíssimas rações. Qualquer pessoa que seguisse a rota dessas marchas posteriormente, chamadas corretamente de “marchas da morte”, notaria que todas se dirigiam ao mesmo destino. Seu alvo era levá-las à Baía de Lübeck, ou ao mar aberto no norte, onde poderiam então ser colocados em navios a serem afundados antes de chegarem as forças inimigas.

Logo não restavam alimentos e, às vezes, nem sequer uma gota d’água. Todavia, os presos famintos foram obrigados a marchar o dia inteiro, por dias sem fim, debaixo de chuva torrencial, com a temperatura média de apenas 4 graus centígrados. À noite, permitia-se-lhes que se deitassem nos bosques, no chão ensopado de água da chuva. Os incapazes de manter a velocidade prescrita eram baleados no pescoço, sem misericórdia, pela retaguarda das SS. A extensão da perda de vidas nestas marchas pode ser depreendida do exemplo de Sachsenhausen. Dos 26.000 presos ainda vivos no tempo da evacuação, 10.700 ficaram estendidos pela estrada de Sachsenhausen a Schwerin, sendo abatidos à bala.

Os poucos irmãos deixados em Mauthausen também estavam em posição perigosa. Haviam-se cavado grandes túneis na montanha, em que os temíveis foguetes “V-2” eram construídos. Certo dia, um destes túneis foi lacrado e colocaram-se minas dentro dele. O plano era fingir um ataque aéreo, destarte empurrando os 18.000 presos para dentro do túnel, que então seria dinamitado. Mas, a administração do campo foi surpreendida pelo rápido avanço dos tanques russos, e as SS preferiram abandonar os presos e tentar salvar sua própria vida, se possível. Mas, não conseguiram ir muito longe. Apenas alguns dias depois, o comandante do campo, que era conhecido por ter dito: ‘Só quero ver certidões de óbito’, foi reconhecido pelos presos e pisoteado até a morte. Os presos políticos procuraram então vingar-se de seus colegas de prisão que, como anciãos do campo, anciãos dos blocos e capatazes, haviam trazido muita culpa de sangue sobre si mesmos.

A marcha de morte dos detentos de Dachau os levou através de florestas, e os que não conseguiram manter o passo foram baleados pelas SS. Seu alvo era os Alpes Ötztaler, onde todos que por fim alcançassem seu destino seriam mortos à bala, de qualquer modo. Os irmãos se mantiveram unidos, e ajudaram uns aos outros, assim impedindo que alguns fossem baleados, até chegarem em Bad Tölz, onde foram libertos. O irmão Ropelius se lembra de que passaram a última noite sob um lençol de neve na floresta de Waakirchen. Ao amanhecer o dia, a Polícia do Estado da Baviera chegou e lhes disse que estavam livres e que as SS haviam fugido. Ao prosseguirem sua jornada, encontraram armas encostadas nas árvores, mas nenhum homem das SS.

As tropas das SS levaram a sério as ordens governamentais de liquidar todos os presos. Apenas alguns dias antes da capitulação, ajuntaram-se grupos em Neuengamme e foram colocados a bordo dum cargueiro que deveria levá-los então para o ‘Cap Arcona’, um transatlântico de luxo, que estava ancorado na Baía de Neustadt. Cerca de 7.000 presos já estavam neste navio de 200 metros de comprimento. As tropas das SS planejavam zarpar no ‘Cap Arcona’ para alto mar, onde então o afundariam junto com os presos. Mas, o navio ainda arvorava sua bandeira e, portanto, foi afundado em 3 de maio de 1945 por bombardeiros ingleses. O cargueiro ‘Thielbeck’, com de 2.000 a 3.000 detentos a bordo, também foi afundado. Cerca de 9.000 presos tiveram um túmulo aquoso na Baía de Neustadt. É compreensível que os sobreviventes sintam arrepios de frio quando se lembram desse evento. Até o dia de hoje, de doze a dezessete esqueletos destes presos afogados são encontrados cada ano na praia de Neustadt por banhistas e durante escavações.

A mesma sorte fora determinada para os presos de Sachsenhausen, inclusive 220 irmãos. Numa marcha assassina, cobriram aproximadamente 200 quilômetros em duas semanas.

As Testemunhas reconheceram logo o perigo que as ameaçava, de modo que consertaram seus sapatos e ajuntaram algumas carrocinhas para transportar os parcos pertences dos mais fracos, aos quais então colocaram sobre elas. De outra forma tais irmãos, caso tivessem de caminhar por todo o caminho, estariam entre os mais de 10.000 mortos. Mas, desta forma, os irmãos que fisicamente não estavam tão mal podiam puxá-los pelo caminho. No trajeto, outros foram colocados nas carroças, quando sua força se esvaiu. Depois de alguns dias de descanso, ao terem recuperado suficiente força, cumpriam sua vez em puxar as carroças de novo. Assim, mesmo durante esta marcha de morte, todos permaneceram juntos como uma grande família, usufruindo a proteção de Jeová até o fim.

Daí, certa tarde, quando este grupo de presos que fugiam só estava a três dias de viagem de Lübeck, as tropas das SS ordenaram que todos acampassem numa floresta perto de Schwerin. Durante a caminhada, os irmãos formaram pequenos grupos e construíram tendas improvisadas com seus cobertores. Cobriram o chão com pequenos ramos, de modo a afastar o frio da noite. Essa noite, enquanto as balas russas zuniam sobre suas cabeças, e os estadunidenses continuavam a avançar, esta parte da frente alemã entrou em colapso. Havia indescritível sensação nos presentes, quando, subitamente, no meio da noite, um brado ecoou, sendo repetido milhares de vezes: “ESTAMOS LIVRES!”. Os aproximadamente 2.000 homens que até então haviam comandado os presos haviam secretamente tirado seus uniformes, de modo a parecer civis, alguns até mesmo pondo uniformes de presos para esconder sua identidade. Poucas horas depois, alguns deles foram reconhecidos, contudo, e mortos sem misericórdia.

Deveriam os irmãos aceitar a oferta dos oficiais estadunidenses que agora tinham chegado até eles, e levantar acampamento no meio da noite? Depois de considerarem o assunto, com oração, decidiram esperar o alvorecer. Mas, mesmo então permaneceram por mais algumas horas, visto que um sitiante entre os refugiados dera aos irmãos mais de 90 quilos de ervilhas. Maravilhosa refeição foi preparada e saboreada. Oh, quão apreciativos se sentiam os irmãos! Por quase duas semanas, praticamente não comeram nada exceto um pouco de chá, que ajuntavam pelo caminho e preparavam às noitinhas, nos bosques, quando havia água disponível.

Quão gratos ficaram quando descobriram que nenhum deles estava faltando! Mas, conforme compreenderam mais tarde, ainda tinham outro motivo de ser gratos a Jeová, pois, durante sua marcha para o norte, certa vez ficaram detidos pelas tropas das SS numa floresta por vários dias, visto estarem incertas quanto a onde estava exatamente a frente. Estes poucos dias foram a quantidade exata de tempo que precisariam para alcançar Lübeck antes de a frente por fim entrar em colapso.

Agora não mais se achavam com grande pressa de continuar. Bem ali, nesta floresta, perto de Schwerin, começaram a escrever um relatório de suas experiências numa máquina de escrever que os soldados jogaram fora dum escritório montado num carro-reboque. Tal relatório incluía uma resolução escrita com indescritível emoção de sentir-se livres por várias horas, mas, também, com apreço pela proteção de Jeová durante os muitos anos de sua permanência na “cova dos leões” profundamente inculcado em suas mentes. Eis aqui a resolução:

RESOLUÇÃO!

“3 de maio de 1945

“A resolução de 230 das testemunhas de Jeová, de seis nacionalidades, reunidas numa floresta perto de Schwerin, em Mecklenburgo.

“Nós, testemunhas de Jeová aqui reunidas, enviamos calorosas saudações ao povo fiel e pactuado de Jeová e seus companheiros em todo o mundo, nas palavras do Salmo 33:1-4 e 37:9. Que se torne conhecido que nosso grande Deus, cujo nome é Jeová, cumpriu sua palavra a seu povo, em especial no território do Rei do Norte. Longo período de prova sobre nós já passou, e aqueles que foram preservados, tendo sido como que arrancados da fornalha ardente, não têm sobre si nem o cheiro de fogo. (Veja-se Daniel 3:27.) Pelo contrário, estão cheios de vigor e de poder da parte de Jeová, e aguardam ansiosamente novas ordens do Rei para adiantar os interesses teocráticos. Nossa resolução e nossa disposição de trabalhar são expressos em Isaías 6:8 e Jeremias 20:11 (Tradução de Menge). Graças à ajuda do Senhor e de seu gracioso apoio, os desígnios do inimigo de fazer com que violássemos nossa integridade falharam, muito embora tentasse isto por empregar inúmeros planos diabólicos violentos bem como milhares das práticas inquisitoriais, copiadas diretamente da Idade Média, tanto físicas como mentais, e muitas lisonjas e engodos. Todas essas experiências variadas, que encheriam muitos volumes, se acham descritas brevemente nas palavras do apóstolo Paulo em 2 Coríntios 6:4-10, 2 Coríntios 11:26, 27 e, acima de tudo, no Salmo 124 (tradução Elberfelder). Satanás e seus agentes demoníacos mais uma vez foram marcados como mentirosos. (João 8:44) A grande questão, mais uma vez, foi decidida em favor de Jeová, para Sua honra. — Jó 1:9-11.

“Para nossa alegria e a sua, saibam que o Senhor, Jeová, nos abençoou com ricos despojos, trinta e seis homens de boa vontade, os quais, ao partirmos de Sachsenhausen . . . declararam voluntariamente: ‘Iremos convosco, pois ouvimos que Deus está convosco.’ Zacarias 8:23 já se cumpriu! Por causa de nossa saída apressada, muitos amigos da Teocracia não puderam juntar-se a nós, mas Jeová dirigirá os assuntos de modo que logo encontrem o caminho que os traga a nós.

“Nós, testemunhas de Jeová, declaramos nossa completa fé em Jeová e nossa completa dedicação à sua Teocracia.

“Prometemos solenemente que só temos um desejo, a saber, em vista de nosso profundo apreço pela infindável cadeia de evidências de sua maravilhosa preservação, e da libertação que nos concedeu de milhares de dificuldades, conflitos e aflições durante nossa permanência na cova dos leões, que nos seja permitido servir a Jeová e a seu grande Rei, Cristo Jesus, com corações dispostos e alegres por toda a eternidade. Isso, em si, seria nossa maior recompensa.

“Concluímos nossa resolução com as palavras do Salmo 48, na alegre convicção de uma reunião em breve.

“Seus conservos a favor do santo nome de Jeová.”

Assim, depois de primeiro expressarem seus agradecimentos a Jeová por sua bondade imerecida, sua proteção, e, então, por sua liberdade restaurada, os irmãos levantaram acampamento. Embora entre 900 e 1.000 detentos tenham morrido naquela primeira noite de liberdade, os irmãos alcançaram Schwerin inteiramente ilesos. Visto que as pontes sobre o Rio Elba haviam sido destruídas, contudo, não puderam partir por dois a três meses. Encontraram alojamento nos estábulos dum quartel do exército, onde puderam mimeografar Sentinelas e realizar cada manhã um estudo da Sentinela, a fim de se prepararem espiritualmente para a obra adiante. Ao mesmo tempo, começaram de novo o ministério de campo, embora as circunstâncias os obrigassem a fazer isso nos seus uniformes de prisão. Por fim, puderam seguir viagem para o oeste, para mais uma vez entrarem em contato com seus parentes e ver o que poderia ser feito em reorganizar-se a obra do Reino.

REGISTRO DE INTEGRIDADE

Este relatório foi um empenho em reconstituir-se importante fase da história moderna do povo de Jeová. Mas, apenas pequena parte das coisas interessantes que os irmãos e as irmãs na Alemanha experimentaram durante o regime nacional-socialista de terror puderam ser relatadas. Muitos e muitos livros seriam necessários para se relatar tudo que aconteceu por terem as Testemunhas se apegado à adoração verdadeira e sustentado o nome de Jeová. Que as experiências que foram relatadas representem as muitas que também seriam dignas de menção, não para que os humanos, mas, antes, para que Jeová seja louvado e honrado por meio delas. Foi Ele que deu os passos no tempo devido para libertar seu povo como grupo, muito embora permitisse que muitos deles dessem suas vidas pelo seu santo nome.

Qualquer pessoa que conversou com aqueles que foram libertos da tirania, em 1945, lembrar-se-á de quão freqüentemente louvavam de forma unida a Jeová nas palavras do Salmo 124. Refletiam sobre os maravilhosos artigos da Sentinela que apareceram no início da perseguição, por meio dos quais Jeová os preparara para aquele tempo difícil. Compreendiam então o que Jesus queria dizer ao afirmar que não deviam temer os que podem destruir o corpo. Sabiam o que significava ser lançado numa fornalha ardente ou, como Daniel, numa cova de leões. Mas, também compreendiam que Jeová é mais poderoso, tornando as suas testas mais duras do que a de seus inimigos. Mesmo pessoas de fora reconheciam isto e é amiúde destacado quando os historiadores falam desta parte da história da Alemanha. Por exemplo, Michael H. Kater, em seu Zeitgeschichte (Publicação Trimestral de História), 1969, panfleto 2:

“O ‘Terceiro Reich’ sabia como lidar com a resistência interna apenas pela força bruta e até mesmo nesse caso não conseguiu vencer as forças da rebelião entre o povo alemão, e não conseguiu dominar o problema dos Fervorosas Estudantes da Bíblia, de 1933 a 1945. As testemunhas de Jeová emergirem, em 1945, de seu período de perseguição, enfraquecidas, mas não com espírito abatido.”

Também, numa crítica literária do livro Kirchenkampf in Deutschland (Luta das Igrejas na Alemanha), de Friedrich Zipfel, lemos:

“Dificilmente se tem feito uma análise, ou se tem escrito um livro de memórias, a respeito dos campos de concentração, em que não haja uma descrição da forte fé, da diligência da prestimosidade e do martírio fanático dos Fervorosos Estudantes da Bíblia. Isto se contrasta com as publicações de oposição em geral, escritas antes da luta que as testemunhas de Jeová tiveram antes de seu encarceramento, e que não as mencionam de forma alguma, ou apenas de passagem. A atividade dos Estudantes da Bíblia e a perseguição contra eles, contudo, é um caso muito estranho. Noventa e sete por cento dos membros deste pequeno grupo religioso foram vítimas da perseguição nacional-socialista. Um terço deles foram mortos, quer sendo executados, quer por outros atos violentos, pela fome, pela doença, quer pelo trabalho escravo. A severidade desta sujeição não tinha precedentes e era resultado da intransigente fé, que não se podia harmonizar com a ideologia nacional-socialista.”

Quão humilhado estava agora o Führer do derrotado Reich alemão! Göbbels dissera sobre ele, em 31 de dezembro de 1944: “Quem dera que o mundo realmente soubesse o que ele gostaria de lhe dizer e de lhe dar, e quão profundo é seu amor por seu próprio povo e por toda a humanidade, então abandonaria de imediato seus deuses falsos e o louvaria . . . um homem cujo propósito era libertar seu povo. . . . Jamais uma palavra falsa ou uma idéia degradada passou pelos seus lábios. Ele é a própria verdade.” Mas, este homem que procurou ser um deus cometeu suicídio.

Quão humilhados, também, ficaram aqueles que puseram sua confiança nele — por exemplo, Himmler, que também considerava Hitler como uma divindade e que inescrupulosamente executava as ordens dele. Foi Himmler que tornara dificílima a vida dos servos fiéis de Jeová por muitos anos. Por quanto sangue derramado tinha ele de assumir a responsabilidade? Em 1937, jactanciosamente disse às nossas irmãs em Lichtenburgo: “Vocês também capitularão, nós vamos reduzi-las ao seu verdadeiro tamanho, vamos agüentar muito mais tempo que vocês!” E quão deprimido estava depois do colapso do regime nazista, quando fugia e se encontrou com o irmão Lübke em Harzwalde e lhe perguntou: “Bem, Estudante da Bíblia, o que acontecerá agora?” O irmão Lübke lhe deu um testemunho cabal e lhe mostrou que as testemunhas de Jeová sempre contavam com o colapso do regime nazista e com sua libertação. Himmler se foi sem dizer uma só palavra, e pouco depois se envenenou.

Mas, apesar das condições difíceis, como se regozijavam os que adoravam a Jeová! Tiveram o privilégio de provar sua integridade ao Regente Soberano do universo. Durante o regime de Hitler, 1.687 deles perderam seus empregos, 284 seus negócios, 735 os seus lares e 457 não obtiveram permissão de exercer sua profissão. Em 129 casos, sua propriedade foi confiscada, a 826 pensionistas se negou o pagamento de suas pensões, e 329 outros sofreram outras perdas pessoais. Houve 860 crianças que foram retiradas do convívio dos pais. Em 30 casos, dissolveram-se casamentos devido à pressão por parte de autoridades políticas, e, em 108 casos, foram concedidos divórcios quando solicitados por cônjuges opostos à verdade. Um total de 6.019 foram presos, vários deles duas, três ou até mesmo mais vezes, de modo que, somando-se tudo, 8.917 prisões foram registradas. Juntando-se tudo, foram sentenciados a 13.924 anos e dois meses de prisão, duas e um quarto de vezes o período desde a criação de Adão. Um total de 2.000 irmãos e irmãs foram lançados nos campos de concentração, onde gastaram 8.078 anos e seis meses, uma média de quatro anos. Um total de 635 pessoas morreram na prisão, 253 tendo sido sentenciadas à morte e 203 delas tendo realmente sido executadas. Que belo registro de integridade!

[Foto na página 171]

Pátio de entrada do campo de concentração de Mauthausen, com grupo de recém-chegados nus.

[Foto nas páginas 194, 195]

Campo de Concentração de Sachsenhausen

Alojamento das SS

Pátio de Chamada

Prédio das Celas

Isolamento

Câmara de Gás

Local de Execuções

Estação de Despiolhamento