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República Tcheca

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República Tcheca

Em 1998, os vínculos da fraternidade internacional assumiram um significado ainda maior para as Testemunhas de Jeová na República Tcheca. Em todo o globo realizavam-se congressos internacionais com o tema “O Caminho de Deus para a Vida”.

Da República Tcheca havia 345 dentre os 42.763 congressistas reunidos para o congresso em Pontiac, Michigan, nos Estados Unidos. Os reunidos ali eram de pelo menos 44 países — das Américas, da Europa, da África e da Ásia. Outros 700 da República Tcheca, junto com 700 da Eslováquia, estavam no congresso em Nuremberg, na Alemanha, que era um dos cinco congressos simultâneos, alemães, com uma assistência conjunta de 217.472.

Os congressistas tchecos ficaram profundamente comovidos quando receberam boas-vindas cordiais na chegada às cidades do congresso; quando foram amorosamente acomodados nos lares de irmãos cristãos que não conheciam antes e, depois, quando ouviram os entusiásticos aplausos de boas-vindas dados aos congressistas internacionais no dia da abertura do congresso. Em Nuremberg, as Testemunhas procedentes da República Tcheca e da Eslováquia cumprimentaram-se com muito sentimento, abraçando-se e muitas vezes chorando de alegria por terem a oportunidade de estar novamente juntas. Foram ocasiões inesquecíveis.

Naquele mesmo ano, milhares de outros assistiram a congressos similares na própria República Tcheca. Ali, além do programa que fora apresentado nos congressos maiores, os congressistas tiveram o prazer de receber a tradução tcheca recém-concluída da enciclopédia bíblica Estudo Perspicaz das Escrituras em dois volumes.

Estes foram acontecimentos realmente felizes na História das Testemunhas de Jeová na República Tcheca. Mas o caminho que levou a isso foi longo e difícil. Tudo começou há mais de 100 anos, e estes eventos recentes não poderiam ter ocorrido sem a ajuda amorosa de Jeová Deus.

Em 1891, C. T. Russell, então presidente da Sociedade Torre de Vigia (nos EUA), visitou Praga, embora bem brevemente, numa viagem pela Europa. Nos anos desde então, as Testemunhas de Jeová tiveram períodos de muito crescimento, bem como tempos de dificuldades, perseguição e peneiração. Sua obra ficou completamente proscrita por 46 anos. Mesmo quando não estavam proscritas, as Testemunhas nem sempre tiveram o reconhecimento legal.

O que se passou com as Testemunhas de Jeová nas terras tchecas foi similar ao que se deu com o profeta Jeremias, a quem Jeová disse: “Por certo lutarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti, pois ‘eu estou contigo’, é a pronunciação de Jeová, ‘para te livrar’.” — Jer. 1:19.

Conhecida como Tchequia

Em outubro de 1918, depois de negociações políticas nos centros diplomáticos do mundo, formou-se na Europa Central a República da Tchecoslováquia. Ela fora temporariamente dissolvida durante a Segunda Guerra Mundial, mas reemergiu então após mais de seis anos de opressão nazista. Também havia suportado mais de quatro décadas de governo comunista. Daí, depois de 74 anos, esta entidade política deixou de existir. Em 1993, o que havia sido a parte oriental do país passou a ser conhecida como a República Eslovaca. A parte ocidental, incluindo a Boêmia, a Morávia e parte da Silésia, tornou-se a República Tcheca, ou abreviado, a Tchequia.

A República Tcheca tem uns 500 quilômetros de leste a oeste, e aproximadamente 250 quilômetros de norte a sul. No norte e no oeste há belas montanhas cobertas de florestas; há também muita terra agrícola fértil entrecortada por rios. Mas assim como se dá em grande parte da Europa Central, a poluição ambiental é um grave problema. A maioria das pessoas mora em cidades ou em aldeias.

Foi publicado no Anuário de 1973 um relatório resumido do desenvolvimento da atividade das Testemunhas de Jeová em toda a anterior Tchecoslováquia, entre 1912 e 1970. Aqui se fornecem outros pormenores, mas este relatório enfoca principalmente o que agora é a República Tcheca.

Herança religiosa

Praga, a capital, é às vezes chamada de cidade de uma centena de pináculos. Mas nem os numerosos pináculos das igrejas conseguiram impedir que a República Tcheca se tornasse o que ela é hoje — um país basicamente ateu. Contudo, não foi sempre assim.

A pedido do Príncipe Rastislav, príncipe morávio, o imperador bizantino Miguel III mandou em 863 EC uma missão religiosa à Morávia. Constantino (mais tarde conhecido como Cirilo) e Metódio, os dois homens que constituíam a missão, eram clérigos da Tessalônica, na Grécia. Além de realizarem ofícios religiosos na língua local, Constantino inventou um alfabeto adequado para a língua eslava, falada pelos morávios. Depois, com o uso deste alfabeto, ele passou a traduzir partes da Bíblia. Todavia, entendimento claro da Palavra de Deus só foi conseguido muito mais tarde.

Proclamação duma mensagem urgente

Em 1907, cerca de 16 anos depois da breve visita de C. T. Russell a Praga, um idoso Estudante da Bíblia (como as Testemunhas de Jeová eram chamadas então) começou a visitar o norte da Boêmia uma vez por mês para distribuir publicações bíblicas. Era o irmão Erler, de Dresden, na Alemanha. Ele dava zelosamente testemunho em Liberec e em outras cidades dois ou três dias por vez. Distribuía o livro de C. T. Russell, A Batalha do Armagedom, e proclamava com convicção que em 1914 ocorreria uma catástrofe mundial.

Por volta de 1912, muitas pessoas entusiásticas lançavam sementes da verdade bíblica, formando grupos pequenos e batizando pessoas. Em 1914, quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial, isso não foi surpresa para os Estudantes da Bíblia, embora não se cumprissem todas as suas expectativas naquele ano.

Nos primeiros anos, as publicações distribuídas neste país pelos Estudantes da Bíblia eram em alemão. Alguns da população de língua alemã as aceitavam com apreço. Charlotta Jankovcová, de Plzeň, lembra-se de que sua mãe obteve alguns dos livros do irmão Russell por meio dum Estudante da Bíblia, que veio de Dresden e visitou a sua casa em 1925. Logo começaram a assistir às reuniões. Ela diz: “Havia muito estudo pessoal e preparação para as reuniões. Toda semana, passávamos o domingo inteiro no serviço de campo. Éramos Estudantes da Bíblia, estudávamos A Torre de Vigia [A Sentinela], líamos livros e também tínhamos o Boletim [agora chamado Nosso Ministério do Reino].”

Aos poucos, publicações foram sendo traduzidas para o tcheco. Em 1922, tornou-se disponível a emocionante publicação Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, e três pessoas empenharam-se por tempo integral como colportores para distribuí-la entre a população tcheca. Ao mais tardar, em 1923 estava disponível todo mês uma edição de 16 páginas de A Torre de Vigia na língua tcheca.

Em 1923, com o fim de promover a pregação das boas novas nas terras tchecas, enviou-se para a Boêmia Antonín Gleissner, junto com a esposa, procedentes da congênere da Sociedade Torre de Vigia em Magdeburgo, na Alemanha. Sob a supervisão do irmão Gleissner, que já em 1916 dirigira reuniões na cidade de Most, a Sociedade abriu ali um depósito de publicações.

Em 1928, a congênere em Magdeburgo passou a supervisionar mais de perto a obra na Tchecoslováquia. Isto resultou numa organização melhor dos grupos, em maior eficácia no ministério de campo e em melhor coordenação do trabalho dos colportores. Relacionado com isso, designou-se território específico em que pregar a cada grupo, bem como aos colportores (precursores dos que agora são conhecidos como pioneiros). Naquele ano, o relatório recebido da Tchecoslováquia mostrava que havia 25 grupos pequenos, com um total de 106 publicadores, e também 6 colportores. Ao todo, colocaram 64.484 livros e folhetos, e cerca de 25.000 revistas, indicando assim aos interessados o Reino de Deus como solução dos problemas da humanidade.

No ano seguinte, Otto Estelmann chegou da Alemanha com o emocionante “Fotodrama da Criação”, da parte da Sociedade Torre de Vigia (EUA). Este foi exibido a assistências de uma ponta do país a outra. O ponto alto desta atividade foi atingido na parte final do ano de 1933, quando os irmãos alugaram o cinema Kapitol, o maior de Praga, para quatro projeções sucessivas do “Fotodrama”. Vieram tantas pessoas ao cinema, que ele foi alugado por mais duas noites. Muitos dos que queriam ser convidados para outros discursos bíblicos entregaram seus nomes e endereços. Naturalmente, quando o aumento da organização se tornou manifesto, também houve oposição. Foi isso o que Jesus disse que seus seguidores podiam aguardar. — João 15:18-20.

Alguns dos que aceitaram as boas novas

Durante este período, as boas novas chegaram a um homem que mais tarde desempenhou um papel importante na atividade das Testemunhas de Jeová neste país. Seu nome era Bohumil Müller. No fim da sua carreira terrestre em 1987, ele podia olhar para trás, para mais de 55 anos de serviço fiel, inclusive os cerca de 14 anos que passou em campos de concentração e em prisões por não transigir na sua fé.

Em 1931, aos 16 anos de idade, Bohumil aprendia a ser compositor de tipos. Seu irmão Karel estava aprendendo encadernação. O pai deles, Tomáš Müller, era membro destacado da União de Irmãos, que se orgulhava muito da sua antiga tradição e História. O chefe de Karel deu-lhe entradas para ver o “Fotodrama da Criação”. Depois da primeira exibição, Karel voltou emocionado para casa. Ele descreveu tudo o que havia visto e aprendido, e deu ao pai dois livros em alemão que havia obtido. Na noite seguinte, ele voltou para casa ainda mais emocionado e trouxe consigo o livro Criação em tcheco. Ao descrever suas impressões, mencionou que havia dado seu endereço ao término do programa, a fim de ser convidado para outros discursos bíblicos.

Cerca de um mês mais tarde, quando a família acabava seu almoço de domingo, tocou a campainha da porta. Bohumil Müller escreveu mais tarde: “O pai foi atender a porta. Conversou por algum tempo com o visitante no corredor, mas então voltou para a cozinha com olhar de surpresa. Suas primeiras palavras foram: ‘Eu nunca vi nada assim. Imaginem, um homem se dá ao trabalho de visitar-nos no domingo, a fim de nos convidar para um discurso! É um discurso dos Estudantes da Bíblia. Nós, dos Irmãos, nunca faríamos isso. Somos preguiçosos demais!’” Mais tarde, os Müller começaram a reunir-se regularmente com o pequeno grupo de Testemunhas de Jeová.

Com o tempo, Bohumil dedicou-se a Jeová, mas só foi batizado uns dois anos depois disso. Naquela época, ele já servia como ajudante do superintendente de congregação (então chamado de diretor de serviço), dirigia reuniões e trabalhava no Lar de Betel da congênere da Sociedade em Praga. Nem todas as Testemunhas reconheciam naquele tempo a seriedade do batismo cristão.

Por volta daquele tempo, Libuše Štecherová, prima de Bohumil, aprendeu a verdade. Ela foi batizada mais rapidamente. A irmã Štecherová disse mais tarde: “Meu tio, Tomáš Müller, era um homem muito religioso. Numa tarde no verão de 1932, ele me falou sobre o nome de Deus, Jeová, sobre o futuro do mundo e sobre as notáveis reuniões bíblicas de um grupo chamado Testemunhas de Jeová. No fim, deixou comigo o livro Libertação, de J. F. Rutherford. Comecei a compreender que meu Criador queria que eu entendesse algo. Na primeira reunião de serviço a que assisti, eu soube que, em Praga haveria batismo pela segunda vez. Eu estava sentada ali e ouvindo, mas não tinha a menor idéia do que logo iria acontecer. Em caminho para casa, o tio Müller me perguntou: ‘Não gostaria também de ser batizada?’ ‘Mas eu ainda não sei nada’, objetei. ‘Você é como um prosélito’, continuou o tio. ‘Conhece a Bíblia. Você apenas precisa dar-se conta dos tempos em que vivemos e o que Deus quer que faça.’ De modo que pedi que me inscrevesse para o batismo, e fui batizada em 6 de abril de 1933.” Ela aprendeu o que Jeová queria dela e o serviu fielmente até a sua morte, em 1995.

Naqueles dias não se dirigiam estudos bíblicos domiciliares com os recém-interessados. O treinamento para o serviço de campo muitas vezes era apenas ir com outra Testemunha a uma porta, para observar, e depois ser enviado para agir por conta própria.

Naqueles anos, muitas mulheres aprenderam a verdade. O ministério tornou-se a coisa mais importante na vida de um considerável número delas, e elas realizaram muita coisa. Muitas vezes levavam consigo seus filhos e, em resultado disso, os filhos sentiam de primeira mão a bênção de Jeová. Blanka Pýchová começou a ir ao serviço de campo com a mãe quando tinha dez anos de idade. Ela se lembra de um incidente: “Minha mãe e eu fomos designadas a trabalhar numa aldeia. Mamãe me mandou trabalhar em volta da praça da aldeia, enquanto ela visitava as casas próximas. Quando cheguei à praça, notei com horror que ela estava cheia de gansos. Eu não tinha medo de nenhum animal ou ave exceto de gansos. Eles sibilavam contra mim, e quando tentaram bicar-me, usei minha bolsa de livros como proteção. Mas a situação não era nada fácil, de modo que, em desespero, orei: ‘Senhor Jeová, por favor, ajuda-me.’ De repente, todos os gansos fugiram, e ao meu lado apareceu um enorme cão São Bernardo. Acariciei o cão, e ele me seguiu de casa em casa. Os gansos não se atreveram de novo a chegar-se a mim.” A mãe dela certificou-se depois que Blanka percebesse o cuidado amoroso de Jeová no que tinha acontecido.

Várias maneiras de contatar pessoas

Em 1932, tornou-se disponível outro instrumento para uso no ministério nesta parte da Europa. A revista A Idade de Ouro (agora conhecida em português como Despertai!) tornou-se disponível em tcheco. Naquele ano, colocaram-se com as pessoas 71.200 exemplares dela. E muitas, depois de lerem A Idade de Ouro, estavam dispostas a aceitar outras publicações que consideravam a Bíblia mais extensamente.

Para dar ao maior número possível a oportunidade de se beneficiar das boas novas sobre o Reino de Deus, enviaram-se da Alemanha alguns pioneiros. Estes viviam de forma modesta, para poderem empenhar-se na obra. Dos 84 pioneiros que relataram em 1932, 34 eram da Alemanha. Para muitos deles, isto significava aprender um novo idioma. O que podiam fazer até que o dominassem? Oskar Hoffmann, irmão alemão que serviu em Praga, disse: “Embora eu não soubesse falar o idioma do país, visitei diariamente as pessoas nas suas casas. Para ajudá-las a entender por que as visitava, eu pedia que lessem um cartão de testemunho, que continha um breve sermão impresso no idioma delas. Assim se colocaram milhares de publicações bíblicas na mão de pessoas tchecas.”

Uma legislação governamental especial, contra o influxo de estrangeiros, exigiu que a maioria dos pioneiros de fora saísse do país em 1934. Mas havia sido feito muito trabalho bom. Durante aquele ano, os pioneiros tinham dado testemunho na maioria das regiões não designadas a um grupo já estabelecido.

No mesmo ano em que os pioneiros estrangeiros tiveram de sair do país, a Sociedade forneceu às Testemunhas locais discursos bíblicos gravados em discos fonográficos. Os irmãos locais mostraram ter uma iniciativa elogiável. A Congregação Praga comprou uma motocicleta, uma Indian 750, com um carro lateral em que montaram um amplificador. Chegando à praça duma localidade ou a outra área aberta numa aldeia, colocavam o amplificador num alto tripé e tocavam música, enquanto faziam visitas de casa em casa. Quando certo número de pessoas havia sido atraído pela música, os irmãos tocavam um disco com um breve sermão. Assim podiam dar testemunho a centenas de pessoas em diversas aldeias durante uma única manhã de domingo.

Registro legal

Em 1930, tomaram-se medidas para dar uma base legal à atividade das Testemunhas de Jeová na Tchecoslováquia. Isto envolveu a formação de corporações que podiam deter títulos de propriedade, conseguir publicações e realizar outros serviços necessários.

Em Praga realizou-se uma reunião especial em que os participantes acolheram um plano para formar duas corporações e aprovaram seus estatutos. A primeira corporação se chamava Sociedade Torre de Viga de Bíblias e Tratados (congênere Tchecoslovaca). Ela tratava da tarefa de conseguir publicações, de cuidar das reuniões e de distribuir publicações. A segunda corporação foi chamada de Mezinárodní sdružení badatelů Bible, československá větev (Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia, Filial Tchecoslovaca), com sede em Praga. Isto forneceu um instrumento legal para supervisionar a atividade das Testemunhas de Jeová na Tchecoslováquia. Estabeleceram-se três escritórios da Filial Tchecoslovaca da Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia, cada um tratando dos assuntos numa parte diferente da república. O trabalho nas terras tchecas era supervisionado por um escritório na cidade de Brno, tendo a Antonín Gleissner por presidente. Essas corporações ajudaram a facilitar a evangelização na Tchecoslováquia.

Três anos depois, em 1933, a Sociedade Torre de Vigia abriu uma filial em Praga, onde se faziam as impressões. Era preciso fazer isso em vista da situação difícil na Alemanha depois da ascensão de Hitler ao poder. Ali se haviam imposto proscrições e a filial da Sociedade em Magdeburgo fora confiscada. Edgar Merk, de Magdeburgo, foi designado servo de filial em Praga. Karel Kopetzky, de Praga, foi designado para supervisionar o Lar de Betel e o escritório.

No entanto, nem tudo ia bem em Praga. Por causa de orgulho pessoal e de outros fatores, havia conflitos entre esses dois irmãos. Em 1936, a filial em Praga foi colocada sob a supervisão do Escritório Central da Europa, da Sociedade, situado na Suíça. Pouco depois disso, Karel Kopetzky e Josef Güttler, que ocupavam posições de responsabilidade nas corporações legais da Sociedade na Tchecoslováquia, renunciaram. Foram substituídos por Josef Bahner e Bohumil Müller. O novo servo de filial era Heinrich Dwenger, um servo humilde e leal de Jeová, que já cuidara de uma variedade de designações teocráticas. Com supervisão amorosa, as congregações continuaram a participar alegremente em divulgar as boas novas do Reino de Deus — novas muito necessitadas pelas pessoas num mundo cada vez mais instável.

Fortalecidas por reuniões internacionais

As Testemunhas de Jeová na Tchecoslováquia sabiam muito bem que as Testemunhas em outros países realizavam congressos, e tinham muita vontade de realizar um congresso na Tchecoslováquia.

Providenciou-se em Praga uma grande reunião internacional, como era chamada na época, que se realizou de 14 a 16 de maio de 1932 no Teatro de Variedades. Este foi o primeiro desses congressos internacionais neste país. O discurso público foi oportuno, destacando o tema “A Europa antes da Destruição”. O programa foi traduzido para tcheco, alemão, húngaro, russo e eslovaco. A assistência foi de 1.500 pessoas. Deu-se um forte testemunho. Durante os dias do congresso, deixaram-se mais de 21.000 exemplares de publicações bíblicas com as pessoas, ao passo que os congressistas participavam no ministério de casa em casa.

Em 1937, realizou-se em Praga outra reunião internacional. Centenas de visitantes vieram de países tais como a Alemanha, a Áustria, a Hungria e a Polônia. “Foi um congresso maravilhoso”, lembrou-se mais tarde o irmão Müller.

A pregação das boas novas continuou a progredir em toda a Tchecoslováquia. Em 1937, as Testemunhas fizeram bom uso de 7 amplificadores e de 50 fonógrafos para tocar discursos bíblicos gravados. Naquele ano, usaram este equipamento em 2.946 apresentações públicas para uma assistência total de 31.279 pessoas. Um relatório sobre a obra na Tchecoslováquia naquele ano declarou: “Em todo o país, a pregação das boas novas estava progredindo. Elas foram ouvidas por pessoas nas cidades grandes, bem como nas aldeias, até mesmo em palácios e em moradias nas montanhas.”

A crescente ameaça do nazismo

Aproximava-se a Segunda Guerra Mundial. As tensões aumentavam na Europa. Como lidariam as Testemunhas de Jeová com essa situação? A objeção ao serviço militar por motivo de consciência não era ainda amplamente conhecida na Tchecoslováquia. Nenhuma das grandes religiões tradicionais aplicava as normas bíblicas a ponto de manter a neutralidade cristã. O primeiro a ser encarcerado como cristão neutro foi Bohumil Müller. Ele escreveu: “Eu devia começar o serviço militar em 1.º de outubro de 1937. No entanto, minha consciência dizia-me que Deus não quer que seus servos ‘aprendam a guerra’. (Isa. 2:4) Confiei em que Jeová me daria a força e a perseverança necessárias para suportar as provações à frente. Devido à minha atitude, no fim de março de 1939, eu já tinha sido intimado quatro vezes por um tribunal militar e cada vez fui sentenciado a diversos meses de prisão. Relembrando aqueles dias, posso agora dizer que sou grato por essas provações, porque me prepararam para os tempos muito piores que vieram.”

Com o aumento da ameaça do nazismo, multiplicaram-se as pressões sofridas pelos servos de Jeová. Perto da fronteira com a Alemanha, a oposição se intensificava. Em agosto de 1938, proibiram-se as reuniões das Testemunhas de Jeová, de modo que começaram a reunir-se em pequenos grupos. Libuše Štecherová escreveu: “Durante 1938 aumentaram as tensões políticas, e tivemos de treinar-nos para dar testemunho sob novas circunstâncias. Mais tarde, durante a guerra, nos familiarizávamos bem com a pessoa antes de falar-lhe sobre a nossa fé.”

Durante 1938, a Alemanha tomou posse dos Sudetos, que então estavam dentro das fronteiras da Tchecoslováquia. No esforço de evitar uma guerra, a Grã-Bretanha e a França concordaram com a demanda de Hitler, de que os Sudetos se tornassem parte da Alemanha, e o povo vivendo ali passou a estar sob o domínio nazista.

Começa a ocupação alemã

Em 15 de março de 1939, as forças alemãs ocuparam toda a Boêmia e a Morávia. Hitler estabeleceu um novo estado político chamado de Protetorado da Boêmia e da Morávia, com seu próprio presidente e seu governo títere.

A Gestapo agiu prontamente contra as Testemunhas de Jeová. Em 30 de março, agentes foram ao escritório da congênere da Sociedade Torre de Vigia, em Praga. Em 1.º de abril, Bohumil Müller foi solto depois de cumprir pena por ser cristão neutro. Na sua ida da prisão para a estação ferroviária, ele telefonou à filial. Mais tarde ele disse: “Eu os informei de que estaria ali no dia seguinte para fazer qualquer coisa que pudesse. Naquele dia, três de nós estávamos em Betel. Havia muito trabalho a fazer. Parte do equipamento de impressão já estava pronto num porto, para ser enviado à Holanda. O restante precisava ser embalado imediatamente. O irmão Matejka e eu cuidávamos desta tarefa, ao passo que o irmão Kapinus tirava as coisas do escritório e de outras áreas de Betel. Neste ínterim, também traduzíamos revistas — A Sentinela e Consolação (agora Despertai!). Conseguimos também retirar uma grande quantidade de livros e folhetos tchecos, que não haviam interessado à Gestapo durante uma batida em março. No entanto, a Gestapo visitou a filial diversas vezes enquanto estávamos retirando o equipamento e publicações.”

Depois que começou a ocupação, era evidente que as condições para a pregação seriam bem difíceis. Muitos irmãos deixaram a Tchecoslováquia. O irmão Dwenger foi para a Suíça exatamente na noite anterior à Gestapo vir para prendê-lo. O irmão Müller também se preparava para partir. Ele recebera a necessária autorização das autoridades estatais, quando chegou uma carta da filial em Berna, indicando que seria proveitoso que ele pudesse continuar na sua designação, providenciando a necessária supervisão e o encorajamento para os irmãos na Tchecoslováquia. O irmão Müller concordou imediatamente, e para evitar que mudasse de idéia, destruiu seu passaporte.

Quarenta e oito anos depois, ele disse: “Se alguém me perguntasse agora se lamentei alguma vez não ter deixado Praga na primavera de 1939, eu responderia decididamente: ‘Não!’ Nunca lamentei ter ficado. Com o tempo, dei-me conta de que este era meu lugar. Foi ali que Jeová e sua organização me haviam colocado. Ora, todo o sofrimento cruel e o espancamento que suportei foram superados em muito pela alegria que senti ao notar o crescimento da obra ano após ano e o aumento da multidão de adoradores alegres do Todo-Poderoso em minha volta!”

A partir de 1939, houve prisões às mãos da Gestapo. Otto Buchta, coluna espiritual na Congregação Brno, estava entre os presos, e ele faleceu mais tarde no campo de concentração de Mauthausen. No outono de 1940, o irmão Kapinus, que anteriormente havia servido na sucursal em Praga, foi preso junto com outros irmãos e irmãs na Morávia. Apesar disso, testemunhas fiéis de Jeová continuavam a pregar a Palavra onde quer que pudessem.

Alguns dos que em tempos mais favoráveis haviam servido a Jeová abandonaram a adoração dele e se juntaram aos inimigos do seu povo. Karel Kopetzky havia sido um irmão muito capaz e zeloso. Mas quando o irmão Müller, seu ex-colega, o encontrou em 1940, Kopetzky era um homem diferente. O que aconteceu foi o seguinte: Os irmãos haviam mimeografado uma publicação bíblica e colocado em envelopes para as cópias serem enviadas. O irmão Müller colocou-os numa maleta e foi de bicicleta de uma agência do correio a outra em Praga. Depositou alguns envelopes em cada caixa de correio. Ele disse: “Quando entrei numa das agências do correio, vi um homem com o uniforme dum membro da SS esperando no balcão. Parei, mas antes de poder decidir o que fazer, o homem se virou e ficamos face a face. Por um momento olhamos um para o outro. Para a minha grande surpresa, eu estava olhando para o rosto dum ex-irmão, Karel Kopetzky! Recuperei rapidamente a compostura, fui a um dos balcões e apanhei um formulário, saí da agência do correio e afastei-me velozmente de bicicleta.”

No ano seguinte, o irmão Müller, que então supervisionava a obra neste país, foi preso e levado ao campo de concentração de Mauthausen.

Pregação na “fornalha de fogo ardente”

No decorrer dos anos, já se escreveu muito sobre os campos de concentração e os sofrimentos dos nossos irmãos ali. Entre os presos nesses campos havia Testemunhas de Jeová da Tchequia. Não vamos entrar em pormenores sobre o seu sofrimento, mas, antes, como foram espiritualmente edificados e se edificaram uns aos outros naquela “fornalha de fogo ardente”. — Note Daniel 3:20, 21.

Naqueles dias, pessoas em todo o mundo conheciam o nome da aldeia tcheca de Lidice. Em 9 e 10 de junho de 1942, sob uma ordem direta de Hitler, a aldeia inteira foi arrasada em retribuição pela morte de um oficial alemão. O nome dela devia ser apagado dos mapas da Europa. Božena Vodrážková, que sobreviveu àquele horror, lembrou mais tarde: “A Gestapo reuniu toda a nossa aldeia. Todos os homens foram mortos a tiros, as crianças foram levadas a destinos desconhecidos e as mulheres foram transportadas para o campo de concentração de Ravensbrück. Encontrei ali Testemunhas de nosso Senhor Jeová . . . Certa vez, uma amiga me disse: ‘Božena, conversei com os Estudantes da Bíblia. Eles falam sobre coisas notáveis. Parece um conto de fadas, mas eles afirmam que aquilo que a Bíblia diz é verdade, que o Reino de Deus virá e acabará com o que é mau.’ Mais tarde cheguei a conhecê-los. Eles me deram testemunho sobre o Reino de Deus e eu me senti muito atraída pela sua mensagem.” Sim, ela se tornou Testemunha de Jeová.

Muitos dos presos ficaram profundamente impressionados com a conduta das Testemunhas de Jeová nos campos. Alois Miczek relembra: “Durante a guerra, eu estava preso devido às minhas atividades comunistas e fui colocado no campo de concentração de Mauthausen. As Testemunhas ali, de algum modo, conseguiam obter A Sentinela e outras publicações [em alemão], que usavam para ensinar alguns dos outros presos, e a SS era incapaz de impedir isso. Portanto, como aviso, a SS decidiu fuzilar cada décima Testemunha no campo. Enfileiraram todas as Testemunhas, e cada décima foi retirada sob guarda armada. Mas, de repente, como se tivesse sido ensaiado de antemão, os 90% remanescentes se viraram e começaram a andar em direção ao grupo selecionado para ser executado. ‘Se querem fuzilar cada décimo, fuzilem a todos nós!’ O campo inteiro ficou abismado com este gesto, e a SS ficou tão impressionada que a ordem foi revogada. Eu fui testemunha ocular deste acontecimento.” (João 15:13) E que efeito teve isso sobre a vida dele?

Sua filha, Marie Gogolková, explica: “Observar as Testemunhas de Jeová em Mauthausen induziu meu pai a aceitar a verdade. Ele foi batizado logo após a guerra, pregou zelosamente o Reino de Deus e ajudou muitos a aprender a verdade.”

Oldřich Nesrovnal, de Brno, também estava num campo de concentração. Por quê? Ele era contra a guerra, de modo que tentou fugir pela fronteira para a Suíça. Foi apanhado, acusado de espionagem e deportado para Dachau. Ele se lembra: “No trem cheio de presos, que nos levou ao campo, notei um menino de 13 anos sentado quieto perto da janela, lendo alguma coisa. Parecia que tentava ocultar o que estava lendo. Perguntei-lhe de que se tratava, e ele respondeu: ‘A Bíblia.’ Disse-me que não abandonaria a sua fé em Deus. Eu não entendi isso, mas não abandonei o rapaz. O nome dele era Gregor Wicinsky; e ele era da Polônia. No dia seguinte, fiquei sabendo que ele era Testemunha de Jeová. Negara-se a assinar uma lista dos itens que tivera de entregar. A lista era em alemão, e ele temia estar assinando uma declaração comprometedora. Foi espancado, mas nem isso o quebrantou . . .

“Escrevi a mamãe, pedindo-lhe uma Bíblia, e o que foi notável é que ela chegou. Comecei a lê-la regularmente. Certo homem de Ostrava [na Morávia] me observava. Perguntou se eu entendia o que estava lendo, e eu lhe disse que entendia apenas a metade. ‘E gostaria de entender mais?’ ‘Sim’, respondi. ‘Então encontre-se comigo amanhã depois das 18 horas em tal e tal lugar.’ Esta foi a primeira vez que eu estive numa reunião das Testemunhas de Jeová. As reuniões eram realizadas diariamente depois das 18 horas, e três vezes aos domingos. Tanto o dirigente como o tópico eram designados com antecedência. Meu ‘instrutor’ era o servo de literatura. Ele era o sapateiro do campo, e todas as cópias manuais das publicações eram escondidas sob o assento do seu banco de trabalho. No entanto, por um ano e meio não soube mais nada de Gregor. Depois, lá pelo fim de 1944, observei uma turma de presos retornando de diversos outros campos, e notei meu Gregor. Ele parecia estar quase meio metro mais alto, mas terrivelmente magro. Depois da quarentena, juntou-se a nós na reunião. Cumprimentamo-nos cordialmente, e depois ele disse: ‘Orei ao Senhor Jeová para que não te deixasse aqui sozinho.’ Jeová tinha respondido a oração dele.”

Comemoração num campo de concentração

Será que em tais circunstâncias era possível celebrar a Comemoração da morte de Cristo? Sim, era! Ocasionalmente, porém, alguns se perguntavam como isso podia ser feito. Božena Nováková explicou: “A data da Comemoração estava próxima. Eu me sentia desalentada, porque achava que não conseguiria tomar os emblemas. Mas Jeová cuidou de tudo. Ele sabia do meu desejo, de modo que, no dia da Comemoração, fui chamada a um dos alojamentos. Ali já estavam várias irmãs de diversas nacionalidades. A Comemoração, inclusive tomar os emblemas, ocorreu sem perturbação. Graças, glória e honra cabem ao nosso Deus, Jeová, e ao seu Cordeiro!”

Mas, como conseguiram o pão ázimo e o vinho? Ela acrescentou: “Acontece que, na vizinhança, na cidade de Fürstenberg, havia algumas Testemunhas de Jeová trabalhando numa fazenda estatal e elas conseguiram fornecer-nos os emblemas.”

Depois desta bênção, a irmã Nováková teve outra experiência — difícil, mas fortalecedora da fé. Ela se lembra: “Certo dia, fui chamada ao banheiro. Era um banheiro com chuveiros, mas quando se abriam os chuveiros só saía gás em vez de água. Mulheres envenenadas, às vezes ainda vivas, eram lançadas em fornos. Eu não sabia disso até que uma guarda me disse: ‘Então vocês Bibelforscher [Estudantes da Bíblia, como eram chamadas as Testemunhas de Jeová] vão entrar no gás! Vejamos então se o seu Jeová os salvará!’” Quando a irmã Nováková saiu dali, seus olhos se encheram de lágrimas e ela orou: “Pai Jeová, por favor, se devo morrer, que aconteça a tua vontade. Mas eu oro a favor dos meus filhos. Entrego-os plenamente aos teus cuidados.” Contando o que aconteceu em seguida, ela disse: “Enquanto eu orava, abriu-se a porta e entrou o chefe dos médicos. Ele viu o meu triângulo roxo e disse: ‘Bibelforscher, o que está fazendo aqui? Quem a mandou para cá?’ Respondi que havia sido mandada pela guarda. Ele disse: ‘Saia daqui! Seu lugar é lá!’ e apontou para a porta. Quando eu saí, ouvi a guarda dizer: ‘Agora acredito que o Jeová deles os protege.’”

Testemunho dado durante a ocupação nazista

Embora não se compilassem relatórios de serviço de campo durante aquele tempo, a pregação das boas novas continuou na Tchecoslováquia. Rǔžena Lívancová, da cidade de Kladno, escreveu: “Mamãe ensinou-nos a ter fé em Deus, não do modo que os sacerdotes ensinavam, mas para respeitarmos as pessoas. Em 1940, uma irmã de Praga nos deu testemunho. Comecei assim a aprender algo sobre o nosso maravilhoso Deus e amoroso Pai, Jeová. Em 1943, minha mãe, minha irmã e eu fomos todas batizadas.”

Mesmo naquele tempo e sob condições de guerra, Jeová atraía “os corretamente dispostos para com a vida eterna”. (Atos 13:48) František Šnajdr, de Praga, disse: “Éramos uma família católica, mas nunca íamos à igreja. Eu era mecânico e levava uma vida normal. Freqüentava bares, onde jogava cartas. Certo homem vinha ali, tomava um copo de cerveja e dava testemunho aos presentes. Estes zombavam dele. Mas enquanto eu jogava cartas, prestava um pouco de atenção ao que ele dizia. Ele falou sobre o capítulo 24 de Mateus. Eu gostei do que ouvi e disse-lhe isto. De modo que me convidou à sua casa. Quando cheguei, estava em andamento uma reunião. Já havia sete pessoas na casa dele. Perguntei: ‘Por favor, diga-me, quando chega o sacerdote?’” Mas não veio nenhum sacerdote. Josef Valenta, sentado à direita de František, é quem presidia.

František continuou a estudar a Bíblia e foi batizado em agosto de 1942. No ano seguinte, ele foi preso pela Gestapo. Mas Jeová continuou a dar a necessária ajuda para que continuasse a se desenvolver espiritualmente. František explicou: “Em Mauthausen conheci o irmão Martin Poetzinger. Era um irmão corajoso e discreto. Ele fez um par de chinelos para mim e sempre me entregava publicações. Realizávamos reuniões regulares — naturalmente em segredo, todo domingo, bem no ‘Platz’” — evidentemente a área onde se fazia a chamada dos presos.

Jan Matuszný também chegou a reconhecer que precisava de ajuda espiritual. Ele escreveu mais tarde: “Durante a guerra, trabalhei numa mina. Com meus dois irmãos, eu tocava numa banda de mineiros. Fumava e bebia. Eu estava num estado tão deplorável que minhas mãos tremiam como as de um velho. Certo dia, quando estava bêbado e não me sentia nada bem, comecei a orar a Deus em voz alta, pedindo-lhe que me ajudasse de algum modo a encontrar o caminho para resolver meus problemas.”

Pouco depois disso, uma Testemunha que visitou a irmã carnal deste homem, falou extensamente com ele e deu-lhe uma Bíblia e três folhetos. Ao passo que os lia, ele convenceu-se de que estava aprendendo a verdade. Ele parou de fumar, de abusar de bebidas alcoólicas e de tocar na banda, e começou a assistir às reuniões. Foi batizado em 1943 numa lagoa de peixes. Ele acrescentou: “Realizávamos reuniões durante toda a guerra. Fomos ensinados o sentido da palavra ‘transigir’ e que é melhor morrer do que trair um irmão. Isto serviu de boa base para suportar a perseguição à frente” — sim, a perseguição que veio mesmo depois de acabar a guerra.

Aproveitando bem um período de relativa paz

Acabada a guerra, houve um período de relativa liberdade e certa medida de paz para o povo de Jeová, de 1945 a 1949. Era um tempo de reconstrução e para nossos irmãos se empenharem na obra que Deus lhes dera para fazer, de pregar com renovado zelo. — Mat. 24:14.

A primeira coisa que precisava ser feita era localizar todas as congregações e todos os publicadores. Alguns haviam falecido, outros haviam mudado, e milhares de nacionalidade alemã, que moravam perto das fronteiras, estavam em vias de ser deportados. O irmão Müller, que talvez tenha sido um dos primeiros irmãos a chegar em casa, trabalhou arduamente para restabelecer a comunicação entre as congregações. Ele procurou também contatar as congêneres da Sociedade em outros países, mas no início não teve êxito. Depois, no começo de junho, um telegrama chegou a Berna, na Suíça. Começaram a chegar cartas de Berna, cada uma contendo várias páginas de A Sentinela em alemão. Logo se começou a fazer a tradução. Em agosto de 1945, os irmãos em Praga lançaram o primeiro número pós-guerra de A Sentinela em tcheco, impresso num mimeógrafo.

Muitos se lembravam do que as Testemunhas haviam pregado antes da guerra, e alguns estavam agora dispostos a escutar. Discursos bíblicos, públicos — não discursos gravados, mas proferidos por oradores habilitados — começaram a ser apresentados. Centenas de pessoas assistiram a eles. O primeiro discurso, sobre o tema “Liberdade no Novo Mundo”, foi proferido em 11 de novembro de 1945, no salão da Bolsa de Valores Agrícola de Praga. A assistência de umas 600 pessoas mostrou muito entusiasmo. No decorrer de três anos, proferiram-se na Tchecoslováquia 1.885 desses discursos públicos. Muitas das atuais Testemunhas de Jeová dizem que se sentiram atraídas à verdade em resultado desses discursos.

Uma delas é Tibor Tomašovsky, que atualmente mora na Boêmia. Uma Testemunha trabalhando no seu serviço secular encontrou Tibor e no decorrer da conversa mencionou a Bíblia. Tibor ficou impressionado com a modéstia do homem e convidou a Testemunha à sua casa. Isto resultou num convite a uma reunião. Tibor disse mais tarde: “O que minha esposa e eu sentimos naquela reunião é indescritível. Eu nunca ouvira um discurso tão notável. Três oradores se revezaram em proferir o discurso. ‘Devem ser pessoas muito instruídas’, eu disse a quem estava sentado ao meu lado. ‘Não, são apenas lavradores.’ O que tínhamos ouvido foi tão maravilhoso, que não queríamos voltar para casa. Na semana seguinte, no escritório, não consegui concentrar-me no trabalho, e esperava impacientemente o domingo. Nunca perdemos uma reunião.”

Entre os lugares onde as Testemunhas realizavam seu ministério estavam campos de trabalho onde, depois da guerra, ficaram os prisioneiros de guerra e os alemães que aguardavam deportação. Um relatório sobre a atividade naquele tempo diz: “Os irmãos têm tido muito êxito em visitar os alemães, na maioria nazistas, nos campos de trabalho.” Faria a mudança da sua situação com que fossem mais receptivos à verdade bíblica? As Testemunhas de Jeová queriam dar-lhes esta oportunidade.

Em novembro de 1945, chegou a designação oficial do irmão Müller como superintendente de filial. No verão seguinte, os irmãos conseguiram comprar um prédio de quatro pavimentos, praticamente novo, em Suchdol, perto de Praga. Isto forneceu um lugar de trabalho sossegado e boas acomodações para a família de Betel. O país foi dividido em circuitos, cada um com cerca de 20 congregações, e começaram a realizar-se regularmente assembléias de circuito. Isto mostrou ser uma grande bênção. Essas assembléias sempre estavam associadas com o ministério de casa em casa, e dava-se um bom testemunho por meio da conferência pública na tarde de domingo. Quando a Escola do Ministério Teocrático começou a funcionar nas congregações, mais irmãos, com a ajuda do espírito de Jeová, se tornaram habilitados para proferir discursos públicos e os publicadores tornaram-se melhores instrutores.

Também se providenciaram congressos. Os discursos “Alegrai-vos” e “O Príncipe da Paz” foram proferidos num congresso cuja assistência foi de 1.700 pessoas, em Besední du̇m, um clube em Brno, em 1946. Franz Zürcher, de Berna, Suíça, estava presente nesta ocasião. No ano seguinte, quando se realizou outro congresso em Brno, três membros do pessoal da sede mundial participaram no programa — N. H. Knorr, M. G. Henschel e H. C. Covington. O discurso público, “O Gozo de Todo o Povo”, foi anunciado em toda a cidade por cartazes e panfletos, e 2.300 pessoas compareceram para ouvi-lo. Muitas entregaram seu endereço e expressaram o desejo de ser convidadas para reuniões futuras.

No começo de 1948, houve uma crise no governo. Os comunistas assumiram o poder. As Testemunhas de Jeová continuaram a pregar zelosamente as boas novas. Tiveram um aumento de 25% no número de proclamadores do Reino naquele ano. Em setembro realizou-se outro congresso — esta vez em Praga. O discurso público destacou o tema oportuno “A Esperança do Reino de Toda a Humanidade”. E em vista do que estava à frente, o discurso “Manter a Integridade sob Provação” também mostrou ser bem apropriado. Ainda enquanto o congresso estava em andamento, inimigos do povo de Jeová preparavam um ataque.

Novamente surgiram nuvens escuras

Haviam-se passado menos de quatro anos desde que os irmãos foram libertados da prisão, mas as circunstâncias mudaram abruptamente. Numa assembléia de circuito em Karlovy Vary, no oeste da Boêmia, apareceram em novembro de 1948 nuvens de tempestade. A própria assembléia não foi interrompida. Mas, enquanto o irmão Müller proferia o discurso público na tarde de domingo de 28 de novembro, alguns assentos no fundo do salão estavam ocupados por agentes da Segurança do Estado em trajes civis. Naquele mesmo dia, enquanto o irmão Müller jantava, Oldřich Skupina, superintendente da Congregação Karlovy Vary, encontrou-o e lhe disse impressionado que a Segurança do Estado havia vasculhado os lares de vários irmãos e confiscado suas publicações.

O irmão Müller tentou telefonar para o Betel em Praga, mas ninguém atendeu. Era óbvio que também ali tinha acontecido algo sério. Ele voltou rapidamente a Praga. Todavia, ao se aproximar do prédio do Betel, viu dois homens que fingiam ser operários, mas que estavam vigiando o lar de Betel. Em Betel, ele se encontrou com um irmão que lhe contou que vários agentes da Segurança do Estado haviam vasculhado o prédio todo e lacrado o escritório. Uns 45 minutos depois da sua chegada, duas autoridades do Ministério do Interior chegaram ao lar de Betel e anunciaram que o prédio tinha sido confiscado. O irmão Müller protestou, salientando que um confisco tinha de ser precedido por uma ordem judicial. Depois de eles terem ido embora, ele conseguiu levar para a casa de seus pais alguns dos arquivos que a Segurança do Estado não tinha encontrado. Mas quando voltou ao Betel, um agente da Segurança do Estado o esperava com ordens para prender a ele e às duas irmãs que estavam com ele. Os outros membros da família de Betel já tinham sido detidos.

Será que se emitira tão depressa uma ordem judicial? Não. Meses depois, enquanto os irmãos se encontravam detidos, o irmão Kapinus, que estava entre os detidos, recebeu uma carta. Ela continha a decisão do Ministério do Interior, com data de 4 de abril de 1949 — mais de quatro meses depois de ocorrido o fato — de descontinuar a atividade da Sociedade e de confiscar a sua propriedade.

Apesar disso, em julho, a Corte Estatal suspendeu o processo criminal contra os irmãos por falta de evidência. Eles foram soltos da prisão preliminar ao julgamento. No entanto, não saíram do prédio da Corte Estatal como pessoas livres. Duas autoridades do Ministério do Interior os detiveram e os informaram que, por uma decisão da Comissão Política Comunista, estavam sendo enviados a um campo de trabalho por dois anos. O que não se havia conseguido por um processo legal estava sendo feito por um decreto arbitrário. O irmão Müller foi levado a Kladno, onde trabalhou numa mina de carvão.

A onda de prisões em todo o país causou muitas dificuldades às Testemunhas de Jeová. No entanto, aquilo que as autoridades comunistas esperavam não se concretizou. Eles haviam dito ao irmão Müller na prisão: “Corte a cabeça e o corpo morre.” Pensavam que ele e os outros irmãos responsáveis eram “a cabeça”, mas não discerniam que a verdadeira “Cabeça” da congregação cristã é o Senhor Jesus Cristo, no céu. — Efé. 4:15, 16.

A adoração verdadeira prosseguiu

Apesar da pressão existente naqueles dias sombrios, a adoração verdadeira não parou. Os irmãos começaram logo a fazer arranjos para manter em andamento a obra de dar testemunho de Jesus como o Rei messiânico. Josef Skohoutil, de Praga, explica: “Poucos dias depois do começo da perseguição, fui visitado pelo irmão Gros, um superintendente local. Ele me entregou o nome de dez publicadores e me disse que tomasse conta deles.” Por algum tempo, eles ainda tentaram dar testemunho de casa em casa, mas aos poucos aprenderam outros métodos para fazer a obra.

Embora muitos irmãos estivessem presos, os livres continuaram a reunir-se. Não se podiam usar salões públicos, mas realizavam-se assembléias com um programa abreviado em apartamentos grandes. Às vezes, assembléias maiores eram realizadas na floresta. A primeira delas foi realizada em Oldřichov, perto da cidade de Nejdek, em 1949. Uma inclinação de terreno com rochas salientes serviu de assentos para acomodar os 200 que assistiram. Perto dali havia uma casa, um celeiro e uma lagoinha abandonados. Para o batismo, colocaram uma divisória no celeiro para servir de local de troca de roupa para homens e mulheres. Limparam a lagoinha e armaram degraus de madeira para se descer à água. Naquela ocasião, 37 foram imersos.

Como se obtinham publicações bíblicas para o estudo? Um relato apresentado pelo irmão Vykouřil, de Teplice, revela isso. Ele diz: “Em 1950, apenas três de nós continuamos em Teplice. Recebíamos por correio, de uma irmã na Suíça, A Sentinela em francês. Por um tempo se havia perdido o contato, mas depois foi restabelecido. Comecei a receber cartas em linguagem simbólica. Nestas cartas pediu-se que eu achasse alguém que conhecia outra pessoa, que por sua vez conhecia ainda outra, e assim se restabelecia contato. Os irmãos da dianteira estavam na prisão, de modo que tivemos de restabelecer os contatos da organização. Agíamos sem designação oficial — cada um fazendo o que fosse necessário. Mas nunca deixamos de receber A Sentinela.

Este foi o começo de um dos mais difíceis períodos da história das Testemunhas de Jeová neste país. Foi só devido à mão de Jeová que a obra não parou. Em vez disso, apesar de muitas provações, ela continuou a aumentar.

Um breve alívio

Inesperadamente, no começo de 1950, todas as Testemunhas de Jeová, tanto irmãos como irmãs, foram soltos dos campos de trabalho. O que os aguardava? O irmão Müller lembrava: “Fiquei alegremente surpreso pela boa organização que se desenvolvera na nossa ausência.” O espírito de Jeová havia induzido irmãos mais jovens, entre eles Jan Sebín e Jaroslav Hála, a tomar zelosamente a dianteira. O pai de Jaroslav fora preso em 1948 (e, mais tarde, ele faleceu na prisão), mas Jaroslav tornou-se exemplo e grande fonte de encorajamento para muitos irmãos e irmãs. Verificaram que o número de Testemunhas ativas em todo o país (a anterior Tchecoslováquia) havia aumentado em 52% em dois anos, de 1.581 para 2.403. O ano seguinte viu outro aumento de 38%.

Quando o livro “Seja Deus Verdadeiro” foi publicado em tcheco, em seis partes, em 1951, forneceu-se uma base para maior aumento. Esta publicação servia de base para estudos bíblicos domiciliares. Continha o que os estudantes precisavam para um bom início numa vida de serviço a Jeová.

No entanto, as autoridades comunistas não encaravam favoravelmente a atividade das Testemunhas de Jeová. No ano de 1952 começou outro longo período de perseguição severa do povo de Jeová.

Novamente dentro da “fornalha de fogo ardente”

Em 4 de fevereiro de 1952, nas primeiras horas da manhã, o irmão Müller foi novamente preso pela Segurança do Estado. Esta vez foi levado à prisão de olhos vendados. Ele escreveu mais tarde: “Nos próximos 14 meses, não tive permissão de sair da minha cela solitária sem os olhos vendados. Dia sim, dia não, o oficial interrogador me levava ao seu gabinete. Ali passei por longos interrogatórios, durante os quais eles tentaram persuadir-me a admitir que eu tinha estado envolvido em espionagem e que também era culpado de traição. Escreviam-se muitos relatórios policiais que depois eram destruídos, e se escreviam novos. Os interrogadores experimentavam novos métodos no esforço de incluir no relatório pelo menos uma leve indicação de culpa. Repetidas vezes eu me neguei a assinar esses relatórios. Uns 16 anos mais tarde, quando eu estava livre, uma autoridade do Ministério do Interior me disse que eu tinha estado numa relação de pessoas a serem liquidadas. Em 27 de março de 1953, fui levado de olhos vendados a uma audiência num tribunal em Pankrác. Meus dois colaboradores e eu sofremos tremenda pressão psicológica. A audiência durou dois dias. Foi mantida em absoluto segredo. Os assentos do público foram ocupados só por interrogadores do Ministério do Interior.”

Acontece que 4 de fevereiro de 1952 havia sido um dia de muitas prisões em toda a Tchecoslováquia. Naquele dia, a Segurança do Estado havia detido ao todo 109 das Testemunhas de Jeová (104 irmãos e 5 irmãs).

Entre os levados à prisão naquele dia estava Emílie Macíčková. Ela conta: “Em 4 de fevereiro de 1952, quando meu marido estava no hospital, três homens e uma mulher da Segurança do Estado vieram à nossa casa às 3h30 da manhã. Eu fui imediatamente presa. Eles vasculharam cabalmente a casa e confiscaram o que encontraram. Levaram-me ao Departamento Regional da Polícia em Ostrava. Ali já havia muitos de nós, Testemunhas. Estávamos sendo presos às dezenas. Colocaram-nos em celas frias, recém-caiadas, mas que cheiravam mal, deram-nos água fria para nos lavar e depois trancaram as portas de ferro. Sempre que nos levavam a algum lugar, davam-nos óculos pretos para usar. Punham delatores em nossas celas, mas nós só lhes falávamos sobre o Reino de Deus. Esses delatores até mesmo cantavam conosco nossos cânticos do Reino e fingiam orar — nossos inimigos chegaram a este ponto no esforço de nos quebrantar, mas Jeová nos fortaleceu!”

Julgamento monstruoso em Praga

Era uma época de muitos julgamentos políticos na Tchecoslováquia. As sentenças resultantes desses julgamentos eram extremamente severas — quer muitos anos de encarceramento, quer a morte. O julgamento das Testemunhas de Jeová, em 27 e 28 de março de 1953, ocorreu neste período. Atrás de portas fechadas, foram realizados dois julgamentos forjados dos principais superintendentes das Testemunhas de Jeová. O segundo ocorreu um mês depois do primeiro. As sentenças foram as seguintes: “Müller e Fogel: sentenciados a 18 anos de prisão. Os acusados Sebín, Gros e Hála: 15 anos; Nahálka: 12 anos; Novák: 8 anos e Porubský: 5 anos. Todos os acusados estavam sujeitos a confisco de bens e a perda dos direitos de cidadão.”

A única informação que veio a público sobre esses julgamentos foi dada nos jornais. O que diziam estes? Um exemplo é esta notícia distorcida, publicada em 30 de março no diário comunista Rudé právo (A Lei Vermelha): “Imperialistas americanos, no seu ódio à Tchecoslováquia democrática do povo, não poupam esforços no intuito de desviar nossas massas operárias do caminho do socialismo . . . O tribunal itinerante em Praga tratou de uma forma de atividade destrutiva da parte dos imperialistas americanos . . . Foram julgados os membros destacados duma seita religiosa, cujos aderentes se chamam Testemunhas de Jeová. Esta organização, dirigida de Brooklyn, EUA, e que foi proscrita no nosso país desde 1949 pelas suas tendências destrutivas, contrabandeou para a Tchecoslováquia ideologias cosmopolitas, que sob o disfarce de cristianismo puro, se destinam a minar o moral de nossas massas operárias, para incentivar o ódio ao Estado e às suas leis, e começou a preparar seus aderentes para uma possível guerra em que desempenhariam o papel de quinta coluna.”

Esta distorção dos fatos, para justificar as ações do tribunal, estabeleceu um precedente que foi imitado no país inteiro.

Pessoas semelhantes a ovelhas são encontradas na prisão

Mesmo na prisão, porém, havia oportunidades para dar testemunho. Era preciso usar de engenhosidade, mas os nossos irmãos encontravam um jeito. Na prisão havia pessoas que aceitavam a verdade bíblica. Uma destas foi František Janeček, de Čáslav. Ele se lembra: “Durante a guerra, eu havia participado no movimento Resistência. Em 1948, discordei da nova forma de violência, e visto que me opunha abertamente à injustiça, fui sentenciado a 11 anos de prisão. Na cadeia, permitiram-me ter uma Bíblia, e eu até mesmo ensinava à base dela nos períodos em que não estávamos trabalhando. Os irmãos, por isso, achavam que eu era um sacerdote. Ficávamos em alojamentos diferentes, mas às vezes tínhamos de fazer vigilâncias noturnas, chamadas de vigilâncias contra incêndio, fora do alojamento. Certa noite, quando eu era o vigia, estava muito frio e o céu estava estrelado. Outro preso também começou a sua vigília, e saiu do alojamento ao lado. Eu lhe disse: ‘Então você também está aqui servindo a Faraó, não é?’ ‘E você sabe quem era Faraó?’, perguntou-me ele. ‘Sim, o governante do Egito.’ ‘E sabe a quem prefigurou?’ ‘Não!’ ‘Então venha para cá e eu lhe vou dizer.’ Andamos juntos por duas horas, e ele me deu uma boa explicação. Fiz rápido progresso. Deus me amava e percebeu meu desejo de conhecer a verdade.” František juntou-se às Testemunhas de Jeová no estudo da Bíblia, e em pouco tempo estava relatando entre 70 e 80 horas por mês no serviço de Jeová.

Muitos dos que aprenderam a verdade na prisão foram batizados ali. Como se fazia isso? Ladislav Šmejkal, que aprendeu a verdade quando era preso político, explica: “Na mina em que trabalhávamos, tínhamos acesso às torres de refrigeração de compressores de mina grande. Em junho de 1956, junto com vários outros, fui batizado no reservatório de uma dessas torres. Não era fácil, porque tínhamos de fazê-lo durante o breve intervalo antes do turno da tarde. Vestindo nossa roupa de baixo, caminhamos até a torre, fomos batizados, trocamos rapidamente de roupa e depois nos apresentamos para o trabalho.” Eles sentiam-se gratos de que Jeová havia ajudado seus servos a encontrar um modo de simbolizar sua dedicação em obediência à ordem de Jesus Cristo. — Mat. 28:19, 20.

“Santos” nas minas de carvão

A proscrição das Testemunhas de Jeová foi imposta de diversas maneiras e teve duração diferente. Não era a mesma coisa em todo lugar ou em todas as épocas. Os irmãos esforçavam-se conscienciosamente a manter a sua integridade cristã em todas as circunstâncias. Em resultado disso, muitos foram presos.

Daí, em 1958, em resultado dum decreto do governo, concedeu-se eximição do serviço militar aos mineiros de carvão que tinham menos de 30 anos de idade. Alguns irmãos, em vez de esperar até serem presos e sentenciados à prisão — talvez para trabalhar nas minas — mantiveram certa medida de liberdade por procurar emprego nas minas. (Pro. 22:3) Aconteceu assim que “santos” ou “sacerdotes”, como as pessoas chamavam essas Testemunhas, passaram a ser empregados em muitas minas. E visto que em certas minas havia muitas Testemunhas de Jeová, começaram a se formar congregações fortes, em que irmãos alcançaram madureza espiritual e se tornaram ministros habilitados.

Eduard Sobička trabalhou por dez anos numa mina na aldeia de Kamenné Žehrovice, perto da cidade de Kladno. Ele diz: “Tanto quanto me lembro, o maior número de irmãos trabalhando certa vez na mina em que eu era empregado era cerca de 30. Trabalhávamos em turnos diferentes, e estabelecemos para nós a regra de evitar ficar tão perto uns dos outros a ponto de nos separar dos outros mineiros. No entanto, os ‘santos’, como éramos chamados, atraíam muita atenção. Sofríamos zombaria e insulto, mas ao mesmo tempo secretamente éramos respeitados.” Ali nas minas, aproveitaram as oportunidades para dar testemunho e, quando alguém mostrava interesse, emprestavam-lhe também preciosas publicações bíblicas.

De férias com outras Testemunhas

Embora esses tempos fossem difíceis, as férias também tinham lugar na vida dos do povo de Jeová. Com planejamento cuidadoso, essas férias tornavam-se ocasiões não só para revigoramento físico, mas também espiritual. Numa época em que as reuniões eram realizadas com o máximo de 10 pessoas presentes, imagine como era quando talvez 30 Testemunhas de Jeová ficavam juntas por uma ou duas semanas!

Era importante fazer decisões sábias sobre quem convidar. Os que faziam os planos esforçavam-se a não dar preferência a jovens, em vez de a idosos, ou a irmãos em vez de a irmãs. Havia empenho de incluir diversos irmãos cristãos espiritualmente maduros, que dariam a necessária supervisão.

A preocupação principal era que houvesse um equilibrado programa espiritual. A rotina diária era mais ou menos assim: oração matutina, texto diário e leitura da Bíblia. Em algumas tardes havia reuniões de uma hora de duração. À noitinha, muitas vezes havia uma reunião espiritual com um programa estabelecido de antemão. O resto do dia era livre. Os irmãos podiam estudar, caminhar, nadar, ou algo assim. O ministério usualmente estava associado com caminhadas, mas de novo havia regras não escritas para seguir. Procure imaginar um grupo de 20 pessoas andando a pé. Eles encontravam pessoas locais nas aldeias, na floresta e nos campos. Ao encontrarem alguém, um irmão ou uma irmã deixava o grupo e procurava conversar com a pessoa. Os demais do grupo continuavam andando.

Essas férias em grupo produziam muita coisa boa. Fortaleciam a fé e serviam para divulgar as boas novas. As férias em grupo fazem parte da história moderna das Testemunhas de Jeová neste país. Nunca, porém, os servos de Jeová podiam dar-se ao luxo de relaxar a vigilância espiritual.

Um ataque astuto

Satanás, o Diabo, “o pai da mentira”, procura minar a confiança por distorcer os fatos e difamar os servos fiéis de Deus. (João 8:44) Ele usou esta tática para enfraquecer o antigo Israel, para colocar os judeus do primeiro século contra Cristo e para tentar desfazer a congregação cristã inicial. (Núm. 13:26-14:4; João 5:10-18; 3 João 9, 10) Alguns dos que servem aos objetivos dele procuram destaque para si mesmos. Outros talvez achem que aquilo que dizem é correto, mas expressam fortes opiniões quando não conhecem todos os fatos. Satanás pode usar ambos os tipos, e ele fez isso neste país.

Em fins da década de 50, a situação era difícil para os irmãos na Tchecoslováquia. Muitos estavam na prisão. A comunicação com a sede mundial das Testemunhas de Jeová fora interrompida. Alguns dos que tinham iniciativa davam orientações que refletiam a própria opinião deles, em vez de se basearem firmemente nas Escrituras. (Tito 1:9; Tia. 3:1) Reagindo à pressão dos tempos, alguns adotavam atitudes firmes em assuntos sobre os quais não sabiam todos os fatos. (Note Provérbios 18:13, 17.) Uns poucos começaram a “atrair a si os discípulos”. — Atos 20:30.

O irmão Müller escreveu mais tarde sobre os acontecimentos daquele período: “Certo dia em janeiro de 1956, na prisão de Valdice, fui levado a um gabinete onde me esperavam dois homens. Afirmavam ser do Ministério do Interior. Eles procuravam persuadir-me a ‘atenuar’ alguns dos nossos ensinos religiosos. Não pudemos concordar nisso e a entrevista, portanto, foi muito curta. Em 1957, outros dois funcionários do Ministério do Interior me visitaram. Aquela conversa de três horas tinha um espírito totalmente diferente. Pude explicar abertamente os conceitos e as atitudes das Testemunhas referentes a diversos assuntos. Eles estavam interessados em saber nossa atitude para com o serviço militar, as transfusões de sangue, os sindicatos de operários e para com diversas outras coisas. No fim, um deles me perguntou: ‘Sr. Müller, acha que podemos ser amigos?’ Respondi: ‘Os que são amigos são achegados e têm muitos interesses em comum. Nós, Testemunhas de Jeová, cremos em Deus. Mas os senhores, comunistas, são ateus. Não podemos ter uma base comum. Mas eu acho que podemos viver e existir lado a lado.’ O funcionário disse: ‘Alegro-me de ouvir sua resposta, porque do contrário não poderíamos confiar no senhor.’ Eu tive a impressão de que esta última pergunta foi feita para saber se podia haver alguma conversa significativa entre nós no futuro. Em caso afirmativo, nos levaria um passo mais perto da solução de nossa situação.”

Aquela conversa resultou em uma comunicação um tanto mais aberta entre certos irmãos e as autoridades governamentais. Mas, por causa do clima então existente, algumas Testemunhas que souberam dessas entrevistas achavam que esses irmãos responsáveis haviam transigido. Sem dúvida, alguns dos que reagiram assim eram movidos pelo forte desejo de evitar qualquer transigência dos princípios cristãos. No entanto, uns poucos dogmáticos no seu modo de agir expressaram abertamente sua desconfiança dos irmãos que haviam falado com as autoridades governamentais. Será que sua desconfiança tinha uma boa base?

Havia também outros fatores envolvidos. Juraj Kaminský, que tem servido lealmente a Jeová por mais de 50 anos, explica: “Depois de os irmãos responsáveis e muitos anciãos terem sido presos, alguns dos que tomavam a liderança nas congregações e nos circuitos começaram a prescrever aos publicadores regras de conduta, fazendo listas do que fazer e do que não fazer.” Como teria sido melhor promover “a obediência pela fé”, assim como o apóstolo Paulo fez! (Rom. 16:26) Visto que a lei exigia que o povo votasse, algumas Testemunhas iam ao local de votação mas, por motivos de consciência, não votavam a favor de nenhum candidato. Outros achavam que estas estavam transigindo. Alguns dos irmãos, talvez compreensivelmente, tivessem fortes sentimentos contra as autoridades por causa dos maus-tratos infligidos aos seus irmãos cristãos. O irmão Müller comentou: “Esta situação me perturbava, de modo que, no outono de 1957, escrevi [da prisão] uma carta para ajudar os irmãos a ter a perspectiva correta.” Um dos parágrafos dela rezava:

“Há uma outra forte dor no meu coração. . . . Lembro aos irmãos que nossas reuniões são devotadas a estudar as Escrituras e a treinar Testemunhas de Jeová para serem ministros melhores e mais habilitados. É claramente inaceitável discutir política ou expressar opiniões contrárias ao Estado nas reuniões, não importa onde sejam realizadas, nem se há apenas dois ou se há mais presentes nelas. Irmãos, lembrem-se disso e não permitam tais discussões. Guardam alguns de vocês ressentimento contra o regime porque eu e outros irmãos estamos na prisão? Então rogo em meu nome, e no nome dos outros irmãos, que abandonem esses sentimentos. Não se entreguem à ira e à hostilidade, porque apresentamos nosso caso a Deus e vocês devem fazer o mesmo.” — Rom. 12:17-13:1.

Irmãos e irmãs fiéis sentiram-se muito encorajados por esta carta. Jan Tesarz disse: “Recebemos a carta dele, escrita na prisão em 1957. Não havia nenhum indício de transigência, mas de razoabilidade cristã!” No entanto, nem todos pensavam assim. A carta do irmão Müller tornou-se assunto de controvérsia e de muita especulação.

Separados da congregação

Depois de se anunciar uma ampla anistia para presos políticos em maio de 1960, a maioria das Testemunhas de Jeová encarceradas foi libertada. Isso foi maravilhoso! Apesar de ameaças, recomeçaram logo a pregação das boas novas. Muitas delas se recordavam do exemplo dado pelos apóstolos de Jesus Cristo, os quais, quando foram libertados da custódia, oravam pedindo firmeza para continuar com a pregação da palavra. (Atos 4:23-31) Mas havia novas provações à sua espera.

Haviam surgido dúvidas e desconfiança entre os irmãos. Quando se enviou aos irmãos uma carta do irmão Müller para esclarecer os assuntos, alguns dos que tinham opiniões fortes e críticas não permitiram que a carta fosse lida às congregações. Em 1959, o número de Testemunhas ativas na Tchecoslováquia foi de 2.105, porém mais de 1.000, embora ainda afirmassem servir a Jeová, não mais o faziam em união com seus anteriores associados cristãos. Os que tomavam a dianteira entre aqueles que se separaram até mesmo afirmavam ter a aprovação da sede em Brooklyn, Nova York, e de N. H. Knorr, que então era presidente da Sociedade Torre de Vigia (nos EUA).

Outros acontecimentos aumentaram a suspeita dos que se separaram em relação a seus anteriores associados cristãos. Em geral, as autoridades governamentais na Tchecoslováquia já haviam se dado conta de que as Testemunhas de Jeová não eram espiões imperialistas americanos, como tinham sido acusadas. Sabiam também que não fora possível deter a atividade das Testemunhas de Jeová ou persuadi-las a transigirem na fé. Por isso, o governo, um regime totalitário comunista, tomou medidas para dialogar com as Testemunhas. Foi um diálogo imposto. O objetivo da Segurança do Estado era garantir que os sentimentos religiosos não fossem usados contra o regime, mas, se possível, em apoio dele. Às vezes, os contatos assumiam a forma de uma intimação para que o irmão Müller ou um dos superintendentes viajantes comparecesse ao posto policial para interrogatório. Ocasionalmente, havia o que parecia ser uma conversa amigável num café.

Alguns dos que observavam isso, não conhecendo todos os fatos, achavam que os irmãos envolvidos nessas palestras estavam colaborando com a Segurança do Estado. Os nomes de alguns desses irmãos foram até mesmo colocados numa lista de supostos colaboradores, e fazia-se a acusação de que haviam alterado artigos a serem publicados para satisfazer o desejo da Segurança do Estado.

Incentivo amoroso para se “procurar a Jeová”

O irmão Knorr ficou muito preocupado com a obra do Senhor e com os que se esforçavam a servir fielmente com a organização de Jeová. Em 7 de dezembro de 1961, ele escreveu uma carta aos irmãos na Tchecoslováquia, na qual chamou atenção a textos tais como Miquéias 2:12 e Salmo 133:1. Ele explicou a posição da Sociedade em diversos assuntos e expressou seu apoio a determinados irmãos aos quais se confiaram responsabilidades. Isto, na verdade, deu encorajamento bondoso aos irmãos para “procurar a Jeová” — para discernir como o espírito de Jeová operava para cumprir sua palavra e então trabalhar em harmonia com os instrumentos que Jeová usava. (Zac. 8:21) O seguinte é um parágrafo desta carta:

“Meus Queridos Irmãos: . . . Foi-me comunicado que a maioria dos irmãos na Tchecoslováquia mantém teocraticamente sua união cristã, mas que, devido ao precário sistema de comunicação, uns poucos permitiram que rumores e tagarelice suscitassem dúvidas na mente, com o resultado de alguns não cooperarem, nem entregarem seus relatórios de serviço de campo. Isso só pode levar esses poucos à infelicidade e a dificuldades, o que já aconteceu. Por isso, escrevo para que saibam que a Sociedade reconhece o irmão Adam Januška e o irmão Bohumil Müller, e os irmãos que trabalham com eles, como superintendentes cristãos responsáveis na Tchecoslováquia, e peço que tenham em mente as palavras de Paulo em Hebreus 13:1, 7, 17. Esses irmãos estão interessados em vocês e procuram ajudar a todos a serem fiéis a Jeová Deus. Portanto, cooperem humildemente com eles e eles cooperarão com vocês, tudo para o louvor de Jeová.” Lamentavelmente, porém, pouco depois de receberem esta carta, foi necessário desassociar Adam Januška por conduta imprópria para cristãos.

Alguns tiveram apreço pela carta do irmão Knorr, mas nem todos se deixaram reajustar pelo seu conselho. Na realidade, em 1962 os problemas aumentaram. A Sentinela publicou uma série de artigos explicando a responsabilidade cristã primeiro para com Deus e depois para com as autoridades seculares governamentais, as “autoridades superiores” mencionadas em Romanos 13:1. O que foi publicado era uma correção de nosso entendimento. Aqueles que se haviam mostrado desconfiados e críticos difundiram rumores de que os artigos na realidade foram inventados pelo irmão Müller sob a orientação do Ministério do Interior. O que se devia fazer? Em vez de usarem todo o seu tempo para tentar convencer os que naquele tempo não queriam se deixar convencer, os irmãos fixaram sua atenção na pregação das boas novas aos famintos e sedentos da justiça.

Em anos posteriores, alguns dos que haviam abandonado a organização viram a evidência da bênção de Jeová sobre ela e pediram permissão para voltar. No entanto, havia outros que continuaram dissociados até 1989, quando o Corpo Governante enviou uma carta dirigida “Aos Que Desejam Adorar a Jeová e Servi-lo em União”. Esta carta chamava atenção a profecias tais como Zacarias 8:20, 21, e Isaías 60:22, que se cumprem agora. Ela enfatizou o conselho e as normas bíblicas encontradas em Mateus 24:45-47, 1 Coríntios 10:21, 22, e Efésios 4:16. Daí, a carta dizia em parte:

“Lamentamos saber que vocês não têm estado até o momento em associação ativa com o arranjo e o procedimento teocráticos seguidos pelo povo de Deus em todas as outras partes da Terra. Estamos escrevendo para incentivá-los a evidenciar seu desejo de trabalhar em harmonia com a organização visível de Jeová, constituída mundialmente e existente em seu país. Poderão demonstrar este desejo justo da sua parte por aceitar os irmãos que escolhemos. Eles estão prontos para providenciar e ler esta carta para vocês. Poderão confiar plenamente nos irmãos que os visitarem e que se identificarem por meio desta carta como autorizados por nós. Eles têm o privilégio de convidá-los a voltar ao rebanho único e a não mais ficar separados. — João 10:16.”

Esta ação da parte do Corpo Governante contribuiu muito para consertar o que ainda restava do dano causado pelo ataque astuto de Satanás às congregações numa época em que ficaram sem comunicação livre com os demais da organização visível de Jeová.

Organização e treinamento para mais serviço

Depois da soltura das Testemunhas da prisão, em 1960, ainda havia muito a fazer com respeito à pregação das boas novas nas terras tchecas. Para realizar isso, era importante haver organização correta e bom treinamento. Alcançar estes objetivos sob as condições difíceis então existentes forneceu uma evidência satisfatória da proteção e da bênção amorosas de Jeová.

Um grande avanço na organização teocrática foi a instituição da Escola do Ministério do Reino, em 1961, para dar treinamento bíblico especializado a superintendentes viajantes e a servos de congregação (agora conhecidos como superintendentes presidentes). Karel Plzák, de Praga, que então servia como superintendente de circuito, lembra-se da primeira classe. Ela devia ser realizada perto de Karlovy Vary, mas a Segurança do Estado também soube do local. Por conseguinte, tomaram-se providências de última hora para os irmãos se reunirem num chalé particular.

Muitos dos irmãos jovens naquele tempo apreciavam a importância do serviço de Jeová. Alguns amadureceram depressa e foram logo convidados a se beneficiarem da Escola do Ministério do Reino. Um deles, Jaromír Leneček, serviu como dirigente de estudo de livro de congregação à idade de 14 anos. Aos 16 anos, foi designado ajudante do superintendente de congregação e, à idade de 20 anos, foi convidado a cursar a Escola do Ministério do Reino. Agora é membro da Comissão de Filial.

Um programa adicional de treinamento instituído em 1961 contribuiu muito para melhorar a qualidade do ministério de campo. Designava-se um publicador experiente para treinar outro, menos experiente. Eles se preparavam juntos e trabalhavam juntos no serviço de campo. O objetivo era ajudar o suficiente quem estava sendo treinado para que, por sua vez, pudesse ajudar outros. Naquele tempo só era possível dar testemunho de modo informal, mas o treinamento habilitou muitos a se tornarem louvadores bem-sucedidos de Jeová.

Sob um regime totalitário, a correspondência muitas vezes é rigorosamente controlada pelo governo. De modo que, na Tchecoslováquia, os superintendentes viajantes tornaram-se um elo importante na comunicação teocrática. Cada visita do superintendente de circuito era um acontecimento aguardado com muita expectativa. Eduard Sobička se lembra: “O superintendente viajante tinha de ter um emprego secular e, por isso, só podia trabalhar com as congregações cada segundo fim de semana, de sexta-feira a domingo à noite — num total de cerca de 5 dias durante o mês. Isto equivale ao tempo que os superintendentes de circuito em terras sem restrições legais trabalham com uma congregação numa só semana. Por este motivo, o circuito usualmente só consistia em seis congregações.” Por meio desses irmãos mantinha-se a comunicação com as congregações e estas se mantinham atualizadas.

Quando se esqueceu a cautela

Ocasionalmente, quando a obra prosperava, era fácil esquecer-se de que as Testemunhas de Jeová ainda estavam proscritas. Os irmãos que supervisionavam a obra incentivavam o uso de bom juízo em todas as atividades. Mas alguns não se contentavam com os métodos usados. Queriam resultados mais rápidos.

Certo dia em 1963, num parque em Praga, dois irmãos juntaram uma multidão de pessoas. Um dos irmãos subiu num banco e começou a proferir um sermão. Quando um homem na multidão fez objeções, o irmão o chamou de agente do Diabo. A polícia chegou e mandou que os irmãos se identificassem, mas este não foi o fim. Aquele incidente provocou uma ampla operação policial. Dentro de poucos dias, mais de 100 irmãos e irmãs de Praga foram detidos. Isto resultou em duas coisas: mais julgamentos e uma lição para os irmãos. Seis dos presos foram levados a julgamento e sentenciados.

Este incidente não diminuiu o ministério, mas lembrou aos irmãos a necessidade de sabedoria prática. (Pro. 3:21, 22) Isto foi especialmente importante nos fins da década de 60, quando surgiu a esperança de se suspender a proscrição.

Surge a perspectiva de liberdade de adoração

O ano de 1968 presenciou inesperadas mudanças. Os chamados comunistas de reforma assumiram o poder e passaram a empenhar-se pela democratização. Essas mudanças eram bem-vindas para o povo, e falava-se de um “socialismo de aspecto humano”.

Como reagiram as Testemunhas de Jeová a estas mudanças? Com reservas. Embora achassem boa a liberalização do sistema, esperando que talvez se suspendesse a proscrição, evitaram tomar medidas precipitadas de que podiam mais tarde arrepender-se. Isto mostrou ser um proceder sábio. (Pro. 2:10, 11; 9:10) Depois de oito meses de relativa liberdade, os exércitos de cinco países do Pacto de Varsóvia penetraram no território da Tchecoslováquia. Cerca de 750.000 soldados e 6.000 tanques acabaram com o “socialismo de aspecto humano”. O povo ficou arrasado. No entanto, a conduta neutra das Testemunhas de Jeová durante a “primavera de Praga” ajudou-as muito em anos posteriores, porque as autoridades estatais tiveram de admitir que as Testemunhas de Jeová não constituíam uma ameaça para o governo.

O espantoso era que, depois desses acontecimentos, os cidadãos tchecoslovacos, por algum tempo tinham a oportunidade de viajar livremente pela Europa Ocidental. Muitas Testemunhas de Jeová aproveitaram esta situação, principalmente por causa das Assembléias Internacionais “Paz na Terra”, planejadas para aquele ano. Uns 300 irmãos e irmãs de toda a Tchecoslováquia viajaram para Nuremberg, na Alemanha Ocidental, a cidade de congresso mais próxima. Isso lhes deu mais força espiritual. Em pouco tempo, porém, as fronteiras foram novamente fechadas.

O começo dos anos 70 viu o início dum período chamado de normalização política. Os simpatizantes do movimento de reforma de 1968 foram sistematicamente removidos da vida política e cultural. Isso afetou quase 30.000 pessoas. Quase um quarto das autoridades da Segurança do Estado haviam simpatizado com a reforma, e elas perderam seu emprego. Alguns diziam que a Era do Obscurantismo havia voltado.

Embora este período fosse diferente daquele dos anos 50, foi um tempo em que a Segurança do Estado de novo vigiava de perto a atividade das Testemunhas de Jeová. Em algumas partes do país, irmãos foram presos. As Testemunhas não pararam de pregar, mas foram mais cautelosas.

“Seis mil anos de existência humana”

Em 1969, a revista A Sentinela em tcheco começou a publicar uma série de artigos baseada no livro Vida Eterna — na Liberdade dos Filhos de Deus. O capítulo 1, sob o subtítulo “Terminam Seis Mil Anos de Existência Humana”, tinha uma explicação do Jubileu e da cronologia bíblica. Esta matéria influenciou alguns de forma positiva; também suscitou muitas perguntas e muita especulação.

O escritório na Tchecoslováquia enviou a todas as congregações uma carta com data de 22 de fevereiro de 1972. Ela deu uma extensa explicação dos motivos de não fazermos afirmações definidas sobre a data do irrompimento do Armagedom. Salientou que nenhuma publicação da Sociedade havia dito que o Armagedom aconteceria em certo ano. A carta concluiu: “As Testemunhas de Jeová em todo o mundo conhecem estes fatos, e ninguém deve acrescentar afirmações pessoais sobre o que acontecerá antes ou durante o ano de 1975. Não há nenhuma base bíblica para qualquer afirmação, e esta poderá ter um efeito prejudicial na obra de pregação. Portanto, esforcem-se para que ‘todos falem de acordo, e que não haja entre vocês divisões, mas que estejam aptamente unidos na mesma mente e na mesma maneira de pensar’. (1 Cor. 1:10) Pois acerca daquele dia e daquela hora ninguém sabe.” — Mat. 24:36.

O que aconteceu mesmo

Em fevereiro de 1975, diversos irmãos foram presos numa operação policial. No decorrer do ano, houve mais prisões em diversas partes do país. Stanislav Šimek, de Brno, que antes já fora várias vezes preso, diz: “Em 30 de setembro de 1975, fui preso, e tanto meu apartamento como meu local de trabalho foram vasculhados. A polícia confiscou cinco sacos de publicações. Mais tarde, eu soube que uns 200 agentes da Segurança do Estado haviam participado na operação. Eles vasculharam 40 lares e confiscaram meia tonelada de material. Fomos sentenciados a 13 ou 14 meses de prisão.”

As buscas feitas nas casas eram desagradáveis. Na moradia dos superintendentes muitas vezes havia relatórios congregacionais e era difícil mantê-los escondidos. No entanto, em mais de uma ocasião, Jeová cegou os olhos dos que queriam causar danos aos servos dele. O irmão Mařák, de Plzeň, lembra-se: “Eu servia como superintendente do serviço de campo. E num armário com portas de vidro eu tinha um grande envelope com relatórios de serviço de campo, donativos e uma lista dos nomes de todos os anciãos e servos ministeriais. Quando os homens que faziam a busca chegaram ao armário, minha esposa olhou para mim e começou silenciosamente a pedir a ajuda de Jeová. Os homens olharam através do vidro para o grande envelope cinzento, mas foi como se os olhos deles fossem cegados e eles não o viram. Agradecemos a Jeová do fundo do coração por esta proteção.”

Os tratos das autoridades estatais com nossos irmãos às vezes tinham um lado divertido. Michael Fazekaš, batizado em 1936 e preso diversas vezes, teve a seguinte experiência: “Em 1975, fui novamente sentenciado. Esta vez fui condenado com liberdade condicional. No entanto, o interessante era que no mesmo ano, o 30.º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, minha pensão foi aumentada em retribuição ao ‘empenho para enfraquecer as forças armadas do Reich Alemão’, já que eu tinha sido enviado a um campo de concentração por causa da minha neutralidade cristã.”

Demarcação dos territórios congregacionais

Em 1.º de fevereiro de 1976, estabeleceu-se no país uma comissão de cinco membros para cuidar da atividade das Testemunhas de Jeová na Tchecoslováquia. Ela incluía Ondřej Kadlec, Michal Moskal, Bohumil Müller (coordenador), Anton Murín e Eduard Sobička.

Mais tarde naquele ano, Ondřej Kadlec visitou a passeio a congênere das Testemunhas de Jeová na Finlândia. No Departamento de Serviço ele notou um mapa da Finlândia que indicava os territórios de distritos, de circuitos e de congregações. De volta em casa, numa reunião da comissão do país, ele sugeriu que se fizesse o mesmo na Tchecoslováquia. O irmão Müller salientou firmemente que tal mapa poderia criar suspeitas da parte das autoridades governamentais e assim causar indizível dano. O irmão Kadlec lembra: “Eu não tinha absolutamente nenhum desejo de levantar a questão outra vez. Mas apenas dois meses mais tarde, o próprio irmão Müller a levantou.” A necessidade de tal arranjo tornara-se evidente. Em pouco tempo, todas as congregações estavam envolvidas nele.

Mas, como deveria ser dividido o território da Tchecoslováquia, que tinha 220 congregações em 8 distritos e 35 circuitos? A tarefa foi dada a Jaroslav Boudný, de Praga. Ele conta: “Havia muita margem para iniciativas pessoais. E trabalhar junto com o irmão Müller, que era muito meticuloso no seu trabalho, foi maravilhoso. Cheio de entusiasmo e com muita oração, passei a cuidar da tarefa. Isso exigiu registrar milhares de pontos fronteiriços dos territórios congregacionais e fazer muitos desenhos.”

Extensão a outros territórios

Depois da designação inicial dos territórios às congregações, aquelas que podiam cuidar de territórios não-designados foram convidadas a fazê-lo. Foi tocante ver a disposição de muitas congregações, de aceitarem tais designações extras, especialmente no caso das congregações em torno de Ostrava, na Morávia. Alguns irmãos tinham de viajar até 200 quilômetros para chegar ao território.

Como foi organizada a obra? Os irmãos deviam passar ali todo um fim de semana; indo no sábado de manhã e voltando para casa no domingo à noite. Os carros estavam sempre cheios e os irmãos arcavam com suas próprias despesas. Os publicadores podiam fazer essa viagem cada duas semanas.

Os publicadores foram incentivados a agir como se fossem turistas, a deixar seu carro fora da aldeia, a atravessar a aldeia apenas numa direção, a iniciar uma conversa amigável e aos poucos passar a dar testemunho e, em caso de oposição, voltar ao tema original e terminar de modo amigável. Num período de dez anos, houve apenas alguns casos raros de dificuldades.

Para chegarem a outros territórios, alguns pioneiros, recomendados pelos anciãos, foram designados a trabalhar por períodos limitados. Como já se fizera anos antes, usualmente eram enviados por uma ou duas semanas. Entre os primeiros em Praga estavam duas irmãs, Marie Bambasová e Karla Pavlíčková, que já eram companheiras no serviço por quase 30 anos. Karla relembra: “Marie aposentou-se em 1975. No seu segundo dia de aposentada, estávamos em caminho para ser pioneiras na Morávia. Era um período de perseguição, de modo que o serviço podia ser perigoso, especialmente onde nós estávamos. Servimos perto da fronteira austríaca. Uma irmã local nos deu uma recomendação, dizendo: ‘Não levem consigo nenhuma publicação. E se alguém as apanhar, digam-lhe que estão fazendo uma pequena viagem, daí saiam do território e não voltem a mim. Eu lhes enviarei suas coisas mais tarde.’ Mas Jeová nos abençoou. Nossa primeira experiência com este tipo de serviço foi maravilhosa. Fomos pioneiras assim cada ano e sempre fomos enviadas a lugares diferentes.”

Às vezes, essas viagens de pioneiro levavam os irmãos ainda mais longe. “Irmão, há necessidade na Bulgária! Você fala russo, e por isso é indicado para o trabalho.” Foi isso o que se disse a um irmão de Praga em fins dos anos 70. Ele e sua esposa se ofereceram para viajar regularmente à Bulgária, ocasionalmente até duas vezes por ano, e eles continuaram a fazer isso por 13 anos.

Será que não havia bastante trabalho a fazer na sua terra, de modo que publicadores tchecos tinham de viajar à Bulgária, sob condições muito mais difíceis? Havia bastante para fazer na Tchecoslováquia, mas também havia o forte desejo de dar ajuda onde houvesse necessidade.

O irmão de Praga, que participou nesta atividade, comenta sobre o campo búlgaro naqueles dias: “Os búlgaros são por natureza muito hospitaleiros. Isto possibilitou que nos chegássemos a eles. Com o tempo compreendemos como era a situação deles. Eles compartilhavam a verdade principalmente com membros da família. A muitos deles nunca havia ocorrido a idéia de que podiam abordar pessoas nas ruas. Em certa ocasião, quando fui designado a dirigir a Comemoração em Sófia, aproveitei a presença de vários publicadores. Usando experiências e demonstrações, mostramos aos publicadores como dar testemunho com mais ‘segurança’. O importante era não dizer: ‘Eu estudo a Bíblia’, mas, antes, iniciar uma conversa sobre um assunto neutro e aos poucos passar para a Bíblia. Podíamos dizer: ‘Ouvi dizer que a Bíblia diz . . .’ Os publicadores aceitaram de bom grado este novo método de pregação, e a mensagem a respeito de Deus começou a espalhar-se além do círculo de seus conhecidos.”

A atividade zelosa perturba as autoridades

Maiores esforços na pregação das boas novas foram prontamente observados pelos nossos perseguidores, embora nossos irmãos se esforçassem a agir de forma discreta. A congregação de Nejdek, perto de Karlovy Vary, foi uma das que atraíram a atenção de autoridades políticas e da polícia. Juraj Kaminský, que por muitos anos serviu como superintendente viajante, diz: “Em certa ocasião, eles acreditavam seriamente que a obra no país inteiro era dirigida de Nejdek. Os dignitários comunistas consultavam-se freqüentemente sobre como impedir nossa atividade. Certa vez vieram peritos desde Praga e se realizou uma conferência num hotel em Karlovy Vary. Havia duas autoridades governamentais, representantes de ministérios e policiais. Umas duzentas pessoas estavam presentes.

“O orador tinha o livro Verdade na tribuna. Ele descreveu em detalhes a organização das Testemunhas de Jeová, salientando que nós somos organizadores cabais e capazes. Atingindo o clímax de seu elogio às Testemunhas de Jeová, ele declarou: ‘Temos de ser ainda melhor organizados para impedir que saiam do nosso controle!’”

Perseguidos por honrarem a Jesus Cristo

Era impossível ocultar da polícia comunista a data da Comemoração da morte de Cristo. Božena Petníková, que morava em Praga, lembra-nos de uma dessas ocasiões: “Naquele tempo, havia poucos irmãos nas congregações, portanto, as irmãs receberam a designação de dirigir reuniões em lares particulares. Costumávamos ter no máximo dez na reunião. Em 1975, nosso grupo devia reunir-se para a Comemoração num lugar em que até então nunca se havia realizado uma reunião. Depois de uns 40 minutos, fomos perturbados pela campainha e por furiosos pontapés na porta. O tumulto continuou e o morador abriu a porta. Três homens entraram na sala, dois em uniforme de polícia e um em traje civil. ‘Veja só! Sra. Pětníková, nem imaginávamos que estivesse aqui! O que está fazendo aqui?’, perguntou o civil. ‘Estamos celebrando a Comemoração da morte de Jesus Cristo. Queiram sentar-se, por favor, e deixar-nos acabar a celebração’, respondi com calma. Mas eles, naturalmente, recusaram-se a fazer isso. Pediram nossos cartões de identidade e aos poucos interrogaram todos a respeito do motivo de a pessoa estar ali. Daí, uma irmã idosa era a próxima a ser interrogada. Fiquei um pouco receosa do que ela ia dizer. Mas a resposta dela foi animadora para todos nós: ‘Sou Testemunha de Jeová e honro a Jeová’, disse ela. ‘Pode estar feliz de ser tão idosa’, respondeu o policial, que ficou surpreso com a coragem dela. Depois nos obrigaram a sair, e no posto de polícia eu tive de assinar um documento dizendo que havia dirigido a Comemoração.”

Doze anos mais tarde, em 1987, em alguns lugares na Boêmia, a Segurança do Estado prendeu muitos irmãos envolvidos com a Comemoração. Seu interesse principal era saber onde se havia realizado a Comemoração e quem a havia dirigido. Num lugar, depois de terminada a Comemoração, todos os presentes foram identificados pela polícia, e um irmão foi detido e interrogado. Ainda em outra parte, fizeram-se acusações criminais contra três irmãs, e o motivo apresentado era que visitavam uma mulher e “estudavam publicações duma seita religiosa proibida, chamada Testemunhas de Jeová”.

Outra irmã, Miluše Pavlová, foi sentenciada ao encarceramento em Pardubice, não por ter sido apanhada fazendo alguma coisa, mas por mera suspeita. O motivo das autoridades para a condenação foi o seguinte: “A perícia indica que a acusada havia disseminado e copiado publicações proibidas. O tribunal de apelação confirmou a decisão original, acrescentando: ‘Ela foi sentenciada para dissuadir tanto a ela como a outros.’”

A provisão de alimento espiritual

Providenciar publicações bíblicas para estudo era feito com muito cuidado durante a era comunista. A Testemunha comum não sabia como eram traduzidas, impressas e então colocadas à disposição para serem usadas. Os tradutores e os revisores, bem como os envolvidos na impressão e na encadernação, não eram abertamente conhecidos.

Um tradutor datilografava em tcheco um artigo de A Sentinela e o entregava a um revisor, só vendo a matéria outra vez quando era usada nas reuniões congregacionais. Tudo, inclusive livros e brochuras, foi traduzido assim. Não obstante, a qualidade da tradução era relativamente boa. Naquela época não se traduzia a revista Despertai!.

Nem mesmo corpos de anciãos sabiam quem na sua própria congregação estava envolvido na tradução. Às vezes, quando esses irmãos, em resultado de trabalho adicional de tradução, mostravam um decréscimo no seu ministério de campo, os anciãos procuravam ajudá-los, achando que talvez estivessem enfraquecendo espiritualmente. Mas os tradutores e os revisores não revelavam o que estavam fazendo.

Sob estas circunstâncias muito difíceis, empreendeu-se um projeto notável. Traduziu-se toda a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas para o tcheco. Entre 1982 e 1986, ela também foi impressa e encadernada em cinco volumes ali mesmo na Tchecoslováquia, e forneceu-se um exemplar a cada família das Testemunhas. De forma similar, trabalhou-se para produzir a Tradução do Novo Mundo em eslovaco, mas esta só foi terminada mais tarde.

Como eram impressas as publicações

Na década de 50, os irmãos que não estavam na prisão fizeram muitos esforços para assegurar-se de que seus irmãos e suas irmãs cristãos fossem alimentados espiritualmente. Por algum tempo depois da imposição da proscrição e da prisão dos irmãos responsáveis, muitas vezes havia apenas um exemplar de A Sentinela a ser compartilhado por várias congregações. A situação melhorou aos poucos. Com o tempo, havia um exemplar por congregação e, mais tarde, um por família. Os publicadores faziam anotações à mão. Não tinham máquinas de escrever.

Juraj Kaminský, da Congregação Nejdek, descreve uma situação típica com que os irmãos se confrontavam. Ele diz: “Quando os irmãos finalmente conseguiram obter uma máquina de escrever, foi uma antiga. O homem que a vendeu escavou um buraco no chão, e tirou a máquina dali, bem diante dos olhos deles. Mais tarde, acharam meios para comprar máquinas novas e também equipamento para a ampliação de fotografias.”

Havia diversos envolvidos na produção de publicações. Muitas irmãs, algumas com mais de 70 anos de idade, aprenderam a datilografar. Os irmãos conseguiram até mesmo levar às escondidas publicações para as prisões. Em 1958, começaram a produzir miniaturas fotográficas de A Sentinela. Até três de tais fotocópias podiam ser escondidas numa barra de sabão ou num tubo de pasta de dentes, e enviadas aos irmãos na prisão. Estes faziam então suas próprias cópias manuscritas e destruíam os originais.

Em 1972, Herbert Adamy foi convidado para ajudar na reprodução de publicações. Ele foi designado para coordenar a produção de publicações para toda a Tchecoslováquia. Ele lembra: “No começo, as publicações eram produzidas à mão por centenas de publicadores nas congregações. No fim — pouco antes da queda do sistema comunista — tínhamos um conjunto de gráficas ocultas, modernas e bem equipadas, capazes de produzir bem mais publicações do que se necessitavam naquele tempo.”

Referente à época em que eles usavam seu primeiro mimeógrafo, o irmão Adamy diz: “Cerca de quatro vezes por ano, a gráfica inteira tinha de ser mudada para um local predeterminado que não era facilmente detectável. Durante uma ‘operação’, a turma imprimia, montava, encadernava e despachava cerca de 12.000 livros. A operação durava cerca de uma semana. Os que trabalhavam nisso levantavam-se às 4 horas da manhã e muitas vezes iam dormir após a meia-noite. Quando a operação tinha terminado, eu levava os pacotes de publicações à estação de trem mais próxima. Ali eram entregues a um portador, que os levava às vezes à distância de 600 quilômetros.”

Com o tempo, em centros de produção construídos por eles mesmos, os irmãos começaram a fabricar secretamente seus próprios mimeógrafos. Ao todo, fabricaram 160 dessas máquinas, e algumas delas foram fornecidas aos irmãos na Romênia.

Nos anos 80, os irmãos na Tchecoslováquia começaram a usar a impressão off-set, que melhorou em muito a qualidade do seu trabalho. Para isso, construíram suas próprias impressoras off-set. Em um ano e meio, tinham construído 11 delas, com alimentadores de papel para rotativas controlados eletronicamente. Uma única prensa era capaz de produzir 11.000 impressões de boa qualidade por hora.

Invadidas duas gráficas em Praga

Perto do fim de 1986, a Segurança do Estado conseguiu localizar e fechar duas de nossas gráficas. Depois da invasão de uma delas, apareceu um relatório num boletim interno do Ministério do Interior. Uma cópia dele foi entregue às Testemunhas por um policial amigável. Primeiro, havia nele a costumeira propaganda no empenho de relacionar as Testemunhas com movimentos políticos estrangeiros. Depois, o relatório apresentou pormenores da operação policial e falou das sentenças dadas às Testemunhas. Ele concluía com uma admissão surpreendente: “Os jeovistas comportam-se muito bem para com os de fora. Estão dispostos a ajudar e trabalham arduamente, mas isso é tudo. Não estão dispostos a gastar-se nas Brigadas Socialistas de Trabalho e coisas assim. Não se sabe de nenhum caso de um jeovista roubar, fumar, exceder-se em bebidas alcoólicas ou drogas. . . . Nenhum deles jamais foi processado por um delito moral ou uma violação de direitos de propriedade. Os membros da seita esforçam-se a falar a verdade. Nunca revelam os nomes de outros, mas apenas os chamam de ‘irmão’ ou ‘irmã’. Sempre falam só de si mesmos, e quando se requer que forneçam uma informação específica continuam calados, não só quando acusados, mas também quando intimados a prestar depoimento.”

Naturalmente, o fechamento de uma ou duas gráficas não parou a obra da proclamação do Reino de Deus. O ano de 1987 viu mais aumento. Atingiu-se nas terras tchecas um novo auge de 9.870 publicadores. Em média, 699 deles participaram no serviço de pioneiro auxiliar ou regular.

Era possível o registro legal?

Em 1972, quando se instituiu mundialmente que um corpo de anciãos supervisionasse as atividades de cada congregação das Testemunhas de Jeová, o mesmo arranjo entrou em vigor na Tchecoslováquia. Em 1976, designou-se no país uma comissão de cinco membros, para tomar conta das atividades das Testemunhas de Jeová.

No entanto, não havia registro legal nem das Testemunhas de Jeová, nem duma sociedade para cuidar dos necessários assuntos comerciais, e elas não tinham nenhum escritório na Tchecoslováquia como sede para seu trabalho. De modo que em março de 1979, comprou-se uma casa inacabada de três pavimentos em Praga no nome de duas Testemunhas. Grupos de 10 a 12 voluntários vinham para trabalhar em turnos de uma semana nesta casa. Vinham a Praga até do lado remoto da Eslováquia. Em seis meses, o prédio pôde ser ocupado e um ano depois a parte que serviria como escritório estava pronta. O prédio serviu de escritório adequado até a primavera de 1994.

Em fins dos anos 70, parecia que podiam começar as negociações com o objetivo de conseguir o registro legal. De modo que em 1.º de junho de 1979 entregou-se uma carta ao Secretariado de Assuntos Religiosos com o Comitê Executivo da República Socialista Tchecoslovaca. A carta declarava: “Pedimos gentilmente uma entrevista a favor do grupo religioso conhecido como Testemunhas de Jeová. Gostaríamos de informá-los sobre o desejo de certas pessoas que ocupam posições de responsabilidade na organização das Testemunhas de Jeová de considerar com os senhores a retificação do relacionamento mútuo entre este grupo religioso e o atual sistema de leis da República Socialista Tchecoslovaca.”

A resposta veio quase um ano mais tarde e os debates foram realizados em 22 de abril de 1980. Depois disso, apresentou-se ao Ministério do Interior um requerimento de registro da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Além dos estatutos, continha uma declaração bem abalizada de 13 pontos. O ponto cinco declarava:

“Se as Testemunhas de Jeová forem reconhecidas pelo Estado, congregações inteiras realizarão reuniões em lugares destinados a este fim. As congregações não precisarão ser divididas em grupos pequenos. As reuniões serão dirigidas por pessoas habilitadas, e isso possibilitará à congênere da Sociedade Torre de Vigia uma supervisão melhor das suas congregações. As autoridades estatais também ficarão melhor informadas sobre as atividades das congregações das Testemunhas de Jeová. Representantes do Estado poderão visitar à vontade as reuniões públicas, para certificar-se de que são inofensivas e benéficas.”

Não se recebeu nenhuma resposta.

Extensos interrogatórios pela Segurança do Estado

A atmosfera existente em 1985 indicava desassossego no sistema político. Este era muito sensível a tudo o que podia ser um ameaça para a sua estabilidade. Em resultado disso, nossos irmãos foram interrogados com mais freqüência, na maioria das vezes em Praga. Muitos irmãos receberam um chamado “aviso” da parte do chefe de polícia. Isto significava que estariam sob liberdade condicional de forma permanente.

No decorrer daquele ano, as congregações receberam cinco cartas do escritório das Testemunhas de Jeová em Praga, como incentivo bondoso, mas firme, de seguirem o princípio de Filipenses 4:5: “Seja a vossa razoabilidade conhecida de todos os homens.”

Uma sugestão interessante da Segurança do Estado

Daí, no começo do ano de 1988, a Segurança do Estado sugeriu que os irmãos locais responsáveis providenciassem que um representante da sede mundial da Sociedade viesse em visita para conversar extra-oficialmente com algumas autoridades do Ministério Federal do Interior. A agenda trataria de: “alguns aspectos de nosso relacionamento . . . , em preparação para um possível debate futuro com autoridades do Estado”. Isto certamente foi uma mudança.

Antes de se concluírem as providências para esta reunião, realizou-se em Viena, na Áustria, o Congresso de Distrito “Justiça Divina”. Com pleno conhecimento das autoridades, um grupo relativamente grande de Testemunhas da Tchecoslováquia assistiu a ele.

No ínterim, progrediram aos poucos os arranjos para debates entre membros da equipe da sede da Sociedade e dignitários do Ministério do Interior. Finalmente se realizou uma reunião entre os dois lados na manhã de 20 de dezembro de 1988, numa sala de conferências no Hotel Forum, em Praga. A Sociedade foi representada por Milton Henschel e Theodore Jaracz, do Corpo Governante, e por Willi Pohl, da congênere na Alemanha. Os irmãos do Corpo Governante não nutriam grandes esperanças. Sabiam que seriam necessários paciência e tempo. De qualquer modo, foi um grande passo para a frente. Sem dúvida, aquela reunião foi um fator significativo do que aconteceu no ano seguinte.

Haviam sido programados grandes congressos internacionais para três cidades na Polônia. Testemunhas de Jeová da Tchecoslováquia queriam assistir a eles. O assunto foi considerado com autoridades da Segurança do Estado. Como os irmãos ficaram emocionados quando se deu permissão para 10.000 deles viajarem para a Polônia! Este número representava mais da metade das Testemunhas de Jeová na Tchecoslováquia na época. Alguns ficaram com medo quando o Ministério do Interior exigiu uma lista de todos os que iriam assistir. Mas os que fizeram a viagem foram edificados além de qualquer expectativa — pelo programa do congresso, que destacava o tema “Devoção Piedosa”, pelo espírito entusiástico dos congressistas e pela maravilhosa hospitalidade das Testemunhas polonesas.

Manteve-se em foco nossa obra dada por Deus

Mais tarde, naquele mesmo ano, em 17 de novembro de 1989, irrompeu em Praga um levante de estudantes. O regime comunista reagiu com força brutal, enviando a polícia especial para dispersar os manifestantes na Národní třída (Avenida Nacional) de Praga. Isto provocou um movimento espontâneo de protesto pacífico contra o governo comunista. Mais tarde foi chamado de Revolução de Veludo. Essa situação exigiu cautela especial da parte das Testemunhas de Jeová, por causa da grande comoção existente e porque não era fácil manter a neutralidade cristã.

Em 22 de novembro de 1989, nosso escritório em Praga enviou uma carta a todas as congregações na Tchecoslováquia. Ela dizia em parte: “É excelente que os irmãos estejam concentrados em sua evangelização, não se deixando desviar. . . . Apreciamos muito o bom trabalho e a discrição de nossos queridos irmãos e irmãs. O ministério deles e seu resultado atestam que Jeová está com as suas Testemunhas também neste país. Prezamos isso e oramos a Jeová Deus para continuarmos a ter seu favor. Podem estar certos de nosso amor e lhes transmitimos nossas saudações fraternais.” No ano de serviço que terminara pouco antes, o auge de publicadores nas terras tchecas foi de 11.394 — outro excelente aumento.

No fim de 1989, a Tchecoslováquia tinha um novo governo. Nossa comissão no país procurou imediatamente meios para legalizar a situação das Testemunhas de Jeová. Alguns membros da comissão visitaram o Comitê Executivo, e o documento conseguido nesta visita foi muito importante naquela época. Este documento, assinado por uma autoridade responsável, declarava:

“À base dum anúncio feito pela comissão preparatória da Igreja das Testemunhas de Jeová, levamos em conta que, em 1.º de janeiro de 1990, a Igreja reiniciará sua atividade que foi interrompida pelo regime fascista em 1939 e que foi novamente banida em 4 de abril de 1949.” Este documento representava um dos primeiros passos para o registro legal.

O longo caminho para o registro

Embora o governo tivesse reconhecido a renovação da atividade da “Igreja das Testemunhas de Jeová”, levou quase mais quatro anos de esforço paciente antes de a Sociedade ser registrada legalmente na República Tcheca.

Em 12 de janeiro de 1990, deu-se entrada no Ministério da Cultura da República Tcheca um requerimento para o registro da Sociedade Religiosa das Testemunhas de Jeová. Todo o procedimento foi manejado em cooperação estreita com o Corpo Governante, o departamento jurídico na sede e advogados locais. Em 1.º e 2 de março, o irmão Henschel visitou Praga. Junto com os irmãos Murín e Sobička, ele visitou o gabinete do primeiro-ministro e o Ministério da Cultura. Ambas as visitas tinham por objetivo dar mais peso ao nosso requerimento para haver um rápido registro. Todavia, disso não resultou nada tangível, porque não existiam ainda novas leis de registro. Depois disso, experimentamos muitas coisas, inclusive requerimentos e conversas com o primeiro-ministro.

Em 19 de março de 1992, aprovou-se uma lei sobre o registro de novas igrejas e de sociedades religiosas. Ela declarou que o processo de registro só começaria se a petição da sociedade religiosa estivesse acompanhada por 10.000 assinaturas de seus aderentes adultos. (As chamadas igrejas tradicionais, que haviam funcionado legalmente por décadas sob o regime comunista, foram registradas automaticamente.) De modo que as Testemunhas de Jeová foram informadas de que precisavam fazer um novo requerimento, fornecendo todos os dados exigidos. Daí, em 1.º de janeiro de 1993, durante os preparativos para o registro, ocorreu outra mudança, quando a Tchecoslováquia foi dividida em dois países, as repúblicas tcheca e a eslovaca. Mas, por fim, na quarta-feira, 1.º de setembro de 1993, a Agência Tcheca de Imprensa recebeu a seguinte notícia:

“Hoje, 1.º de setembro de 1993, às 10 horas, entregaram-se a representantes da Sociedade Religiosa das Testemunhas de Jeová os documentos de registro no Ministério da Cultura da República Tcheca. Representantes das Testemunhas de Jeová agradeceram às autoridades do ministério e informaram-lhes que não vão requerer apoio financeiro em proveito próprio, nem ajuda financeira do Estado. O registro entra em vigor hoje.”

Este importante progresso foi noticiado na imprensa. Em alguns jornais era apenas uma notícia breve. Em outros, a notícia foi destacada por manchetes tais como: “Os Jeovistas Conseguiram o Que Queriam” e “As Testemunhas de Jeová São uma Religião Reconhecida”. Significava isso o fim da perseguição das Testemunhas de Jeová na República Tcheca? De modo algum!

Em poucos dias, começou uma campanha de ataques implacáveis na mídia. Particularmente, a maior liberdade de ataques contra as Testemunhas de Jeová ocorria na imprensa religiosa. Artigos tendenciosos continham perguntas feitas às Testemunhas durante o processo de registro, junto com especulações dos redatores a respeito das respostas dadas. Por um lado, fez-se a acusação de que os porta-vozes da Sociedade tinham sido enganosos ao dizer que as Testemunhas não eram obrigadas a crer em certas coisas ou a praticá-las. Por outro lado, afirmava-se que as respostas dadas traíam os próprios princípios da organização.

Esta campanha antagônica marcou o início duma nova era, não de cruel encarceramento, mas uma era em que se zombava das Testemunhas de Jeová. Foi uma época em que cada Testemunha de Jeová tinha de resistir a outro tipo de ataque à sua fé e à sua lealdade a Jeová Deus e à organização Dele.

Agiram com fé

As Testemunhas de Jeová não esperaram até se concluir o registro legal antes de começarem a realizar reuniões públicas — mesmo grandes congressos — ali mesmo na Tchecoslováquia. Haviam avisado as autoridades governamentais de que recomeçariam sua atividade pública em janeiro de 1990. Naquele mesmo mês, providenciou-se um programa especial para todas as congregações. Ele destacava o tema oportuno: “Beneficie-se da obediência às ordens divinas”. Era basicamente uma assembléia de circuito de duas horas. Esta reunião era de tamanho reduzido, mas usavam-se salões alugados. Em cada lugar reuniam-se uma ou duas congregações. Foi seguido por assembléias de circuito maiores, realizadas na primavera.

Tudo correu bem naquelas assembléias, de modo que tomaram-se providências para realizar naquele verão um congresso de distrito — um congresso nacional de quatro dias — em Praga. Alugou-se para esta ocasião o Estádio Evžen Rošický, em Praga, e dois membros do Corpo Governante, os irmãos Henschel e Jaracz, participaram no programa. O auge de assistência foi 23.876, e 1.824 foram batizados. O congresso foi um triunfo completo da adoração pura. O clima fez lembrar muito o dos congressos poloneses realizados no ano anterior, mas isso aconteceu no nosso próprio país e em tcheco e eslovaco! O profundo impacto emocional da ocasião foi expresso tanto nos sorrisos como nas lágrimas de profundo apreço.

Durante 40 anos, em público, as palavras “Testemunhas de Jeová” só haviam sido sussurradas, na Tchecoslováquia. Haviam circulado incríveis rumores a respeito deste grupo, muitas vezes chamado de “seita ilegal”. Agora todos, inclusive os jornalistas, podiam olhar mais de perto para as Testemunhas. As notícias jornalísticas sobre o congresso na maior parte eram favoráveis. Expressaram admiração pelo que as Testemunhas tinham feito no estádio antes do seu congresso. Haviam trabalhado por dois meses — uns 9.500 voluntários, gastando 58.000 horas para limpá-lo cabalmente, consertar os bancos, melhorar o sistema de esgoto e caiar todo o estádio. Um repórter do diário Večerni Praha (Vespertino de Praga) maravilhou-se com as faces sorridentes, a mistura harmoniosa das pessoas de todas as partes da Tchecoslováquia bem como de outros países, e sua conversa limpa.

Naquele ano ocorreu outro evento importante. Em 30 de agosto de 1990, foi dedicado um Salão do Reino para a Congregação Bechyně — o primeiro no país.

Tudo isso levou a mais outro acontecimento, verdadeiramente estupendo.

Um congresso inesquecível

Fizeram-se planos para a realização de um congresso internacional das Testemunhas de Jeová em Praga, de 9 a 11 de agosto de 1991. O primeiro passo foi alugar um estádio. Qual deles? O Estádio Spartakiad, em Praga, um dos maiores do mundo. Visto que as Testemunhas de Jeová ainda não estavam legalmente registradas na Tchecoslováquia, todo o estádio foi alugado particularmente por Anton Murín, então coordenador da comissão do país. Este foi um gesto de coragem. Foi um ato de forte confiança em Jeová, que o abençoou.

O Departamento de Hospedagem ia ter um trabalho gigantesco, e a supervisão dele foi dada a Lubomír Müller. Os irmãos do Corpo Governante estavam bem a par da importância de boas acomodações. De modo que os irmãos Henschel e Jaracz fizeram pessoalmente uma inspeção dos hotéis sugeridos em toda a cidade de Praga. Entraram nos quartos de hotel e até experimentaram as camas. Eles disseram que hotéis com banheiros coletivos e toaletes no corredor eram inaceitáveis. Por quê? O irmão Henschel explicou: “Em circunstâncias normais, isso bastaria, porque os hóspedes vêm e vão em horas diferentes. Os congressistas, porém, em geral saem e voltam ao mesmo tempo. Pode imaginar a cena nos banheiros? Não podemos fazer isso com nossos irmãos.” Os organizadores locais receberam treinamento prático quando viram membros do Corpo Governante demonstrarem interesse pessoal pelo bem-estar de cada um dos congressistas.

O auge de assistência no Congresso Internacional “Amantes da Liberdade Divina” foi de 74.587. Destes, 29.119 eram da Tchecoslováquia, 26.716 da Alemanha e 12.895 da Polônia. Os restantes 5.857 congressistas vieram de outros 36 países. Foi maravilhoso ver o batismo de 2.337 novos, que incluíam 1.760 da Tchecoslováquia, 480 da Alemanha e 97 da Polônia.

O ponto alto de todo o congresso, sem dúvida, foi o que aconteceu no sábado, 10 de agosto. A inteira seção tchecoslovaca levantou-se espontaneamente com um tremendo aplauso — que continuou sem interrupção por dez minutos inteiros! Os rostos irradiavam deleite. Qual era o motivo de tudo isso? No fim dum discurso proferido por Albert Schroeder, membro do Corpo Governante, ele havia apresentado à assistência um novo livro em inglês — o que foi um pouco desapontador — mas então a surpreendeu por anunciar o lançamento das recém-impressas edições em um só volume da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, tanto em tcheco como em eslovaco! Lágrimas de alegria corriam pelo rosto de muitos dos congressistas.

O congresso deixou uma profunda impressão no coração dos congressistas. E que dizer da imprensa? Como sempre, algumas notícias mostravam preconceito, outras eram amigáveis. Na segunda-feira, 12 de agosto, sob o cabeçalho “Strahov Estava Cheio”, Venkov, deník českéhp a moravskoslezského venková (Rural, Diário da Região Rural Tcheca e Morávia-Silésia) noticiou:

“De sexta-feira a domingo, realizou-se em Praga um congresso internacional das Testemunhas de Jeová, ao qual assistiram 75.000 congressistas de todos os cantos da Europa, da América e do Japão. As Testemunhas de Jeová têm estado ativas na Tchecoslováquia desde 1912. Os congressistas das Testemunhas de Jeová eram notáveis pela sua consideração e autodisciplina. O próprio congresso foi ordeiro e muito bem organizado. Embora começasse a chover durante o batismo no sábado, a assistência permaneceu no seu lugar e deu boas-vindas aos novos membros com longos aplausos.”

Tudo isso aconteceu embora o registro legal só fosse concedido dois anos depois.

Tempo para expansão

Embora o processo legal avançasse devagar, as necessidades da organização teocrática aumentavam, ao passo que a sua atividade se acelerava neste país. Desde 1980, os irmãos haviam usado uma casa de três pavimentos em Praga como escritório central, com pouco espaço de acomodação. Quando a obra passou a ser realizada mais abertamente em 1990, este prédio foi reformado. Eliminaram-se os apartamentos e o prédio inteiro foi convertido em escritórios. Mas em que tipo de escritórios? As salas maiores foram divididas por divisórias de madeira para criar áreas de trabalho menores. Estas não só serviam de escritórios, mas também de quartos de dormir dos que trabalhavam ali, de modo que sua cama ficava bem ao lado da mesa de trabalho. Precisava-se de mais espaço.

Na primavera de 1993, doou-se à Sociedade em Praga um prédio novo de dez andares, para ser usado na promoção da educação bíblica. Voluntários de todas as partes do país participaram em mobiliá-lo. Em 28 e 29 de maio de 1994, realizou-se o programa de dedicação. Convidaram-se dezenas de Testemunhas de Jeová que por muitos anos tinham mantido sua lealdade a Jeová sob o regime comunista. Albert Schroeder, do Corpo Governante, participou do programa, e havia presentes outros da Alemanha, da Áustria, da Dinamarca, da Eslováquia, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Holanda, da Itália, da Polônia, da Suíça e da Ucrânia.

Em 1993, quando a Tchecoslováquia foi dividida em dois países, ambos ainda eram servidos por uma só comissão, sob a supervisão da congênere da Áustria. No entanto, as condições em ambos os países estavam mudando. No ano seguinte, designou-se uma comissão em cada um desses países. Daí, em 1.º de setembro de 1995, entrou em funcionamento uma congênere na República Tcheca. Jan Glückselig, Ondřej Kadlec, Jaromír Leneček, Lubomír Müller e Eduard Sobička foram designados pelo Corpo Governante para servirem como Comissão de Filial. Mais tarde, Lubomír Müller foi designado para serviço especial na Rússia, e Petr Žitník foi nomeado novo membro da Comissão de Filial na República Tcheca.

Salões do Reino de “construção rápida”

As congregações das Testemunhas de Jeová precisavam de lugares para se reunir. Encontrar lugares adequados para tais reuniões não é fácil na República Tcheca. Muitos donos de salões negam-se a alugá-los às Testemunhas de Jeová. Isto se deve em parte à propaganda enganosa, tanto nova como antiga, referente às Testemunhas. Por isso, muitas congregações procuram oportunidades para construir um salão ou para reformar um prédio existente. Dentre todos os métodos experimentados para construir novos prédios, o mais prático veio a ser o da construção rápida. Em 20 de novembro de 1993, foi dedicado o primeiro Salão do Reino construído assim na República Tcheca. O salão foi construído na cidade de Sezimovo Ústí e está sendo usado por duas congregações.

O número de Salões do Reino continua a aumentar. Em maio de 1999, as 242 congregações em todo o país estavam usando 84 Salões do Reino que pertencem às próprias Testemunhas. Os irmãos na República Tcheca estão bem a par de que sem a ajuda financeira dos conservos de Jeová em outros países eles não poderiam ter construído tantos belos Salões do Reino. A generosidade de nossa fraternidade internacional tocou profundamente o coração dos irmãos tchecos. Desejam expressar sinceramente sua gratidão aos seus irmãos em outros países e a Jeová, que cria tal espírito no coração dos seus servos e que tem produzido uma organização tão esplêndida. — 2 Cor. 8:13-15.

As armadilhas ocultas da liberdade

A euforia com a queda do comunismo, em 1989, já passou há muito tempo, e muitos novos problemas têm surgido. Por um lado, existe a antes desconhecida oportunidade de adquirir riqueza por meio de trabalho árduo. Por outro lado, existem a insegurança social, um aumento rápido da criminalidade, a inflação e outros fatores negativos que influenciam as relações humanas. O padrão de vida mais elevado promove o materialismo, a competitividade e a inveja. Muitos moradores das cidades possuem uma pequena casa no interior, onde gostam de ir passear. Um crescente número de pessoas vai ao estrangeiro passar férias dispendiosas. A recém-adquirida democracia tornou possível criticar qualquer coisa a qualquer hora. Abriu o caminho da propaganda sobre modos de vida imorais. Sob o comunismo, isso era inimaginável. As pessoas não estavam preparadas; a nova situação as surpreendeu e algumas foram vencidas por ela.

Esse espírito também afetou algumas Testemunhas de Jeová. Diversas deixaram de servir a Jeová por se envolverem num modo materialista de vida, dando atenção excessiva a atividades sociais, desviando-se das elevadas normas bíblicas do casamento ou passando a criticar tudo — inclusive os arranjos teocráticos de Jeová. Outros, que decidiram continuar na organização, tentaram modificar as congregações para se harmonizarem com o seu próprio modo de pensar. Naturalmente, isto causou tensão até ser remediado por superintendentes firmes.

Hoje, na República Tcheca, os que procuram servir a Deus notam que estão cercados por uma sociedade humana ateísta e orientada pela evolução. É uma sociedade em que a religião é encarada como tradição infantil ou excentricidade filosófica. Uma mídia agressiva constantemente ataca as Testemunhas de Jeová. Isto apresenta provas de fé tão penetrantes como as confrontadas nos crisóis das prisões nazistas e comunistas, e na tramóia dos que os usaram. A grande maioria das Testemunhas de Jeová mantém-se firme na fé em face dessas provas.

Apesar da atitude de muitos com respeito a assuntos religiosos, emitiu-se uma notável decisão jurídica na Corte Constitucional tcheca, na primavera de 1999. Um artigo publicado no jornal tcheco Lidové Noviny de 11 de março de 1999 noticiou: “Bom Senso se Espalha Desde Brno”, que é a sede da Corte Constitucional. A corte determinou que nenhum objetor de consciência podia ser julgado duas vezes por negar-se a prestar serviço militar. Isto resulta em certo alívio para um bom número de Testemunhas de Jeová. O resultado deste caso tem sido amplamente reconhecido como contribuição positiva das Testemunhas de Jeová para o sistema jurídico tcheco.

Impelidas pelo amor

As Testemunhas de Jeová na República Tcheca continuam a divulgar as boas novas do Reino de Deus entre seus vizinhos. Seu desejo é ajudar a muitos deles a conhecer nosso amoroso Deus, Jeová, e a reconhecer as maravilhosas provisões que ele fez para todos os que têm fé. No entanto, para contatá-los, as Testemunhas muitas vezes têm de vencer o preconceito deles — criado pelas calúnias muitas vezes repetidas — de que as Testemunhas de Jeová são “uma seita perigosa”. Podem também ter de vencer o sentimento de desprezo pela religião como um todo, resultante de terem estado por décadas sob um regime ateu. Estão conseguindo isso?

É digno de nota que em 1999, quando 16.054 Testemunhas de Jeová se reuniram nas suas 242 congregações para comemorar a morte de Jesus Cristo, outros milhares se juntaram a elas. A assistência total foi de 31.435 pessoas.

O desejo das Testemunhas de Jeová é ajudar a cada uma delas a correr com êxito e perseverança o caminho cristão. Ao pregarem em público, elas também se esforçam a ajudar-se mutuamente a continuar firmes na fé. Sabem muito bem o que Jesus disse ao descrever os acontecimentos nos nossos dias: “Pela perseverança da vossa parte adquirireis as vossas almas.” (Luc. 21:19) E o apóstolo Pedro foi inspirado a escrever: “Tem-se aproximado o fim de todas as coisas. Sede ajuizados, portanto, e sede vigilantes, visando as orações. Acima de tudo, tende intenso amor uns pelos outros.” (1 Ped. 4:7, 8) Este amor continua a impeli-las a transmitir as preciosas verdades bíblicas a outros e a manter sua indissolúvel união cristã.

[Destaque na página 165]

“Nunca lamentei ter ficado. Com o tempo, dei-me conta de que este era meu lugar”

[Destaque na página 168]

“‘Se querem fuzilar cada décimo, fuzilem a todos nós!’ O campo inteiro ficou abismado”

[Destaque na página 184]

‘Sofríamos zombaria e insulto, mas secretamente éramos respeitados’

[Destaque na página 187]

“Nenhum indício de transigência, mas de razoabilidade cristã!”

[Foto na página 153]

Irmão Erler, de Dresden

[Foto na página 155]

Otto Estelmann exibiu o “Fotodrama da Criação” em todo o país

[Foto na página 157]

Bohumil Müller

[Foto na página 167]

Božena Vodrážková aprendeu a verdade num campo de concentração

[Fotos na página 169]

František Šnajdr e Alois Miczek — os dois ficaram detidos no campo de concentração de Mauthausen

[Foto na página 173]

Muitos se reuniam para discursos públicos depois da Segunda Guerra Mundial

[Fotos na página 175]

A família de Betel e a sede depois da Segunda Guerra Mundial

[Foto na página 178]

Reunião numa floresta em 1949

[Foto na página 185]

Férias em grupo ofereciam oportunidades para edificação espiritual

[Foto na página 194]

Jaromír Leneček, membro da Comissão de Filial, zeloso no serviço desde a juventude

[Fotos na página 207]

Milton Henschel e Theodore Jaracz, bem como outros, esforçaram-se para conseguir o registro legal

[Foto na página 210]

Congressistas tchecos num congresso na Polônia, em 1989

[Fotos na página 216]

Congresso internacional em Praga, em 1991 — um acontecimento extraordinário

[Foto na página 218]

Equipe que traduz para o tcheco

[Foto na página 223]

Sede da congênere da Sociedade em Praga

[Foto na página 223]

Abaixo: Comissão de Filial (da esquerda para a direita): Jan Glückselig, Jaromír Leneček, Ondřej Kadlec, Petr Žitník e Eduard Sobička

[Foto de página inteira na página 148]

[Mapa na página 150]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

REPÚBLICA TCHECA

ALEMANHA

POLÔNIA

ÁUSTRIA

ESLOVÁQUIA

BOÊMIA

MORÁVIA

SILÉSIA

Praga

Liberec

Most

Brno

Lidice

Kladno

Karlovy Vary

Teplice