Pular para conteúdo

Pular para sumário

O leito oceânico revela seus segredos

O leito oceânico revela seus segredos

O leito oceânico revela seus segredos

PARA entender a importância daquilo que os pesquisadores do Alvin viram, precisamos aprender um pouco mais sobre a estrutura da Terra. Segundo se sabe, o solo sob os nossos pés é composto de uma camada rígida (chamada litosfera), assentada sobre uma massa de rochas derretidas que se desloca lentamente. Aparentemente, essa rígida camada externa tem em média uns 100 quilômetros de profundidade e corresponde a apenas 0,6% do volume do planeta. A parte mais externa dela, a crosta, é irregular, mais grossa sob os continentes e mais fina (com apenas uns 6 quilômetros) debaixo do sistema de cadeias mesoceânicas.

Além disso, essa sólida camada externa não é inteiriça, como a casca intacta de um ovo. Parece estar quebrada em várias placas grandes e rígidas, e em muitas outras menores, todas chamadas placas tectônicas. Elas formam os continentes e as bacias oceânicas. As placas se movem umas em relação às outras. Nos pontos em que se separam, elas se afinam e formam vales de fenda nas cadeias mesoceânicas. Mundialmente, as placas se deslocam em média uns três centímetros por ano.

De acordo com a teoria das placas tectônicas, à medida que se separam ao longo do sistema de cadeias, as placas permitem que as rochas incandescentes do manto, a região abaixo da crosta, aflorem no leito oceânico. O material quente forma uma nova crosta oceânica ao longo da zona do vale da fenda, mas isso não faz as placas se fundirem. Elas continuam a se separar, fazendo com que o sistema de vales de fenda se pareça a uma imensa ferida que nunca cicatriza.

Ao passo que numa das extremidades da placa, nas cadeias mesoceânicas, se formam camadas novas, a outra extremidade lentamente desliza para baixo da placa vizinha e mergulha no manto quente, onde é assimilada. O ponto onde uma placa desce sob outra é chamado de zona de subdução. As zonas de subdução contêm algumas das mais profundas fossas do mundo. A fossa das Marianas, na costa de Guam, no oceano Pacífico, por exemplo, tem uns 11.000 metros de profundidade. Se o monte Everest, a montanha mais alta em terra seca, fosse colocado dentro dessa fossa, seu cume ainda ficaria mais de 2.000 metros abaixo do nível do mar!

Um oásis . . . de toxinas!

Devido à sua natureza altamente instável e vulcânica, o sistema de cadeias mesoceânicas está coalhado de correntes de lava e chaminés hidrotermais. Essas últimas cospem uma mistura tóxica e superaquecida de água e minerais dissolvidos, proveniente do interior da Terra. Mas por incrível que pareça, esse ambiente inóspito, que além disso está sujeito a uma pressão centenas de vezes maior do que a encontrada ao nível do mar, não repele formas de vida, mas as atrai e em abundância. As centenas de espécies que vivem ali incluem bactérias, mariscos gigantes (de uns 30 centímetros de comprimento) e, os mais estranhos de todos, grupos de vermes tubulares com até 1,80 metro de altura ancorados firmemente no leito oceânico.

Quando trazidas à superfície, as criaturas que vivem junto às chaminés cheiram a ovo podre. O mau cheiro não se deve à decomposição, mas ao sulfeto de hidrogênio — um produto químico malcheiroso e extremamente venenoso, abundante nas chaminés hidrotermais. A água que sai das chaminés também é muito ácida e contém vários metais, como cobre, magnésio, ferro e zinco. Mas em vez de mal conseguirem sobreviver nesse ambiente — que já foi comparado a um depósito de lixo tóxico — os vermes tubulares e outras criaturas crescem e se desenvolvem ali. Como? Para entender, vamos examinar melhor o verme tubular.

Criaturas misteriosas

Ao examinar os vermes tubulares, os biólogos se depararam com criaturas misteriosas. Eles não têm boca nem sistema digestivo. Daí surgiu a pergunta: como é que eles comem e assimilam o alimento? Descobriu-se então algo impressionante: o sangue que circula pelo corpo e pelas plumas dos vermes é vermelho — não se trata de um fluido semelhante ao sangue, mas de sangue de verdade, rico em hemoglobina.

O mistério aumentou quando os biólogos abriram a bolsa flácida que forma o corpo do verme tubular. Cada porção de menos de 30 gramas de seus tecidos continha uma cultura de uns 285 bilhões de bactérias. Em 1980, uma estudante de biologia propôs a teoria de que o verme tubular vive em simbiose — uma relação em que duas espécies cooperam para o benefício mútuo. A pesquisa confirmou a hipótese levantada por ela, mostrando que os vermes tubulares são os hospedeiros que alimentam as bactérias e essas, por sua vez, alimentam os vermes.

Como se fossem guelras, as plumas do verme tubular recolhem os ingredientes, como oxigênio e carbono, de que as bactérias precisam para fabricar alimentos. As plumas se movimentam, não diretamente sobre a água fervente das chaminés, o que seria fatal, mas próximo ao ponto onde a água do mar (cuja temperatura chega perto do ponto de congelamento) e a água da chaminé se misturam. Naturalmente, esse processo de fabricação de alimentos exige energia. Na superfície da Terra — e nas camadas superiores do oceano — a luz do sol fornece energia para o crescimento da vegetação e, conseqüentemente, para a produção de alimentos. Mas a luz do sol não chega nem perto do lar abissal do verme tubular.

Energia proveniente do coração da Terra

O Criador providenciou engenhosamente que o interior do planeta fornecesse a energia necessária por meio das chaminés hidrotermais e do composto fétido que elas emitem: o sulfeto de hidrogênio. Como “luz do sol” para os organismos que vivem junto às chaminés, o sulfeto de hidrogênio fornece a energia de que as bactérias precisam para fabricar alimentos. De modo que as bactérias são as “plantas” do ecossistema das chaminés, porque estão na base da cadeia alimentar. *

A fim de juntar todas as substâncias químicas necessárias para as bactérias, o sangue dos vermes tubulares é composto de moléculas de hemoglobina 30 vezes maiores do que as do sangue humano. O sangue transporta essas substâncias químicas para as bactérias famintas e estas, por sua vez, produzem alimento para o verme tubular.

As chaminés: verdadeiros zoológicos

De fato, as criaturas que vivem junto às chaminés não passam fome, porque as bactérias estão por quase toda parte formando às vezes camadas de vários centímetros de espessura. Até nas águas quentes e turbulentas acima das chaminés, as bactérias às vezes se reúnem, formando uma verdadeira sopa viva que se assemelha à neve. Como os vermes tubulares, alguns animais vivem numa relação simbiótica com as bactérias, ao passo que outros apenas se alimentam desses microorganismos. Na verdade, os ecossistemas das chaminés são tão férteis e dinâmicos que são comparados aos mangues, às florestas tropicais e aos recifes de coral de águas rasas.

Prova disso são umas 300 espécies novas que já foram identificadas perto das chaminés. Elas incluem enormes mariscos e mexilhões brancos (num lugar onde a luz nunca chega, não é necessário ter pigmentação), polvos e vorazes caranguejos brancos que se deliciam com as delicadas plumas dos vermes tubulares. Para se protegerem, os vermes têm reflexos rápidos e instantaneamente retraem as plumas para dentro do tubo, onde é mais seguro.

Outras criaturas das chaminés são aranhas marinhas, caramujos, camarões, lapas, copépodes, peixes semelhantes a enguias que deslizam nas superfícies cobertas de bactérias e de enxofre, espécies menores de vermes tubulares e outros vermes. Entre os últimos encontramos os vermes-espaguete e os vermes-de-pompéia. Os vermes-espaguete têm um nome apropriado porque parecem punhados de espaguete branco espalhados sobre as rochas. O que torna os vermes-de-pompéia incomuns é a sua capacidade de tolerar temperaturas de até 80 °C. Naturalmente, as bactérias das chaminés, que recobrem os vermes-de-pompéia, também conseguem resistir a altas temperaturas. *

Uma luz misteriosa!

Em 1985, os cientistas ficaram surpresos quando encontraram perto das chaminés camarões com dois órgãos semelhantes a olhos, dotados de substâncias químicas fotossensíveis, mas sem cristalinos. Naturalmente, a primeira pergunta que lhes veio à mente foi: “O que esses animais poderiam ver num mundo de total escuridão?” Para descobrir isso, os pesquisadores usaram uma câmera digital extremamente sensível, como as usadas para fotografar a luz pálida de algumas estrelas. Apontaram a câmera para uma chaminé, desligaram todas as luzes e tiraram uma foto.

O resultado foi impressionante. A foto revelou “um brilho surpreendente, inequívoco, com uma borda claramente definida” no ponto onde o jato de água quente saía da chaminé, disse a cientista Cindy Lee Van Dover. Será que os camarões se aproveitam dessa luz misteriosa, invisível ao olho humano? Seja como for, a descoberta de que as chaminés hidrotermais brilham “abre um campo totalmente novo de pesquisa”, acrescenta Van Dover.

A maior e a menor

Em anos recentes, descobriu-se que um trecho rico em metano no leito oceânico abriga as maiores bactérias conhecidas pela ciência. Descobertas em 1997, essas criaturas gigantes, que parecem um colar de contas, são de 100 a 200 vezes mais compridas do que uma bactéria mediana. Elas também são comilonas: deixam apenas traços de sulfeto tóxico nos sedimentos, tornando assim a área segura para outras criaturas marinhas.

Recentemente, também foram descobertos sob o mar aqueles que podem ser os menores organismos vivos da Terra. Na verdade, eles foram localizados cinco quilômetros abaixo do leito oceânico! Uma reportagem em The New York Times descreve a descoberta, feita na costa da Austrália Ocidental, como “tão bizarra que iniciou um acalorado debate internacional”. O ponto principal em questão é se os nanóbios (assim chamados porque seu tamanho é medido em nanômetros, ou bilionésimos de metro) são ou não são organismos vivos. Eles se parecem com fungos, têm mais ou menos o mesmo tamanho dos vírus, têm DNA e parecem se reproduzir rapidamente, formando grandes colônias.

Ultimamente tem-se descoberto tantas formas de vida que muitos cientistas acreditam que a massa total de vida microbiana escondida dentro da crosta terrestre superior pode ser muito maior que a massa de todas as formas de vida na superfície. Essas descobertas estão provocando uma revolução nos conceitos científicos. Um cientista disse: “Nos últimos anos, os dogmas da microbiologia foram jogados pela janela. Essa ciência se redescobriu. É basicamente uma nova ciência.”

Mas não é só isso: essas descobertas momentosas nos ensinam algo que vai além da ciência. A Bíblia capta a essência disso: “As  . . . qualidades invisíveis [de Deus] são claramente vistas desde a criação do mundo em diante, porque são percebidas por meio das coisas feitas.” (Romanos 1:⁠20) Por exemplo, é evidente que Deus se preocupa muito com a limpeza. Percebe-se isso no fato de que as bactérias e outras criaturas marinhas digerem muitas substâncias potencialmente venenosas que vêm do interior da Terra bem como a matéria em decomposição vinda das regiões superiores do oceano. É óbvio que Deus se preocupa com a saúde do planeta e de todas as coisas vivas nele. Como veremos no próximo artigo, esse traço da personalidade do Criador é uma garantia de que todas as formas de vida terrestres terão um futuro maravilhoso.

[Nota(s) de rodapé]

^ parágrafo 14 O processo químico utilizado pelas bactérias das chaminés é chamado de quimiossíntese. Usa-se esse termo em contraste com a fotossíntese, o processo baseado em energia luminosa usado pela vegetação terrestre e pelo fitoplâncton. Este último é constituído de plantas e organismos semelhantes encontrados na camada superior do oceano, que recebe a luz do sol.

^ parágrafo 19 Nos anos 60, cientistas começaram a estudar as bactérias que gostam do calor encontradas nas fontes termais do Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos. Devido a esses “ecossistemas limítrofes”, diz o livro The Deep Hot Biosphere, “os cientistas pela primeira vez se deram conta do extraordinário talento das formas de vida aparentemente mais simples da Terra”.

[Quadro/Foto na página 7]

O que são chaminés hidrotermais?

Ao longo do sistema vulcânico de cadeias mesoceânicas, a água do mar se infiltra pelas rachaduras da crosta até chegar a pontos extremamente quentes. Ela fica então superaquecida, reage com as rochas e absorve diversas substâncias químicas. Fica também mais leve, sobe em direção ao leito oceânico e forma as chaminés hidrotermais — fontes hidrotermais ou gêiseres. “A força e o espetáculo que elas apresentam rivalizam com os de seus equivalentes em terra”, diz uma obra de referência.

Além disso, a temperatura dessas fontes encontradas no leito oceânico pode chegar a 400 °C — mais quente que chumbo derretido! Mas visto que está debaixo de quilômetros de oceano, o líquido superaquecido sofre uma pressão tão grande que não forma vapor. Surpreendentemente, a poucos milímetros desses jatos quentes, a temperatura ambiente do mar é, em geral, poucos graus acima do ponto de congelamento. A água das fontes esfria rapidamente e os minerais que ela contém se depositam no leito oceânico, formando montes e chaminés. Estas podem atingir 9 metros de altura. De fato, descobriu-se uma chaminé com 45 metros de altura e uns 10 metros de diâmetro — e ela ainda está crescendo!

As chaminés hidrotermais podem morrer ou ressurgir de tempos em tempos, o que torna muito incerta a subsistência dos seres que vivem ao seu redor. Mas algumas criaturas sobrevivem migrando para outras chaminés.

[Crédito]

P. Rona/OAR/National Undersea Research Program

[Quadro/Foto na página 10]

Gelo inflamável!

Na década de 70, cientistas que trabalhavam ao largo da costa da América do Norte descobriram depósitos de uma substância notável chamada hidrato de metano — uma combinação de água congelada com o inflamável gás metano. O metano é liberado pelos micróbios que vivem no lodo. Eles se alimentam de sedimentos de matéria orgânica proveniente das camadas oceânicas superiores. O gás se mistura então com a água, cuja temperatura está próxima do ponto de congelamento, formando cristais de hidrato de metano. Estes são como caixinhas de gelo que aprisionam metano em seu interior. Para que os cristais se formem, a água deve estar ligeiramente acima do ponto de congelamento e o leito oceânico deve estar a pelo menos 500 metros de profundidade. Quando existem essas condições, os cristais de hidrato de metano crescem, formando uma substância efervescente, semelhante à neve. Uma porção dessa substância trazida à superfície, por ser inflamável, pega fogo e produz uma chama avermelhada. No fim, tudo o que sobra é uma poça de água.

O hidrato de metano é uma enorme fonte de energia. Os cientistas calculam que no total os seus depósitos sejam cerca de duas vezes maiores do que as reservas de todos os outros combustíveis fósseis juntos! (Os combustíveis fósseis incluem o carvão, o petróleo e o gás natural, e todos eles têm o metano como componente primário.) Até o momento, porém, esse enorme recurso está fora de alcance porque o hidrato de metano se decompõe rapidamente quando é tirado do ambiente em que se forma.

Nos depósitos de hidrato de metano também existem chaminés, mas o líquido que jorra delas é frio, não quente como nas fontes termais do sistema de cadeias mesoceânicas. Porém, visto que emitem nuvens tóxicas de metano, sulfeto de hidrogênio e amônia, as chaminés nutrem grandes ecossistemas compostos de vermes tubulares, mariscos, bactérias devoradoras de substâncias químicas e muitas outras criaturas. Os resíduos químicos produzidos por essas bactérias devoradoras de metano levam à formação de calcário — a mesma substância inofensiva de que são feitos os corais. *

[Nota(s) de rodapé]

^ parágrafo 42 Quando oxidam o metano, as bactérias formam um composto chamado bicarbonato. Este se combina com íons de cálcio na água do mar, formando carbonato de cálcio, comumente conhecido como calcário. Pode-se encontrá-lo ao redor das fontes frias e das chaminés.

[Diagrama/Foto nas páginas 4, 5]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

Crosta terrestre

Manto (parcialmente fundido)

Fossa

Zona de subdução

Placa tectônica

Vale de fenda

Quando as placas se separam, formam-se vales de fenda

[Foto]

O sistema de cadeias mesoceânicas serpenteia ao redor do globo como a costura duma bola de tênis

[Crédito]

NOAA/Department of Commerce

[Mapa na página 7]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

Principais vales de fenda e fossas oceânicas

1. Fossa das Marianas

2. Crista do Pacífico Oriental

3. Fenda das Galápagos

4. Cadeia do Meio do Atlântico

[Crédito]

NOAA/Department of Commerce

[Foto na página 8]

Mexilhões

São encontrados a uma profundidade de 800 metros no Green Canyon, no golfo do México

[Crédito da foto]

J. Brooks/OAR/National Undersea Research Program

[Foto nas páginas 8, 9]

Vermes tubulares

Suas plumas delicadas contêm sangue rico em hemoglobina

[Crédito]

OAR/National Undersea Research Program

[Foto na página 9]

Caranguejos brancos

Em geral, essas criaturas se fartam de vermes tubulares

[Crédito]

I. MacDonald/OAR/National Undersea Research Program

[Foto na página 9]

Mariscos gigantes

Com até 30 centímetros de comprimento, foram encontrados a uma profundidade de 3 quilômetros

[Crédito]

A. Malahoff/OAR/National Undersea Research Program

Alguns mariscos foram trazidos à superfície

[Foto na página 9]

Alguns mariscos foram trazidos à superfície

[Crédito]

Foto de William R. Normark, USGS

[Foto na página 9]

Camarões

Alguns têm dois órgãos que parecem olhos. Mas o que podem ver se vivem em total escuridão?

[Crédito]

EMORY KRISTOF/NGS Image Collection

[Foto na página 11]

Nanóbios

As menores formas de vida da Terra?

[Crédito]

Dr. Philippa J. R. Uwins/Universidade de Queensland